FACULDADE DE TEOLOGIA
TESTEMUNHAS HOJE
CURSO LIVRE
APOLOGELICA
CONCEITO
GERAL DE APOLOGÉTICA
1.1.
Definição
A
apologética é a ciência ou disciplina racional que se esforça por apresentar a
defesa da fé religiosa, existindo dentro e fora da Igreja cristã. O termo é
usado em contraste com polêmica, que é um debate efetuado entre cristãos a fim
de determinar a verdadeira posição cristã sobre alguma questão específica.
Presumivelmente, a apologética aborda questões defendidas por alguma fé
religiosa específica, como o cristianismo, mas que são negadas pelos
incrédulos. No uso comum, a palavra é usualmente empregada para indicar a
defesa do cristianismo. Positivamente, a apologética tenta elaborar e defender
uma visão cristã de Deus, da alma e do mundo, uma visão apoiada por raciocínios
reputados capazes de convencer os não-cristãos da veracidade das doutrinas
envolvidas. Negativamente, trata-se de uni esforço para antecipar possíveis
pontos de ataque defendendo as doutrinas cristãs contra tais ataques. A palavra.
O termo vem do grego, apologia, “defesa”, uma resposta ao ataque (At 26.1; 1Pd
3.16). O famoso diálogo de Platão, a Apologia, expõe a defesa de Sócrates
diante de seus acusadores.
Base
bíblica. Alguns fazem oposição a qualquer defesa da fé cristã, supondo que o
conhecimento da verdade por meio da revelação é perfeito, e não requer qualquer
raciocínio humano em sua defesa. Porém, a idéia que a revelação, coada por
mentes humanas, é perfeita, capaz assim de produzir um perfeito corpo de
verdades conhecidas, não passa de um dogma formulado pelo homem, e não uma
doutrina da própria Bíblia. De fato, essa idéia é urna apologia em favor de um
dos modos de se obter conhecimento. Em qualquer instância em que algum
argumento é apresentado nas Escrituras, não diretamente alicerçado sobre algum
texto de prova, dentro da Bíblia, é uma apologia dentro dos livros sacros.
Tomemos como exemplo o primeiro capítulo da epístola aos Romanos. Paulo mostra
a culpa e a impossibilidade de defesa dos pagãos, diante da mente divina. Ele
erige uma apologia em favor de certas idéias básicas, e muitos capítulos das
epístolas de Paulo podem ser encarados por esse prisma.
Motivos
bíblicos em favor da apologética. 1) O trecho de 1Pd 3.15 faz esta declaração
direta. “... estando sempre preparados para responder a todo aquele que vos
pedir razão da esperança que há em vós”. Fica entendido que tal resposta
conterá raciocínios acerca da fé, e não apenas textos de prova extraídos da
Bíblia. 2) Segundo salientamos acima, no Novo Testamento há muita apologia, e
em certo sentido, o próprio volume sagrado é uma apologia em prol da nova
religião, em conflito com o antigo judaísmo e com o paganismo. O cristianismo
enfrentou um sistema helenizador, no qual a filosofia tinha grande peso. No décimo
sétimo capítulo de Atos, Paulo não hesitou em apelar diretamente à apologética,
utilizando argumentos filosóficos, procurando convencer os atenienses. O
evangelho de Lucas é uma apologia escrita para um oficial romano, a fim de
procurar conquistar posição oficial para a nova fé, fazendo assim estacar a
perseguição. “... para que tenhas plena certeza das verdades em que foste
instruído” (Lc 1.4). Essa era a certeza que Lucas procurou transmitir aos seus
leitores.
As
próprias denominações cristãs são atividades apologéticas. Alguns têm imaginado
que a apologia é uma espécie de “ausência de fé”, e não de defesa de fé. Tais
pessoas partem do pressuposto que a fé não precisa ser defendida. Mas com isso
olvidam-se que os homens interpretam a fé das mais variadas maneiras. Qual é a
fé que não precisa ser defendida? Se alguém retrucar que é a fé bíblica,
devemo-nos lembrar que as denominações que se utilizam a Bíblia como
autoritária estão longe de concordar com a natureza exata da fé que emerge das
páginas da Bíblia. Muito mais se verifica quando saímos para fora das
fronteiras da igreja cristã e conversamos com incrédulos bem-informados acerca
da “fé”. Eles têm informações suficientes para saber que tal fé, em qualquer
forma que ela assuma, tem tal forma precisamente por causa de uma apologia por
detrás da mesma que caracteriza alguma denominação particular. Cada denominação
tem sua própria apologia que dá forma às suas doutrinas e ao seu sistema, a
despeito da reivindicação de que aquilo que é exposto é apenas a fé bíblica.
Esses fatos não anulam nem a fé e nem a verdade, mas requerem uma cuidadosa
apologia a respeito da fé, examinando-a, definindo-a e promovendo-a. A natureza
do conhecimento força-nos a apelar para a apologética. O conhecimento não tem
uma única origem. Antes, pode ser adquirido por estes meios: 1) A observação
empírica, baseada nos sentidos; 2) a intuição, visto que o homem é um ser que
tem ciência, e que mesmo sem investigação sabe de certas coisas, tal como
sucede com Deus; 3) a razão, com a qual o homem foi dotado, pode penetrar em
enigmas e desencavar a verdade, à parte da experiência prática ou empírica
formal; 4) a revelação, que é conhecimento outorgado como dom de Deus. A
revelação é uma subcategoria do misticismo. Deus dá conhecimento por meio de
homens santos, através de visões, profecias, sonhos, etc. (experiência
mística), reduzidas à forma escrita, tornando-se um Livro Sagrado. Tudo isso se
sucede, mas o conhecimento é mais amplo do que isso, derivando-se de mais de
uma direção. Ademais, a razão e a intuição nunca cessam de examinar o
conhecimento que nos chega através da revelação, porquanto há revelações
incompletas, havendo até mesmo revelações que não são válidas. Em outras
palavras, na busca pela verdade, precisamos de muitas fontes, de muitos meios.
O fato de que o conhecimento chega até nós através de grande diversidade de
meios, demonstra a nossa necessidade de uma apologia mediante a qual possamos
testar, avaliar e defender a verdade. Ver os artigos separados como o
empirismo, a intuição, o racionalismo, o misticismo e conhecimento, fontes de.
O palácio do conhecimento tem multas portas e janelas através das quais as
informações entram e saem. Limitar esse palácio a uma única porta (a revelação,
e a fé baseada na revelação) é contar com unia casa muito estranha, de fato.
1.2.
Visão Histórica da Apologética
Deve-se
entender desde o princípio que a apologética necessariamente envolve o
investigador na filosofia, formal e erudita, ou popular e individualista. Assim
é que, quando alguém começa a apresentar um argumento baseado em raciocínio, já
está falando como um filósofo, quer queira quer não queira. Tertuliano conhecia
a filosofia, e usava argumentos filosóficos contra os filósofos incrédulos.
Portanto, ele era um filósofo que argumentava contra a filosofia. Porém, se
descrevermos pontos de vista históricos relativos à apologética, para todos os
propósitos práticos isso equivalerá a descrever aquilo que vários pais da
Igreja e cristãos posteriores pensavam sobre a filosofia. Quanto mais uma
pessoa distanciar-se da filosofia, menos valor dará à apologética, como uma
atividade legitima para os cristãos.
1) Tertuliano. Supunha que a filosofia é produto
da mente pagã, e conseqüentemente, inútil para defender a fé cristã. Isso
equivale a ignorar: a) a base bíblica da apologética; e b) que não há razão
pela qual não possa haver uma atividade filosófica cristã. Se a razão vem da
parte de Deus, e se alguém a usa de maneira sistemática, já estará agindo como
um filósofo, utilizando-se de um dom divinamente outorgado. Podemos evitar os
abusos. Houve pais latinos, como Arnóbio, Lactâncio e outros que seguiram a
idéia de Tertuliano.
2) Os pais alexandrinos. Clemente, Orígenes etc. Proposital e habilidosamente eles usavam a filosofia
platônica e estóica para dar à fé cristã uma expressão filosófica. A filosofia
pode aguçar os conceitos teológicos. Qualquer pessoa que tenha estudado
Filosofia pode usá-la para definir, aclarar e aprimorar seus conhecimentos
teológicos. Um teólogo que tenha estudado filosofia pode tornar-se um melhor
teólogo. Podemos evitar os abusos.
3) Agostinho ensinava que a filosofia é uma
criada útil que pode ser empregada em favor da fé religiosa, esclarecendo-a e
defendendo-a.
4) Tomás de Aquino foi um apologeta refinado. Sua
obra Suma contra Gentiles defendeu a fé cristã contra a maneira materialista e
não-espiritual como certos filósofos árabes (como Averróis), utilizavam a
filosofia de Aristóteles. A apologética de Tomás de Aquino foi tão bem-sucedida
que se transformou em uma força dominante durante séculos, na Igreja ocidental.
5) Os ataques desfechados por deístas e
racionalistas contra a fé cristã produziram apologetas modernos como o bispo
Joseph Butler, da Igreja anglicana. Sua famosa obra, Analogia da Religião, é urna
obra apologética.
6) Karl Barth e sua escola (início e meados do
século XX) tomaram uma posição negativa em relação à apologética, argumentando
que tal atividade reflete uma espécie de “falta de fé”, porquanto a fé não
requereria defesa, por não estar alicerçada sobre a razão humana e a filosofia.
Porém, ao expressar-se assim, Barth fazia a apologia de seu ponto de vista
particular do conhecimento e da fé. Muitas pessoas, outrossim, não tinham
certeza se a fé de Barth era adequada, ou representasse qualquer acúmulo
considerável de verdade, pelo que se tornou necessária toda a forma de
atividade apologética para esclarecer as coisas.
7) Rudolf Bultmann resolveu redefinir a kerigma
(pregação) do Novo Testamento, erigindo uma apologética elaborada a fim de
levar avante o seu propósito. Alguns pensam que ele chegou a ponto de querer
satisfazer todas as categorias do pensamento moderno, assim debilitando a
mensagem que vem mediante a revelação, ao admitir dúvidas demais e ao promover
revisões evidentemente desnecessárias.
Quando
a Igreja enfrenta os ataques dos ateus, dos agnósticas, dos empiristas
radicais, dos positivistas, dos relativistas, então torna-se mister que a
apologética continue sendo considerada um ramo da teologia cristã. Nunca é
bastante dizer “fé somente”, porque a própria fé é definida por uma atividade
apologética, consciente ou inconscientemente.
1.3.
Apologetas (Apologistas)
O
termo é usado para falar sobre aqueles pais da igreja cujas obras tiveram o
intuito de defender a fé e a Igreja cristã contra os ataques. Esses ataques
eram lançados pelo judaísmo, pelo paganismo, pelo estado, e também pela
filosofia grega de várias escolas. Como é óbvio, muitos cristãos subseqüentes e
contemporâneos podem ser chamados apologetas. Ver o artigo intitulado,
Apologética, onde isso é demonstrado sob o titulo: Visão histórica da
apologética. Mas, quando usamos as palavras “os apologetas”, estas indicam os
primeiros pais da Igreja que se atarefaram nessa atividade.
1) Temos a pregação de Pedro, proveniente do
século II d.C., de autor desconhecido, que defendeu o cristianismo diante do
judaísmo e do paganismo. Teve larga distribuição e tornou-se parte do livro de
Aristides (que descrevemos abaixo). Nesse livro, os crentes são denominados
“terceira raça”. Mas foram preservados apenas alguns fragmentos.
2) Mais ou menos da mesma época, temos o livro
chamado Quadratus, escrito em defesa do cristianismo contra os abusos do estado
romano. Foi apresentado ao imperador Adriano, na esperança de obter melhor
tratamento para os cristãos, por parte das autoridades romanas. O livro foi
escrito em Atenas, cerca de 125 d.C. Apenas uma sentença do mesmo foi
preservada para nós.
3) Aristides defendeu o cristianismo contra o
paganismo. Ele era ateniense e escreveu em cerca de 147 d.C. Sua apologia foi
endereçada ao imperador Antônio. A “raça” cristã é ali chamada de raça superior
e digna de tratamento humanitário. A obra desapareceu, excetuando uma tradução
siríaca e uma reprodução livre, no grego, no romance medieval de Barlaã e
Joasafe. A obra ataca as formas de adoração entre os caldeus, os gregos, os
egípcios e os judeus, exaltando o cristianismo acima dessas formas, tanto
quanto à própria adoração quanto à moral.
4) Justino Mártir. Sua apologia (escrita cerca
de 150 d.C.) foi endereçada a Adriano e a Marco Aurélio. Tomava a posição de
que a filosofia grega, apesar de útil, era incompleta, e que esse produto não
terminado é aperfeiçoado e suplantado em Cristo e Sua revelação. Para Justino,
o cristianismo era a verdadeira filosofia. A filosofia grega era encarada sob a
mesma luz que a lei judaica - precursora de algo superior.
5) Aristo, meados do século II d.C., de Pela, na
Peréia, escreveu um livro que não chegou até nós, mas que, de acordo com
Orígenes, mostrava que as profecias judaicas cumpriram-se em Jesus. Justino fez
uso dessa apologia em sua obra.
6) Atenágoras, fins do século II d.C., escreveu
contra o paganismo, o estado romano e a filosofia grega. Endereçou seu livro a
Marco Aurélio, esperando poder melhorar o tratamento conferido aos cristãos.
Essa obra incluía argumentos em prol da ressurreição dos mortos.
7) Taciano, discípulo de Justino Mártir, exibiu
considerável antagonismo contra a filosofia grega, em seus argumentos em prol
da superioridade do cristianismo.
8) Teófilo de Antioquia, que escreveu um pouco
mais tarde, seguiu o caminho trilhado por Taciano.
9) Minúcio Félix (fins do século II ou começo do
século III d.C.), em contraste com Taciano, procurou demonstrar que os cristãos são os melhores
filósofos; quando os filósofos são bons, parecem-se mais com os cristãos.
10) Tertuliano (falecido no século III d.C.) atacou
a filosofia com argumentos filosóficos, e os filósofos nunca o perdoaram por
esse motivo. Ele atacou a substância e o espírito da filosofia grega, bem como
o gnosticismo e o paganismo em geral. Considerava a filosofia produto da mente
pagã, julgando-a inútil como apoio à fé. Exaltava a fé na revelação, mas falhou
quando não percebeu que a fé e a filosofia devem ser sujeitas à pesquisa da razão,
a fim de que o falso seja separado do verdadeiro, e que o verdadeiro seja mais
bem compreendido.
11) Irineu, bem como seu discípulo, Hipólito,
defendeu o cristianismo contra os gn6sticos, muito poderosos na sua época. Ver
o artigo sobre o gnosticismo. Sua obra principal nessa linha foi Contra as
Heresias (cerca de 180 d.C.). O original grego se perdeu, excetuando
fragmentos, preservados nos escritos de Hipólito, Eusébio e Epifânio. Todavia,
a obra foi preservada inteira em uma tradução latina. Trata-se da mais completa
declaração acerca das fantasias gnósticas. Sua exposição pode ser chamada de
primei -a exposição sistemática das crenças cristãs. Irineu foi um dos mais
influentes cristãos da Igreja antenicena.
12) Arnóbio (300 d.C.) tinha a filosofia e a razão
humana em baixo conceito. Atacou a idéia platônica da preexistência da alma e
defendeu o criacionismo (ver o artigo a respeito). Sua obra principal é
Adversus Gentes.
13) Lactâncio e Eusébio de Cesárea (III e IV
séculos da era cristã) deram continuação à tradição apologética, exaltando o
cristianismo em face do paganismo e do judaísmo. Eusébio foi um origenista da
segunda geração, decidido aderente da teologia filosófica do Logos, embora
tivesse várias idéias não-ortodoxas acerca da divindade de Cristo. Sua
principal contribuição é a sua História Eclesiástica. Suas obras apologéticas,
embora de menor valor, encontraram lugar na história literária cristã. (B C E
EP P).
1.4.
Escolas Históricas
No
decurso da história cristã, a apologética tem adotado vários estilos.
Poderíamos dividi-los em duas classes gerais: a subjetiva e a objetiva.
1.4.1.
A Escola Subjetiva
Esta
inclui grandes pensadores. tais como Lutero. Pascal. Lessing. Kierkgaard.
Brunner e Barth. Geralmente
expressam a dúvida de que o descrente possa ser “levado a crer através de
argumentos”. Ressaltam pelo contrário, a experiência pessoal impar da graça, o
encontro interior e subjetivo com Deus. Tais pensadores raramente têm reverente
temor da sabedoria humana. Mas, pelo contrário, de modo geral rejeitam a
filosofia tradicional e a lógica clássica. e ressaltam o trans-racional e o
paradoxal. Pouco lhes importa a teologia natural e as provas teístas,
principalmente porque sentem que o pecado cegou de tal maneira os olhos do
homem que o seu raciocínio não pode funcionar de modo apropriado. Segundo a
metáfora de Lutero, a razão é uma meretriz.
Pensadores
da escola subjetiva apreciam fortemente o problema da averiguação. Lessing
falou em nome de muitos deles quando ressaltou que “as verdades acidentais da
história nunca poderão se tornar à prova de verdades necessárias da razão”. O
problema de se passar de fatos contingentes (isto é, possivelmente falsos) da
história para a certeza religiosa interior profunda tem sido chamado “o fosso
de Lessing”.
Kierkegaard
queixou-se de que a verdade histórica é incomparável a uma decisão eterna,
apaixonada. A passagem da história para a certeza religiosa é um “salto” de uma
dimensão para outro tipo de realidade. Disse que toda a apologética tem a
simples intenção de tornar plausível o cristianismo. Mas tais provas são vãs.
porque “defender alguma coisa sempre é desacreditá-la”.
Mesmo
assim, apesar de todo o seu antiintelectualismo, Kierkegaard ainda tinha um
tipo de apologética para o cristianismo, defesa esta que foi desenvolvida por
estranho que pareça do próprio absurdo da afirmação cristã.
O
próprio fato de que alguma pessoa ter crido que Deus apareceu na terra na
figura humilde de um homem é tão estarrecedor que fornece uma ocasião para outras pessoas compartilharem da fé.
Nenhum outro movimento já sugeriu que baseamos a felicidade dos seres humanos
no seu relacionamento com um evento que ocorreu na história. Kierkegaard acha,
portanto, que semelhante idéia “não subiu ao coração de homem algum”.
Até
mesmo Pascal que desconsiderava as provas metafísicas da existência da Deus e
preferia as “razões do coração”, chegou por fim, a fazer uma defesa
interessante da fé cristã. Nas suas “Pensées” recomendou a religião bíblica por
ter ela um conceito profundo da natureza do homem. A maioria das religiões e
filosofias ou ratifica o orgulho estulto do homem, ou o condena ao desespero.
Somente o cristianismo estabelece a verdadeira grandeza do homem através da
doutrina da imagem de Deus, ao passo que, ao mesmo tempo, explica suas
presentes tendências malignas através da doutrina da queda.
E
somos informados de que, a despeito do Nein! enérgico proferido por ele, há uma
apologética adormecida debaixo de milhões de palavras na obra Church Dogmatics
(“Dogmática Eclesiástica”). de Karl Barth.
1.4.2.
