FACULDADE
DE TEOLOGIA
TESTEMUNHAS
HOJE
CURSO LIVRE
INTRODUÇÃO À
HISTÓRIA DA MÚSICA
INTRODUÇÃO À
HISTÓRIA DA MÚSICA
A ARTE DOS ANJOS E DOS
HOMENS
A MÚSICA COMO ARTE
O Ser Humano possui em sua vida sete “dimensões”: Física, Espiritual, Intelectual,
Social, Profissional, Afetiva e Familiar. De todas as realizações do Homem, a
Arte é a que mais intrinsecamente permeia todas essas dimensões da existência
humana. E de todas as Artes, a mais antiga é a Música. Assim como o percurso da
História do Homem, na suas lutas e realizações, se desenvolve na medida de
milênios, do mesmo modo a Arte, expressão espontânea, necessidade da
humanidade, floresce em tempos igualmente amplos. É uma exigência a tal ponto
irresistível que não há momento do viver humano, por mais árduo que possa ser,
que não se empenhe na criação artística. A música é nossa mais antiga forma de
expressão, possivelmente até mais antiga que a linguagem. De fato, a música é o
Homem, muito mais que as palavras, pois estas são símbolos abstratos. A música
toca nossos sentimentos mais profundamente que a maioria das palavras e nos faz
responder com todo nosso ser. Muito antes de o ser humano aprender a pintar,
esculpir, escrever ou projetar algo, já sabia a produzir e apreciar os sons.
Obviamente esses sons seriam hoje considerados apenas ruídos, mas considerando
que “música é a arte de manipular os sons”, o que o Homem primitivo produzia
era música, ou um “embrião” musical. O “instrumento” musical mais antigo que
existe é a voz humana. Com ela, o homem aprendeu a produzir os mais diversos
sons, e a agrupar esses sons, formando as primeiras linhas melódicas. Depois
inventou os instrumentos musicais, que se multiplicaram e evoluíram ao longo da
História. Muitos destes desapareceram, e a Música mudou muito em todo este
tempo. Mas o gosto do ser humano pela música permanece intacto. Para se estudar
a Música, é preciso antes saber o que é música. A música não pode ter nenhuma
definição objetiva, pois ela conserva um caráter de abstração, o que a torna
algo sem uma definição fechada ou precisa. Ela é uma arte sem corpo físico, ao
contrário do que acontece com a pintura, escultura, literatura ou a arquitetura,
daí sua abstração. Pode-se dizer que ela não tem um significado, mas o produz
em determinados contextos; ou seja, só é possível entendê-la através do vínculo
estabelecido entre a música e os contextos (sociais, culturais, físicos) a ela
ligados. A música sempre foi uma parte importante da vida cotidiana e da
cultura geral do homem. Hoje vê-se a Música sendo transformada em mero produto
pela “Indústria do Entretenimento”. Muitas vezes ela se torna um simples
ornamento que permite preencher noites vazias com idas a concertos ou shows,
organizar festividades públicas, etc. Há um paradoxo, então: as pessoas ouvem,
atualmente, muito mais música do que antes, mas esta representa, na prática,
bem pouco, e possui, muitas vezes, não mais que uma mera função decorativa. Mas
em todo o Mundo ela ainda mantém vivo seu caráter social, de transmitir sentimentos,
de servir de elo com a Divindade, de perpetuar a História, a língua, a cultura
e as tradições de cada povo. A música é mais sublime das Artes, a arte que
homens e Anjos compartilham. Deve ser ensinada como uma língua, e não como mera
técnica e prática, sem vida. No princípio, todas as Artes estavam vinculadas à
Arquitetura: Pintura, Escultura, Música, etc… Com o passar do tempo, a Pintura
e a Escultura ganharam um status de Artes autônomas.
A Pintura saiu das paredes e passou para as telas. A Escultura passou a
ter corpo independente das edificações. Mas a Música continuou, e continua
ligada à Arquitetura, ao espaço (construído ou não), pois música é acústica, e
a acústica depende do meio onde o som é produzido. Uma mesma música tocada em
ambientes diferentes nunca soará da mesma forma. Cada instrumento ou estilo
musical funciona de maneira ideal em determinados tipos de ambientes
arquitetônicos, pois deve ser levado em consideração o volume sonoro e o volume
do ambiente, o eco (que pode ser prejudicial ou fundamental), a relação
músico/ouvinte, e muitos outros aspectos. Ao longo da História, a Música esteve
tão dependente da Arquitetura, que esta era composta em função da edificação
onde ela sempre era executada (a música sacra nas catedrais, a música da corte nos
salões dos castelos). Mesmo a música do povo, tocada nas praças e nas ruas,
carregavam em sua estrutura a “aura” do espaço adjacente, do estorno
construído. O vazio e seu entorno também é arquitetura, pois arquitetura é a
“arte de organizar o espaço”. Com a popularização da música, a partir do Século
XIX, quando esta ficou cada vez mais acessível a públicos cada vez maiores, é
que começou a ocorrer o contrário: a Arquitetura dependente da Música. Foram
então projetadas as primeiras salas de concerto, com sua concepção arquitetônica
toda voltada para as questões acústicas. Este é o tema deste presente estudo: pesquisar
a História da Música, analisando em todos os aspectos sua relação com a
arquitetura, em como estas duas Artes evoluíram juntas, bem como os aspectos sociais,
culturais e ideológicos que determinaram cada uma destas duas Artes.
GÊNESE E CONCEITOS DE MÚSICA
Desde os imemoriais tempos primórdios da História (ou até incluindo o
que chamamos de “Pré-História”) o Homem cultiva a arte da Música. Podemos
afirmar, sem sombra de dúvida, que a mais antiga das Artes é a Música, pois
antes que o ser humano pudesse pintar, esculpir, escrever ou projetar algo, ele
já podia produzir e apreciar os sons. O primeiro instrumento musical foi a
própria voz humana. Sabemos, com base nas Sagradas Escrituras, que a música
surgiu primeiramente nas Côrtes Celestiais. Sua função era honrar e louvar a
Deus. Quando Deus criou Adão e Eva, os dotou de musicalidade inata. A primeira experiência
musical do casal foi a música dos Anjos. Com certeza essa foi a música mais
pura e perfeita já ouvida por nós humanos. Adão e Eva possivelmente também produziam
suas próprias músicas, em louvor ao Criador, e também para seu deleite próprio.
Após a Queda, o Homem já não tinha mais um contato direto com Deus e seus santos
Anjos. Mas a música se perpetuou na vida do Homem. Não sabemos exatamente como
era essa música, mas é possível que boa parte da pureza e perfeição inicial se
perdeu, como tudo neste mundo após o pecado. Se a Humanidade antediluviana era
mais o menos homogênea, após o Dilúvio tudo mudou. A grande catástrofe enviado
por Deus alterou completamente o relevo da Terra, separou os continentes, mudou
o clima, os hábitos alimentares de homens e animais. Com a confusão das línguas
na Torre de Babel, o Homem se espalha pela face da Terra. Passa a habitar
regiões desérticas, densas florestas, ilhas soladas no meio de oceanos, etc. E
passa a exercer uma grande habilidade natural: a adaptação ao meio ambiente. O
isolamento geográfico e a adaptação ao meio vão gerar grandes alterações no ser
humano, não apenas no seu estilo de vida, mas em sua biologia. Foi assim que
surgiram e se desenvolveram as etnias humanas, classificadas em caucasiana,
negroide, australoide, mongoloide, etc. Ou seja, os brancos, os negros, os
amarelos (orientais), os vermelhos, etc. Essa grande variedade de meios vai
gerar uma grande variedade de estilos de vida, de etnias e de graus de
desenvolvimento. Enquanto alguns povos se desenvolvem enormemente, chegando ao estágio
de grandes civilizações, com grande desenvolvimento tecnológico, com sistema político-social
avançado, com o domínio da Arte (música, pintura, escultura, literatura,
arquitetura) e da Ciência (matemática, física, medicina); outros estacionam (ou
até regridem, no espaço de poucas gerações) num estágio de desenvolvimento
bastante primitivo.
Povos que um dia foram capazes de construir embarcações capazes de levar
famílias através de milhares de quilômetros mar adentro, séculos (ou até
milênios) depois foram encontradas isoladas em ilhas, incapazes de construir
algo além de rudimentares canoas de pesca. E foram encontrados por homens munidos
de avançadas embarcações de metal, movidos a propulsão mecânica (a vapor), nos séculos
XIX; e a óleo combustível, no século XX. Em plena era moderna, ainda havia (e
ainda há) seres humanos vivendo de um modo primitivo; “como na pré-história”,
disseram alguns pesquisadores. Neste trabalho a ênfase é dada ao Ocidente, em
especial à Europa. É usual começarmos pelo período da Antiguidade Clássica, das
civilizações greco-romanas. Neste período já havia um grande “abismo” entre os
povos. Enquanto os gregos e romanos eram muito desenvolvidos, moravam em grandes
cidades com construções avançadas de pedra e alvenaria, com ruas calçadas,
aquedutos, instrumentos musicais como órgão de tubo, harpas, liras, flautas,
trombetas de metal, etc; havia as tribos chamadas de “bárbaras”. Esses povos
bárbaros ainda viviam em sociedades tribais, se vestiam com peles, viviam da caça
e da agricultura de subsistência, moravam e cabanas primitivas.
E antes desses existiram na Europa povos mais primitivos ainda, como evidenciam
os achados arqueológicos, como as pinturas rupestres nas cavernas, os artefatos
de ossos, pedra lascada, etc. No mundo todo se encontrou vestígios da presença
de povos primitivos. E ainda hoje há povos de modo de vida semelhante, como os
ianomâmis, os aborígines australianos (que ainda habitam em cavernas, no
deserto australiano), os povos antropófagos da África, da Oceania e da Ásia.
Eles ainda andam nus, (ou se vestem com peles ou folhas), fazem fogo com paus e
pedras, caçam com armas rudimentares, apenas coletam o que a natureza oferece,
não possuem qualquer forma de escrita, sua língua é simples e com um vocabulário
limitado. Esse modo de vida permaneceu inalterado por centenas e milhares de
anos, devido ao isolamento destes povos. Como não possuem escrita ou meios de
registrar sua história, eles contam sagas de geração a geração, através de
lendas. Se verificou que possuem uma relação de interdependência muito forte
com a natureza, a ponto desta ser deificada por eles. É observando os animais
que eles aprendem muita coisa. Em suas andanças pela Natureza, esse homem
primitivo se deleitava com os melodiosos gorjeios dos pássaros, com a variada
gama de sons (grunhidos, relinches, urros, rugidos, uivos, latidos, miados, mugidos…)
produzidos pelos mais diversos animais. Podia apreciar também o “assobio” do
vento, o “tamborilar” da chuva, o “sussurro” do riacho, o “crepitar” da fogueira,
entre outros. O homem também podia produzir (e reproduzir) muitos sons, de
intensidade, alturas, timbres e “texturas” diferentes. Com o arranjo desses
elementos, criou suas próprias linhas melódicas vocais. Essa habilidade foi
desenvolvida ao longo do processo de desenvolvimento da comunicação (não
confundir com desenvolvimento da fala). O modo de comunicação primitivo foi o
tronco comum do qual, no campo sonoro, se destacaram dois ramos distintos: a
linguagem verbal e a música. (SCHURMANN, 1985).
É importante observar que, dentro do âmbito da música, muitas
articulações sonoras se desvincularam da sua original função comunicativa, para
funcionar como instrumentos de trabalhos mágicos e religiosos. A função mágica,
sendo mais antiga que a religiosa, provavelmente dominava não apenas as
manifestações musicais, mas também as pinturas rupestres das paredes das
cavernas. Segundo SCHURMANN, essas representações, quase exclusivamente de animais,
caracterizam-se por um naturalismo surpreendente e, pelo que tudo indica, serviam
a uma prática de magia. Cria o Homem primitivo que a produção da imagem de um
animal contribuiria diretamente para a aquisição de poder sobre o mesmo. É
muito provável que a música tenha sido tão naturalista quanto a pintura, e que
imitando o relinchar de um cavalo, o homem julgasse apossar-se não apenas do
relinchar, mas também do próprio cavalo. A íntima relação entre a música e a
religião na sociedade humana é reconhecida como um fenômeno universal. A música
é uma das únicas comuns a todas as culturas. Em todo o mundo a música está
relacionada à religião; na maioria das culturas, a música acompanha ou é
veículo para a adoração. Nas práticas religiosas, a música era a linguagem
mágica do Homem primitivo na sua invocação aos deuses, aos espíritos e as forças
da Natureza, através de uma melodia cantada. Pode ser usada tanto para expressar
gratidão como para acalmar uma divindade enraivecida, até o ponto de exercer
uma influência mágica e controladora sobre a mesma. Servia para elevar a consciência
humana ao místico, ao mítico, ao cósmico, ao sobrenatural. (STEFANI, 2002). Essas
melodias cantadas também assumiriam um importante papel na prática de contar
estórias. Era por meio de tais estórias que se mantinham vivos os valores éticos
indispensáveis para a estrutura social da época, e se louvavam a memória de deuses
e heróis, narrando façanhas notáveis e enaltecendo a bravura, a lealdade, o espírito
aventureiro e a coragem. Com o desenvolvimento dessas canções/poemas, a música
se afasta de sua função produtiva, e toma um caráter mais artístico, lúdico, de
integração social. (SCHURMANN, 1985). Ao longo de suas atividades diárias, o
Homem descobriu também que, ao bater paus, pedras (e posteriormente metais) uns
nos outros, podia produzir sons. Verificou que materiais diferentes, de rigidez
e tamanhos variados produziam sons variados na mesma medida, muitas vezes nas
mesmas tonalidades que ele produzia com sua voz. Sugiram assim os instrumentos
de percussão. O Homem também percebeu que ao soprar em sua zarabatana de caça,
se produzia um som característico, como um assobio, e que zarabatanas de comprimentos
e diâmetros diferentes produziam sons de alturas diferentes. Ao puxar e fazer
vibrar a corda de seu arco de flecha, também se produzia um som. Da manipulação
destas propriedades sugiram então os primeiros instrumentos de sopro e os de
cordas. Muitos outros instrumentos musicais surgiram e evoluíram ao longo da
História, outros desapareceram sem que hoje tenhamos contato com eles. Mas o
gosto do ser humano pela música permanece inalterado. De toda essa riqueza
musical da Antiguidade, apenas se tem uma vaga ideia, através da música dos
povos primitivos que ainda se encontram na Terra. Mas a noção exata de como
esta seria se baseia em pura especulação. Assim como a Pré-História só passou a
ser chamada de História a partir da invenção da escrita, a música desse período
se perdeu devido à falta de uma escrita musical. A notação musical só foi
desenvolvida no século IX, por um monge, e se desenvolveu até a que se conhece
e se usa hoje na escrita de músicas na forma de partituras. Obviamente, quando
se fala sobre a música “pré-histórica”, não se pode julgar a partir de um
conceito atual de música. Este conceito mudou bastante com o passar das eras. O
conceito clássico diz que “música é a arte de combinar os sons de maneira
agradável aos nossos ouvidos”. O conceito Romântico diz que “música é a arte de
manifestar os diversos afetos de nossa alma mediante os sons”. Neste século,
com o fim de um único estilo dominante, onde a cada dia nascem dezenas de novos
estilos musicais, dizemos apenas que “música é a arte de combinar sons e
silêncio”, conceito que se aproxima muito do que era a música para o Homem
primitivo. A música mais moderna e tecnológica, a chamada música eletrônica, é
predominantemente percutida e dançante, tal qual uma música tribal. A música
tem o poder de despertar as mais variadas sensações em seus ouvintes. Pode
servir de estímulo; por isso muitas vezes uma pessoa ouve uma canção e se sente
sintonizada com ela e consigo mesma, e se sente melhor e consegue trabalhar
melhor. Pode servir como ativadora da memória, nos fazendo lembrar de eventos
passados, tristes ou felizes; pode nos associar a pessoas, eventos, lugares,
datas especiais. Pode relaxar, excitar, alegrar, deprimir. A música funciona
como estímulo a comportamentos em diversos casos. Depende do caráter da música,
mas o ambiente, o estado de ânimo e a vontade, o gosto pessoal e o conhecimento
musical também influenciam muito. Os sons são muito ambíguos. O som estridente
de uma guitarra excita quem aprecia músicas no estilo “Heavy Metal”, mas pode
aborrecer algumas pessoas. O som suave de um piano enternece o apreciador de
música erudita, mas pode incomodar outros que não apreciam tal música. O mesmo
vale para qualquer instrumento ou estilo musical. E mesmo para pessoas que
apreciam estilos variados, uma determinada música pode lhe agradar ou
desagradar, dependendo da ocasião, lugar, hora do dia, estado emocional, etc. Num
filme, por exemplo, a música não é apenas um fundo; ela acompanha, comenta,
descreve e reforça as diferentes situações. É difícil de nos lembrarmos da trilha
sonora de um filme quando acabamos de assisti-lo, mas com certeza nos lembraremos
das cenas mais marcantes. E estas cenas são marcantes graças ao reforço da
trilha sonora. Uma cena romântica nunca desperta a mesma emoção sem uma linda
melodia a acompanhá-la. Uma cena de ação não produz a mesma adrenalina sem uma
música poderosa de fundo. Uma cena de suspense ou terror não provocará tanto
medo sem uma lúgubre e aterradora trilha sonora. Diversos estudos foram
realizados neste sentido. Diversas pessoas assistiram cenas de romance, ação,
comédia, suspense e terror, primeiramente com as trilhas originais, depois com
as trilhas trocadas, e por último sem som algum. As sensações despertadas foram
as mais diversas possíveis. Ao contrário, num concerto de música erudita, as
pessoas assumem uma postura de escuta direta e imediata, concentrada
exclusivamente na música. A música não serve para algo, ela é um fim em si
mesma. A música tem diversos níveis de sentido. Os sons são pensados pela mente
como qualquer outra realidade: simples ou complexa, contínua ou descontínua, repetida,
variada, etc. Estes são os primeiros significados. A música pode ser sentida em
vários sentidos: códigos gerais de percepção, práticas sociais, técnicas musicais,
estilo, obra, etc. Mas isso não só quando escutamos concentradamente, mas
também quando cantamos, tocamos, jogamos, dançamos, estudamos música. Somos
capazes, com os sons, de produzir sensações em diversos níveis. Quando tentamos
definir a música, podemos simplesmente dizer que é uma sequência de sons, de
tons de altura definida, organizados melódica, harmônica e ritmicamente, e de
acordo com o timbre. Muitos dizem que música é uma ciência exata, definida pela
matemática e pela física. A música é a arte que tem a maior possibilidade de se
libertar de toda expressão de um determinado conteúdo, para se contentar com
uma simples sucessão de justaposições, modulações, contrastes e harmonia, e
assim se encerrar nos limites do domínio puramente musical dos sons. Mas,
nestas condições, a música permanece vazia e sem significado, e visto que lhe
falta um dos principais elementos de qualquer arte, o conteúdo e expressão, não
pode ser então colocada entre as artes propriamente ditas. Mas quando o elemento
sensível dos sons serve para exprimir o espiritual de uma maneira mais
adequada, a música se eleva ao nível de uma verdadeira Arte. Há música desde
que o som se organize no tempo; mas que sons pode-se considerar música? É aqui
que começa o arbitrário. Todos que produzem som fazem música: pássaros,
animais, homens de todas as etnias, o vento, o mar. Mas não com os mesmos sons.
Cada povo possui uma maneira de fazer e escutar música. Isso acompanha a
formação, a cultura e a própria história de cada povo. Através da música uma
sociedade expressa sentimentos de maneiras características, por isso cada
cultura possui uma forma de expressá-los. A arte tem sido repetidamente
definida por estudiosos do ocidente e do oriente como uma expressão sensorial
da cosmovisão de um povo ou de uma cultura. Pessoas numa sociedade estruturada
de maneira única desenvolvem uma música igualmente única. Deve ser a estrutura
social que forma o estilo musical. A música não é uma linguagem que descreve
como uma sociedade parece ser, mas uma expressão metafórica de sentimentos
associados com a maneira que a sociedade realmente é. Porque as pessoas criam a
música, elas reproduzem na estrutura básica de sua música a estrutura básica de
seus próprios processos de pensamento. (STEFANI, 2002). Merriam, um antropólogo
cultural, caracteriza a música através da seguinte definição: “O som musical é
o resultado de processos comportamentais humanos que são modelados pelos
valores, atitudes e crenças das pessoas que compartilham uma determinada
cultura. O som musical não pode ser produzido exceto por pessoas para outras
pessoas, e embora possamos separar os dois aspectos (o aspecto sonoro e o
aspecto cultural) conceitualmente, um não está realmente completo sem o outro.
O comportamento humano produz música, mas o processo é contínuo; o
comportamento é amoldado para produzir som musical, e assim, o estudo de um
converge para o outro”.
Conclui-se com isso que em qualquer tempo ou lugar, a música será sempre
uma arte extremamente rica e difundida, apesar de carregar esse caráter de abstração
em seu próprio conceito. Entender o que a música é ou representa é tão importante
quanto ouvi-la, e não faz com que a escuta se torne insignificante, mas atenciosa,
e ajuda a fazer a música passar pelo exercício essencial de contextualização, o
que distancia todo o mal gerado pela ignorância. Aqui estamos estudando a
evolução da música, primordialmente a música ocidental, ao longo da História.
Aparentemente esta intensa mutabilidade é um fenômeno tipicamente ocidental.