A Escola Objetiva
Esta
coloca o problema da averiguação claramente no âmbito dos fatos objetivos.
Enfatiza as realidades externas - as provas teístas, os milagres, as profecias, a Bíblia e a
pessoa de Jesus Cristo. Existe, no entanto, uma distinção crucial entre duas
escolas dentro do campo objetivista.
1.4.2.1.
A Escola da Teologia Natural
Entre
todos os grupos, este adota a visão mais animada da razão humana. Inclui
pensadores tais como Tomás de Aquino, Joseph Butler. F. R. Tennant, e William
Paley. Por trás de todos estes pensadores há uma tradição empírica na filosofia
que remonta até Aristóteles. Tais pensadores crêem no pecado original, mas
raras vezes questionam a competência básica da razão na filosofia. É possível
que o raciocínio tenha sido enfraquecido pela queda, mas, por certo, não foi
gravemente aleijado.
Aquino
procurava pontos de concordância entre a filosofia e a religião, insistindo em
que a existência de Deus podia ser demonstrada pela razão, mas que também era
revelada nas Escrituras. Empregava. nas suas provas da existência de Deus, três
versões do argumento cosmológico e o argumento teleológico.
Na
sua Analogy of Religion (“Analogia da
Religião”) [1736], Butler usou a abordagem tomista básica, mas a diluiu um
pouco com sua ênfase na probabilidade.,“o próprio guia da vida”. Desta maneira,
desenvolveu uma epistemologia muito próxima da atitude pragmática do cientista.
Butler argumentou que a clareza geométrica tem pouco lugar nas esferas da moral
e da religião. Se alguém ficar ofendido pela ênfase dada à probabilidade, que simplesmente
reflita no fato de que a maior parte da vida é baseada nela. O homem raramente
lida com verdades absolutas e demonstrativas.
Apologistas
desta escola sempre têm uma abordagem ingênua e simplista às evidências a favor
do cristianismo. Acham que uma apresentação simples e direta dos fatos
(milagres, profecias) bastará para persuadir o descrente.
1.4.2.2.
A Escola da Revelação
Esta
inclui gigantes da fé, tais como Agostinho, Calvino, Abraão Kuyper e E. J.
Carnell. Estes pensadores geralmente reconhecem que as evidências objetivas (os
milagres, as provas da existência de Deus, as profecias) são importantes na
tarefa apologética, mas insistem em que o homem não-regenerado não pode ser convertido meramente pelo fato de
ser exposto às provas, porque o pecado enfraqueceu gravemente o raciocínio
humano. Será necessário um ato especial do Espírito Santo para permitir que as
evidências sejam eficazes.
Não
se deve tirar desta idéia a conclusão de que a escola da revelação considera
sem valor as evidências externas. Pelo contrário, a obra do Espírito pressupõe
a Bíblia e o Jesus Cristo histórico, ambos externos. Embora a fé seja, em
grande medida, algo criado pelo Espírito Santo, permanece a verdade de que não
se pode tê-la à parte dos fatos. Resumindo: o Espírito Santo é a causa
suficiente da fé, ao passo que os fatos são uma causa necessária da fé.
A
escola da revelação, portanto, extrai sua percepção tanto da escola subjetiva
quanto da escola da teologia natural. Da primeira, adquirem uma desconfiança da
razão não regenerada, e da segunda, uma apreciação apropriada do papel dos
fatos na fé cristã. Conforme disse Lutero: “Antes da fé e do conhecimento de
Deus, a razão é trevas, mas nos crentes
é um instrumento excelente. Assim como todos os dons e os instrumentos da
natureza são maus nos ímpios, assim também são bons nos crentes”.
Por
estranho que pareça, as duas escolas objetivistas usam o mesmo corpo de
evidências quando praticam a apologética: simplesmente têm diferenças de
opiniões sobre como e quando as provas convencem o descrente. No decurso dos
séculos, apologistas cristãos da escola objetivista têm usado um vasto
material: (1) Provas teístas - os argumentos ontológico, cosmológico,
teleológico e moral. (2) Profecias do A.T. – predições a respeito do Messias
judeu cumpridas em Cristo, tais como Is 9.6; Mq 5.1-3; e Zc 9.9-10. (3)
Milagres bíblicos - sinais do poder de Deus que ocorrem em agrupamentos grandes
nas Escrituras, sendo que os dois maiores se centralizam no Êxodo e na vinda de
Cristo. (4) A pessoa de Cristo - a personalidade e caráter incomparáveis de
Cristo, ilustrados por Seu amor e solicitude por pessoas de todos os tipos,
especialmente os proscritos. (5) Os ensinos de Cristo - as doutrinas sem igual,
os belos ditos e parábolas de Jesus. (6) A ressurreição de Cristo - o maior
milagre das Escrituras, o alicerce de todo o edifício da apologética. (7) A
história da cristandade - a influência benigna da fé cristã sobre a raça
humana.
1.5.
A Natureza do Antigo Testamento
Não
obstante ser a Bíblia o livro mais vendido no mundo inteiro, nem por isso todo
povo tem perfeito conhecimento dela, muito especialmente no Brasil. Lida pelos
pregadores e mesmo pelos crentes, dela se valendo muitos para reforçar as suas
opiniões em matéria de moral e mesmo filosofia, ainda assim se pensa que a
Bíblia é livro para ser interpretado por especialistas em matéria de exegese.
Este ponto de vista e especialmente verdadeiro quanto ao Antigo Testamento. Até
certo ponto, são responsáveis por tais idéias os intérpretes
inexperientes, que procuram colocar o Antigo Testamento dentro do Novo ou
vice-versa, ignorando a situação histórica de cada parte. Se o A.T. é apenas o Novo em
hieróglifos, então é muito mais fácil ler apenas o Novo Testamento e desprezar
o Antigo. Qualquer estudo feito à margem da história do Antigo Testamento é a
mesma coisa que lhe tirar a vida e formar um esqueleto.
Muitos
dos críticos têm dado sua contribuição a esta maneira de entender o Antigo
Testamento e de criar uma antipatia de todo desnecessária. Muitos
deles decompuseram-no em pedaços, como se estivessem fazendo um estudo
anatômico, tirando-lhe toda a conexão histórica e destruindo a
verdade ou relegando-a a um plano de segunda categoria. Um grande escritor disse: “eles começaram com
um canivete e terminaram com um machado; ou como outro afirmou”: “eles foram
atiçados pelas fascinantes cavilações da vaidade humana.” Todavia, valiosa
contribuição foi feita ao estudo do Antigo Testamento no sentido de que é
impossível interpretar uma passagem deslocada do seu lugar e do sentido
histórico; e o estudo destes críticos tem sido feito de tal modo que todo o
peso e o valor das verdades espirituais foram totalmente negligenciados. A sua
ênfase evolucionista levou-os à convicção de que apenas pequenas porções do
Antigo Testamento são dignas de estudo: as dos profetas do oitavo século antes
de Cristo, quando o Antigo Testamento alcançou o seu ponto culminante.
Entretanto, para os escritores do Novo Testamento, o Antigo tinha outro valor
muito diferente. Não se detiveram apenas nos livros do Antigo Testamento que
mais se aproximavam dos ensinos de Jesus, mas contemplaram a história dos
hebreus no seu todo, culminando com a revelação de Deus ao Israel espiritual,
por meio da encarnação do Filho. Em
Jesus mesmo encontramos essa atitude. Ele sempre considerou as Escrituras como
um todo e nunca como uma compilação.
Outros,
por sua vez, diminuem o Antigo Testamento, quando o comparam com o Novo
Testamento. Afirmam que, sendo o Novo Testamento o cumprimento do Antigo, o
estudo das Escrituras judaicas é de pequena valia. Tal opinião é tão estulta como
a do estudante que imaginasse começar o seu estudo da linguagem do Antigo
Testamento numa classe de Hebraico adiantado, na suposição de que somente num
estudo avançado é que se pode compreender a revelação completa. A verdade é
que, para se compreender o hebraico, tem de se passar pelo vale preliminar da
iniciação desta língua. Do mesmo modo, os que pretendem entender o Novo
Testamento ignorando o Antigo são passíveis de penalidades, pelas injustiças e
incompreensões de suas interpretações. Tal atitude tem levado muitos eruditos a
interpretar o Novo Testamento segundo a literatura e pensamento gregos, ignorando
ou pretendendo ignorar o conceito e a natureza hebraica, que lhe deram origem.
Esta tem sido a característica feição da história do pensamento cristão. Nos
últimos anos, entretanto, a maior ênfase da erudição neotestamentária tem sido
posta na unidade essencial da Bíblia. Como um escritor muito bem disse: “Nenhum
progresso ou compreensão do cristianismo primitivo será possível, a menos que a
arca da exegese do Novo Testamento seja reconduzida de sua má troca nas terras
dos filisteus ao porto seguro das Escrituras clássicas do Antigo Testamento, à
Lei e aos Profetas.” Contrariamente, o Antigo Testamento não deve ser estudado
independente do Novo, porque é este que abre a porta de muitos
mistérios do Antigo Testamento, inclusive do plano e propósito
que presidiram a sua revelação.
Talvez
a maior dificuldade que uma pessoa que deseja compreender o Antigo Testamento
encontre seja justamente a inadequada compreensão de sua literatura. O meio
pelo qual os escritores comunicaram os seus pensamentos foi a linguagem. A arte de falar é a principal
bênção pela qual as idéias de uma pessoa podem ser comunicadas a outra. A
linguagem, por sua vez, tem suas formas definidas, as quais levam consigo suas
leis e seus modos de interpretação. Se um escritor bíblico usou um tipo
particular de literatura, o seu pensamento deve ser interpretado de acordo com
as leis universais da linguagem, daquele modo de expressão. A menos que uma
pessoa seja capaz de determinar se certa passagem é uma ousada imaginação
poética ou apenas prosaica declaração de um fato científico, a sua
interpretação deve, necessariamente, ser precária. Se tal fato não puder ser devidamente
determinado, o significado da passagem deve permanecer em dúvida.
Uma
vista de olhos à Bíblia em português revelará que bem pouco auxílio poderá
obter um leitor para descobrir o tipo de literatura de uma passagem
qualquer. Se abrirmos a Bíblia em
qualquer ponto, verificaremos que ela foi arbitrariamente dividida em capítulos,
livros e versos. Não compreendendo que os capítulos e versos foram colocados
para facilitar a leitura, o leitor comum concluirá que aquelas divisões sempre
fizeram parte da Bíblia, sabendo nós, entretanto, que o original não tinha nem
capítulos nem versos. Certamente tais coisas ajudam a compreender as
Escrituras, mas a literatura sagrada sofreu muito por causa de tal
desmembramento. Imagine-se o que aconteceria se os poemas de Tennison fossem
editados em capítulos e versos, sem qualquer consideração para com o arranjo
original. Entretanto, foi justamente isto que aconteceu com a Bíblia.
Há
alguns que consideram o estudo literário das Escrituras como desaconselhável,
como se a admiração da beleza de uma flor prejudicasse a apreciação do seu
admirável odor. Antes de qualquer coisa
poder ser admirada, deve ser capaz de atrair. O manejo teológico das Escrituras
tem destruído muito da sua beleza e atração. Necessitamos renovar a apreciação
da beleza das narrativas bíblicas, porque
isso é o mesmo que abrir a porta à realização da revelação fundamental.
É uma tragédia da moderna civilização que os estudantes dos colégios e
universidades tenham sido ensinados a apreciar as belezas e sublimidades das
obras de Byron e Shakespeare, Browning e outros e tenham permanecido
inteiramente ignorantes da grandeza e magnitude da maior literatura que o mundo
já conheceu, só porque esta se encontra na Bíblia. Se tal literatura estivesse
em qualquer outro livro, o mundo inteiro se curvaria ante ela.
1.6.
Princípios de Interpretação
A
discussão precedente deu ênfase a certos métodos que o estudante deve seguir na
interpretação do Antigo Testamento, quer seja uma passagem quer seja o seu
todo. O estudo deve ser feito com todo o cuidado. Ao tentar interpretar uma
passagem ou descobrir a significação de um trecho das Escrituras hebraicas,
devem determinar-se os seguintes pontos, expostos na ordem de sua importância.
1) A posição histórica do escritor. Isto inclui
a história da época e as condições sociais e religiosas prevalecentes. Tanto
quanto possível, deve-se conhecer a vida particular do autor e, se possível, os
seus antecedentes.
2) A língua original em que o autor se
expressou. É impossível traduzir uma língua noutra, porque toda tradução
implica numa interpretação. O conhecimento do hebraico é essencial a quem
quiser uma exposição sadia do Antigo Testamento. No caso de não se poder obter
tal conhecimento, o estudante deve munir-se dos melhores comentários possíveis
sobre o texto hebraico.
3) O contexto da passagem. Os escritores
sagrados não escreveram cada versículo no vácuo, mas certamente seguiram a
lógica e a razão, passando de um verso a outro.
Cada versículo deve relacionar-se com os outros, de que faz parte. Cada passagem deve ser estudada à luz que o
livro mesmo oferece; e cada livro deve ser examinado com todos os demais, em
sua relação com a revelação progressiva do Antigo Testamento.
4) A natureza da literatura. Como foi sugerido
na seção anterior, o tipo de literatura em estudo é da maior importância para a
boa compreensão de uma determinada passagem do Antigo Testamento.
5) As relações existentes com o seu futuro
cumprimento. O estudo crítico do Antigo Testamento, com a sua ênfase sobre a
história apenas, tem levado muitos a contentarem-se com esta conclusão. Nem Jesus nem os escritores do Novo
Testamento procederam dessa forma. Assim
como a vida de um homem torna explícita as suas tendências da infância, o Novo
Testamento revela as verdades escondidas no Antigo. Muitas verdades, que nem os próprios autores
nem os expositores judaicos descobriram em muitas declarações do Antigo
Testamento, só se tornaram claras em Jesus Cristo. Deve-se
ter todo o cuidado para não ler numa passagem do V.T. os ensinos que só o Novo
contem; não obstante, deve ficar claro que Jesus é a chave do bom entendimento
dos sonhos dos profetas. Portanto, deve-se determinar primeiro o que a passagem
teria significado para o escritor e para a sua geração. Depois, procurar saber
que relação terá com o plano eterno de Deus, que o próprio escritor talvez não
compreendesse mas que agora, para os que vivem na plenitude da luz da
revelação, é claro.
1.7.
Línguas Originais
Todo
o Novo Testamento se encontra em grego, qualquer que tenha sido o possível
original de Mateus, Tiago e outros escritores neotestamentários. O Antigo
Testamento foi escrito por homens que falaram e escreveram hebraico. O hebraico
é a língua original do Antigo Testamento, exceto 6 capítulos em Daniel
(2.4-7.28); mais ou menos três de Esdras (4.8-6.18; 7.12-16), e um verso em
Jeremias (10.11). Todos estes capítulos
se encontram em aramaico, língua irmã do hebraico. Se qualquer pessoa desejar
ler toda a Bíblia no original, deve aprender grego, hebraico e aramaico.
1.8.
Estado do Texto Hebraico
Durante
mais de dois mil anos, os judeus tiveram o encargo de preservarem as suas
Escrituras Sagradas, e devemos dizer que eles foram extremamente zelosos em
conservar-lhes a pureza original. Nenhum esforço e sacrifício mesmo foram
poupados para que o sagrado texto fosse mantido incorruptível. A isto deve-se
adicionar que, por mais de uma vez, as Sagradas Escrituras estiveram em grande
perigo. Antíoco Epifânio (cerca de 167 a .C.) queimou todas as cópias de
manuscritos que pode encontrar. Durante o terrível cerco de Jerusalém pelos
romanos, em 70 a .D.,
muitos outros foram também destruídos. Não obstante o zelo e cuidado na
conservação e pureza do texto, admite-se que alguns erros tivessem sido
cometidos na transcrição dos manuscritos antes da época de Esdras e seus
escribas. Como se sabe, os manuscritos antigos eram copiados à mão e não
haveria cuidado que bastasse para evitar um ou outro erro. Todavia, podemos dizer que nenhum manuscrito
clássico apresenta a pureza que nos dão os manuscritos sagrados. Sabemos que os
manuscritos, depois de copiados, eram submetidos a uma revisão rigorosa, para
os escoimar de qualquer engano intencional.
O
manuscrito completo mais antigo que possuímos da Bíblia hebraica data do ano 1000 a .C. mais ou menos, mas
alguns dos manuscritos que possuímos são do século quarto da nossa era,
escritos em grego.
Existem alguns fragmentos de manuscritos em grego e hebraico
datados do século segundo. Recentemente, foi descoberto um manuscrito completo
de Isaías em hebraico, cuja data está sendo fixada entre 200 a .C. e 100 a .C.
O
texto Massorético moderno, com as suas muitíssimas e variadas citações e
diferentes leituras, tudo isto posto à margem, é uma indicação da necessidade
da crítica textual do V. Testamento. S. Baer e Franz Delitzch, de tempo em
tempo e por mais de vinte anos, publicaram, em parte, uma edição do texto
Massorético e C. D. Ginsburg é o autor de uma publicação completa do mesmo
texto. Kittel, por sua vez, publicou uma edição completa da Bíblia hebraica. As
notas de rodapé que ele apresentou falam bastante do estado do antigo texto nas
versões antigas e sobre as opiniões dos críticos modernos. Esta e a melhor edição da Bíblia hebraica
para estudo crítico.
Os
antigos hebreus escreviam sem vogais. Este era o texto usado nas sinagogas, em
forma de rolos. Mais ou menos no sexto
século A.D. (acreditam alguns que fosse no oitavo), o atual sistema de
pontuação do texto, chamado de vogais, foi inventado pelos escribas Massoretas,
e as cópias das Escrituras, desde essa época, vêm todas acompanhadas dessa
pontuação. As Bíblias hebraicas modernas
seguem o sistema palestínico de pontuação, usando vogais ou pontos acima das
letras, no centro e embaixo. O sistema
babilônico era superlinear. A ausência
de vogais deu margem a muita ambigüidade, depois que o hebraico deixou de ser
língua falada, e por isso mesmo foram inventados estes sinais. A Septuaginta oferece-nos bastantes
evidências de que o texto era lido e entendido de modos diferentes, ao tempo em
que foi feita (cerca de 280 a .C).
1.9.
Divisões do Antigo Testamento
A
divisão que os judeus fazem do Antigo Testamento compreende três partes:
1) A Lei: os cinco livros de Moisés. Esta parte sempre foi a mais altamente
distinguida pelos judeus e considerada como o fundamento da Bíblia.
2) Os Profetas: (1) Os primeiros profetas -
Josué, Juizes, Samuel e Reis; e (2) os últimos profetas - Jeremias, Ezequiel,
Isaías e os doze profetas menores.
3) Os Escritos (Hagiógrafos), compreendendo: (1)
Os Livros Poéticos: Salmos, Provérbios, Jó; e (2) os Cinco Rolos: Cânticos,
Rute, Lamentações, Eclesiastes e Ester. (3) Daniel, Esdras, Neemias e
Crônicas. A maneira de contar os livros,
por parte dos judeus, também nos oferece algumas diferenças. Contando Esdras e
Neemias como um livro, e os doze profetas como um também, faziam eles o seu
Cânon de 24 livros. Reunindo Juízes e Rute, Lamentações e Jeremias, faziam 22
livros, justamente o número das letras do seu alfabeto. O livro de Daniel, que
se encontra na terceira parte, e, portanto, entre os chamados Escritos, não foi
considerado profético. Pensam uns que o livro é mais história que profecia e o
seu autor foi mais político que profeta. Outros acham que, sendo um livro
apocalíptico e histórico, ficaria melhor entre os Hagiógrafos. É certo que os críticos têm outra opinião,
para explicar a colocação deste profeta entre os livros da terceira coleção.