Nas culturas orientais, predominantemente pagãs, a música tem se preservado a
mesma por milênios. Nestas culturas, devido à crença de que os ancestrais se
juntavam em rituais de adoração comuns, era fundamental que a música e as
danças se mantivessem tão antigas quanto possível para que fossem compreendidas
por todos os ancestrais e facilitasse sua participação. Uma das funções da
música também era revelar a imutável essência eterna do universo. Então, seria
natural que, uma vez criada, tal música resistiria às mudanças com o passar do
tempo. Mesmo uma religião estritamente monoteísta, como o islamismo, também
preserva diligentemente uma forma própria de expressão musical. Por que então a
música ocidental mudou tanto? Uma organização religiosa (ou mesmo política)
incute uma ideologia, um conjunto de valores e, talvez, cria uma ação ritual
tal como uma liturgia ou uma atitude em relação a um modo de vida como parte de
sua filosofia. Embora nada específico seja dito ou escrito sobre as artes, há
um estímulo natural em descobrir a expressão artística implícita, adequada a
essa ideologia. Mas os valores que os homens dos séculos passados respeitavam
não parecem, hoje, importantes. Essa modificação radical da significação da
música se processou nos últimos dois séculos com uma rapidez crescente. E ela
se fez acompanhar de uma mudança de atitude frente à música contemporânea,
aliás, frente à arte em geral, porque, como a música era parte essencial da
vida, ela tinha que nascer necessariamente do presente. Ela era a língua
indizível do homem, e só os contemporâneos poderiam entendê-la. Devia ser
sempre criada com o novo, da mesma forma que os homens deviam construir para si
novas moradas que correspondessem a um novo modo de existência, a uma nova
modalidade de vida espiritual. Da mesma forma, já não era capaz de compreender,
nem de utilizar a música das gerações passadas. Por que então buscar saber da
música antiga? Porque a música sofreu milhares de transformações que a
distanciam de seu ouvinte contemporâneo. Por isso surgiu a canção, que é uma
tentativa de “humanizar” o som, tornando-o mais compreensível. A música tem de
ser antes de tudo bela. Muitos ainda não estão preparados para o
experimentalismo da música contemporânea. Por isso buscam na música antiga a
beleza e a harmonia tão almejadas. Mas a música simplesmente bela jamais existiu;
pois beleza é um conceito subjetivo e abstrato; é um componente de toda e
qualquer música, mas não pode ser o critério determinante, pois isso significa
ignorar os outros componentes. Se reduzirmos a música ao belo, tornando -a
apenas um componente agradável da vida cotidiana, fica impossível compreendermos
a música em sua totalidade. Quanto mais as pessoas se esforçarem para aprender
a música antiga, mais perceberão que ela ultrapassa a beleza e o quanto ela
inquieta, pela diversidade e riqueza de linguagem; e só assim reencontrarão a
música contemporânea, aquela que constitui a cultura de hoje, e a prolonga. Ao
passarmos pelas etapas cronológicas da História da Música, estaremos abordando
os períodos artísticos, e os estilos característicos de cada período. O estilo
tem sido descrito de diversas formas: “um modo característico de fazer algo”,
uma “generalização do particular”, ou “um modo de vida”. O estilo é usado como
produto ou método da ação e da escolha humana. É uma réplica do modelo, um
conjunto particular de características. (STEFANI, 2002). Inúmeros fatores
determinam o estilo musical em sua relação tempo-espaço, ou seja, de acordo com
o lugar e a época, conforme veremos nos capítulos a seguir.
A MÚSICA NA ANTIGUIDADE
A História da Antiguidade ocidental começa, geralmente, pelo período
greco-romano, também conhecido como Antiguidade Clássica. No desenvolvimento
artístico de diversas civilizações, é quase sempre possível vislumbrar um
momento, de maior ou menor duração, que se costuma denominar “clássico”. É a
culminância, frequentemente luminosa, de perfeição formal e integração espiritual.
Nenhuma civilização e nenhum país deu, todavia, a este conceito de clássico, uma
contribuição tão decisiva e essencial que aquela dada Grécia, num período relativamente
breve, que abarcou, mais ou menos, os séculos V e IV a.C.
O classicismo grego revela, pela primeira vez, uma manifestação
artística que se afirma e se difunde unicamente pelo efeito da sua qualidade
intrínseca, ou seja, pela eficácia e evidência de seus valores formais e
expressivos. É uma arte de exaltação da importância do homem como tal, considerado
“a medida de todas as coisas”. Essa arte exprime, portanto, aqueles valores de
equilíbrio, harmonia, ordem, proporção e medida, que pertencem à razão humana.
É uma arte que, em sua quase totalidade, tem uma destinação pública e religiosa.
Se a individualização dos valores do classicismo grego se reveste de tanta importância,
nem por isso sua pesquisa se torna fácil. A arquitetura não tem sequer um
monumento íntegro. Todos estão em estado de ruínas, por vezes, de ruína
arqueológica que permite reconstruir, idealmente, mas não ver, uma estrutura
arquitetônica perdida. (PISCHEL, 1966), Neste período, a arquitetura assistiu
ao nascimento do templo grego. Trata-se da transformação em sentido estrutural
e monumental daqueles edifícios mais rudimentares, erigidos anteriormente para
dar uma “casa” elementar à divindade. Inicialmente de madeira, desenvolve-se
até chegar aos templos de mármore, solidamente construídos sobre uma plataforma
com degraus. De planta retangular, com desenvolvimento predominantemente
horizontal, e com cálculo de dimensões e proporções, de modo a contrapor à desordem
da natureza a geométrica racionalidade da vontade arquitetônica. A arquitetura
grega é essencialmente monumental. Assim, o templo grego é um espaço mais
externo que interno. Seu edifício interno não é feito para acolher e conter
grandes massas de fiéis. É um lugar concebido como moradia de um determinado
deus, onde é colocada sua estátua. Para os fiéis, o templo é erguido a fim de
ser contemplado no seu conjunto, para que subam até ele levando sacrifícios e
homenagens; não, porém, para ficarem lá dentro. (PISCHEL, 1966) Sendo assim, a
maior parte das manifestações musicais se davam em lugares abertos, de menores
recursos acústicos, como o Agora, a praça do mercado e dos principais edifícios
públicos, e a Acrópoles, a “cidade alta”, o topo da colina onde. ficavam os
templos. Os espaços onde a música era executada contando com mais recursos
acústicos eram os anfiteatros. Estes eram construídos em encostas, assim dispondo
sua arquibancada em um semicírculo íngreme, que amplificava as vozes dos
atores, cantores e músicos.
A palavra música vem do grego “mousiki”,
que significa “a ciência de compor melodias”. Há uma lenda mitológica que diz
que a música ocidental começou com a morte dos deuses conhecidos como Titãs.
Depois da derrota destes deuses, foi solicitado a Zeus que se criasse
divindades capazes de cantar as vitórias dos Olímpicos. Há também, na
mitologia, outros deuses ligados à história da música, como Museu, que quando
tocava chegava a curar doenças; Orfeu, que era cantor, músico e poeta; Anfião,
que depois de ganhar uma lira de Hermes, passou a se dedicar inteiramente à
música. Assim como da arquitetura grega clássica só nos restam ruínas, da
produção musical grega só nos restaram raros fragmentos, em alguns papiros e em
capitéis de colunas de mármore. Mas, se de músicas propriamente ditas não temos
quase nada, o mesmo não se pode dizer da teoria musical. Inúmeros tratados
sobre música escritos em grego, e cópias em árabe e latim, sobreviveram. Uma
das primeiras explicações formais sobre a natureza da arte musical reveste-se
de caráter fantástico: é a idéia pitagórica segundo a qual o universo se constituiria
de sete esferas cristalinas que emitem em seu movimento concêntrico as
respectivas notas da escala musical em perfeita harmonia. A teoria musical tem
como objetivo a elaboração de um conjunto de disciplinas e interpretações
gerais sobre os elementos e estruturas musicais. Pitágoras foi quem desenvolveu
matematicamente os intervalos entre as notas musicais, demonstrando as
proporções numéricas das escalas musicas. Os gregos utilizavam duas formas
primitivas de notação musical: uma instrumental,
composta de quinze símbolos distintos, possivelmente derivados de algum
alfabeto arcaico; e um vocal, baseado nas 24 letras do alfabeto jônico. A notação
com letras e todos os padrões harmônicos, escalas e outros aspectos musicais
influenciaram toda a produção musical do Ocidente (de do Oriente Médio) até o
fim do sistema modal, no século XVII. Uns dos maiores legados da cultura grega
é sua literatura. A literatura grega é a mais antiga da Europa, e desde suas
origens está associada à música, ao teatro e também à dança. Do Período
Helenístico em diante, entretanto, estabeleceu-se uma certa independência entre
a música e a literatura.
POESIA ÉPICA
Poesias que narravam feitos heroicos, geralmente se baseavam em fatos históricos,
misturados a lendas e personagens mitológicos. Composições deste tipo, em
versos, foram criadas antes da invenção da escrita e conservadas graças à memória
de incontáveis gerações de poetas-cantores, os aedos. É bom esclarecer que a
poesia grega não era parecida com o que hoje conhecemos por “poesia”. Não havia
rimas, e sim uma estruturação do verso em sílabas longas e curtas, de tal modo
que a declamação adquiria um ritmo e uma musicalidade muito própria à língua
grega. E os versos eram sempre acompanhados de música.
POESIA LÍRICA
Durante o período Arcaico, época de grande efervescência cultural, a poesia,
a música e a dança tornaram-se ainda mais estreitamente ligadas, mas a temática
já era outra. Os poetas praticamente abandonaram os longos temas épicos e
heroicos, e preferiram criar obras mais curtas, pessoais e emotivas. Era muito
apreciada, também, poesias compostas para ocasiões cívicas, como festivais
religiosos e disputas esportivas. O qualitativo lírica, usado até hoje,
refere-se ao fato de estes poemas terem sidos usualmente apresentados com o
acompanhamento da lira. Usava-se muito também a palavra ode, que significa
simplesmente canto, em relação a qualquer forma de poesia lírica. Havia a “lírica
monódica”, em que o poeta declamava sua poesia, e a “lírica coral”, em que a
composição era apresentada por um coro.
TRAGÉDIA E COMÉDIA
A tragédia evoluiu, aparentemente, a partir dos ditirambos, cantos
corais apresentados nos festivais em honra ao deus Dionísio. Em algum momento
do VI a.C. um dos componentes do coro passou a declamar, numa espécie de
conversa com o restante do coro, e quando um segundo membro passou a dialogar
com o primeiro, e ambos com o coro, surgiu a ação dramática, cerne da tragédia
grega. As tragédias florescera na Atenas do século V a.C., após as guerras
greco-pérsicas. Eram apresentadas nos concursos dramáticos dos festivais da
cidade: as Leneias (janeiro), as Dionísias Urbanas (março e abril), e as Dionísias
Rurais (dezembro). As apresentações aconteciam em teatros semicirculares, e
dois ou três atores masculinos com máscaras faziam todos os papéis principais.