Dizem eles que o Daniel que escreveu este livro não foi o Daniel caldeu e sim
outro Daniel, talvez do tempo dos Macabeus, e como o Cânon já estaria fechado a
este tempo, foi o livro apenas adicionado a terceira parte. Esta maneira de interpretar a posição do livro
de Daniel não parece correta, pois os judeus sempre consideraram este livro
como produto do Daniel da Caldéia, e a opinião dos judeus deve valer mais que o
dos críticos modernos, que pouco sabem das coisas daqueles dias.
1.10.
Sumário da História do Cânon do Antigo Testamento
Ao
examinarmos as evidências a respeito da inclusão de um livro entre os
considerados sagrados pelos judeus, devemos observar as três divisões em que se
agrupa a Bíblia Hebraica, como já
notamos acima. A Lei, por sua própria natureza e antiguidade, deveria ocupar o
primeiro lugar. Quando ela foi considerada como divina instituição, não
sabemos. Sabemos, sim, que Moisés
recebeu de Deus a maior parte do material nela contido, e que este material foi
desde logo considerado autorizado. Alguns profetas, especialmente Oséias e
Amós, pertencentes no oitavo século, revelam-se familiares com os ensinos do
Pentateuco, e quando o Deuteronômio foi encontrado no templo, por ocasião da
reforma de Josias, foi também considerado divinamente inspirado, pelo povo e
pelo rei, isto em 621 a .C.
Ao
tempo de Esdras e Neemias (cerca de 400 a .C.), a Lei tinha aceitação universal como
livro inspirado entre os judeus. Certamente, deve ter sido assim considerado por
muitos anos ou Séculos antes, mas não temos informações diretas a respeito
disso, pelas seguintes razões:
1) O Pentateuco Samaritano data do cisma
realizado por ocasião da reconstrução da cidade de Jerusalém, quando, ao que se
acredita, foi levado para lá pelo renegado Sambalate. Logo, devia ser
considerado como Escritura, muito tempo antes. Os samaritanos sustentam datar
de 722 a .C.;
os críticos, porém, negam-lhe esta idade, por considerações da natureza do
manuscrito. Todavia, mesmo que o manuscrito do Pentateuco Samaritano seja de
data posterior, nada impede que o texto seja muito mais antigo.
2) A Lei foi lida por Esdras, desde a alva ate.
ao meio-dia; isto não deve ser entendido no sentido de apenas um dia de sol
(Neem. 8:3). Esta leitura não importou na sua canonização, como querem fazer
entender alguns críticos, mas apenas levou o povo a reafirmar a sua fidelidade
a Lei dos seus pais. Por causa de sua infidelidade a esta mesma Lei e que eles
tinham sido levados em
cativeiro. E , agora que se preparavam para recomeçar a sua
história, convinha que se dessem conta da sua importância na vida nacional.
3) Os escritos pós-exílicos, durante e depois de
Esdras, todos se referem à Lei, com especial reverência (Ml 4.4). Concluímos
que a Lei era há muitos anos considerada canônica, e a sua inobservância tinha
dado causa aos sofrimentos do povo.
Os
Profetas deviam ter sido o segundo grupo de livros a ser aceito como
divinamente inspirado. No prólogo ao Eclesiástico, Jesus Ben Siraque (cerca de 132 a .C.) escreve que os
judeus tinham já três divisões na sua Bíblia Hebraica: a Lei, os Profetas e os
outros livros. No mesmo livro de Eclesiástico, Jesus Ben Siraque, o avô (cerca
de 180 a .C.),
menciona Jeremias, Isaías, Ezequiel e os doze Profetas Menores, e dá evidências
de que o Cânon já estava fechado naquela época. Muito naturalmente os profetas
individualmente, desde há muito, tinham sido considerados inspirados, o mesmo
se podendo dizer dos demais livros que receberam a sua aceitação pelo povo,
como inspirados, em virtude da função dos seus autores. Assim temos provas de
que, como Cânon, a Bíblia Hebraica estava completa no ano 180 a .C. Quantos anos ou
séculos antes teria ela sido assim considerada, não sabemos.
Os
Escritos ou Hagiógrafos foram o último grupo de livros a ser aprovado como um
todo. A referência definida de Jesus Ben
Siraque (avô) a “outros livros” indica isso perfeitamente. A inclusão de
qualquer livro nesta seção, nesta época ou mesmo posteriormente, não significa
que ele fosse escrito depois, porque bem poderia até estar escrito há muito.
1.11.
Quando foi concluída a terceira parte da Bíblia hebraica?
As
referências que temos em Macabeus, Josefo e em o Novo Testamento
indicam que Jesus e os apóstolos possuíam o Antigo Testamento substancialmente,
como nós o temos hoje. A data da versão dos LXX pode esclarecer este assunto;
todavia acreditam alguns que ela não foi terminada antes do ano 100 antes de
Cristo ou mesmo mais tarde.
Não
há qualquer evidência de que os livros Apócrifos, que aparecem na Vulgata
Latina, tivessem sido incluídos na coleção sagrada dos judeus. Jerônimo mesmo,
que fez a versão, nega esta validade.
O
estudante deve notar que, até ao primeiro século da era cristã, não havia
qualquer corpo organizado com o encargo de determinar quais os livros que
deviam ou não deviam ser sagrados. Não
há qualquer evidência de que já alguma vez existisse tal grupo de homens. O
Concílio de Jânia (A.D. 90, 118), composto de eruditos judeus, não determinou a
extensão do Cânon hebraico, como pretendem certos críticos. O que eles
discutiram foi a respeito de certos livros que já se encontravam lá, e esta
discussão não versou sobre a autoria de alguns livros que se achavam no Cânon.
Discutir a autoria de um livro e a canonicidade do mesmo livro são assuntos
fundamentalmente diferentes. O mundo inteiro deu a sua aprovação ao Cânon
hebraico muitos séculos antes de os críticos começarem a discutir tais
assuntos. Livros após livro foram aceitos pelo povo como inspirados, dentre
dezenas de outros que assim não foram considerados, e a base para esta
aceitação (de uns) e rejeição (de outros) teria dependido do caráter dos mesmos
livros e seus autores, relacionados com a passada revelação divina. Deus mesmo
deve ter tido a sua parte nesta seleção,
como a teve em tantos outros assuntos, de modo que a formação do Cânon
hebraico e neotestamentário não foi um processo histórico propriamente dito,
mas um ato divino, quer na chamada dos seus autores quer na seleção dentre
muitos outros livros existentes.
1.12.
A Infalibilidade dos Autógrafos Originais
Precisamos,
como próximo passo, levantar a pergunta: que tipo de registro este há de ser?
Um contendo erros de vários tipos, ou um registro livre de qualquer erro? Se
esta revelação escrita contém erros, então dificilmente poderá cumprir seu
próprio propósito, o de transmitir aos homens de maneira digna de confiança, a
vontade de Deus para a sua salvação. Por que é assim? Porque um erro comprovado
numa parte faz surgir à possibilidade de haver erros em outras partes da
Bíblia, sob exame, acaba sendo uma mistura de verdade e erro, então fica sendo
um livro como qualquer outro.
Sem
dúvida, há verdades em todos os demais documentos religiosos conhecidos aos
homens: o Alcorão, os Vedas, os Upanichades, os Analetas, a Ilíada e a
Odisséia, muito embora que esta verdade possa coexistir com uma abundância de
erros. O que se deve fazer com livros deste tipo, que contêm verdades e erros?
A única coisa que se pode fazer é sujeitá-lo à faculdade crítica do raciocínio
humano. Dentro dos seus limites apropriados, bem entendido, o poder de
raciocínio do ser humano tem uma função legítima e necessária em aquilatar as
evidências apresentadas nestes documentos, para descobrir se são consistentes
com a alegada origem divina. Neste caso, é uma questão de reconhecer a
identidade daquilo que se apresenta como sendo uma revelação, averiguando se é
a palavra de Deus ou não. O raciocínio humano é competente, aplicando-se as
regras de contradições internas e os demais cânones da lógica, para julgar as
evidências, para determinar se os próprios textos e os dados ali registrados se
condizem com as reivindicações da sua origem divina.
Mas
é coisa bem diferente quando o raciocínio humano quer emitir seu julgamento
sobre a revelação divina como tal, para
determinar sua veracidade ou falsidade. Tais julgamentos só poderiam ser
válidos se quem julga possui um conhecimento de verdade metafísica que é
superior aquele da própria revelação. Noutras palavras, o homem precisaria
saber mais sobre Deus e a alma e valores espirituais se quisesse emitir um
Juízo válido quanto às verdades da Bíblia. Mas isto obviamente não é o caso,
conforme foi indicado previamente, e por isto mesmo, o homem depende totalmente
da revelação divina para receber este conhecimento tão importante. Por este
motivo, a única maneira pela qual esta revelação pode chegar ao homem numa
forma que possa ser empregada e merecedora de confiança, sem ter que depender
da exatidão do julgamento humano tão falível, seria como revelação infalível. Senão,
não poderia cumprir seu propósito de ser s manifestação, digna de confiança, da
verdade divina.
1.12.1.
A Transmissão do Texto não é
Necessariamente Infalível
Neste
ponto precisamos fazer uma distinção. A infalibilidade (ou a isenção de todo
erro) só se reivindica necessariamente para os manuscritos originais (os
autógrafos) dos livros bíblicos. Forçosamente, eram isentos de todo e qualquer
erro, se não, não poderiam ter sido inspirados por Deus, o Deus da verdade,
pois n'Ele não há treva nenhuma. Deus nunca poderia ter inspirado um autor
humano das Escrituras escrever algo errado ou falso.
Mas,
que se pode dizer do texto da Bíblia, conforme o possuímos agora? Será que o
texto é necessariamente livre de todos os erros, de qualquer tipo? Não quando se
trata de erros de copistas, pois realmente descobrimos discrepâncias entre as
cópias manuscritas que têm entre aquelas que datam dos primeiros séculos.
Alguns erros de pena decerto se introduziram nas primeiras cópias feitas dos
manuscritos originais, e erros adicionais típicos da transmissão do texto
conseguiram entrar nas cópias das cópias. É quase inevitável que isto tenha
sido o caso. Não há nenhum homem que pode sentar-se e copiar o texto de um
livro inteiro sem surgir algum erro de algum tipo. (Quem duvida desta
declaração, pode fazer a experiência!). Seria nada menos do que um milagre,
garantir a infalibilidade da cópia de um manuscrito original. Aceitando-se o
fato que erros se infiltram em nossos textos conforme os temos em mãos, como
podem servir como meio certeiro de desvendar a vontade de Deus? Será que não
voltamos ao problema dos livros que contêm uma mistura de verdade e de erro? De
modo nenhum, pois há uma grande diferença entre um documento que era errado
desde o princípio, e um documento que começou correto mas que depois foi
erroneamente copiado. Qualquer pessoa pode ler uma carta de um amigo ou
parente, e achar nele errinhos comuns como “em” no lugar de “um”, “por” no
lugar de “para”, e pode, por meio de um processo simples de correção à luz do
contexto, facilmente chegar ao verdadeiro sentido daquilo que o autor queria
dizer. Só se os erros que entraram no texto são tão sérios que pervertem
totalmente o sentido, é que a mensagem desvia-se da verdade. Mas se a carta
chegou da parte de um correspondente, que estava confuso, errado ou desejando
iludir, então os erros e as falsas informações que contém seriam irremediáveis,
e o leitor seria prejudicado por ela.
Isto
levanta a questão da fidelidade da transmissão do texto bíblico. Há numerosos
tipos de erros de manuscrito que o crítico textual pode descobrir nos
manuscritos antigos do Antigo Testamento. (Estes serão discutidos no capítulo
quatro). Eles são de natureza tão séria que corrompem a própria mensagem,
impossibilitando-a de transmitir o verdadeiro significado? Se são, então o
propósito de Deus foi frustrado: não conseguiu transmitir Sua revelação de tal
maneira que pessoas de gerações posteriores pudessem compreendê-la
corretamente. Se não exerceu Sua influência restritiva sobre os escribas que
escreveram as cópias normativas e autorativas das Escrituras, então corromperam
e falsificaram a mensagem. Se a mensagem foi falsificada, o propósito inteiro
de doar humanidade uma revelação escrita deu em nada, pois Escrituras assim
corrompidas seriam uma mera mistura de verdade e de erro, necessariamente
sujeitas a julgamentos humanos (quando, de fato, devem julgar o homem).
Temos
alguma evidência objetiva que Deus não
tenha permitido que os erros da transmissão do texto tenham corrompido e
pervertido sua revelação? Sim, temos, pois um estudo cuidadoso das variações
(ou leituras diferentes) dos vários manuscritos mais antigos, revela que
nenhuma delas afeta uma única doutrina das Escrituras. O sistema de verdades
espirituais, contido no texto geralmente aceito do antigo Testamento em
hebraico, não se altera nem se compromete por nenhuma das variações que têm
sido achadas nos manuscritos hebraicos de data mais antiga que foram
descobertos nas cavernas do Mar Morto ou em outros lugares. Para averiguar
isto, basta examinar o registro das variações bem atestadas que constam na
edição de Rudolfo Kittel da Bíblia hebraica. É
muito evidente que a vasta maioria delas são tão insignificantes que o
sentido da doutrina de cada frase não sofreu qualquer efeito.
Deve
ser claramente entendido que neste respeito o Antigo Testamento é diferente de
qualquer outra obra literária antes da era cristã sobre as quais temos notícia.
É verdade que normalmente não possuímos tantos manuscritos diferentes de
produções pagãs, vindos de épocas tão separadas no tempo, como é o caso do
Antigo Testamento. Mas quando temos muitos manuscritos, como é o caso do Livro
dos Mortos, do Egito, então as variações são de natureza mais extensiva e
séria. Diferenças bem marcantes aparecem, por exemplo, entre o capítulo 15 no
Papiro de Ani, escrito durante a 18ª Dinastia, e o Papiro de Turino, da 26ª
Dinastia ou posteriormente. Cláusulas inteiras são inseridas ou omitidas, e o
sentido, em colunas correspondentes do texto, em certos casos é inteiramente
diferente. Se não houvesse a superintendência divina da transmissão do texto
hebraico, não há nenhum motivo específico de não haver semelhantes
discrepâncias e mudanças entre os manuscritos hebraicos que têm séculos de
diferença entre eles. Posto que as duas cópias de Isaías descobertas na Cayerna
N° 1 de Qumran, perto do Mar Morto, em 1947 eram mil anos mais antigas do que o
mais antigo manuscrito datado, previamente conhecido (980 d.C.), foi constatado
que eram idênticos, palavra por palavra, à nossa conhecida Bíblia hebraica, em
mais do que 95% do texto. As variações, em 5%, consistem mormente de óbvios
erros de pena e variações na ortografia. Mesmo aqueles fragmentos de
Deuteronômio e de Samuel achados perto do Mar Morto, que apontam para uma outra
família de manuscritos do que aquela que subjaz nosso texto hebraico aceito,
não indicam qualquer diferença em doutrina ou em ensinamentos. Não
afetam a mensagem da revelação de maneira nenhuma.
1.13.
A Doutrina da Inspiração Afirmada pelas Próprias Escrituras
Reivindica
a Bíblia infalibilidade para si mesma? Às vezes tem sido levantado o argumento
de que as próprias Escrituras não reivindicam sua própria infalibilidade. Mas a
investigação cuidadosa demonstra que quando o assunto é ventilado, assevera-se
o fato de sua absoluta autoridade como sendo a infalível Palavra de Deus.
Mateus
5.18: “Porque em Verdade vos digo: At que o céu e a terra passem, nem um i (a
letra menor do alfabeto hebraico) ou um til (um traço que faz a distinção entre certas letras hebraicas) jamais passará
da lei (isto é, o Antigo Testamento) até que tudo se cumpra” - palavras de
Cristo. Isto indica que não somente os pensamentos transmitidos pelas
Escrituras, mas as próprias palavras individuais, como veículos válidos destes pensamentos,
e conforme sua própria soletração, são dotadas de verdade infalível, e
seguramente serão cumpridas e realizadas.
João
10.35: “... e a Escritura não pode falhar”, tem as mesmas implicações do
versículo supra citado.
2
Timóteo 3.16: “Toda Escritura é inspirada por Deus (theopneustos) e útil para o
ensino”. Do contexto do Novo Testamento pode ser facilmente estabelecido que a
palavra “escritura” (graphe) se refere ao Cânon inteiro dos trinta e nove
livros do Antigo Testamento, conforme hoje os temos em mãos. 2 Pedro 3.18 dá a
entender que as Epístolas neotestamentárias de Paulo também gozam da mesma
situação de Escrituras inspiradas (graphai).
Hebreus
1.1, 2: “Havendo Deus... falado... pelos profetas... falou-nos pelo Filho”.
Estas palavras reivindicam para os escritos dos profetas do Antigo Testamento a
mesma infalibilidade que pertence às mensagens do próprio Cristo, registradas
no Novo Testamento.
1
Pedro 1.10, 11: “Foi a respeito desta
salvação que os profetas (do Antigo Testamento) indagaram e inquiriram, os
quais profetizaram acerca da graça a vós outros destinada, investigando
atentamente qual a ocasião ou quais as circunstâncias oportunas, indicadas pelo
Espírito de Cristo, que neles estava, ao dar de antemão testemunho sobre os
sofrimentos referentes a Cristo, e sobre as glórias que os seguiriam”. Está
implícito aqui que o Espírito Santo estava nos autores do Antigo Testamento, e
que Ele os guiou para que compusessem palavras de verdade infalível cujo
cumprimento era garantido, ainda que os autores humanos não entendessem
plenamente tudo aquilo que as palavras divinamente orientadas realmente
significassem. Por causa de versículos como estes, precisamos, ao interpretar as Escrituras, procurar
estabelecer não somente a intenção do autor humano que escreveu as palavras,
mas também (e mais importante) a intenção
do Autor divino que orientou a composição das mesmas.
2
Pedro 1.21: “Nunca jamais qualquer profecia (as Escrituras proféticas do Antigo
Testamento) foi dada por vontade humana, entretanto homens falaram da parte de
Deus movidos (literalmente, levadas adiante, como a nau é vela é levada pelos
ventos) pelo Espírito Santo”. Naquilo que falavam (conforme está registrado por
escrito), estes autores do Antigo Testamento que profetizavam sobre Cristo,
foram “levados pela correnteza” à verdade infalível, verdade que não se podia
sujeitar a mera interpretação particular (v. 20).
Todas
essas passagens vão formando a doutrina da inspiração: que a exatidão é
inerente em cada parte do Antigo Testamento e também do Novo Testamento, de
maneira que, como um todo, e em todas as suas partes, a Bíblia é infalível
quanto à sua verdade, e final quanto à sua autoridade. Esta exatidão se estende
até assuntos de história e de ciência, e não só à teologia e à ética. Alguns
estudiosos, tais como Henry P. Smith e Charles A. Briggs, procuram fazer uma
distinção entre estes dois tipos de verdade, dando vazão a possibilidade de
haver falsidade inerente em assuntos de mera história ou ciência. Há duas
objeções fatais a esta posição. Em primeiro lugar, o Novo Testamento não admite
semelhante distinção: a historicidade de Adão e Eva se implica em 1 Timóteo
2.13, 14, (senão, o comentário de Paulo seria totalmente irrelevante), como
também em 1 Coríntios 11.8, 9; a experiência literal de Jonas, que ficou três
dias no estômago do peixe grande é absolutamente essencial, se tem que servir
como analogia verídica dos três dias que Cristo passou no túmulo, Mt 12.40. É
impossível rejeitar a historicidade destes dois episódios cuja veracidade tem
sido freqüentemente contestada, sem rejeitar a autoridade do Cristo dos
Evangelhos e do Apóstolo Paulo nas Epístolas. Em segundo lugar, nem sempre e
passível fazer uma nítida separação entre teologia e ética, e entre história e
ciência. Há casos cruciais que envolvem ambos estes tipos de verdade, como é o
caso do Adão literal e histórico (pois o
argumento teológico inteiro de Rm 5.14-19 depende da doutrina de ser Adão o pai
da raça humana inteira). Não se pode conceder a presença de erros em matéria de
história e de ciência sem acabar aceitando que há falsidade em matéria de
doutrina.
2 - Antiguidade
2.1.
Os Seis Dias da Criação e a Idade do Mundo
Uma
leitura superficial de Gênesis cap. 1 deixaria a impressão que o processo
inteiro da criação levou seis dias de vinte e quatro horas cada. Se esta
tivesse sido a verdadeira intenção do autor hebreu (dedução questionável,
conforme será demonstrado a seguir), 0estaria em contradição com a pesquisa
científica moderna, que indica que o planeta terra foi criado há vários bilhões
de anos. No século dezenove, a evidência principal em favor desta extrema
antiguidade (que era, porém, computada como sendo muito menos do que é
atualmente) achava-se no ritmo pelo qual a sedimentação de água é depositada em
tempos modernos. No Golfo do México, a sedimentação se deposita na média de
alguns poucos centímetros ao ano; mas camadas sedimentadas chegando até 9.000 metros foram
achadas, indicando uma passagem de bem mais do que 100.000 anos. Isto seria
válido como argumento só pela hipótese uniformitariana, ou seja, que as forças
naturais de erosão, sedimentarão e ação magmática (ou vulcânica) têm operado
nas eras antigas exatamente da mesma maneira que hoje se verifica.
Uniformitarianismo tem sido vigorosamente desafiado por algumas autoridades,
por causa da evidência dada pelo metamorfismo termodinâmico com violentas
inclinações e torções que aparecem em muitas montanhas, e em regiões que são ou
eram montanhosas. A aparição de fósseis, muitos deles deixados por espécies de
animais que não sobrevivem, nestes extratos sedimentados, servia como um tipo
de relógio de tempo, fortalecendo-se assim a impressão de a terra ser bastante
antiga. A maioria dos fósseis
representava gêneros que tinham
desaparecido muito tempo antes da acumulação dos extratos mais recentes, e,
portanto, não poderiam ter sido destruídos por uma catástrofe única como era o
dilúvio de Noé. (As espécies numerosas de plantas e animais que viviam nos
mares, e que foram achadas em forma fossilizada, estas especialmente teriam
resistido aos efeitos do Dilúvio, a não ser que a súbita mistura de água
salgada com água fresca explicaria sua extinção).
O
conhecimento de física nuclear, cuja expansão recente trouxe a lume um novo
tipo de evidência, isto é, o processo de decomposição dos minerais radioativos,
parece confirmar a grande antiguidade da terra. Segundo os cálculos dos
físicos, o urânio 238 passará, no decurso de quatro bilhões e meio de anos, por
18 estágios intermediários de decomposição (tório 234 etc.), até chegar a
chumbo 206, que é um mineral estável e não é mais passível de decomposição
através da radioatividade. O rubídio 87 demora sessenta bilhões de anos até se
transformar pela decomposição em estrôncio 87. Fazendo um cálculo da proporção
do produto derivado à proporção do depósito radioativo original, é possível
estimar a idade da amostra examinada.
Os
geocronologistas mais recentes aperfeiçoaram técnicas que eliminam, em grande
parte, os fatores possíveis de erro (tais como a presença do mineral derivado
já na época na qual o próprio isótopo radioativo foi depositado, ou também o
derrame de porções da amostra por causa da atuação aquática sub-terrestre).
Preferem utilizar dois ou três isótopos radioativos diferentes, quando se podem
achar no mesmo depósito, para assim averiguar a exatidão dos resultados
computados de cada amostra em decomposição. O método Carbono 14 é mais
conhecido ao público em
geral. Todas as plantas e todos os animais recebem nos seus
tecidos uma certa quantidade de carbono 14 (um produto da decomposição do
nitrogênio sob o impacto dos raios cósmicos da atmosfera superior). Depois da
morte da planta ou do animal, não pode absolver mais deste carbono 14, e aquele
tanto que já tem no seu sistema paulatinamente se decompõe pela radioatividade,
até formar nitrogênio 14. Este processo se desenvolve mais rapidamente, porém,
num período de apenas 5.580 anos, e por este motivo é inútil datar depósitos
tendo 30.000 anos; ou mais de idade?
Será
que um intervalo de tempo tão enorme (cinco bilhões de anos ou mais, de acordo
com certas estimativas - feitas, é claro, dentro da hipótese uniformista) pode
ser reconciliado com os seis dias da criação, segundo Gênesis 1? Isto depende
inteiramente da interpretação da palavra hebraica yõm (“dia”). Há três teorias
alternativas atualmente defendidas pelos estudiosos bíblicos, quanto a estes
“dias”.
1) A palavra “yõm” representa um dia literal de
vinte e quatro horas, e Gn 1.3-2.3 nos dá um relatório duma semana literal na
qual Deus completamente restaurou do caos uma criação (registrada em Gn 1.1)
que tinha sofrido uma catástrofe (possivelmente na época na qual Satanás e seus
anjos foram expulsos da presença de Deus). Apoio para esta interpretação tem
sido alegadamente descoberto em Is 45.18 quando se 1ê que Deus não criou a
terra “em vão” ou “para ser um caos” (o heb. Bõhu é a mesma palavra “vazia” de
Gn 1.2). Daí, Gn 1.1 deve indicar uma criação completa e perfeita anterior ao
estado caótico mencionado em Gn 1.2, pois esta é a única conclusão que se pode
tirar de Is 45.18 quando se interpreta assim. (Mas esta interpretação encontra
a dificuldade que bõhu em 45.19 significa claramente “em vão”). Pode ser notado
quanto a este assunto, que o verbo “era” em Gn 1.2 pode razoavelmente ser
traduzido “veio a ser”, a frase sendo
interpretada: “E a terra veio a ser sem forma e vazia”. Só uma catástrofe
cósmica poderia explicar a introdução da confusão caótica na perfeição original
da criação de Deus. Esta interpretação é sustentável pelas leis da exegese, mas
se confronta com duas dificuldades principais.
(a)
Esta interpretação
significaria que a plena grandiosidade da criação original recebe apenas uma
descrição que se reduz a estas palavras: “No princípio criou Deus os céus e a
terra”. Em seguida, toda a atenção se dedica a uma reconstrução da ordem do
mundo recentemente perturbada, e acontecimentos de há cinco ou seis mil anos;
(b)
Significaria também
que o inspirado Livro das Origens não teria nada para dizer acerca da ordem do
processo criativo, nem sequer sobre coisa alguma que pertence à geologia. Não
haveria mais necessidade de harmonizar a geologia com o Gênesis, pois tratam -
segundo esta interpretação - de assuntos inteiramente diferentes.
Talvez
seja conveniente mencionar aqui que certos defensores desta teoria muitas vezes
a enfeitaram com especulações altamente questionáveis quanto à posição original
de Satanás, presidindo o culto a Yahweh num Éden pré-catastrófico, embelezado
com árvores carregadas com jóias (comparando o “príncipe de Tiro” de Ez cap. 28
com o próprio Satanás). Jeremias 4.23-26 também tem sido enquadrado nesta
teoria da catástrofe, por conter a expressão tõhu wabhõhu (“sem forma e vazia”)
achada também em Gn 1.2. Explicando as coisas assim, indica que antes da
catástrofe existiam cidades e homens, que foram destruídos algum tempo entre Gn
1.1 e 1.2 (embora Jr 4.23-26 aparentemente descreva uma cena profética duma
catástrofe vindoura). Estes “enfeites” são incluídos no livro de G.H. Pember
Earth’s Earliest Ages – “As Épocas mais Antigas da Terra” (primeira edição
1876), embora não façam parte essencial da teoria da catástrofe, naturalmente.
2) Yõm representa um dia na revelação. Isto é,
em seis dias literais, ou possivelmente numa visão que representava a Moisés o
drama inteiro da criação em seis dias visionários, Deus descreveu ao seu
profeta o mistério de como fizera a criação, e as etapas pelas quais cumpriu a
obra. Estes estágios não representam necessariamente uma seqüência estritamente
cronológica (sendo que a narrativa da criação dos corpos celestes é adiada até
o quarto dia, depois da criação da vegetação que precisa da luz do sol para sua
subsistência). Em parte, são cronológicos, e em parte, tópicos. Isto quer
dizer, as várias etapas ou fases de criação são apresentadas segundo uma ordem
lógica, em relação ao observador humano na terra. É, portanto, mais 1ógico
descrever em primeiro lugar a superfície
da terra na qual o observador ficaria em pé, antes de apresentar o sol e a lua
que brilham sobre a terra e regulam as estações.
Esta
interpretação é talvez sustentável sem abrir mão da infalibilidade da narrativa
bíblica. Mas se confronta com uma dificuldade séria (entre outras), que não há
a mínima sugestão no texto de Gênesis 1 que seja uma visão que está sendo
descrita. Lê-se como uma narrativa singela e direta: No princípio Deus criou os
céus e a terra; no primeiro “dia” criou a lua; no segundo dia, separou as águas
em superiores e inferiores, e assim por diante. Sendo que a criação inicial
mencionada em Gn 1:1 parece que não é incluída no primeiro “dia” da revelação,
pergunta-se se esta parte foi incluída na suposta visão concebida a Moisés, ou
se isto foi concedido de maneira não-visional. De qualquer maneira, se Gênesis
cap. 1 foi apenas uma visão (representando, naturalmente, os verdadeiros fatos
da história original) então quase qualquer outra narrativa nas Escrituras pode
ser interpretada como sendo uma visão - especialmente se refere a algo que não
seria naturalmente passível de observação a um investigador humano ou historiador
humano.
3) Yõm representa uma era geológica eu estágio
no processo criativo. Esta foi a
explicação à qual recorreram os geólogos do século dezenove que respeitavam a
autoridade da Bíblia, notavelmente J.W. Dawson (e.g., The Origin of the World
According to Revelation and Science, - “A Origem do Mundo Segundo a Revelação e
a Ciência” - 1877) e James Dana (Manual of Geology, 1875). Segundo este ponto
de vista o termo yõm não significa um dia literal de vinte e quatro horas, mas
é o equivalente de “estágio”. Tem sido freqüentemente asseverado que yõm não
pode sustentar esta interpretação, e que significa um dia literal para a
mentalidade hebréia e segundo o uso da língua. Mesmo assim, na base da
evidência interna, é convicção do presente escritor que yõm em Gênesis 1 não
foi empregado pelo autor hebreu com a intenção de descrever um dia literal de
vinte e quatro horas.
Em
primeiro lugar, yõm aparentemente é empregado em Gn 2.4 para se referir ao
processo criativo inteiro que, no capitulo anterior, foi descrito em “seis
dias”: “Esta é a gênese dos céus e da terra quando foram criados, quando o
SENHOR Deus os criou” (o segundo “quando” traduz a expressão hebraica “no dia
que”). Sendo que os estágios da criação acabam de ser descritos, é legítimo
inferir que aqui “dia” quer dizer o processo inteiro desde o primeiro “dia” até
ao sexto. Em segundo lugar, Gn 1.27 declara que, depois de criar todos os
animais terrestres no sexto dia, Deus criou o homem, tanto o macho como a
fêmea. Então, na descrição mais detalhada em Gn cap. 2, informa-se que Deus
criou Adão primeiro, e lhe deu a responsabilidade de cuidar do jardim do Éden
por um certo período de tempo, até que se tornou aparente a solidão do homem.
Então Deus deu a Adão a companhia dos animais da terra, com a oportunidade de
dar nomes a todos eles. Adão ainda se sentia só, e criou-lhe uma esposa humana
tirando dele uma costela, durante um “sono profundo”. Finalmente, trouxe Eva
perante Adão e apresentou-a a ele como companheira para sua vida. Quem poderia
imaginar que todas estas transações pudessem ter sido efetuadas num período de
120 minutos do sexto dia (ou até dentro das vinte e quatro horas)? Mesmo assim,
Gn 1.27 declara que tanto Adão como Eva foram criados no último dia da criação.
É óbvio que os “dias” do primeiro capítulo representam estágios de duração
indeterminada, e não dias literais de vinte e quatro horas.
Quanto
à objeção de que os “dias” de Gênesis cap. 1 se representam como tendo uma
“manhã” e uma “tarde”, e portanto, precisam ser interpretados como sendo
literais, pode se responder que a fórmula “tarde e manhã” indica somente que o
termo “dia”, apesar de ser símbolo dum estágio geológico, é usado no sentido do
ciclo de vinte e quatro horas mais do que no sentido de “dia” em contraste com
“noite” (como, por exemplo, “dia” em 1:5a). Ao se tratar deste assunto, deve
ser mencionado que as referências em o Novo Testamento
que Cristo permaneceu no túmulo “três dias e três noites”, se explicam como
sendo o equivalente de “durante um
período de três dias, dos de vinte e quatro horas”, e não três dias (de luz do
dia) mais três noites. Em outras palavras, Jesus morreu cerca de 15 horas na
sexta-feira (uma parte do primeiro, dia dos de vinte e quatro horas),
permaneceu no túmulo no sábado, e ressuscitou no domingo (no decurso dum
terceiro dia dos de vinte e quatro horas). Já que esta expressão em Gênesis 1,
“tarde e manhã, aparece como sendo a maneira hebraica de indicar dias de vinte
e quatro horas, era um procedimento lógico chamar três dias deste tipo “três
dias e três noites”. (Assim evitamos as dificuldades encontradas pelas pessoas
que querem sustentar uma teoria duma crucificação na quarta-feira, contraindo
toda a evidência insuperável de que o fato ocorreu numa sexta-feira).
A
teoria “época = dia”, pois, explica os seis dias da criação como sendo uma
indicação do esboço geral da obra criadora de Deus, na formação da terra e dos
seus habitantes, até o surgimento de Adão e Eva. Geólogos modernos concordam
com Gênesis 1 nos seguintes detalhes: (a) A terra começou sua história numa
forma confusa e caótica, que subseqüentemente cedeu lugar a um estado mate
ordeiro. (b) Surgiram as condições apropriadas à manutenção da vida: a
separação do vapor espesso que cercava a terra em nuvens em cima e rios e mares
em baixo, com o ciclo de evaporação e precipitação, e também com a penetração
da 1uz do sol, que ia aumentando (sendo que a anterior criação é sugerida pelo
primeiro dos mandamentos verbais: “Haja luz!”) na superfície da terra, para
onde ia chegando. (c) A separação da terra do mar (ou a emergência da terra por
cima do nível das águas, que ia se abaixando) precedia a aparição da vida sobre
o solo. (d) A vida vegetal já tinha surgido antes da primeira emergência da
vida animal no período cambriano. Quanto a isto, a verdade é que todos os filos
invertebrados aparecem ao mesmo tempo de maneira marcadamente súbita nos
estratos cambrianos, sem a mínima indicação nos depósitos pré-cambrianos de
como estes vários filos, classes e ordens (representados por nada menos do que
5.000 espécies) possam ter-se desenvolvido. (e) Tanto o Livro de Gênesis como a
geologia concordam que as formas mais singelas apareceram em primeiro lugar, e
só posteriormente as mais complexas. (f) Ambos concordam em dizer que a raça
humana tenha surgido como último e mais alto produto do processo da criação.
Sendo
assim, a seqüência apresentada nas narrativas harmoniza suas linhas gerais com
aquela indicada pelos dados geológicos. É verdade que o registro da criação do
sol, da lua e das estrelas no quarto dia não corresponde à evidência de todo
conclusiva que o planeta Terra tenha surgido depois da criação do sol. Mas
desde que a criação da luz no primeiro “dia” indica a anterior existência do
sol mesmo na narrativa mosaica, devemos entender, baseados na exegese, que a
ênfase do quarto dia era dada, não à criação original dos corpos celestes como
tais, mas sim, à sua disponibilidade para a regulamentação do tempo e dos
ciclos da rotação e revolução da terra e da lua. O verbo específico que representa
“criar ex nihilo” (bãrã), não se emprega em Gênesis, 1.16, onde aparece o termo
mais geral: (ãsâ), “fazer”. A inferência razoável é que antes do quarto dia, o
denso vapor que cercava a terra tenha impedido esta possibilidade, apesar de
ter havido uma suficiência de luz indireta, penetrando até à superfície da
terra, para permitir o crescimento de vida vegetal. (Note-se que o Hebraico de
Gn 1.14 pode ser traduzido, “Que os luzeiros no firmamento dos céus sejam para
separar entre o dia e a noite, a fim de que sejam por sinais, etc.”).
Defensores
da teoria do dia literal freqüentemente têm mencionado Êxodo 20.11, como
confirmação de serem literais os dias. Ao confirmar a santidade do Sábado, o
SENHOR declara: “Porque em seis dias fez o SENHOR os céus e a terra... e ao sétimo dia descansou”, Mas isto não
pressupõe necessariamente dias literais de vinte e quatro horas, pois o sétimo
dia é explicitamente santificado em termos da completação da obra da criação.
Para este propósito de observância memorial, a única maneira pela qual a sétima
época (a época da completação, segundo a teoria pela qual o “dia” representa
uma época) poderia ser santificada, seria com um sétimo dia literal duma semana
de sete dias. Certamente seria impraticável dedicar uma época geológica inteira
à comemoração duma época geológica!
2.2.
O Criacionismo Bíblico e o Evolucionismo Moderno
Uma
questão mais fundamental do que a natureza dos dias da criação é a relacionada
com o fato de a criação ser divina, em contraste com as teorias rivais da
origem do universo, tais como o evolucionismo darwinista. O evolucionismo,
conforme sua formulação por Charles Darwin na sua obra A Origem das Espécies
(1859), procurava a explicação da origem das espécies biológicas na seleção
natural e não no desígnio de Deus. Isto quer dizer que o processo pelo qual se
desenvolviam as plantas e os animais não era governado por qualquer
inteligência divina de acordo com princípios teológicos, mas, ao contrário,
segundo um princípio puramente mecânico: a sobrevivência dos mais capazes. No
decurso do ciclo reprodutivo segundo os ensinamentos de Darwin, cada geração
demonstra ligeiras modificações da geração anterior. Durante um longo período
de tempo, depois de centenas e milhares de gerações, algumas destas variações
se transformam em características mais ou menos fixas, que então passam à
descendência. Estas novas características contribuem à formação de novas
variedades ou subespécies e, finalmente, à emergência de novas espécies.