O tamanho do coro, que cantava, dançava e dialogava com os atores durante a
peça, variou conforme a época. A comédia também se originou nas festas
populares em honra ao deus Dionísio. Na ocasião, os camponeses dos cortejos se
apresentavam bêbados de vinho, e diziam impropérios e palavrões em voz alta,
para atrair boas colheitas. Em Atenas os concursos de comédias começaram mais
tarde que os de tragédia, por volta do ano 486 a.C. Os coros usavam em geral roupas
que lembravam animais, e os atores tentavam despertar o riso com barrigas e
falos postiços. Eram também usuais os trocadilhos, paródias e cenas burlescas
de vários tipos. Os gregos tinham uma idéia antropocêntrica da vida, e mesmo
seus deuses eram humanamente concebidos de uma forma infalível. Mas, talvez sua
idealização das características humanas tenha contribuído para o
desenvolvimento de dos famosos arquétipos dionisiano e apoloniano. Os gregos da
Antigüidade viram uma ligação entre estilos de expressão musical e impulsos
contrastantes da vida incorporados na distinção dionisiana/apoloniana. Havia
assim uma música cujo efeito era de tranqüilidade e elevação e a música que
tinha como objetivo produzir agitação e entusiasmo. A primeira estava associada
com a adoração de Apolo, celebrado em tranquilidade e ordem; o instrumento
usado era a lira e suas formas poéticas a ode e o épico. A segunda estava
associada com a adoração de Dionísio, celebrado com vinho e embriaguez; o instrumento
era o aulos e suas formas poéticas o dithyramb e o drama. A música era usada
para incitar paixões e até mesmo promover o hedonismo. (STEFANI,2002) O último
momento da arte grega é o período helenístico. Inicia-se antes do fim do século
IV a.C., mas é difícil indicar o ponto final desse momento. Do ponto de vista
artístico, o período não se fecha com a conquista política da Grécia por Roma; aliás,
essa conquista conduz à admiração dos romanos para a cultura e arte grega, bem
como a transferência, para Roma, de mestres e artesãos gregos. Assim ocorrem as
infiltrações helenísticas na arte romana. (PISCHEL, 1966) Não é paradoxo
afirmar que a maior construção dos romanos foi seu Estado. Através dos diversos
regimes da monarquia, da república e do império, passa de modesta liga de povos
rurais, para a força que unificou toda a Itália, até tornar-se a potência que
dominou todo o Mediterrâneo, depois conquistando a Europa, a Ásia e a África.
Nesse território Roma instaurará – a todos fazendo cidadãos romanos – a sua
civilização, fundada sobre o critério do Direito e sobre singulares
inter-relações da autoridade e democracia. Não admira, pois, que tal mundo
revela em todos os setores, e também na arte, um cunho praticista. Estradas
pavimentadas para o exército; pontes sólidas de alvenaria; aquedutos em arcos,
que de longe transporta água para as cidades. Tudo isso faz parte da precoce
arquitetura romana. Seu próprio teor monumental, procurando a grandiosidade
como símbolo de potência e se orientando mais pela solidez imponente do que
para a elegância e graça, será caracterizada pela preocupação relativa às
exigências das grandes massas populares: foros, termas, teatros, circos. Para o
estudo da arte romana e importante identificar as diversas contribuições
proporcionadas pelas civilizações pré-romanas. O território itálico, saindo da
Idade do Bronze, não experimentou unidade política, e portanto, não expressou
unidade artística. A característica de sua produção de arte pode ser reconhecida
pelas diferenças de níveis qualitativos e pela variedade de manifestações. As
principais influências foram primeiramente os etruscos, e posteriormente os
gregos.
Quando no século VIII a.C., Roma inicia sua vida histórica, adota em sua
forma urbana a solução etrusca de cidade murada, com portas de acesso, ruas em retícula
e casa de planta elíptica. Num período republicano mais avançado, Roma passa,
na construção de seus templos, das receitas etruscas aos módulos gregos. A própria
Roma se refaz, então, com exemplos urbanos helênicos, abrindo pórticos nas alas
laterais de suas praças, e edifícios monumentais. Com a expansão da civilização
romana no período imperial, Roma se torna hiper-populosa. Para seus
governantes, deve representar o mais vasto império do mundo, deve tornar-se o centro
esplêndido de semelhante domínio. Aqui se exprimiria o melhor da cultura; aqui
a arte será entendida como recurso de exaltação a potência do Império. As
grandes soluções urbanísticas e as grandes construções darão, entre outras
coisas, trabalho a grandes massas de proletários. Utilizando as ordens
arquitetônicas gregas de maneira mais livre, a arquitetura romana se enche aos
poucos de originalidade. Prédios curvos e dinâmicos, em oposição à solução
retilínea e estática da arquitetura grega. (PISCHEL, 1966).
Musicalmente, ocorreu o mesmo que com as demais artes romanas. A música grega
foi incorporada, somada às influências de outros povos dominados pelo império
romano. Estava principalmente ligada aos eventos públicos, como reuniões e
festividades religiosas; eventos esportivos e lutas de gladiadores; eventos
cívicos, militares e festividades dos imperadores em seus palácios;
acompanhamento par teatros, dança e poesia. A grande arrancada artística se dá
na renovação monumental de Roma, após o incêndio de Nero, no primeiro século da
Era Cristã. A obra arquitetônica mais conhecida da época é o Coliseu. Nenhuma
outra obra desta época alcança, em Roma, tamanho equilíbrio estético. No século II, a arquitetura nos revela domínio
do espaço real em construções isoladas, e domínio da ficção espacial na relação
entre forma arquitetônica e espaço urbano.
O século III reflete, em todas as soluções artísticas romanas a ânsia de
manifestações destinadas a surpreender por sua magnificência. Quando irrompe o
Cristianismo, no século IV, Roma já concluíra sua parábola artística.(PISCHEL,
1966).
A MÚSICA NO MUNDO ROMANO
Por volta do século IX, livres da opressão do Império Romano, os povos europeus
começam a desenvolver suas próprias manifestações culturais, como língua,
Música, Arquitetura e outras Artes. Como período artístico que sucedeu o do
Império Romano, foi denominado de Românico, que marca o início da Idade Média,
na Europa feudal. No período do fim do Império Romano, a Europa estava arrasada
após séculos de dominação romana e de ataques de povos bárbaros. As cidades,
outrora grandes, se reduziram a feudos murados e pequenas vilas rurais.
A única instituição que perdurou do período imperial foi a Igreja Católica
Apostólica Romana, que dominava todo o Continente com seu poder religioso, e em
muitas regiões com um poder quase temporal. Onde o poder temporal era exercido
pelo senhor feudal, que dominava a classe social dos servos, o clero tinha a
função de legitimar o poder da nobreza, garantir a autoridade das classes dominantes
e justificar as relações feudais como necessárias e imutáveis. Com sede em
Roma, seus “tentáculos” nos demais países eram os Mosteiros e Conventos das
ordens monásticas. Essas construções se destacavam por sua monumentalidade,
onde predominava a horizontalidade, sólidas e pesadas paredes de pedra, com
poucas aberturas para a entrada de luz natural. Tanto seu interior quanto
exterior estavam quase ou nada dotados de ornamentos. Essa austeridade tinha a
função social de pregar o desapego às coisas materiais, e a busca das coisas
espirituais. (RAMALHO, 1992).
O surgimento do monasticismo, com sua rejeição ascética do mundo físico,
confirmou a orientação transcendental no pensamento cristão até o ascetismo tornar-se
o ideal da vida cristã. À medida que as comunidades monásticas emergiam como os
centros de aprendizagem e fornecedores da cultura cristã, sua concepção do que
era santo veio a ser comparado com o que era bonito e bom. Com o
desenvolvimento do sacerdotalismo e do sacramentalismo, a participação congregacional
na adoração foi minimizada, Deus foi distanciado da experiência direta dos adoradores.
(STEFANI, 2002). As poucas aberturas dessas construções direcionavam a luz para
o altar, onde se encontrava o clero e os objetos litúrgicos, ficando a
congregação na penumbra. Isso passava a ideia de santidade dos representantes
de Deus aqui na Terra, e a condição de trevas espirituais da população leiga. O
peso de sua massa construtiva ao mesmo tempo passava a sensação de opressão e
de proteção, como que dizendo que é a Igreja que domina, mas diferentemente da
dominação do senhor feudal, apenas ela pode salvar a alma. As pessoas que
entravam nas catedrais deixavam para trás sua vida de preocupações materiais e
pareciam adentrar em um mundo diferente. Mas era um mundo misterioso, que
inspirava temor, onde a esperança de salvação misturava-se ao medo da morte e
do julgamento; e nas comunidades simples o foco principal estava no medo.
A Teologia românica
concentrava-se em Deus como uma figura de autoridade – soberano, ditador da lei
e juiz. As criações estéticas derivadas dessa ideologia certamente inspiravam
mistério, temor e reverência, e às vezes intimidação (STEFANI, 2002). Nestas
“fortalezas” sagradas os religiosos se refugiavam dos males deste mundo. Suas
atividades diárias consistiam de orações, meditações, leituras da Bíblia
(copiadas a mão por eles mesmos) e de cânticos. A fonte musical destes cânticos
era os cânticos judaicos (Salmos) e a música grega, preservada pela Roma
Antiga. Inicialmente herdado da sinagoga judaica, o estilo de música sacra
cristã primitiva foi conscientemente cultivado durante séculos sucessivos para
refinar essas características próprias de uma orientação transcendente. Ambas
músicas, da sinagoga judaica e a música cristã primitiva, exibiram o mesmo
canto bíblico intencionalmente restrito, mas certos pontos secundários de
diferença existiram, particularmente relativos à expressão do sentimento
humano. Enquanto o canto judaico era um canto humano, imperfeito, o louvor cristão
buscava aproximar-se da beleza pura e perfeita de um coro de anjos. Após o Papa
Gregório I ter unificado a liturgia do culto nas igrejas, no século VI, a
música passou a ter uma grande importância nos ritos sacros, denominada de Canto
Gregoriano. A música litúrgica foi o padrão para a cultura musical durante o período
medieval.
A música da Igreja claramente liderou a hierarquia musical aceitável na
sociedade, determinando a direção do desenvolvimento artístico como um todo. O
tema e o objetivo da música de adoração cristã era permanecer sendo a glorificação
de Deus e a edificação do homem. Seu foco era o Deus transcendente e a
humanidade deveria ser ensinada sobre Ele e elevado ao Seu reino.A ênfase era a
contemplação no lugar do envolvimento; o idealismo no lugar do realismo; a instrução
no lugar do prazer. (STEFANI, 2002).
O CANTO GREGORIANO
O Canto Gregoriano, como canto monódico unificado de uma Igreja que se responsabilizava
por uma tal missão social, necessariamente deveria ser organizado de forma a
favorecer a difusão dessa ideologia. O sistema modal, instituído para reger a
organização melódica do Canto Gregoriano, deve ser entendido como um “princípio
disciplinador”. Principalmente em se tratando das formas de recitação dos
Salmos, nota-se, por exemplo, que um mesmo modelo de trajetória melódica frequentemente
servia de suporte para vários textos inteiramente diversos, bem como também era
comum que um mesmo texto se sujeitasse a diversas formações melódicas
distintas. (SCHURMANN, 1985). Em sua estrutura melódica se destaca o uso de uma
determinada altura sonora, uma nota dominante. Toda a trajetória da voz pela
linha melódica parece estar vinculada a esta dominante, com a qual mantém uma
relação de íntima dependência, impregnando-a de um caráter autoritário
favorável ao desempenho social da Igreja.
O CANTO LITÚRGICO
O canto litúrgico era dividido em melodias (cantos realizados sobre
textos novos, cantados numa única linha melódica, sem acompanhamento de neumas,
que indicam a movimentação melódica) e salmodias (canto de Salmos ou partes da Bíblia).
A notação musical ainda não era precisa. Eram utilizados signos fonéticos acompanhados
de sinais que indicavam a movimentação melódica. No âmbito da teoria musical,
surgiram os oito modos eclesiásticos, inspirados nos modos gregos. A melodia
era dividida em três partes, sendo a primeira ascendente, a segunda permanente
e a terceira descendente, com as mesmas notas que a primeira, formando uma
estrutura simétrica, fazendo alusão aos versos da liturgia “Sicut erat in
principio, et nunc, et semper, et im saecula saeculorum” (sempre foi, permanece
e sempre será), que tanto se refere a uma característica Divina, quanto à
ideologia de imutabilidade social do feudalismo; bem como imprimem à melodia e
ao ouvinte as características de impessoalidade e de dependência de uma
instância superior. Para reforçar ainda mais essa ideia de permanência, era
comum o uso de acompanhamento de um pequeno órgão de tubos ou de uma viele de
roda, que produzia um som único e contínuo, do início ao fim, além da
predominância constante de uma nota cantada dominante, que com o eco se tornava
mais contínua ainda. São características desta natureza que sem dúvida eram
relevantes para dotar a liturgia da austeridade pesada e opressora, também presente
nas formas arquitetônicas do estilo românico.Todas as características da
Arquitetura Românica estavam presentes na música desta época: a
horizontalidade, gerada pela pouca diferença de altura entre a nota mais baixa
e a mais alta da melodia; a falta de ornamentos, pela ausência de “voltas” em
suas escalas; a já citada simetria; a unidade, pela estrutura harmônica em
uníssono. Além disso, suas pesadas e sólidas paredes de pedra, sua forma
retangular com um comprimento da nave muito maior que sua altura, e um teto em
forma côncava (abóbada), proporcionava um tempo de reverberação altíssimo, causando
muito eco. Se a melodia e a harmonia fosse complexa, o som ficaria “embolado”. Com
uma melodia simples e em uníssono, o eco acabava gerando uma “polifonia” e um
“contracanto” natural, pela superposição das notas cantadas e do eco, criando um
clima misterioso e místico.
A MÚSICA GÓTICA
A partir de meados do século XII, grandes mudanças assolam a Europa. O crescimento
demográfico e o aperfeiçoamento dos métodos agrícolas e comerciais proporcionam
as bases pelas quais o Ocidente deixará de viver encolhido sobre si mesmo. Na
ordem política, vê-se uma crescente afirmação do poder real frente às desagregadoras
do feudalismo. A consolidação das monarquias e do sentido nacional, a
prosperidade econômica regida pela indústria manufatureira e pelo comércio, que
vai gerar um grande crescimento das cidades e o surgimento da classe burguesa,
vai por um fim definitivo à sociedade feudal. As peregrinações e as Cruzadas
põem a Europa em contato com novas culturas. As ordens cistercienses promovem
uma reforma monástica. As escolas catedralícias e urbanas arrebatarão a
primazia dos mosteiros como foco de cultura, passando as universidades a
exercerem essa função. A espiritualidade se vê condicionada pelo fenômeno
urbano quando surgem as chamadas ordens mendicantes: franciscanos e
dominicanos. (BRACONS, 1992). As manifestações artísticas ganham grande
importância, e os artistas e artesãos passam a ser muito valorizados. Esses se
organizam em confrarias e corporações, e passam a se especializar em seus
ofícios. Todas essas mudanças nos âmbitos sociais, econômicos, políticos e
artísticos, acabou resultando em mudanças na ideologia da Igreja. O nascimento
da arquitetura gótica foi resultado da evolução das técnicas construtivas
realizadas durante o período românico, principalmente em consequência dessa
mudança ideológica. O início dessa nova corrente foi atribuído ao abade Suger,
da abadia de Saint-Denis, na Île-de-France, santuário do evangelizador da
França (São Dionísio), panteão real e depositário das insígnias do poder. Ao conceber
o projeto de renovação da abadia, Suger utilizou os elementos arquitetônicos
que já existiam no românico tardio, como arcos e abóbadas ogivais, mas
combinados segundo uma nova ordem. A partir deste feito, todas as obras construídas
na França seguirão seu estilo. Todos os esforços passaram a se concentrarem na
solução de um único edifício: a catedral. (BRACOSN, 1992). Segundo BRACONS, a
catedral, paradigma da arquitetura gótica, fará a contraposição entre a arte
românica monástica e rural, e a arte gótica catedralícia e urbana. Como igreja
representativa de uma sede episcopal, converte-se no símbolo da do renascimento
das cidades na Europa do século XII. Os aspectos construtivos possibilitaram a
materialização da nova ênfase doutrinária da Igreja. Com o domínio cada vez
maior dos arcos e abóbadas em ogivas, e do afastamento dos contrafortes em
arcobotantes das paredes externas, se conseguiu construir catedrais com panos
cada vez mais esbeltos, e naves cada vez mais altas. Com a diminuição da função
estrutural das paredes, estas ganham cada vez mais aberturas para a entrada de
luz, os vitrais. Como a luz emana dos elevados janelões, o sentido ascencional
converte-se em outro dos fatores substanciais da arquitetura das catedrais
góticas. Altíssimas torres pontiagudas riscam os céus, reforçando este sentido
de ascensão e se tornando ponto de referência visual em toda a cidade. Ao
contrário da arquitetura românica, a gótica é extremamente ornamentada. Com o
virtuosismo dos artistas como arquitetos, escultores, ourives, muralistas e vitraleiros,
além do patrocínio dos monarcas, se passam a construir catedrais cada vez mais
ricas, adornadas e monumentais. A luz passa a transmitir uma profunda sensação
de transcendência, da presença de Deus que agora se derrama sobre todos. A
leveza da igreja, aliada aos elementos arquitetônicos ascendentes (arcos e abóbadas
em ogiva, os vitrais, as torres…) não mais passam o sentimento de opressão. Nos
cultos, a figura masculina do Deus opressor é substituída pela figura feminina
e intercessória da Virgem Maria. A espiritualidade se renova, se tornando mais
sensível à realidade humana. (BRACONS, 1992). O conjunto dessas inovações se
estenderam à produção musical, que recebeu o nome de “Ars Nova” (arte nova), em
oposição à “Ars Antiqua” (arte antiga). Essa nova arte seria a música
polifônica, que veio substituir a música em cantochão (monofônica) do Canto
Gregoriano. Igualmente à arquitetura gótica, também nasceu na Île-de-France, na
catedral de Notre Dame. Os músicos que atuavam junto à catedral de Notre Dame
dispunham de uma notação musical evoluída, em que não só as notas musicais
vinham grafadas, mas também os ritmos e a duração em que cada nota deviam soar.
Além da elaboração de notas novas sobre organuns dados, as músicas se abrem
para composições autônomas.
A ARTE NOVA
A “arte nova”, que fortalecia o conceito tonal, fez com que a música
adquirisse uma complexidade até então incomum para a cultura do ocidente. A
transição da nonofonia tradicional românica para a polifonia gótica se deu de
maneira gradual, iniciando com ornamentações ou vocalizes a duas vozes, até
chegar a quatro, então designadas de tenor, duplum, triplum e quadruplum.
Inicialmente, as vozes seguiam a linha melódica na partitura paralelamente,
sendo duas em oitavas e as outras em quartas e quintas. (SCHURMANN, 1989).
CONTRACANTO
Outra técnica comum era o contracanto ou contraponto, onde uma voz iniciava
a melodia, seguida poucos segundos depois pela outra, e assim por diante, cantando
todas as vozes a mesma melodia, em tempos desencontrados. Essas duas técnicas
evoluíram para arranjos a quatros vozes independentes, onde as linhas melódicas
não seguiam mais trajetórias paralelas; e o auge da polifonia gótica, quando se
uniu esta técnica de harmonia com o contraponto, passando as diferentes vozes a
assumirem independências melódicas e rítmicas, chegando ao extremo de cada voz
entoar seu texto exclusivo. A polifonia e o contraponto sugerem uma perfeita
similaridade poética com os princípios da arquitetura gótica: ritmos agitados,
flutuantes, de elevada grandiosidade espiritual. Estão presentes também a
riquíssima ornamentação, a transcendental idade, a superposição de elementos
ascendentes que reforçam o sentido de alegria e júbilo e culminam num clímax.
(SCHURMANN, 1989). A catedral, com sua proporções e sua própria estrutura
amplificava o som, constituindo uma fonte especial de inspiração para os
compositores, que desenvolviam técnicas para preencher este espaço com música
gloriosa e que se elevasse a grandes alturas. (IAZZETA, 1993) Vê-se aí mais uma
nítida diferença entre a música monofônica e a polifônica, que vai além da
questão estética, presente igualmente na música e na arquitetura, e se dá no
âmbito ideológico da nova sociedade: o júbilo que sucede a opressão. Ao que
tudo indica, tratava-se de uma espécie de exultação que nada tinha a ver com a
liturgia em si. O desenvolvimento desse tipo de polifonia urbana pressupunha a
existência, naquele tempo e naquele lugar, de uma formação social onde uma
camada substancial da sociedade tivesse motivos relevantes para se sentir em
estado permanente de exaltação. Seria uma comunidade triunfante, a burguesia,
como resultado de um processo histórico vinculado ao surgimento, no âmbito
urbano, de novas forças sociais, distintas e opostas àquelas que eram próprias
à ordem feudal e rural anteriormente estabelecida. Mediante tais manifestações,
a burguesia dizendo não ao canto monódico, contestava e se opunha de modo
jubiloso à dominação cultural. Como explicar que tais manifestações de
contestação se desse na catedral de Notre Dame, isto é, um espaço que
evidentemente se destinava primordialmente às práticas diretamente vinculadas à
liturgia? Uma possível resposta, embora um pouco romântica, é que os habitantes
das cidades francesas dessa época, imbuídos de forças sociais acumuladas em
consequência dos êxitos obtidos nos seus empreendimentos, ansiassem por um espaço
no meio urbano que resumisse seus esforços coletivos e expressasse o sucesso de
suas realizações. A catedral gótica seria a materialização desses anseios: a
“casa comunal”, o celeiro de abundância, a bolsa de trabalho e o teatro do
povo, o edifício sonoro e luminoso que sempre estaria aberto ao povo, a grande
nave capaz de conter a cidade inteira, a arca cheia de tumulto nos dias de
mercado, cheia de danças nos dias de festas, cheia e cânticos nos dias de
culto, cheia da voz do povo todos os dias. (SCHURMANN, 1985). A formação
intelectual se desloca das escolas monásticas para as novas instituições
urbanas: as escolas catedralícias e as universidades. As relações existentes
entre a escolástica, no campo acadêmico da filosofia, e o estilo gótico, na arquitetura,
são fenômenos dialeticamente vinculados. Sobre essa perspectiva deve ser compreendido
também o fenômeno da polifonia, enquanto a escolástica expressava a
religiosidade medieval de acordo com a ideologia burguesa, se utilizando da
comunicação linguística. Para procurar contemporizar os conflitos ideológicos
já deflagrados, a música polifônica não fazia uso dos procedimentos
discursivos. Era assim uma prática de efeitos muito mais imediatos capaz de
expressar a animosidade da burguesia perante a dominação cultural, aniquilando
assim os meios musicais tradicionalmente usados para esta dominação.