Aquelas características que deram sos seus possuidores a capacidade de competir
com mais sucesso na luta incessante contra o meio ambiente, foram a garantia da
sua sobrevivência. Mas espécies que desenvolveram características que, ao invés
de lhes oferecer vantagens, foram empecilhos, ao enfrentar os competidores,
tinham a tendência natural de desaparecer. Daí a perpetuação apenas das
espécies mais capazes de sobreviver, que seriam, então, espécies bem sucedidas.
Assim, o inferior e mais simples foi paulatinamente se transformando no mais avançado
e complexo, até que, finalmente, Homo sapiens surgiu como o produto supremo da
seleção natural - supostamente por ser mais capacitado para a sobrevivência e
com mais sucesso em enfrentar seu meio ambiente.
Quanto
à questão mais fundamental de todas, que é a origem da própria matéria, e a
questão paralela quanto à origem da primeira forma de vida no limo primevo,
Darwin não podia oferecer resposta, senão talvez uma expressão deística (que
rebaixaria Deus a situação de mera Primeira Causa, que colocou em andamento o
mecanismo e depois Se afastou do cenário). “Poderia inferir da analogia”, disse
num certo trecho, “que provavelmente todos os seres orgânicos que já viveram
nesta terra são descendentes duma forma primordial, na qual a vida foi
originalmente soprada pelo Criador”. Não há, portanto, nada de completamente
ateístico na formulação da evolução apresentada por Darwin, no que diz respeito
à origem da matéria, mas apesar disso muitos dos seus seguidores optaram pela
existência eterna da matéria para evitar reconhecer a existência de Deus. Mesmo
assim, não sobrou nenhuma base objetiva para a Lei Moral ou para os valores
espirituais além da consideração materialista da sobrevivência, a sobrevivência
dos “mais capazes”. Além disto, a teoria darwinista não tinha lugar para
qualquer atuação divina significante no processo da “criação”; a não ser a
criação da matéria-prima “primeva”, não havia realmente qualquer idéia de
“criar”, mas só o desenvolvimento de acordo com a seleção natural. Isto
representava uma contradição quase total de Gênesis capítulo 1.
1) Do ponto de vista da genética (a ciência da
hereditariedade), as suposições básicas da seleção natural contrariam
totalmente a evidência. Muitas décadas
de pesquisas meticulosas demonstraram que, por mais verdadeiro que seja o fato
de que há ligeiras diferenças dentro de cada espécie, não é verdadeiro que
estas variações são especialmente herdadas pela próxima geração. As
experiências extensas de Gregor J. Mendel demonstraram que a gama de variações
possíveis dentro duma espécie era estritamente limitada e não contribuía com
qualquer progresso na direção do desenvolvimento duma nova espécie. Desta
forma, os elementos de um tipo puro de ervilhas de crescimento alto podem ter
pequenas variações de altura entre si, mas s descendência das ervilhas altas
não possui uma altura média maior do que a das ervilhas curtas. É verdade que
pela criação seletiva seja possível enfatizar certas características dentro
duma espécie, ao ponto de se produzir uma linhagem especial (como é o caso das
muitas raças de cães), mas existe um círculo de possibilidades estritamente
limitado, além do qual nenhum criador pode progredir. Noutras palavras, não tem
a capacidade de desenvolver uma nova espécie.
O
mesmo veredicto precisa ser pronunciado contra a teoria de Jean Baptiste de
Lamarck, da possibilidade de herdar características adquiridas (teoria à qual
Darwin ocasionalmente apelava quando a mera seleção parecia ser inadequada para
dar conta duma série de fatos). Apesar dum sem-número de experiências
realizadas para comprovar a “herança do uso” (conforme se chama) de Lamark, o
resultado global tem sido totalmente negativo. As características que o pai
adquire por meio de esforços especiais, não passam aos filhos, simplesmente porque
não há nenhuma maneira possível pela qual estas características adquiridas
(tais como a proficiência no atletismo) possam afetar os genes. Toda a
hereditariedade (pelo menos no lado não-espiritual) parece depender da química
dos próprios genes. Quanto à forma ou à estrutura dos animais, não existe uma
alegação sequer duma prova de herança do uso que não tenha sido
subseqüentemente desacreditada.
Deve
ser acrescentado que embora falte evidência de se poder herdar variações
individuais, existem, porém, súbitas mudanças ou mutações que às vezes ocorrem
na história da espécie. Por exemplo, uma nova variedade de plantas, isolada em
pequenas colônias, como numa encosta montanhosa, pode ser o resultado duma
mutação súbita (envolvendo ligeira alteração dos próprios genes). Permanece,
porém, o fato, que apesar de terem sido estudadas de perto milhares de
mutações, não foi demonstrado um único exemplar pelo qual uma mutação criou um
animal mais complicado, ou deu origem a uma nova estrutura. Desde os dias de
Darwin, nenhum progresso tem sido feito na solução dos problemas fundamentais
da evolução. Numa análise do livro “Animal Cytology and Evulution” (“A
Citologia Animal e a Evolução”), 1954, de Ed. J.D. White, I.
Manton disse: “As causas
fundamentais da evolução em grande escala, conforme tem ocorrido através das
eras geológicas, na formação dos grandes grupos de animais e plantas, ainda não
podem ser descritas ou explicadas” (Nature, 1948, 157, p.713).
2) O argumento de Darwin, tirado dos dados da
embriologia, é demonstravelmente cheio de falácias. Segundo seu raciocínio, o
feto, ao se desenvolver no útero, recapitula a totalidade do seu passado
evolucionário, enquanto o óvulo fertilizado vai crescendo e produzindo mais e
mais órgãos e membros complicados. As bolsas viscerais no embrião humano, por
exemplo, seriam o equivalente às guelras dos peixes, indicando portanto, a
emergência do homem duma forma de vida de peixe. Mas este tipo de raciocínio
ignora convenientemente o fato indubitável de que estas estruturas nunca
funcionam como guelras em qualquer estágio da vida do embrião. Realmente, é
difícil perceber como a teoria de recapitulação possa ser harmonizada com a
real seqüência do desenvolvimento dentro do feto. Por exemplo, a superfície
respiratória não se desenvolve até um estágio bem avançado do desenvolvimento
do embrião dentro do útero; mas é inconcebível que em qualquer estágio
pré-humano, o suposto ancestral do homem pudesse ter sobrevivido sem qualquer
mecanismo respiratório sequer. Além
disto, a cabeça do embrião é enorme em proporção ao restante do corpo enquanto
que a cabeça de todos os ancestrais putativos da raça humana era relativamente
pequena em proporção ao corpo. Não é sequer verdade que os órgãos simples do
feto iam se complicando. O olho, por exemplo, é o resultado do ajustamento de
várias partes diferentes, que, segundo parece, foram formadas separadamente no
inicio, sendo então combinadas de acordo com um padrão predeterminado que não
tem nenhuma causa física que se possa descobrir.
Decerto,
é bem verdade que os embriões de todos os mamíferos se desenvolvem de óvulos
unicelulares, que parecem quase idênticos, e que durante os primeiros estágios
permanece esta semelhança. Mas será que este fato requer uma teoria de que
todos os mamíferos se desenvolveram dos mesmos ancestrais pré-mamíferos? Uma
explicação muito mais óbvia é que, no desenvolvimento do embrião, do seu
estágio inicial de óvulo unicelular, as partes mais simples têm que ser
formadas antes que se possam desenvolver as partes mais complicadas.
Dificilmente poderíamos imaginar que os ajustamentos mais delicados, e os
órgãos complicados, pudessem chegar a existir antes da estrutura básica à qual
terão que ser ligadas. Mas postular uma origem ancestral comum para explicar as
semelhanças das primeiras formas é tão irrazoável (citando a expressão pungente
de Clark), como imaginar que as gotas de chuva se derivam de pedregulhos,
porque ambos têm forma esférica. “Há uma conexão real, mas esta é matemática,
inerente à natureza ·do universo, e não se deve a qualquer conexão direta entre
os objetos”.
Pode-se
dizer com segurança que não há quaisquer dados da embriologia que não revelam a
operação do desígnio e propósito deliberados dum Criador todo sábio, mais do
que a operação mecânica da seleção natural. Muito ocasionalmente, no
crescimento dum embrião, parece haver mal funcionamento dum dos mecanismos de
crescimento. Então acontece que um novo mecanismo, totalmente diferente, pode
entrar em jogo, para produzir a estrutura desejada. As vezes, dois ou três
destes mecanismos de “segurança” são chamados a desempenhar seu papel, para
garantir o desenvolvimento apropriado do feto; mas, inexplicavelmente, começam
a agir no momento necessário. Mas sendo porém raros tais maus funcionamentos, é
quase impossível explicá-los pela teoria da “sobrevivência dos mais aptos”.
Assemelha-se muito mais à intervenção duma inteligência divina. Não é que se
pretende negar que alguns fetos se desenvolvem incorretamente, produzindo
exemplares defeituosos que dificilmente poderiam sobreviver ou cumprir qualquer
função útil. No caso dos seres humanos, os resultados podem ser bem trágicos, e
de difícil explicação. Seguindo-se as pressuposições darwinianas, porém, seria
difícil explicar o senso do patético causado por este exemplo de disteleologia.
O darwinista consistente só poderia dar de ombros e dizer: “É surpreendente que
não haja mais exemplares deste tipo”. Não há, afinal, para o darwinista nenhuma
resposta além da seleção natural mecanística e a sobrevivência dos mais aptos”.
3) A seleção natural não pode esclarecer os
inúmeros exemplos de adaptação, nos quais não há, aparentemente, nenhum estágio
transitório. A seleção natural nos levaria a imaginar que as formigas e os
cupins aprenderam a conviver em colônias por terem descoberto, através da
experiência, que isto incrementaria suas possibilidades de sobrevivência. Não
existe, porém, qualquer evidência entre os fósseis que tenha havido formigas ou
cupins antes de surgir esta vida organizada em colônias. Ou , tomando
um exemplo da anatomia, precisamos considerar como qualquer estágio transitório
do desenvolvimento do órgão da visão poderia ter conferido qualquer possível
vantagem na batalha da sobrevivência, até a formação completa do olho. Se o
animal tivesse possuído (na sua fase transitória) uma simples área de pele
especialmente sensível à luz, e se o processo de seleção natural se tivesse
aplicado às suas sucessivas mutações, como é que algo menos do que a própria
vista poderia ter equipado o animal para sobreviver com mais sucesso do que
seus competidores que não tinham esta pele fotossensível? A hipótese darwinista
necessariamente implica em que, a cada estágio do desenvolvimento de organismos
novos e mais complicados, até antes de poderem ser utilizados na prática, o
animal em desenvolvimento tenha gozado alguma vantagem específica sobre seus
competidores. Quanto ao exemplo, muito citado, do ciclo de crescimento dará, o
princípio da seleção natural não explica muita coisa. Pode, sim,
concebivelmente servir como explicação de como os girinos aprenderam a nadar,
alimentar-se e fugir dos inimigos mais eficientemente do que seus ancestrais
menos capacitados. Mas será que isto lança luz sobre o motivo pelo qual se
transformaram finalmente em rãs? Será que se pode argumentar com seriedade que
as rãs são mais capazes de sobreviver do que peixes? É claro que é necessário
achar uma explicação mais sofisticada do que a seleção natural meramente
mecânica.
Em
resumo, a teoria darwinista explica os dados da biologia muito menos adequadamente do que a afirmação
de Gênesis capítulo 1, sublimemente singela, que todas as espécies de vida
vegetal e animal surgiram como resposta à vontade criadora de Deus onipotente e
onisciente, e que seu desenvolvimento posterior tem sido governado, em cada
estágio, por Seus desígnios. Todas as semelhanças estruturais (tais como as
semelhanças esqueléticas tão citadas para indicar uma relação genética entre o
homem e as ordens inferiores de vertebrados) podem ser esclarecidas de maneira
satisfatória como sendo uma força diretriz operando de fora (ou de cima), e não
forças mecânicas operando de dentro dos tecidos vivos, como tais. Mesmo o
fenômeno dos vestígios, que parecem ser inúteis, tais como o cócix no término
da espinha humana, não demonstra uma herança remontando até os símios com
caudas. Tais vestígios apenas testificam um plano geral ou básico seguido pela
força criadora (ou pela inteligência divina) que fez os vários filos
vertebrados.
Um
semelhante costume de conservar vestígios de desenhos da engenharia pode ser
percebido no desenvolvimento do automóvel, ano após ano, desde (digamos) o sedã
Ford 1901 e o modelo de 1964. Em certos casos, vestígios (como conservar a
abertura parava manivela na base do radiador anos depois de haver arranque automático
para o carro) marcaram a evolução desta marca de carro. O mesmo se pode dizer
das “portinholas” dos modelos Buick entre os anos de 1940 e 1950, (até o
vestígio-símbolo do modelo de 1957). Mas não se pode dizer que os modelos
anteriores se tornaram mais avançados ou mais complicados; esta foi a obra dos
desenhistas e engenheiros que produziram um modelo novo para cada ano
sucessivo. Não há nada nos dados da geologia, ou da biologia em geral, que
pudesse indicar que o procedimento do próprio Criador tenha sido essencialmente
diferente. Uma vez que um modelo, ou espécie, foi criado, então estava pronto
para a produção em massa, mediante o sistema embutido de procriação e
reprodução com o qual todos os animais são equipados - sendo que cada espécie é
controlada dentro dos limites mendelianos dos seus próprios genes específicos.
4) O abandono moderno da teoria darwiniana da
diferenciação gradual como sendo o mecanismo pelo qual todas as classes e
ordens de vida se evolveram, levou à substituição dum novo tipo de evolução (a
teria dos quanta) que recebe o apoio da maioria dos cientistas de destaque dos
nossos dias. Mas a evolução emergente envolve fatores de mutação ou mudança tão
súbita e radical, que pode ser classificada na categoria de mero credo filosófico
incapaz de ser averiguando por métodos de laboratório, e de explicação seguindo
princípios meramente mecânicos. Na geração de Darwin, esperava-se
confiantemente que pesquisas geológicas e bio1ógicas nas décadas subseqüentes
revelariam as formas de vida que haveriam de preencher as lacunas existentes
entre as várias ordens e filos. Mas a
maioria dos cientistas do século vinte desistiram completamente desta busca.
Austin
H. Clark (The New Evolution – “A Nova Evolução” - 1930, p. 189), por exemplo,
mencionou “a inteira falta de intermediários entre os principais grupos de
animais - como, por exemplo, entre os animais com espinha ou vertebrados, os
equinodermos, os moluscos e os antropóides”. Disse mais: “Se estivermos
dispostos a aceitar os fatos, teríamos que crer que nunca existiram tais
intermediários, ou, noutras palavras, que estes grupos principais tiveram o
mesmo relacionamento mútuo que até hoje conservam”. Semelhantemente, G. G.
Simpson indicou que cada uma das trinta e duas ordens de mamíferos apareceu
subitamente na história paleontológica Declarou: “Os membros de cada ordem já
têm os característicos básicos ordinais desde seu exemplar conhecido mais
primitivo, e em nenhum caso se conhece uma seqüência quase contínua duma ordem
até outra” (Time and Mode in Evolution - “Ritmo e Modo na Evolução”, 1944, p.
106).
Clark,
Simpson e seus colegas modernos se refugiaram, pois, na teoria da evolução
emergente, que afirma que novas formas dramáticas surgem ao mero acaso, ou por
algum tipo de resposta criativa a novos fatores que não suportam mais análise
ou descrição racional. Mas como é que tal explicação (que realmente não é uma
explicação mas só um apelo à fé) pode ser considerada uma alternativa mais
razoável do que o ato criador duma inteligência superior? Conforme a declaração
de Carl Henry: “A suposição duma emergência abrupta fica tão longe do campo de
análise científica com um apelo às forças criadoras sobrenaturais”.
Apesar
destas considerações porém (ou talvez em ignorância delas), há muitos cristãos
dedicados que estão dispostos a aceitar a teoria da evolução numa base
teística. Isto quer dizer, professam lealdade à teoria do processo mecânico de
seleção natural (segundo a formulação de Darwin), ou até à mais recente teoria
emergente da evolução; mas mesmo assim insistem que a matéria não é eterna (que
os não-teístas têm que supor), mas que foi criada por Deus ex nihilo. Além
disto, consideram que o mecanismo inteiro do processo evolutivo tenha sido
planejado e controlado por Deus, e não por alguma força misteriosa que não pode
ser completamente explicada pela ciência.
Deve
ser explicado às pessoas que sustentam esta posição que, historicamente, a
teoria inteira foi elaborada para explicar o desenvolvimento da vida em
princípios mecânicos puramente naturais, sem necessitar de qualquer influência
divina. Darwin e seus colegas fizeram os maiores esforços para derrubar o
argumento pela existência de Deus, baseado na evidência de haver desígnio na
natureza, e exploraram todos os exemplos concebíveis de disteleologia e de
falta de propósito que poderiam descobrir. Mencionaram o fato que dos milhares
de ovos depositados pela mãe-peixe, só uma porcentagem mínima sobrevive para
atingir a maturidade, e que poucas sementes caídas duma árvore sobrevivem para
produzir novas árvores. (Assim, convenientemente, deixava-se de mencionar o
estoque de gêneros alimentícios armazenado para outros animais por causa desta
superabundância). Fazia-se um esforço consistente de explicar o universo sem a
existência de Deus. Por este motivo, o evolucionismo darwiniano tomou-se a
filosofia oficial dos principais movimentos ateus do século vinte (tais como as
formas mais puras do Nazismo e do Socialismo Marxista). A concessão de Darwin,
de que um poder superior pudesse ter suprido a matéria-prima original e os
impulsos vitais que deram origem à evolução no princípio, nem por isso deixou
de ser uma negação completa da revelação hebraico-cristã. Levou inevitavelmente
ao resultado que os conceitos de moral e de religião que se descobrem na raça
humana sejam considerados a mera combinação fortuita de moléculas, não
representando, portanto, qualquer realidade espiritual.
O
evolucionismo, como filosofia ou cosmovisão realmente envolve uma negação
aberta de realidades espirituais, assim como rejeita também a existência dum
Deus pessoal. Todos os seus principais expoentes têm declarado isto em termos
inequívocos. O livro de Ernst Haeckel, The Riddle of the Universe – “O Enigma
do Universo” (1929) adotou a tese de evolucionismo para desaprovar a religião
sobrenatural, tornando-se assim, uma das maiores influências em prol do ateísmo
do século vinte. G. G. Simpson declarou que uma aceitação total do
evolucionismo é inconsistente com a crença de que Deus está ativo no universo.
O próprio Charles Darwin, numa entrevista com um repórter dum jornal, pouco
depois da publicação de “A Origem das Espécies”, simplesmente deu de ombros
perante a questão moral em toda a sua totalidade. Quando lhe perguntaram se seu
livro não mostraria a cada criminoso como justificar suas atividades, Darwin
disse que a acusação era “uma boa sátira”, e deixou o assunto sem resposta.
Levando em conta fatores como estes, parece ser um procedimento dúbio para o
cristão convicto que quer ser leal às Escrituras, declarar-se evolucionista, a
não ser num sentido muito restrito - um sentido que de fato seria totalmente
inaceitável a Darwin e a todos os seus seguidores. Para o cristão, não há
alternativa a não ser reconhecer a seleção “natural” como sendo a seleção
divina, seja de maneira direta, seja de maneira indireta.
2.3. A Antiguidade da Raça Humana
Desde
as primeiras descobertas de fósseis e dos artefatos do homem pré-histórico,
feitas na década de 1850, a
antiguidade da raça humana tem constituído um problema de reconciliação com o
relato de Gênesis. Segundo estimativas modernas, o assim-chamado Homem de
Swanscombe (descoberto em Kent, Inglaterra), o Pitecantropo (achado em Java), e
o Sinantropo (descoberto em Pequim, China),viviam em qualquer época entre há
200.000 e 500.000 anos. Todos eles demonstram diferenças marcantes do Homo
sapiens, sem dúvida, e alguns paleantropólogos reconheceram que “as diferenças
dos dentes e do crânio... parecem ser tão marcantes como aquelas que comumente
seriam consideradas aceitáveis para justificar uma distinção genética entre o
gorila e o chimpanzé”.
Quanto
ao Homem de Neanderthal, que comumente é datado entre há 50.000 e 100.000 anos,
o mesmo escritor declara: “As diferenças esqueléticas entre este e o Homo
sapiens são realmente do mesmo montante que aqueles que se aceitam como
evidência válida de distinções específicas em outros grupos de primatas”. Estes
antropóides antigos não podem ser desprezados como sendo meros símios na sua
mentalidade, pois os ossos vêm acompanhados por implementos de pedra, tais como
pontas de flechas, machados, etc., e os remanescentes de cinzas são forte
evidência pelo seu uso de jogo para cozinhar. Especialmente no caso dos
depósitos de Neanderthal, parece haver evidência de enterros acompanhados por
implementos como se houvesse algum tipo de crença na vida além-morte
(necessitando o uso de tais implementos - ou seus equivalentes espirituais -
pelos mortos). Semelhantemente, foram descobertas estatuetas grosseiras, que
talvez tivessem tido finalidades.
2.3.1.
A Historicidade de Adão e a Queda
Quanto
ao relacionamento entre Gênesis 2 e Gênesis 1, já foi indicado que o emprego dos nomes divinos (Elohim e
Javé) pode ser reconciliado perfeitamente com a unidade de autoria. Sendo que
Elohim (“Deus”) era o nome apropriado para contextos fora da Aliança, Moisés
(supondo-se que foi ele o autor do Livro inteiro), pode muito bem ter empregado
este nome exclusivamente para o relato da criação no capítulo 1, empregando o
nome Javé para a maior parte do capitulo 2, ao tratar da Aliança de obras
estabelecida entre Deus e Adão.
Questões
têm sido levantadas quanto à seriedade de se aceitar a narrativa inteira sobre
Adão e Eva (e a serpente no Jardim do Éden) como história literal. Muitos
preferem considerá-la um simples mito ou fábula (“supra-história”, segundo o
termo neo-ortodoxo) no qual o colapso moral do homem se descreve através dum
episódio fictício escrito como ilustração do mesmo. (Mas, sendo que, de fato o
homem é um ser caído, um agente moral com um senso íntimo de culpa, o mito
reflete uma verdade sublime, apesar de nunca ter acontecido um episódio isolado
deste tipo). Nenhuma objeção decisiva, porém, tem sido levantada contra a
historicidade de Adão e Eva, em bases históricas, cientificas ou filosóficas. O
protesto tem sido baseado essencialmente em conceitos subjetivos de
improbabilidade.
Do
ponto de vista da lógica, é praticamente impossível aceitar a autoridade de
Romanos 5 (“Por um só homem entrou o pecado no mundo.... Pela ofensa de um, e
por meio de um só, reinou a morte.... Pela desobediência de um só homem muitos
se tomaram pecadores”) sem aceitar a inferência que há raça humana inteira
advém dum único progenitor. Em Romanos 5 há um contraste entre Adão e Cristo.
Se, portanto, Cristo era um indivíduo histórico, Adão também o era (senão, o
Apóstolo inspirado estava errado). Semelhantemente, Paulo aceita os detalhes de
Gênesis 2, e os da tentação e da queda em Gênesis 3, como sendo história
literal. Em 1 Timóteo 2:13 e 14 diz: “Porque primeiro foi formado Adão, depois
Eva. E Adão não foi iludido, mas a mulher, sendo enganada, caiu em
transgressão”. Não há nenhuma dúvida que os autores do Novo Testamento
aceitaram a historicidade literal de Adão e Eva. A origem da raça humana é
necessariamente assunto de revelação da parte de Deus, visto que nenhum
registro escrito poderia remontar a uma época anterior à invenção da escrita. É
concebível que o verdadeiro relatório da origem do homem pudesse ter sido
transmitido pela tradição oral (e talvez existisse esta tradição até a época de
Moisés). Mas, fora da Revelação, registrada por escrito como Escritura
inspirada, não poderia haver qualquer certeza quanto à variedade estonteante de
lendas da origem do homem conhecidas entre as muitas diferentes culturas da
terra, no sentido de saber qual era o relato verdadeiro e digno de confiança.
Aqui, o registro inspirado fala dum Adão e duma Eva literais, e não dá a mínima
impressão que a narrativa seja mitológica na sua intenção. Certamente Cristo e
os Apóstolos receberam-na como sendo história verdadeira.
Alguns
escritores modernos, tais como Alan Richardson, compararam a matéria narrativa
de Gênesis caps. 1-11 às parábolas do Novo Testamento. “Uma parábola é uma
estória que pode ser ou não ser verdadeira, literalmente falando (ninguém
pergunta se literalmente “aconteceu” o incidente do Bom Samaritano); mas é
certo que transmite um sentido além de si mesma. Implica em que, além das
palavras da estória que nossos ouvidos físicos captam, há um sentido
compreensível somente à nossa audição espiritual” (A. Richardson, “Gênesis
I-IX” SCM, 1953, p. 28). Mas esta comparação com as parábolas do Novo
Testamento envolve a pressuposição que o autor de Gênesis tinha a intenção de
que a narrativa dos capítulos 1- 11 tenha sido mera analogia ou comparação,
para ilustrar alguma verdade teológica, sem desejar que seus leitores tivessem
a impressão que estes episódios narrados tivessem acontecido na história real.
A introdução característica às parábolas de Jesus era: “O reino de Deus é
como...”. Sempre há algum ensinamento da doutrina ou da ética que está sendo
explicada ao ouvinte, e apela-se a uma ilustração para dar clareza ao ponto.
Mas não há nenhuma estrutura deste tipo nas narrativas e listas genealógicas de
Gênesis 1-11. Em nenhum trecho se declara que a origem do mundo ou da raça
humana sela como algo análogo. Uma parábola nunca é explicada em termos de si
própria; sempre envolve uma analogia tirada de outra coisa semelhante. Assim
como nunca teria sido escrito: “O reino de Deus é como o reino de Deus”, assim
também não pode ter havido a intenção de implicar que “A origem da raça humana
é como a origem da raça humana”, ou “O Dilúvio universal é como o Dilúvio
universal”. Vê-se, portanto, que aqui falta o elemento parabólico, tomando
insustentável a interpretação de Richardson.
2.4.
O Dilúvio
O
dilúvio sempre foi assunto de controvérsia e questionamento. Isso se deve a
muitos fatores. Alfred M. Rehwinkel em sua monumental obra sobre o “Dilúvio”
diz com muita razão: “Até cerca de cem anos atrás o fato histórico do Dilúvio
era quase universalmente aceito, não só pelos membros da igreja católica e
protestante, mas também pelos homens da ciência. Surgiu, então, a doutrina
denominada uniformitarismo e, com ela, o darwinismo; a catástrofe do Dilúvio não
se encaixou no sistema. Foi rejeitado por motivos geológicos, biológicos e
históricos. Os livros de texto destas ciências continuam ignorando totalmente o
Dilúvio, e qualquer pessoa que ainda continue seriamente defendendo a crença no
Dilúvio universal encontra oposição, desprezo e o ridículo até mesmo em muitos
setores da igreja”.
Não
obstante, a tradição evangélica tem aceitado a literalidade do dilúvio e suas
implicações ambientais e teológicas, mesmo em se tratando de um relato antigo e
com número cientificamente insuficiente de informações para traçar um paralelo
mais seguro entre a concepção atual e a narrativa histórica, o que não invalida
nem desmerece o conteúdo bíblico.
2.4.1.
Definição
Laudelino
Freire diz: “S.M. Lat. diluvium. Inundação extraordinária. 2. Inundação
universal, de que fala a Bíblia. 3. Enorme porção de líquidos. 4. Grande chuva;
forte temporal”.
“O
Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa” define: “Inundação extraordinária.
2. Castigo imposto por Deus aos homens ao tempo de Noé e relatado no Antigo
Testamento. 3. Grande quantidade de líquidos”. 4. Chuva copiosa e torrencial.
Na
Bíblia, “Dilúvio” é o derramar do Juízo de Deus sobre a impiedade humana tão
degenerada, decaída e pervertida nos dias de Noé, como vem registrado em
Gênesis 6, 7, 8 e 9.
2.4.2.
A Bíblia Confirma a Própria Bíblia
As
provas intrínsecas da Bíblia constituem argumento que ninguém consegue refutar,
a não ser os que entram no santuário do Livro Santo, com espírito
pré-concebido. Estes agem assim, ou por solidariedade com alguém do passado que
assim pensou, ou por achar a posição ortodoxa na Palavra de Deus, ridícula para
uma época ultra científica como a nossa.
A
Bíblia toda confirma o Dilúvio, senão vejamos os seguintes textos: Mt 24.38,
39; Lc 17.27 e 2Pd 2.5. A Bíblia toda aceita Noé, como o Patriarca do Dilúvio,
como constatamos das seguintes escrituras: 1Cr 14.4; Is 5.9; Ez 14.14, 20; Mt
24.37; Lc 3.36; 17.26, 27; Hb 11.7; 1Pd 3.30 e 2Pd 2.5.
2.4.3.
As Características dos Povos Pré-Diluvianos
As
características dessa terrível corrupção moral da humanidade antediluviana são
três:
1) Universalidade (Gn 6.5, 12). O pequeno
estopim que o homem acendeu com o fogo da desobediência a Deus, ateou, alastrou
e incendiou a humanidade toda, exceto Noé e sua família, como verificamos em
Gênesis 6.8, 9. A
tendência do pecado é crescer e multiplicar. Vemos hoje como evolui o álcool, o
entorpecente, o tabaco, o crime, a prostituição, a idolatria. O Senhor Jesus refere-se ao
“multiplicar da iniqüidade” (Mt 24.12). Como a maldade humana dos dias de Noé
levou para o dilúvio, a de nossos dias levará fatalmente para o fogo (2Pd 3.6,
7).
2) Totalidade (Gn 6.5). Cada indivíduo
pecava e não se arrependia da maldade que cometia; continuava a pecar e
envolvia outros no seu pecado. E desse modo, todos pecaram, exceto Noé e sua
família. Naturalmente, está sendo referido o pecado de obstinação contra Deus.
3) Continuidade (Gn 6.5). “Todo o
desígnio do seu coração era continuamente mau!” Não era um simples pecar
irrefletido, seguido de arrependimento, não; era antes um pecar incessante,
contínuo. Partia da fonte - o coração e tornou-se um estado normal no homem. Só
pensava pecado, só sentia pecado, só via pecado, só queria pecado, só imaginava
pecado. Não aceitava outra coisa. Estava tão cauterizado o seu coração, que já
não mais ouvia a voz dos céus, nem os apelos do Senhor. Deus plantou uma boa
semente, que germinou e cresceu e frutificou; quando, porém, foi colher, nada
houve que se aproveitasse. O remédio
para isto só podia ser destruição.
E
Deus deu cabo de toda a humanidade que se entregou à perversidade e de todo o
coração. Com o verbo “arrepender” a Bíblia expressa a tristeza profunda do
coração de Deus, diante maldade continua do homem que criou para sua glória.
2.4.4.
O tempo da clemência de Deus
Em
Gênesis 6:3 lemos que o Espírito de Deus não agiria para sempre no homem, pois
o homem era carnal, e os seus dias seriam cento e vinte anos. Temos aqui, sem
dúvida alguma, um lapso de tempo: 120 anos. A que se refere? Ao tempo de vida
do homem sobre a terra, ou ao tempo em que Deus traria o dilúvio? Por certo, a este
último. Deus não apanha ninguém de surpresa. “Deus não tem prazer na morte do
ímpio” (Ez 33.11). Deus viu a maldade continua do homem; fez-lhe apelos para que
se arrependesse; não atendeu. O Senhor anunciou o dilúvio. Deu, porém, tempo
para que o homem abandonasse os seus maus caminhos. E o tempo foi dilatado: 120
anos. Nesse interregno, Deus dava tempo ao homem se voltar para o céu, e também
para que Noé e sua família pudessem construir a arca e tudo preparar para Deus
trazer o grande dilúvio.
E
Deus age sempre assim, porque “é amor”. Em 2 Pedro 3.9 lemos que Deus é
clemente. Não retarda a sua promessa de castigo ao perverso, mas sendo
longânimo, dá tempo ao homem para se arrepender. E nos 120 anos entre o anúncio
do dilúvio e o dilúvio, quanta oportunidade o transgressor teve para abandonar
o seu caminho ímpio e se voltar para Deus! Cada martelada que Noé dava na
feitura da arca, era um apelo para a vida, a pureza e a santidade. E o Senhor
Jesus disse “Como foi nos dias de Noé, assim será na vinda do Filho do homem”
(Lc 17.26).
2.4.5.
Preparativos para o Dilúvio
“Disse
Deus a Noé: Resolvi dar cabo de toda carne, porque a terra está cheia da
violência dos homens: eis que farei perecer juntamente com a terra. Faze uma
arca de tábuas de cipreste; nela farás compartimentos, e a calafetarás com
betume por dentro e por fora. Deste modo a farás: de trezentos côvados será o
seu comprimento, de cinqüenta a largura, a altura de trinta. Farás ao seu redor
uma abertura de um côvado de alto; a porta da arca colocarás lateralmente;
farás pavimentos na arca: um em baixo, um segundo e um terceiro” (Gn 6.13-16).
O
importante aqui é o comprimento do côvado que pode variar conforme os
pesquisadores de 45 até 60 cm .
Tomando-se
aqui o côvado por 0,60 cm
podemos calcular as dimensões da arca de Noé:
Comprimento:
300 cov. x 0,60 = 180 m
Largura: 50 cov. x 0,60 = 30m
Altura: 30 cov. x 0,60 = 18m
A
área de um pavimento: 180 m
x 30m = 5,400 m2
Tinha
três pavimentos: 5.400 m2
x 3 = 16.200 m2
Cada
pavimento da arca com 5.400
m2 era enorme. E nos três pavimentos Noé
contava com uma área de 16.200
m2 . Em cada um deles podia colocar animais
segundo as suas espécies. Vemos assim, que a arca era um navio colossal e não
um simples barquinho.
2.4.6.
Quando Veio o Dilúvio?
Determinar
o tempo exato quando veio o dilúvio, não é tarefa simples. Temos, na realidade,
um sem número de tradições sobre o dilúvio, mas nenhuma delas assinala o tempo
da terrível ocorrência. Platão, no seu imortal “Timeo e Cricias” refere-se a um
dilúvio ocorrido 9.000 anos antes de Sólon, ou seja, 11.500 anos até nossos
dias. Pela prova do carbono 14 descobriu-se que há 11.500 anos, exatamente na
época que Platão coloca o seu dilúvio, o nível do mar subiu repentinamente 122 m . Se confirmada tal
noticia, haveria uma razão fortíssima de coincidência com a tradição egípcia
sobre o dilúvio. Encontrou-se um inexplicável hiato na marcha da cultura, que
coincide também com o tempo do dilúvio egípcio. Esse hiato estaria entre os
períodos magdaleniense e neolítico, e isto está além da nossa história.
Todavia, isso é mera hipótese.
De
uma coisa, entretanto, estamos seguros: a humanidade antidiluviana alcançou um
grau muito elevado de cultura e de estrutura social. Isto gerou orgulho no
homem, e o orgulho levou o homem ao pecado, terrível e tenebroso descrito em
Gênesis 6:5. E o homem, por causa da sua tecnologia, da sua ciência,
esqueceu-se de Deus, entregando-se à loucura do seu obstinado coração. Outro
não podia ser o castigo de Deus, outro não seria o resultado fatal, que foi o
dilúvio.
2.4.7.
Quanto Tempo Durou o Dilúvio?
A
Bíblia omite o tempo em que veio o dilúvio, no entanto, “quanto” durou, é clara
e rica em detalhes.
“O
Novo Dicionário da Bíblia” diz: “Noé entrou na arca no décimo sétimo dia do
segundo mês do ano 600 de sua vida (7.11), e a terra já estava seca no vigésimo
sétimo dia do segundo mês de seu ano 601, pelo que, se contarmos 30 dias para
cada mês, o dilúvio ter-se-ia prolongado por 371 dias. As chuvas caíram durante
40 dias (7.12), e as águas continuaram subindo durante mais 110 dias (7.24) =
150 dias; então as águas diminuíram durante 74 dias (8.5) = 224 dias; 40 dias
depois foi solto o corvo (8.6, 7) = 264 dias; 7 dias mais tarde Noé soltou a
pomba (8.8), com a implicação de outros 7 dias em 8.10 = 271 dias; então
soltou-a novamente 7 dias mais tarde (8.10) = 278 dias; e ainda pela terceira
vez, 7 dias mais tarde (8.12) = 285 dias; Noé removeu a cobertura da arca 29
dias depois (8.13 com 7.11) = 314 dias; e a terra ficou finalmente seca 57 dias
depois (8.14)= 371 dias no total”.
2.4.8.
Os Ocupantes da Arca
Foram
oito pessoas: 1) Noé, 2) A esposa de Noé; 3) Sem e 4) Sua esposa; 5) Cão e 6)
Sua esposa; 7) Jafé e 8) Sua esposa. Noé não teve nenhum neto antes e durante o
dilúvio. O Novo Testamento confirma o número de seres humanos que entrou para a
arca (2 Pd 3.20). Todo o gênero humano foi destruído da face da terra, com
exceção dessas oito pessoas, agora, vejamos como foi com os animais: em Gênesis
6.7 temos a resolução de Deus: o Senhor resolveu dar cabo dos animais da terra,
os répteis e as aves dos céus. Em 6.17 o Senhor Deus diz que consumirá toda
carne em que há fôlego de vida debaixo dos céus: tudo o que há na terra
perecerá. Em 7.2, Deus especifica o número de animais que entrariam na arca: 1)
de animais limpos, sete pares de cada um, macho e sua fêmea; 2) dos animais
imundos, um par, o macho e sua fêmea; 3) das aves dos céus, sete pares: macho e
fêmea. Em 7.9 lemos: Entraram para Noé, na arca, de dois em dois, macho e
fêmea, como Deus lhe ordenara. Chamamos a atenção do leitor para o verbo
“entraram”. Noé não precisou ir caçá-los. Em 6.20 temos o sentido amplo: “Das
aves segundo as suas espécies, do gado segundo as suas espécies, de todo réptil
da terra segundo as suas espécies, dois de cada espécie, virão a ti, para os
conservares em vida”.