(SCHURMANN, 1989).
A MÚSICA RENASCENTISTA
No início do século XV, as monarquias estavam em vias de desenvolver uma
potencialidade política independente. Elas encontrariam na burguesia os meios necessários
para a realização de seu poder. Até então, os reis e imperadores medievais, como
supremos soberanos situados no ápice da pirâmide hierárquica da nobreza feudal,
haviam exercido seu poder numa dependência quase absoluta da Igreja, a qual se
identificava com o Estado. As monarquias, por mais amplo que fosse seu poder,
de fato nunca haviam passado de meros prolongamentos do verdadeiro Estado que
era a Igreja. Essa situação viria alterar-se totalmente com o surgimento da
intelectualidade urbana, uma vez que os funcionários e estadistas já não mais
teriam que, forçosamente, ser recrutados pelo clero tradicional. E ao mesmo
tempo em que a monarquia assim acabaria por distanciar-se do resto da nobreza,
também no âmbito das cidades o patriciado começava a afastar-se dos
trabalhadores urbanos. Foram muitas as cidades onde a indústria artesanal de
determinados produtos se havia desenvolvido a ponto de exceder as demandas de
consumo local. Este excedente, evidentemente, tinha que ser absorvido pelo
comércio a longa distância, a fim de abastecer outras regiões. Muitos artesãos
passaram a produzir produtos exclusivamente para o mercado exterior,
tornando-se aos poucos dependentes dos grandes mercadores, recebendo destes
matéria prima e entregando aos mesmo os produtos acabados. Assim gradativamente
foi crescendo o número de trabalhadores que, tendo perdido sua antiga condição
de artesãos autônomos, passaram aos poucos adepender completamente de uma
classe de comerciantes, detentora do capital comercial. Configurava-se aí uma
contradição entre o trabalho e o capital, surgindo assim o capitalismo mercantil.
A burguesia, antes unida em seus esforços em uma luta de toda a comunidade
urbana por privilégios e franquias, uma vez atingidos esses objetivos, passara
a distanciar-se cada vez mais da população menos favorecida e voltar seus interesses
para as perspectivas de enriquecimento cada vez maior. Essa mudança de
mentalidade trouxe consequências pra todos os aspectos da sociedade,
inclusivena música. (STANLEY, 1994). As missas polifônicas que começaram a
brotar no século XV já se nos apresentam como estruturas que parecem atender a solicitações
de outra natureza, não tendo mais nada a ver com aquele júbilo juvenil de uma
burguesia em vigorosa ascensão. Antes era uma melodia litúrgica que servia de
pretexto para um ato de comunicação burguês; agora seria uma melodia burguesa
que serve de pretexto para um ato de comunicação litúrgico. Antes era a cultura
burguesa que se utilizava, à sua maneira, de um elemento da cultura dominante;
agora seria a cultura dominante que se utiliza, também à sua maneira, de um elemento
da cultura burguesa. A História nos mostra tratar-se de um processo cujos
primeiros frutos tiveram origem na região de Flandres, para daí se alastrar
rapidamente por toda a Europa, resultando no que viria a ser designado pelo
termo polifonia renascentista. (SCHURMANN, 1985). As cortes enriquecidas eram
frequentadas por grandes comerciantes, representantes das instituições
bancárias hanseáticas e italianas, e também por importantes intelectuais e
artistas, como pintores e músicos. De fato, esse meio requintado viera oferecer
a músicos, escultores, pintores, arquitetos e outros intelectuais condições
econômicas e de prestígio muito vantajosas. A alta aristocracia passara a
assumir o papel de Mecenas(Os mecenas eram burgueses ricos da época do
Renascimento, que, patrocinavam o trabalho de artistas e escritores, em busca
de glória e prestígio). Assim, as atividades artesanais passaram a ser
destinadas ao entretenimento e prestígio desta aristocracia, modalidade esta
que daí em diante seria designada pelo termo Arte. A partir daí, os objetos
haveriam de satisfazer já não mais às necessidades da vida cotidiana, mas às
necessidades da contemplação. Coisa semelhante se daria com a música que, em
lugar de continuar a servir como meio de comunicação cotidiana, gradativamente
se converteria em obra de arte para ser exposta como forma de espetáculo. Os
músicos passariam então a exercer uma nova função, que consistia em dotar a
classe aristocrática de uma forma de ostentação, pela qual esta pudesse afirmar,
para si e para os outros, a magnificência necessária para a legitimação do seu
status de detentora da riqueza e do poder. Chegara o tempo em que qualquer casa
que se prezasse haveria necessariamente de exercer o mecenato e, efetivamente,
muitos foram os centros de riqueza e poder espalhados pela Europa que, numa
concorrência desenfreada, passaram a disputar os músicos de maior fama.
(SCHURMANN, 1985). O auge desta ostentação e opulência se daria na arquitetura.
Filippo Brunelleschi (1377-1446) abre em Florença a Renascença Italiana. Sua
linguagem arquitetônica, embora dotada de um desenvolvimento contínuo, nasce
completa, absoluta, com liberação explícita da experiência gótica ainda
recente. O cunho de sua originalidade está, sobretudo, na criação do vazio
espacial interior, no equilíbrio íntimo e espiritual entre poesia e razão. Sua
personalidade técnica está toda expressa na construção de duas réguas de
cálculo, demonstrativas das regras para a exata concepção da perspectiva de um
edifício. Virtuosismo no domínio das formas geométricas e puras, no novo
arranjo das antigas ordens clássicas, a monumentalidade, as proporções humanas.
Tudo isso para enaltecer as conquistas intelectuais e econômicas do Homem
Moderno. No lugar das catedrais, o que interessa agora são os palácios da corte
e as mansões da burguesia capitalista. (PISCHEL, 1966). Por seu passado de
cultura clássica (greco-romana), a Itália vai ser o berço destas novas
manifestações artísticas, baseados nos ideais clássicos de antropocentrismo e
humanismo. As ciências se desenvolvem incrivelmente, e são escritos tratados e
regras para reger todas as Artes. A Música passa a ser considerada ciência,
como a Matemática e a Astronomia, entre outras. De fato, a Renascença musical
constituiu-se em uma arte que os próprios compositores, cantores e
instrumentistas sabiam estar aberta a experimentações e inovações. A
possibilidade de aventuras sonoras teve sua correspondência mais próxima com as
descobertas do Novo Mundo e a física de Galileu e Newton. Por outro lado, o que
teve em comum com seu tempo foi justamente o refinamento da sensibilidade, o
ideal de perfeição e grandeza, a ampliação de públicos educados e a incorporação
de um espírito humanista e cosmopolita. A música polifônica, que já evoluíra
com os mestres de Flandres, ganhou suas mais requintadas e complexas estruturas
na Renascença do século XV. A missa e o moteto, gêneros predominantes do
período, executados à capela, permitiram que se explorasse a multiplicação de
vozes independentes e, com ela, um maior domínio sobre o chamado “estilo
imitativo” (contraponto). Ao domínio do estilo imitativo esteve ligada a
contínua melhoria do sistema de notação musical. Paralelamente ao já citado
experimentalismo e busca de inovação, a música já não era mais expressão de sentimentalismo
(o júbilo, por exemplo), e sim do racionalismo. Assim como na arquitetura se
inovou usando as já conhecidas ordens greco-romanas de maneira nova, mas
baseado em regras e princípios racionais de proporção, harmonia, ritmo, etc…; a
manipulação das notas musicais que comporiam as obras polifônicas seguiriam
essas mesmas regras e princípios. Foram estabelecidos oito princípios gerais,
que são:
• Parâmetros sonoros especificamente musicais: define os sons
individuais, com parâmetros de traços distintivos, como altura, intensidade,
duração e timbre.
• Repertório de sons musicais: define o som musical como um som com de altura
e duração fixa, o que o difere do ruído.
• As entidades musicais: define com entidades relevantes as associações sonoras,
como as associações melódicas e rítmicas.
• O espaço mélico (ou melódico): define as relações de dependência e independência
entre ritmo e melodia.
• O conceito de melodia: define melodia como uma sucessão de sons musicais,
uma voz em movimento.
• A sistematização racional do ritmo: estabelece unidades de tempo, os andamentos,
compassos e a duração das notas musicais.
• Os relacionamentos harmônicos entre duas alturas sonoras: define as relações
entre as linhas melódicas, nos intervalos harmônicos (sons simultâneos),
divididos em consonantes (agradáveis) e dissonantes (desagradáveis).
• A classificação dos intervalos harmônicos: elabora regras concernentes
ao tratamento das dissonâncias. Mas o clero, em oposição a essa música tão
racionalista, e mais ainda ao entrar no contexto da Contra Reforma, vai iniciar
um movimento de mudança na concepção musical. (SCHURMANN,1985).
A MÚSICA BARROCA
Podemos definir o a arte barroca como a manifestação de um poder estabelecido
e, quase sempre, absoluto. Uma forte carga ideológica influenciou a prática
artística, gerando um barroco da burguesia protestante, e um barroco da Igreja
e da Corte. Os artistas lutarão para ser considerados nobres e, sua arte,
liberal. A conexão entre arte e sociedade trará consigo o desenvolvimento de
obras perfeitamente adequadas às preferências dos diversos encomenda dores,
sobretudo nas manifestações da Corte e da Igreja, em que a ideia artística, na
maioria dos casos, será produto da mente daquele que encomendou a obra,
convertendo-se o artista em mero e fiel executor. A ditadura do gosto, nas
sociedades burguesas, entrará num jogo de oferta e procura, o incrementará o
comércio de arte. No barroco, a inter-relação das artes, a busca de um caráter
unitário, uma arte total, englobando todas as manifestações artísticas, é uma
característica marcante. A arquitetura converte-se num marco idôneo, capaz de
acolher as plásticas pictórica e escultórica, integrada em um todo unitário.
Nunca havia se tentado um tipo de integração que, fugindo do meramente decorativo,
isto é, acrescentando, se convertesse em algo orgânico, dentro de um conjunto
global. O espaço arquitetônico transforma-se em theatrum sacrum, em que a
pintura e escultura são elementos da representação. (TRIADÓ, 1991). A linguagem
musical, cujos primeiros indícios – como linguagem propriamente dita – julgamos
poder situar na polifonia renascentista, não chegara à sua plena realização
senão após a evolução de novos princípios musicais próprios ao chamado sistema
tonal. Enquanto a arte renascentista deseja exaltar a razão do Homem, a barroca
deseja expressar as emoções. Em meados do século XVII, a música já era
considerada como sendo não apenas uma espécie de linguagem, mas sobretudo um
modo de comunicação que obedecia certas determinações, as quais acabaram por
ser englobadas num sistema filosófico-musical sob a denominação de teoria dos
afetos. Segundo tais determinações, a música viera estabelecer-se como a
linguagem mais adequada sempre que se tratava de expressar ou provocar certos
sentimentos, emoções e paixões, ou seja, os afetos humanos. Durante esse período,
diferentes estereótipo de certos estados emocionais foram traduzidos em temas
musicais que um compositor poderia usar para compor uma música. (STEFANI,
2002). Apesar disso, o sistema tonal surgiu num contexto do racionalismo. Nesta
época, importantes trabalhos científicos foram produzidos, como a criação da Geometria
Analítica, por René Descartes. Em Paris fundara-se a Academia das Ciências, e
nesta, pela primeira vez, se reconheceu a Acústica como uma ciência autônoma. E
era da Acústica que se exigia que desvendasse, por meio da razão científica, os
mistérios ainda envolvidos no domínio da música. Era a estreita vinculação de
um trabalho prático de produção musical com atividades teóricas de investigação
científica que permitiria o surgimento do sistema tonal, o qual acabaria por
encontrar sua fundamentação numa estrutura de conceitos perfeitamente racional,
edificada sobre os acordes e suas associações. E foi com base nessa concepção
que se desenvolveu um Tratado de Harmonia. Embora essa preocupação com os acordes
tenha em seu início como consequência das práticas homofônicas, isto é, de uma
reação às práticas polifônicas, evoluiria para uma polifonia tonal, em oposição
à polifonia modal anterior. Agora todos os fenômenos melódicos envolvidos na
trama das diversas vozes simultâneas teriam que sujeitar-se ao novo sistema.
Assim, enquanto na polifonia modal qualquer acorde não podia surgir senão como
consequência quase passiva das trajetórias melódicas das diversas vozes, na polifonia
tonal essas trajetórias já são conscientemente programadas tendo em vista os
acordes a serem alcançados. Os acordes seriam conglomerados de notas
simultâneas, apoiadas em notas fundamentais que se localizavam nos diversos
graus da escala. Os teóricos da época descreviam a ordem da expressão musical a
partir da Harmonia, e para estes somente a harmonia tinha a capacidade de expressar
as paixões. (SCHURMANN, 1989). A expressão das paixões, a dramaticidade,
encontrará seu lugar, além da música, na arquitetura. A arquitetura do século
XVII evoluirá em dois sentidos: a definição de um espaço unitário e a formação de
um espaço especulativo. Essa formulação, espacial e de conjunto, define dois
momentos de um mesmo discurso. Inicialmente, as ordens religiosas necessitaram
de igrejas para acolher seus numerosos fiéis e a nave única converteu-se em
hábil solução. Num segundo momento, o sentido propagandístico prevaleceu e a
busca de um espaço individualizado se acentuou. Assim, da planta longitudinal,
passar-se-á a soluções complexas em todo o espaço arquitetônico. Acrescentar-se-á
o infinito como valor essencial, rompendo-se a ordem fechada das estruturas
arquitetônicas. Portanto, essa corrente pode ser definida como contra reformista.
A ideia de unidade espacial, latente nas formulações barrocas, vai lograr um todo
que não seja a composição das partes. Isso dá início à especulação arquitetônica.
Essa especulação tem, norteando-a, a total integração espacial e a eliminação
de zonas de conflito que quebrem a ideia globalizada do espaço. Reforça-se,
desta forma, o sentido teatral do espaço, que recolhe num só ponto, fazendo-as
confluir, todas as partes do conjunto. Assim, o espectador não está num lugar
do espaço, mas dentro do próprio espaço, absorvido pelo movimento e pela interpenetração
das partes num todo. Assim, um conjunto de dimensões reduzidas, por não poder
ser medido e delimitado, cria uma espacialidade enigmática, que o faz maior aos
olhos do espectador. Propõe, ao mesmo tempo, um percurso visual que, por falta
de elementos diferenciados, leva-nos sem descanso ao longo de um contínuo sem
fim. (TRIADÓ, 1991). O dominante estilo de música de igreja, transcendental,
manifestado no canto gregoriano e na polifonia, não desapareceu com o começo da
Reforma Protestante. Mas através da nova compreensão da atitude reconciliatória
de Deus com a humanidade, a música que expressava a vida cotidiana já não era
mais evitada. (STEFANI, 2002). Partindo de seu princípio mais racionalista, a música
barroca se utilizava de uma polifonia mais comedida. Isso se enquadrava na
ideologia inicial da Contra- Reforma,
que procurava buscar novamente a austeridade perdida na Idade Média, como forma
de atrair os fiéis “perdidos” para o movimento reformista protestante. Seguiu-se
um período de repressão artística, incluindo a música. O Concílio de Trento
decretou que a música fosse pia e celebrasse a religião. Assim, a estrutura musical
consistia de tema e acompanhamento, ou seja, de uma melodia e ornamentos.
(SCHURMANN, 1989). Pressões da Igreja Romana, que exigia o claro entendimento
das palavras litúrgicas cantadas pelos coros, levaram a uma simplificação das
vozes sobrepostas, e com isso, inicialmente, o papel individual de cada melodia
se tornava secundário, se adequando a nova concepção harmônica da homofonia. Em
contrapartida, uma melodia que se destacasse como principal sobre o
acompanhamento, era investida de uma importância inexistente até então, o que redundou
no surgimento da figura do solista. A estreita integração da música com o
texto, tanto melodicamente como ritmicamente, se adequaram aos ideais
humanísticos da época. Embora feito pela recém criada Igreja Protestante por
razões teológicas. Os instrumentos musicais, antes proibidos, são incorporados
no acompanhamento dos hinos.
O CANTO CONGREGACIONAL
Em resposta ao chamado de Lutero para canções de adoração
congregacionais e vernáculas (na língua do povo, e não mais em latim), um novo
estilo de música sacra (o chorale) foi intencionalmente criado. Esteticamente,
isso significou a adoção de ideais que eram mais próximos do homem comum e da
realidade natural da experiência cotidiana. A música congregacional necessitou
de um estilo de música mais apropriada para vozes destreinadas e linguagens
vernáculas. (STEFANI, 2002). Mas logo a ideologia do clero mudou, e o desejo de
se ostentar a opulência e magnificência da Igreja se consolidou. No período barroco
assistiu-se ao revitalismo triunfante do catolicismo, invertendo-se algumas das
derrotas para a Reforma. O Papado respondeu com uma grande determinação em
reinstaurar sua autoridade. Em contraste com os valores de austeridade e simplicidade
do protestantismo, encorajava a criação de uma arquitetura grandiosa. As formas
inicialmente contidas da arquitetura, ainda carregadas de um certo classicismo,
se enchem de dinamismo, de formas curvas e ascensionais. Ao invés de ogivas o
torres pontiagudas apontando para o céu, típicas do gótico, pilares espiralados,
contorcendo e distorcendo a regularidade clássica do renascimento, que se
fundiam ao teto, formando um conjunto único e infinito. Neste teto, o próprio
Céu, cheio de anjos e outras figuras celestiais, pintadas. As novas igrejas e
altares, extremamente elaborados, destinavam-se a evocar o mesmo sentimento de
temor e majestade que as grandes catedrais da Idade Média haviam inspirado. Os
altares e ornamentos se recobrem de ouro e prata. A dramaticidade se revela
também na expressão das esculturas e imagens, carregadas de misticismo,
ascetismo, heroísmo, erotismo e crueldade, que persuadirão os fiéis através dos
sentidos, em oposição à razão. (TRIADÓ, 1991). Essa opulência se refletirá na
música. A polifonia tonal atinge grande complexidade ao reincorporar estruturas
polifônicas antigas, como a Fuga (contraponto), as linhas melódicas
independentes, onde cada instrumento tem sua melodia, formando uma trama
intrincada de sons, mas como uma unidade precisa, baseadas nos novos princípios
de harmonia. As linhas melódicas usam e abusam de escalas ascendentes e descendentes,
numa alusão às formas curvas da arquitetura barroca. A complexidade dos acordes
se remeterá à riqueza de detalhes de cada escultura, pintura ou altar das
igrejas. Como a arquitetura, a música é extremamente ornamentada e teatral. A harmonia
se estende aos antes chamados instrumentos melódicos, e músicas são compostas
para instrumentos até ali pouco explorados como solistas, com uma riqueza de
sonoridades nunca antes deles extraída. E mesmo na música orquestral, com
muitos instrumentos diferentes, cada instrumento é pensado com sua individualidade
e potencialidade. O barroco foi o período em que o homem de espetáculo, o
virtuoso, reinou. O detalhe é super valorizado, mas sempre pensado dentro da
unidade, do todo global. A teoria musical, neste período, teve no estudo da
harmonia sua linha de frente. Até o Barroco, distinguia-se os semitons ascendentes
dos descendentes. A partir do século XVII, o tamanho do semitom foi
matematicamente estabelecido e padronizado, numa evolução da teoria de Pitágoras.
O estabelecimento da atual sistema de afinação única para todos os instrumentos,
chamado de temperamento igual, possibilitou pela primeira vez a transposição de
uma peça para outra tonalidade, e abriu caminho para as composições orquestrais
do século XVIII em diante.
A MÚSICA CLÁSSICA
O século XVIII é frequentemente descrito como a Idade da Razão. À medida
que os filósofos e cientistas começavam a desafiar os pressupostos tradicionais
sobre a natureza da fé e da autoridade, era posto em questão o poder ilimitado
da Igreja e da Monarquia. O seu espírito de investigação tinha raízes numa
abordagem crítica que muito contribuiu para dar origem aos acontecimentos
turbulentos que depressa iriam irromper no mundo ocidental. Em meados do
século, no entanto, essas convulsões não passavam de nuvens distantes no
horizonte. O estilo prevalecente nas artes era o Rococó, que os arquitetos
franceses introduziram a fim de suavizar a grandiosidade severa do Barroco.
Suas marcas características eram a graciosidade, a frivolidade e o prazer
sensual. O equivalente musical ao rococó foi o estilo galante, que estabeleceu-se
com base semelhante de leveza e elegância, substituindo a escrita complexa da
música barroca por melodias de grande fluência e sentimentalidade. À medida que
o século XVIII se aproximava do fim, verifica-se uma reação quer contra os
exageros estilísticos do rococó quer contra a sociedade que os gerara. Este descontentamento
era mais óbvio na França, onde se estabelecia as bases para a Revolução
Francesa. Este movimento, o Iluminismo, pregava a substituição das superstições
da religião pelas virtudes humanas da razão, da tolerância e da justiça. Na
América, a Revolução Americana se formava. Os Estados Unidos declaram sua
independência da Coroa Inglesa. A França, encorajada por este acontecimento,
derruba a monarquia. Ambos países instauram a República. Vários
desenvolvimentos marcantes no mundo artístico constituíram um elo destes
importantes acontecimentos. Nesta altura, o veículo das mudanças foi o classicismo.