“Virão
a Ti”. Deus que criou tudo, que tem todo poder, enviou a Noé na arca, animais e
aves. “Nesse mesmo dia entraram na arca, Noé, seus filhos Sem, Cão e Jafé, sua
mulher e as mulheres de seus filhos; eles, e todos os animais segundo as suas
espécies, todos os répteis que rastejam sobre a terra segundo as suas espécies,
todos os pássaros, e tudo o que tem asa. De toda carne, em que havia fôlego de
vida, entraram de dois em dois para Noé na arca; eram macho e fêmea os que
entraram de toda carne. Como Deus lhe havia ordenado; e o Senhor fechou a porta
sobre eles” (Gn 7.13-16). Fica bem claro que animais, répteis e aves, foram a
Noé, na arca, no dia em que o Senhor Todo - poderoso os enviou.
E
Deus ordenou ainda a Noé: “Leva contigo de tudo o que se come, ajunta-o
contigo; ser-te-á para alimento, a ti e a eles” (Gn 6.21). A área total da arca
era de 16.200 m2 .
Eram três os pavimentos, cada um com 5.400 m2 . Comportavam muito bem os
animais. Ainda mais: nenhum texto bíblico menciona os enxames das águas. Maior
abundância há nas águas do que na terra. Os seres das águas já estavam nas
águas, eram das águas e nelas continuaram. Que os seres das águas foram
preservados, fica claro de Gênesis 7.21: “Pereceu toda carne que se movia sobre
a terra, tanto de aves como de animais domésticos e animais selváticos, e de
todos os enxames de criaturas que povoam a terra e todo homem”. E o verso 22 de
Gênesis 7 confirma o anterior: “Tudo o que tinha fôlego de vida em suas
narinas, tudo o que havia em terra seca, morreu”.
E
os animais, os répteis e todas as aves ficaram com Noé até baixarem as águas do
dilúvio.
2.4.9.
Na Tradição dos Povos
O
dilúvio, exatamente como afirma a Bíblia, foi uma catástrofe universal. “A
primeira evidência de sua realidade a ser notada é a das tradições sobre o
dilúvio. A narrativa do dilúvio no Gênesis não é a única do gênero. Tradições
semelhantes encontram-se em quase todas as tribos da raça humana. E o que se
deveria esperar. Se aquela terrível catástrofe mundial, conforme descrita pela
Bíblia, realmente aconteceu, a existência das tradições sobre o dilúvio entre
os povos primitivos extensamente afastados uns dos outros é exatamente o que se
deveria esperar”. A suposição é que as tradições sobre o dilúvio foram
transmitidas de pais a filhos, durante gerações sem conta.
Essas
narrativas, é possível, entraram a fazer parte de algumas regras religiosas. As
cerimônias religiosas ligadas a tais tradições conforme se encontram no Egito,
no México e algumas tribos americanas só podem ser aplicadas à luz de um
dilúvio universal. Esta horrível catástrofe deixou uma indelével impressão na
mente dos homens, antes que se espalhassem pela terra.
Tais
tradições foram modificadas através dos séculos e receberam influência dos
costumes diversos de povos onde viveram. Apesar das modificações, a verdade
central ficou, em quatro aspectos principais: 1) Houve uma destruição universal
da raça humana e de todos os outros seres viventes por meio de água; 2) Uma
arca ou navio, foi o meio para preservar a raça humana; 3) Uma minoria foi
poupada com a finalidade de preservar a raça humana; 4) A maldade humana como
causa determinante do dilúvio.
Nas
coletâneas das tradições sobre o dilúvio, devemos notar que, os homens que
empreenderam essa elogiável tarefa, não estavam interessados na verdade bíblica
e sim em colecionar mitos. Dr. Johannes
Rieml diz: “Entre todas as tradições não há nenhuma tão generalizada, tão
difundida sobre a terra, e tão capaz de provar o que pode resultar do mesmo
material de acordo com as diversas características espirituais de um povo, como
a tradição do dilúvio. Longas e meticulosas discussões com o Dr. Kunike
convenceram-me da evidente correção de seu ponto de vista de que o fato do
dilúvio é admissível porque, com base em todos os mitos, particularmente os
mitos da natureza, há um fato real, mas que nos períodos subseqüentes o
material assumiu sua forma e caráter mítico atual”.
O
número de tradições sobre o dilúvio, por ordem geográfica, são: a) da Pérsia =
20; b) da Europa = 5; c) da África = 7; d) da Austrália = 10; e) das Américas =
46.
Será
dado, a seguir, não a narrativa completa das 88 versões do dilúvio, mas algumas
apenas, para nos inteirarmos da verdade do grande fato de repercussão
universal.
2.4.9.1.
Índios Americanos
Os
índios Papagos do Arizona, bem como os Arapaos, os Algonquins do extremo
nordeste do continente americano, conservam interessantes tradições sobre um
dilúvio destruidor.
“Existem
ainda outras partes da América nas quais a tradição do dilúvio é ainda mais
diferente do que entre as florestas do Orinoco. Herrera, um dos historiadores
espanhóis da América, conta que até mesmo entre os nativos brasileiros mais
bárbaros há algum conhecimento do dilúvio que foi geral; que no Peru os velhos
índios contavam que, muitos anos antes de existirem os incas, todas as pessoas
se afogaram num grande dilúvio, salvando-se seis pessoas, os progenitores das
raças existentes, que se salvaram numa jangada; que entre os mechoachens
cria-se que uma única família foi preservada, durante o derramamento das águas,
numa arca, com um número suficiente de animais para repovoar o novo mundo; e,
mais curioso ainda, que os antigos habitantes de Cuba costumavam contar que um
velho homem, sabendo que o dilúvio viria, construiu um grande navio e entrou
nele com sua família e muitos animais; e que, enfastiado com a continuação do
dilúvio, mandou que saísse um corvo, o qual primeiro não voltou, alimentando-se
dos corpos mortos, mas que depois voltou trazendo um galho verde”.
2.4.9.2.
Os Persas
Os
persas tinham uma tradição que dizia que o mundo fora corrompido por Ahrimã, o
Príncipe das Trevas. Foi necessário cobri-lo com um dilúvio para lavar suas
impurezas. A chuva caiu em gotas tão grandes quanto a cabeça de um boi, e o
dilúvio elevou-se até a altura de um homem acima da terra, de modo que todas as
criaturas de Ahrimã foram destruídas.
2.4.9.3.
Caldéia
Berosus,
um sacerdote caldeu, contemporâneo de Alexandre, o Grande, compilou uma
história dos caldeus baseada em antigos registros e tradições dos caldeus, para
Seleucus Nicator, seu rei. Neste registro conta a seguinte lenda: No reinado de
Xisuthros, o décimo rei da Babilônia, houve um grande dilúvio. Antes disto, o
deus Kronos apareceu ao rei num sonho e o advertiu de que no décimo quinto dia
do mês Daisios, todos os homens pereceriam através de uma enchente. Ele lhe
disse que escrevesse uma história do mundo desde o começo e que a enterrasse na
cidade do Sol em Sippara e então construísse um navio para ele, sua família e
seus amigos mais queridos, que colocasse provisões de alimentos e bebidas no
navio e que levasse animais selvagens e aves e quadrúpedes, preparando tudo
para a viagem. E quando Xisuthros perguntou em que direção deveria navegar, foi
informado: - Na direção dos deuses, - e ele foi incentivado a orar que o bem
fosse concedido ao homem. Xisuthros obedeceu e construiu um navio de cinco
estádios de comprimento por dois de largura, cerca de três mil pés de
comprimento por mil e duzentos pés de largura. Reuniu tudo o que lhe fora
ordenado e embarcou com sua esposa, seus filhos e amigos íntimos. Tendo chegado
o dilúvio e tendo diminuído, Xisuthros soltou algumas das aves. Estas, não
encontrando alimento nem lugar para pousar, voltaram ao navio. Alguns dias
depois, Xisuthros enviou-as novamente, mas retornaram novamente ao navio com os
pés cheios de lama. quando foram soltas na terceira vez, não retornaram mais.
Foi assim que Xisuthros ficou sabendo que a terra se encontrava à vista
novamente. Abriu um buraco no teto do navio e viu que se encontrava sobre uma
montanha. A seguir desembarcou com sua esposa, filha e o piloto, levantou um
altar e sacrificou aos deuses, e ao mesmo tempo desapareceu com aqueles que o
acompanhavam.
Enquanto
isto, aqueles que permaneceram no navio, não vendo Xisuthros retornar,
desembarcaram e começaram a procurá-lo, chamando por seu nome. Nunca mais viram
Xisuthros, mas ouviram uma voz do céu advertindo-os que fossem piedosos para
com os deuses, como ele fora de fato, recebendo a recompensa de sua piedade
sendo levado vivo para a companhia dos deuses com sua esposa, filha e o piloto
do navio. A voz também lhes disse que retornassem à Babilônia e que lá,
seguindo os decretos do destino, desenterrassem os escritos de Sippara
tornando-os conhecidos entre os homens. A voz acrescentou dizendo que a terra
onde se encontravam era a Armênia. Tendo ouvido a voz, sacrificaram aos deuses
e retornaram a pé para a Babilônia. Do navio de Xisuthros, que repousou na
Armênia, pedaços ainda se encontram nas montanhas da Armênia, e peregrinos
trazem betume que raspam de suas ruínas, que usam como proteção contra magia.
Os companheiros de Xisuthros foram para a Babilônia, desenterraram os escritos
depositados em Sippara, estabeleceram numerosas cidades, construíram templos e
restauraram a Babilônia”.
2.4.9.4.
Egito
Manetho,
que viveu cerca de 250 a .C.
e escreveu a antiga história dos egípcios, conta que houve uma catástrofe
mundial na qual alguém chamado Toth foi salvo. Antes do cataclisma, Toth
escreveu sobre uma laje de pedra em língua sagrada os princípios de todo o
conhecimento e depois da catástrofe traduziu a obra para a língua comum. Com a
tradição do Dilúvio os egípcios ligaram a homenagem prestada aos mortos, que
era feita numa cerimônia, na qual o sacerdote colocava a imagem de Osíris numa
arca sagrada e a lançava ao mar, a qual era observada até desaparecer de vista.
Esta cerimônia foi realizada no dia décimo sétimo de Athyr, que corresponde à
data apresentada na narrativa mosaica do Dilúvio.
2.4.9.5.
Frigia
Na
antiga cidade de Apamea na Frigia, havia uma coluna na qual se encontrava
gravada a figura de uma arca que, de acordo com a tradição repousará exatamente
naquele lugar. Encontrou-se também uma moeda que tinha um dos lados a figura de
uma arca com a porta aberta e uma figura patriarcal recebendo uma ave que
voltava. No outro lado da moeda encontra-se um homem com sua esposa saindo da arca.
Na arca encontra-se o nome “Noé”.
2.4.9.6.
Grécia
Os
gregos tinham a seguinte tradição: Prometeu tinha um filho que reinava na Fitia
e que era casado com Pirra, filha de Epimeteus e Pandora. Desejando Zeus
destruir a humanidade, Deucalião, avisado por Prometeu, fez um cofre, ou caixa,
na qual colocou todas as coisas necessárias à vida e na qual entrou com Pirra.
Zeus fez cair uma grande chuva, que inundou a maior parte da Grécia. Deucalião,
sendo jogado pelo mar durante nove dias e nove noites, finalmente foi parar na
praia de Parnasso. Cessando a chuva, saiu do seu cofre e ofereceu um sacrifício
a Zeus, que mandou Hermes lhe perguntar o que desejava. Respondeu que desejava
povoar a terra. Por ordem de Zeus, ele e sua esposa jogaram, então, pedras para
trás. As que foram jogadas por Deucalião tornaram-se homens, enquanto que
aquelas jogadas por Pirra tornaram-se mulheres.
2.4.9.7.
Ovídio
Poeta
romano, que viveu no tempo de César Augusto, preservou o dilúvio, em sua famosa
obra conhecida como “Metamorphoses”.
2.4.9.8.
Gilgamés
Layard
era um diplomata inglês no Iraque, onde outrora existiram Assíria e Caldéia.
Animado com as escavações do francês Botta em Corsabá, nas horas vagas do seu
trabalho, começou a escavar em lugar conhecido como Kuiundjik e descobriu
Nínive, a capital do Império Assírio. Layard começou o seu trabalho
arqueológico no outono de 1849. Descobriu, em primeiro lugar, o palácio de
Assurbanipal. Este famoso monarca, posto no trono por sua avó Nakiia, reinou de
668 a 628 a .C. Assurbanipal fundou
uma famosa biblioteca. Já possuía um acervo considerável de tabuinhas de obras
celebres e mandou copiar, em todo o seu vasto império, tudo o que fosse
precioso. Mandou a Babilônia seu fiel servidor Schadunu com as seguintes
ordens: “No dia em que receberes a minha carta, toma contigo Schuma, seu irmão
Bel-etir, Apla e os artistas de Borsippa que conheceres e reúne as tabuinhas,
todas quantas existirem em suas casas e todas quantas houver no templo de
Ezida... procura e traz-me as preciosas tabuinhas de que não haja transcrições
na Assíria... . Assurbanipal, que ganhou o título de “rei arqueólogo”, formou
uma biblioteca com milhares e milhares de tabuinhas com os relatos literários
mui preciosos. E Layard encontrou o ninho dessa vasta cultura. Tendo de
retirar-se para a Inglaterra, o governo britânico nomeou para substituí-lo, o
caldeu cristão Harmurd Rassam.
Milhares
dessas tabuinhas foram enviadas para a Inglaterra. George Smith, nascido em
1840 em Chelsea, perto de Londres, era gravador de cédulas de dinheiro.
Tornou-se um arqueólogo amador e decifrou o poema de Gilgamés.
O
poema fazia parte de uma coleção de 12 tabuinhas. Copiada no século VI a.C. por
ordem de Assurbanipal. Escrita originalmente no tempo de Hamurabi (1900 a .C.). É um poema heróico.
Escrito em acádico. Há
indícios de que o poema de Gilgamés foi transcrito, pelo menos partes, para o
hitita, e para o egípcio.
2.4.9.9.
Na Geologia
A
teoria conhecida como o CHOQUE DAS CONCHAS, de Cesare Emiliani, baseia-se no
material colhido no Golfo do México. Misturado com esse material estavam
carapaças de um minúsculo plâncton unicelular chamado Foraminicefero. Estes
protozoários registram o grau de salinidade e a temperatura da água. Por esse
meio soube-se que as águas do Golfo do México receberam, num certo período, uma
enorme massa de água doce proveniente do degelo da calota polar. Isso
determinou grandemente o nível dos mares.
2.4.9.10.
Na Arqueologia
C.
Leonard Woolley desenterrou Ur dos Caldeus, pertencente à adiantadíssima
civilização sumeriana. Descobriu, nas escavações, entre maravilhosos tesouros
de cultura, o cemitério real de Ur. Em duas temporadas (1927-28 e 1928-29), uma
vez concluídas as escavações do cemitério real, os trabalhadores limparam as
ferramentas e disseram a Woolley: “pronto, chegamos ao fim”. E Woolley
prossegue ... E logo ao examinar os
bordes do poço, inclinei-me a dar-lhes razão; a seguir, dei-me conta de que nos
encontrávamos alto demais. Não era concebível que a ilha em que edificaram a
primeira cidade estivesse num nível tão elevado comparado com o que deve ter
sido o nível do pântano; determinei medidas e ordenei que os operários
aprofundassem o poço. A argila continuou limpa. Encontramos um osso, que deve
ter sido arrastado com a argila do curso superior do rio.
A
espessura da argila atingiu a dois metros e meio. Repentinamente, tudo mudou.
Terminou a argila limpa e outra vez nos encontramos com resíduos misturados com
utensílios de pedra, fragmentos de pederneiras com que se lavrava ferramenta e
objetos de cerâmica.
“Exatamente
aqui houve uma mudança notável. Em lugar dos jarros que encontramos na parte
superior da argila e das sepulturas, apareceram fragmentos dos objetos feitos e
pintados à mão, característicos da aldeia pré-sumeriana de Ubaid; e os objetos
de pederneiras, evidentemente foram fabricados aqui, eram semelhantes aos de
Ubaid. Isto contribuiu também para diferenciar este extrato de outros
superiores, onde raramente se encontrou pederneira. Na grossa camada de argila
marcava, se é que não foi sua causa, uma interrupção na continuidade da
história.”
Woolley
encontrou no meio das pederneiras um tijolo de argila cozida, diferente no
tamanho e na forma de todos os encontrados nas camadas superiores. Pertencia,
sem dúvida alguma, a um período desconhecido. Era mais antigo dos que tínhamos
encontrado até então. Ficou demonstrado, então, que na época de mistura
cultural, Ur não era, como Ubaid, uma aldeia de casinhas de barro e de palha,
mas uma cidade de edifícios permanentes, solidamente construídos, berço de um
povo civilizado.
Woolley
disse que entendeu logo que a grossa camada de argila fora depositada por uma
inundação sem paralelo na história. Nenhum rio, por grande que fosse, nem
inundação pequena, podia ter deixado aquele banco de argila. Isto marcou uma
interrupção no curso da história local. Nessa argila se esconde uma civilização
que existiu, mas desapareceu. Encontramos nessa camada de argila, sem dúvida
alguma, as provas do dilúvio. Woolley mandou cavar a 275 m a noroeste de onde
explorava, e lá estava o mesmo banco de argila. “E debaixo da argila, estavam
pederneiras e vasos pintados dos habitantes pré-sumerianos. A uns cinco metros
abaixo de um pavimento de tijolos, que podíamos determinar com certeza, uma
data correspondente a uma época não posterior à das sepulturas reais,
deparamo-nos às ruínas da cidade de Ur, que existiu antes do dilúvio”.
2.4.10.
Onde Está a Arca de Noé?
No
século passado, muito antes que Botta, Layard, Koldwey ou Woolley pisassem no
solo da Mesopotâmia, algumas expedições foram organizadas com a finalidade
expressa de escalar o Ararate para encontrar a arca.
Plantada
no sopé do Ararate há uma aldeia Armênia chamada Bayzit, cujos habitantes
freqüentemente se referiam à estória de certo pastor, que dizia ter visto no Ararate,
os restos de um colossal navio.
Em
1833 o governo turco organizou uma expiração que escalou partes do Ararate e
trouxe relatório parecendo confirmar a estória do pastor que, no verão,
podia-se ver a carcaça de um navio.
Dr.
Mouri, dignatário eclesiástico de Jerusalém e Babilônia, em 1892, visitando as
nascentes do Eufrates, diz ter visto os restos de um navio. Em plena vigência
da Primeira Guerra Mundial, um aviador russo, chamado Roskowitzki, diz ter
visto restos de um navio. Nicolas II, não perdeu tempo, sem levar em conta a
guerra, enviou para o Ararate uma expedição que viu a arca e a fotografou.
Aconteceu, porém, que todos os documentos dessa expedição desapareceram durante
a revolução de outubro. Com a ocupação russa da região, nenhuma tentativa se
fez mais no sentido de averiguar os fatos propalados.
Fernando
Navarra, um espanhol, na companhia de seu filho Rafael, fez três viagens ao
Ararate: 1952, 1953 e 1954. Diz ter encontrado a arca trouxe pedaços de madeira
tiradas da arca, que foram submetidos a provas de laboratório e constatado ser
verdadeira a sua versão.
O
fato real, entretanto, é que nunca foi encontrada a arca. Foi do agrado de Deus
fazê-la desaparecer, como desapareceu a Arca da Aliança do Senhor. E não faz
falta. Cumpriu sua finalidade e desapareceu.
2.4.11.
As Lições do Dilúvio
Naturalmente,
são infinitas as lições que o dilúvio nos ensina. Vamos pensar apenas em
algumas:
1) O dilúvio nos fala da obstinação humana que
amou mais o pecado do que a Deus.
2) O dilúvio nos fala da desobediência e
rebelião do coração humano.
3) Todo pecado será castigado.
4) “De Deus não se zomba, pois aquilo que o
homem semear, isto também ceifará”.
5) O dilúvio nos fala da disposição de Deus em
não apanhar o pecador de surpresa.
6) O dilúvio nos fala que Deus galardoa o justo.
Noé foi premiado.
7) Noé foi salvo pela fé (Hb 11.7).
8) Os anos que Noé gastou construindo a arca,
foram tempos de oportunidade para o homem se arrepender e deixar os seus
pecados.
9) O tempo que precederá a volta de Jesus será
semelhante aos dias que antecederam o dilúvio, como afirmou o Senhor Jesus em
Lucas 17.26, 27.
a) como lá não houve preparo, aqui também não
haverá;
b) como lá desprezaram a Deus, aqui será o
mesmo;
c) como lá não creram na Palavra de Deus, aqui
também não crerão;
d) como lá se distraíram, aqui está acontecendo
o mesmo;
e) como lá pereceram, aqui também perecerão.
10) Deus não mais destruirá este mundo com água;
tudo está reservado para o fogo (2Pd 3).
2.5.
O longo dia de Josué (10.12-14)
O
Livro de Josué registra vários milagres, mas nenhum deles tem sido considerado
tão notável e debatível como aquele que se vincula à prolongação em vinte e
quatro horas do dia no qual se travou a batalha de Gibeom. Uma objeção tem sido
levantada de que se a terra realmente tivesse deixado de girar durante um
período de vinte e quatro horas, catástrofes inconcebíveis teriam ocorrido no
planeta inteiro, afetando todas as coisas na sua superfície. Enquanto as
pessoas que crêem na onipotência de Deus dificilmente conceberiam que Deus não
poderia ter evitado tais desastres, interrompendo as leis físicas que poderiam
ter causado tais danos, não parece ser absolutamente necessário (na base do
texto hebraico) entender que o planeta inteiro tivesse sofrido uma interrupção
súbita da sua rotação. O versículo 13 declara que o sol “não se apressou a
pôr-se, quase por um dia inteiro”. As palavras “não se apressou” parecem
indicar um retardamento do movimento a tal ponto que a rotação tivesse levado
48 horas e não 24. Apoiando esta interpretação, pesquisas revelam que iontes
egípcias, chinesas e hindus conservam antigas narrativas dum dia prolongado.
Blackr e Harry Rimmer relatam que certos astrônomos chegaram a conclusão de que
falta um dia inteiro em nossos cálculos astronômicos. Rimmer declara que o
Professor Pickering do Observatório de Harvard fixou este dia num período que
coincidiria com a época de Josué; Dr. Totten de Yale, igualmente, conforme
Rsmm, CVSS 159. Ramm declara, porém, que não pode achar qualquer documentação
para substanciar esta noticia. Outra possibilidade tem sido deduzida, duma
interpretação ligeiramente diferente da palavra dõm, que tem sido traduzida,
“detém-te”. O verbo usualmente significa “calar-se”, “cessar”. Dr. E. W.
Maunders de Greenwich, e Robert Dick Wilson de Princeton entendem que a oração
de Josué seria uma petição para que o sol cessasse de espalhar seu calor sobre
suas tropas, para que pudessem levar adiante a batalha com condições mais
favoráveis. A chuva de pedras tremendamente destrutiva que acompanhou a batalha
dá algum motivo para crer-se neste ponto de vista, que tem sido apoiado por
homens de inquestionável ortodoxia. Apesar disto, precisa ser reconhecido que o
v. 13 parece indicar um prolongamento do dia: “O sol, pois, se deteve no meio
do céu (na metade do seu percurso), e não se apressou a pôr-se, quase um dia
inteiro”.
O
Comentário Bíblico do Antigo Testamento de Keil e Delitzsch sugere que a
prolongação sobrenatural do dia teria acontecido se, para Josué e todos os
israelitas, parecesse sobrenaturalmente prolongado, a ponto de lhes permitir
concluir nele o trabalho de dois dias. Teria sido muito difícil para eles medir
o tempo se o próprio sol não tivesse se movimentado (isto é, se não tivesse
havido nenhuma rotação da terra) no ritmo normal. Acrescentam outra
possibilidade, de que Deus tivesse produzido uma prolongação óptica da luz do
sol, no sentido de refrações especiais dos raios, tornando-a visível depois do
horário do pôr do sol.
No
Novo Comentário da Bíblia, o (Davidson-Stibbs-Kevan), o comentarista Hugh J.
Blair sugere que a oração de Josué tenha sido proferida cedo de manhã, sendo
que a lua estava no oeste e o sol no leste. A resposta veio na forma duma chuva
de pedras que prolongou a escuridão, facilitando assim o ataque de surpresa feito pelos israelitas. Na escuridão
da tempestade, portanto, a derrota do inimigo se completou. Devemos, pois,
falar da “noite comprida” de Josué, e não do “dia comprido” de Josué. Isto, por
certo, é essencialmente o mesmo ponto de vista de Maunders e Wilson Tal
interpretação não exige que a terra tivesse sido parada na sua rotação, mas
dificilmente se enquadra na declaração em 10.13, sendo, portanto, de valor
duvidoso.
2.6.
Jonas
O
nome Jonas (Yõnãh) quer dizer “pombo”. Este profeta é mencionado em 2 Reis
14.25 como sendo aquele que predisse que as conquistas de Jeroboão II (793-753)
teriam grande alcance - profecia muito do agrado dum patriota tão sério como
ele era. Sua cidade natal era Gate-Hefer, na tribo de Zebulom, no norte de Israel.
Seu ministério profético parece ter começado pouco antes do reinado de
Jeroboão, ou pelo menos antes deste rei brilhante ter conseguido alguns dos
seus triunfos militares mais marcantes. O tema da sua profecia (que é realmente
uma biografia mais do que um discurso em forma de sermão) é que a misericórdia
e a compaixão de Deus se estendem até às nações pagãs, na condição de se
arrependerem. É, portanto, obrigação dos israelitas testificar perante elas da
fé verdadeira; negligenciar esta tarefa pode levar a nação, como foi o caso do
próprio Jonas, às águas profundas da aflição e do castigo. Do ponto de vista
profético, a experiência de Jonas ao ser enterrado vivo no estômago da baleia
serve como protótipo do enterro e da ressurreição do Senhor Jesus (Mt 12.40).
2.6.1.
Objeções Históricas Contra sua Autenticidade
Para
apoiar esta teoria do caráter quase-histórico, ou mesmo alegórico do Livro de
Jonas, levantam-se pelo menos quatro objeções contra a credibilidade da
narrativa bíblica aqui registrada. Cada objeção será estudada aqui pela ordem,
com as fraquezas específicas do argumento, devidamente indicadas.
1) Tem sido dito que era inconcebível que um rei
da Assíria pudesse ter sido chamado “rei de Nínive” apenas, por um autor
hebraico vivendo no período assírio. Só um escritor que vivia numa época bem
posterior, muito depois do desaparecimento da Assíria, teria empregado tal
terminologia. Mas esta maneira de tratar o uso que Jonas fez do título “rei de
Nínive” dificilmente pode ser considerada satisfatória. Nenhum autor antigo que
se tenha referido a Nínive em qualquer registro que sobreviveu até nós (em
acadiano, hebraico, grego ou latim) parece ter ignorado ser Nínive capital do
império assírio. Seria uma atitude simplória querer crer que um autor, vivendo
no ano 430 a .C.,
supusesse que o rei de Nínive não fosse também o rei da Assíria. Certamente os
autores gregos, tais como Heródoto no quinto século e Xenofonte no quarto
século, conheciam bem o império assírio, e Heródoto, pelo menos, sabia que Nínive
era sua capital. Devemos, portanto, procurar outra explicação deste título “rei
de Nínive” no terceiro capítulo de Jonas. A linguagem hebraica bem atestada nos
Livros históricos do Antigo Testamento oferece boas analogias para este título.
Por exemplo, embora seja declarado que Acabe era rei de Israel (do Reino do
Norte inteiro, portanto), ocasionalmente é chamado “rei de Samaria” (1 Reis
21.1), sendo que Samaria era a capital do reino. Da mesma forma, Bem-Hadade era
bem conhecido como rei da Síria, para o autor das Crônicas (Aram), mas nem por
isso deixou de chamá-lo “rei de Damasco” em certas ocasiões (2 Cr 24.23). Mais
uma vez, o nome da cidade capital foi empregado no título real. A expressão de
Jonas, “rei de Nínive” é uma maneira paralela de se escrever, conforme os
exemplos supra.
2) Insiste-se, também, que Nínive é descrita com
o verbo no passado (hãyetah - “era”), em 3.3. Isto indicaria, decerto, que a
cidade não existia mais; senão, o autor teria dito, “E Nínive estava sendo
(tihyeh) uma cidade grande”. Reconhece-se que o autor poderia ter mencionado o
tamanho da cidade com o verbo no imperfeito (tihyeh) se quisesse; mas
evidentemente seu propósito especial naquela altura da narrativa era enfatizar
o fato que Nínive já se tinha transformado numa cidade de grandes proporções (e
provavelmente estava maior ainda na data da composição do Livro, ou seja, em 760 a .C.) A única maneira de
se exprimir este pensamento “viera a ser”, era por meio do tempo perfeito,
hãyetah.
3) O tamanho enorme atribuído a Nínive seria
obviamente um elemento fabuloso na narrativa. O autor declara que levou três
dias para atravessar a cidade, por causa das suas vastas dimensões (3.3, 4).
Mas deve ser notado que o texto não diz realmente que Jonas levou três dias a
percorrer Nínive sem parar. Só declara que levou três dias ao passar por ela na
sua missão de pregador. Pregar nas esquinas das ruas exige uma parada de certo
tempo em cada lugar onde se prega a mensagem. Três dias realmente não seriam um
período longo demais para completar esta tarefa numa cidade que pode ter
contido até 600.000 habitantes (a julgar pelo número de 120.000 crianças
sugerido em Jonas 4.11) no oitavo século. Acrescenta-se a população dos
subúrbios, que naturalmente pode ter sido considerável. A distância toda
através do distrito administrativo de Nínive era de 50 a 100 km ? Pelo contexto, é
justo supor-se que a frase “caminho dum dia” (mahalak yõm ’ehãd) se referisse
àquela parte da metrópole que conseguiu cobrir enquanto fazia uma pausa para
pregar em cada ponto vantajoso donde poderia atrair a atenção do povo.
4) Declara-se ser inconcebível que qualquer
cidade pagã como Nínive pudesse ter-se arrependido tão rapidamente e de maneira
tão geral em resposta à exortação dum estrangeiro desconhecido vindo dum país
pequeno e distante. O decreto do rei de que todos os habitantes devessem
vestir-se de pano de saco, vestindo até os animais com os símbolos de luto,
seria nada menos do que absurdo. Isto, também, deve ser considerado como
elemento de fábula. Precisa ser reconhecido, porém, que tal resposta da parte
duma população pagã era nada menos do que milagre, mas a narrativa explica com
clareza que a vontade e o poder do Deus onipotente estavam por trás de todo o
acontecimento. Não teria havido muita razão de ser, a insistência de Deus que
Jonas fosse a Nínive se Ele mesmo não estivesse disposto a tornar eficaz a
pregação do profeta. Quem pode definir limites ao poder do Espírito Santo em
convencer pessoas quando Sua verdade está sendo pregada? Se os ninivitas tivessem
ficado apreensivos com uma destruição geral que envolveria a cidade inteira,
inclusive os animais domésticos, e não somente os habitantes humanos, não seria
mais apropriado, do ponto de vista deles, revestir os próprios animais com tais
símbolos de contrição?
Além
de tais considerações teóricas, há também algumas evidências históricas que
durante o ministério de Jonas, havia épocas durante as quais teria ele achado
uma atmosfera muito favorável às suas mensagens monoteísticas. É provável que o
rei de Nínive e de Assíria naquela época fosse Adade-Nirari III (810-783 a .C.). É sabido que este rei confinou sua adoração ao
deus Nebo exclusivamente, tendo avançado mais na direção da monolatria do que
quaisquer outro ocupante do trono da Assina.
Em segundo lugar, Steinmueller (CSS, Vol. II, p. 289) sugeriu que se
Jonas tivesse chegado em Nínive um pouco mais tarde, durante o reinado de
Assurdã III (771-754), teria achado a população psicologicamente disposta a
aguardar uma catástrofe total, porque uma praga severa sobreveio à cidade em
765, e tinha havido um eclipse total do sol em 15 de junho de 763. Seguiu-se
outra praga em 759.
2.6.2.
Argumentos Lingüísticos
As
pessoas que apóiam uma data pós-exílica para Jonas, apelam normalmente para um
sortimento de alegados aramaísmos que ocorrem em vários pontos no texto.
1) Em 1.5 ocorre a palavra sephinah, “navio”, ao
invés da palavra hebraica mais comum ’oniyyah. Sephinah é comum em aramaico,
mas na Bíblia hebraica, só ocorre aqui. Mesmo assim, é obviamente uma derivação
da raiz hebraica sãphan, “cobrir”, que ocorre freqüentemente no Antigo
Testamento, e também nas inscrições fenícias (sem, porém, ocorrer como verbo
nas inscrições e outros documentos em aramaico). Podemos concluir que esta
expressão originalmente significava um navio coberto, ou equipado com um
convés, e que a língua aramaica pode ter emprestado a palavra da língua
cananita.
2) Em Jonas 1.6 surge o verbo ’ãshat (na forma
do hitpael) que significa “lembrar-se”. Na língua aramaica, este verbo ocorre em
textos tão antigos como os Papiros de Elefantina. Um substantivo relacionado
com este verbo ocorre em Cantares 5.14 com o significado de “artefato”; ’ãshtõt
(ou talvez o singular, ’ashtut) ocorre em Jó 12.5 como “pensamento, opinião”. O
verbo, portanto, não ocorre nem em siríaco ou em aramaico cujo sentido se
emprega em Jonas, isto é: “lembrar-se”.
3) A partícula relativa she (“quem, qual”)
aparece na sua forma simples em Jonas 4.10, e aparece em duas palavras
compostas, em 1.7 beshellemi (“por causa de quem”) e beshelli (“por causa de
mim”) em 1.12. Estritamente falando, isto dificilmente pode ser considerado
como aramaísmo, visto que she não é uma palavra aramaica; apesar disto, no
hebraico de épocas posteriores, veio a ser empregado de maneira semelhante à
partícula aramaica di. Porém, segundo o que este autor sabe, a partícula di
nunca ocorre no aramaico da era pré-cristã depois da preposição be,
significando “por causa de”. De outro lado, she ocorre já no tempo dos juízes
no cântico de Débora (Jz 5.7), o qual de modo interessante foi composto por um
nativo da Galiléia do norte (como Jonas era). Deve-se notar também que she
ocorre freqüentemente nas inscrições fenícias (juntamente com a forma mais
comum ’-sh) e há uma boa possibilidade de que os marinheiros do navio que levou
Jonas fossem de origem fenícia; há, portanto, toda probabilidade que esta
partícula tivesse ocorrido na sua conversação.
Há
outros alegados aramaísmos que dependem de provas ainda mais tênues. Por
exemplo, o verbo hetil, “jogar” (Jonas 1.5, 12), ocorre em Jó, Salmos,
Provérbios, Jeremias e Ezequiel, não podendo, portanto, ser considerado uma
prova de autoria de data avançada. Quanto a qerí’ah (“pregação”), este
substantivo é formado duma raiz que pertence tanto ao hebraico como ao aramaico,
apesar do substantivo ocorrer só na Bíblia hebraica. Mais uma palavra merece
comentário especial: ta’am, que significa “edito, decreto”. A palavra é comum
no hebraico, com o significado de “gosto” ou “compreensão”, mas só ocorre aqui
no sentido governamental (Jonas 3.7). Relaciona-se, portanto, de maneira óbvia,
à palavra assíria temu, que tem o mesmo significado, e Jonas talvez a tenha
empregado como uma reminiscência da mesmíssima palavra empregada no texto do
decreto do rei de Nínive. (Assim também se emprega em Esdras 6.14, uma passagem
aramaica que cita um decreto do rei da Pérsia).
Tendo
em vista as vigorosas objeções dos racionalistas à historicidade de Jonas,
seria apropriado fazer aqui alguma. Referência às declarações do Senhor Jesus,
registradas no Evangelho. Segundo Mateus 12.40, 41, Cristo Se referiu a dois
eventos mais abertamente rejeitados pela critica moderna como sendo fábulas: a
preservação de Jonas no estômago do grande peixe, e a eficácia da sua pregação
ao levar os ninivitas ao arrependimento. Em Mateus 12.40, Cristo diz: “Porque
assim como esteve Jonas três dias e três noites no ventre do grande peixe,
assim o Filho do homem estará três dias e três noites no coração da terra”. Se
a história de Jonas tivesse sido mera ficção, então, o sepultamento de Cristo
na Sexta-Feira Santa, até a Ressurreição no Domingo de Páscoa, também seria
ficção; não havendo portanto qualquer base para a comparação: (“assim como
... assim”). Este é especialmente o caso quando se trata
de tipo e antítipo. Em todas as outras instâncias, ao referir-se nas Escrituras
sobre algum acontecimento típico do Antigo Testamento (por exemplo, João 3.14;
1 Coríntios 10.1-11), trata-se sempre dum episódio histórico. Não há qualquer
evidência objetiva que Jesus de Nazaré tivesse considerado esta experiência de
Jonas como não sendo um fato histórico.
Lemos,
em seguida, em Mateus 12.41: “Ninivitas se levantarão no juízo com esta
geração, e a condenarão; porque se arrependeram com a pregação de Jonas. E eis
aqui está quem é maior do que Jonas”. Nada poderia ser mais claro do que o fato
de que Cristo estava repreendendo Seus contemporâneos pela sua falta de fé, ao
demonstrar que nem sequer estavam à altura dos pagãos na antiga cidade de
Nínive, que nem tinham Bíblia. Mas se, como fato histórico, nunca houve aquele
arrependimento dos ninivitas ao aceitarem a pregação de Jonas, então, a
declaração de Cristo é falsa, e Sua repreensão sem fundamento.
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