Em um determinado nível, “classicismo” diz respeito à influência das culturas
da antiga Grécia e Roma. Este dado é mais evidente na arquitetura, onde há
modelos a imitar. Num domínio como o da música, a alusão é menos clara. Aqui, “clássico”
pode dizer respeito às qualidades que eram mais apreciadas pelos artistas do
mundo antigo: clareza, simplicidade, moderação e equilíbrio. Em termos práticos,
significava um afastamento da polifonia da música barroca e um maior interesse
por uma melodia e harmonia sem adornos, numa abordagem mais intelectual e
distante. (STANLEY, 1994) O estímulo do revivalismo clássico proveio de duas
fontes principais. Por uma lado, desenvolveu-se como uma reação ao espalhafato
do barroco e do rococó. Ao mesmo tempo, tinha origem em novas descobertas
arqueológicas surpreendentes. As maravilhas do mundo antigo haviam mantido a
sua atração desde a Renascença. Uma visita às ruínas de Roma antiga continuavam
a ser uma das paragens obrigatórias das viagens de qualquer jovem abastado. Na
arquitetura, as ordens clássicas se popularizam. A simetria, o rigor geométrico
e a monumentalidade são novamente as premissas básicas para os edifícios.
Frontões, cúpulas e pilares na fachada se tornam quase obrigatórios. O branco
do mármore e a ausência quase total de adornos davam um aspecto sóbrio porem
solene, dando um ar quase monolítico. Na esfera musical, estas tendências eram
mais evidentes, no gosto crescente pela simplicidade e pela contenção. Para que
a falta de adornos não comprometesse a expressividade, a orquestra se torna o grande
veículo da música clássica. Pela primeira vez na história da música, as formas
instrumentais tomaram precedência sobre as formas vocais. O grande número de
instrumentos, com predominância das cordas, vão dar o aspecto de massa coesa e
monumental, presentes na arquitetura. Na sociedade, a ascensão da burguesia
teve consequências significativas para os músicos. Até então, fora vital para
qualquer aspirante a compositor procurar uma nomeação real ou ligar-se a uma
casa nobre. Em fins do século XVIII, já não se passava assim. Um compositor
poderia também trabalhar como independente, tentando ganhar sua vida vendendo
músicas sob encomenda, ou através de espetáculos públicos que, patrocinados por
nobres ou burgueses, representavam fontes potenciais de rendimento para os
compositores. Essa diversidade das fontes ilustra até onde a música evoluíra. A
maior parte das principais cidades podia orgulhar-se de ter pelo menos um
recinto público para concertos, as salas de concertos. Isso indica uma mudança
marcante na relação da música com a arquitetura. Até então a música era
composta de maneira a explorar as características acústicas do ambiente, e torná-la
condizente com os aspectos acústicos, plásticos e ideológicos do espaço, na maioria
das vezes uma igreja. Com a secularização e popularização da música, grandes
recintos são construídos para abrigar os concertos públicos. Além disso, com o
crescente domínio da Acústica, cujos estudos se desenvolveram bastante no século
anterior, tais recintos eram adequados a audição da música, num processo
inverso ao vigente até então. A publicação de música tornara-se uma indústria
com bastante peso. As novas revistas que surgiam incluíam críticas aos últimos
concertos, juntamente com conselhos úteis para o número crescente de músicos
amadores que desejavam tocar em casa. Técnicas sofisticadas de fabrico tinha
feito descer o preço da maior parte dos instrumentos musicais, fato que contribuiu
para tornara-se moda adquirir um mínimo de dotes musicais como um complemento
social indispensável. Se até 1750 a música era criada principalmente para
benefício da Igreja, da Nobreza e da Coroa, durante o período clássico passou a
ser um prazer ao alcance de muitos outros grupos da sociedade. O período
seguinte, o Romântico, proporcionaria música para o indivíduo. (STANLEY, 1994).
A MÚSICA ROMÂNTICA
Como adjetivo, a palavra “romântico” tinha uma longa e nobre história.
Deriva dos antigos “romances” – as lendas de cavalaria popularizadas pelos
trovadores na Idade Média – e foi usada para expressar as qualidades evocativas
e imaginativas típicas destas obras. Os românticos opunham-se ao classicismo,
proclamando a superioridade da emoção sobre a razão. Exigiam o direito à livre
expressão, em lugar da antiga ênfase na contenção; elevaram o poder da
imaginação a um estatuto quase divino. Os artistas podiam fazer tais afirmações
em grande parte devido ao fato dos seus patronos não serem já as cortes
aristocráticas, mas sim a classe média. Os compositores tinham um maior controle
sobre suas carreiras. De muitas formas, o movimento Romântico proporcionou-lhes
o equivalente artístico de uma declaração de independência. Os românticos
inspiravam-se na Idade Média com um entusiasmo idêntico ao dos predecessores em
relação à Grécia e Roma antiga. Este gosto pelo medievalismo permeava todas as
artes. Na arquitetura, produziu o estilo gótico revivalista. A música, mais
precisamente a ópera, incorporava temas de fantasia e lendas medievais. (STANLEY,
1994). Os românticos distanciaram-se dos valores prevalecentes durante a Idade
da Razão. A consequência natural era que se interessassem pelo irracional, pelo
macabro, sendo a loucura, o horror e o sobrenatural temas comuns. Na música, essa
influência pode ser observada, por exemplo, na Sinfonia Fantástica (1830), de Berlioz,
na qual o compositor evoca uma série de alucinações induzidas pelo ópio. Na
arquitetura, os casarões neogóticos, com sua aparência de “mansão mal assombrada”,
decoradas com esculturas de monstros e gárgulas, típicas das catedrais góticas.
Dada a natureza lúgubre dos temas, poderá parecer surpreendente que a outra
preocupação dos românticos fosse a natureza e suas belas e bucólicas paisagens.
É claro que o gosto pela natureza não era uma novidade, mas a versão romântica
desenvolveu-se em resposta direta a vários fatores contemporâneos. O
alastramento da Revolução Industrial e a crescente urbanização da sociedade
fizeram com que o campo parecesse idílico. Isso se refletiu nos projetos urbanísticos
das “cidades jardins”; e na arquitetura, no estilo Art Nouveau, com suas formas
orgânicas, fazendo referência a temas florais, e com uma certa influência
gótica. Enquanto os artistas clássicos procuravam dispor elementos naturais, de
forma a criar um efeito harmonioso, os românticos não tentavam modificar a
natureza, registrando apenas suas impressões pessoais sobre ela. Em vez de
controlarem os elementos, sentiam-se a sua mercê. De acordo com STANLEY (1994),
a importância que os românticos atribuíam aos seus sentimentos pessoais e ao individualismo
em geral estendia-se a todos os aspectos da sociedade. Os benefícios econômicos
decorrentes da Revolução Industrial resultaram em vantagens consideráveis para
os músicos. O alargamento da educação e o crescimento das classes profissionais
proporcionaram um novo público, permitindo a alguns executantes granjear grande
fama. Os virtuoses eram os reais beneficiários. Com seu virtuosismo buscavam
expressar os seus sentimentos desenfreados de paixão, ódio e loucura. Esse tipo
de virtuosismo foi estimulado também pelos avanços técnicos na construção de
instrumentos musicais, em especial o piano. Isso encorajou os músicos a
tornarem-se mais ousados em suas composições. A dificuldade técnica de muitas
peças transformou-as em exclusivas dos executantes mais especializados,
elitizando a música, fazendo distinção entre os diferentes níveis de público
ouvinte. Surgiu uma divisão semelhante na escala da produção musical. Por um
lado, obras mais curtas, para serem tocadas por poucos músicos, para ouvintes
seletos, no ambiente íntimo dos salões: a música de câmara. Por outro lado, o
tamanho da orquestra foi aumentando gradualmente, a fim de satisfazer os
efeitos opulentos da sinfonia romântica. (STANLEY, 1994). O romantismo é o
derradeiro momento da música tonal. As formas livres, o sinfonismo, o
virtuosismo instrumental e os movimentos nacionais incorporam elementos alheios
à tonalidade estrita do classicismo e esta lentamente se desfaz. A música do
final do século XIX, embora carregada pelo individualismo, reflete as preocupações
coletivas relacionadas aos movimentos de unificação que marcam a Europa do
período. As composições unem o pensamento nacional às melodias populares.
Elaborando-se contra a tradição que representava a arte dos séculos anteriores,
essa corrente evocou a espontaneidade e a revolta, antes dominados pela razão e
pela frieza. As transformações do mundo (sobretudo a Revolução Francesa)
puseram em primeiro plano o indivíduo, com seus conflitos, inquietações e sua
lucidez, seus pesadelos e sonhos, seus descaminhos, indignações e esperanças. A
corrente romântica teve assim uma grande variedade de expressões. O romantismo
desempenhou seu papel no fomento do fervor nacionalista e revolucionário do
século XIX, no enaltecimento dos sentimentos pessoais e da ação individual como
força poderosa de mudanças quer políticas quer artísticas. Mas à medida que o
tempo passava, o movimento Romântico ir-se-ia tornando cada vez menos
significativo, embora no mundo musical sua influência se mantivesse forte durante
muitos anos mais. (STANLEY, 1994). Ao final do período romântico algumas obras
trazem uma modulação tão fluida leva a tonalidade até seu limite, ficando a um
passo da atonalidade. A enorme complexidade harmônica transgrediu as normas
clássicas de composição e incorporou elementos e sons considerados capazes de
dissolver ou ameaçar a própria harmonia. A tensão harmônica é tamanha que a
velha harmonia finalmente entra em colapso. É o fim do tonalismo e o início do
modernismo.
A MÚSICA VANGUARDISTA
DO SÉCULO XX
Dois séculos de música tonal, numa sociedade cada vez mais dominada pelo
poder econômico e político do grande capital industrial, acabaram, no fim do
século XIX, por consolidar uma situação cultural, onde as manifestações
musicais, agora definitivamente sobre a forma de produção e consumo de uma
mercadoria chamada arte, servia de alimento ideológico indispensável à
burguesia. Os músicos, produtores desta arte, assumiram o papel de verdadeiros
apóstolos, cuja função residia em fornecer a essa burguesia consumidora as suas
obras. Atendendo às necessidades da divisão social do trabalho, estes
compositores se ocupavam em produzir apenas os projetos de tais obras, cuja
execução ficava a cargo de outros músicos especializados na realização
propriamente sonora das mesmas. Esses projetos, sob a forma de partituras,
continham agora todas as instruções julgadas necessárias para que o executante
– intérprete ou virtuoso – pudesse dar testemunho de suas habilidades em
dar-lhe vida sonora. Os compositores, assim como os intérpretes, profissionais
altamente especializados que eram, na medida em que tinham pleno êxito no
desempenho da sua função, passaram a ser considerados como gênios e trabalhavam
de forma inteiramente individual, não restando mais nada da produção coletiva
que havia caracterizado épocas mais remotas. Foi extraordinária a riqueza desta
produção musical que florescera nos séculos XVIII e XIX e que abrange os áureos
períodos do Barroco, Classicismo e Romantismo. No final do século XIX, no
entanto, deparamo-nos com uma época de crise: a produção musical européia perde
sua homogeneidade, o sistema tonal passa a ser questionado e surge uma
multiplicidade de direcionamentos novos e contraditórios entre si, que diversos
grupos de músicos procuram imprimir à sua produção. (SCHURMANN, 1989). Em
meados da década de 1870, o fervor revolucionário e nacionalista, tão intimamente
relacionado com o movimento Romântico, transforma o mapa da Europa. O
nacionalismo não era de forma alguma uma força esgotada, mas, nos últimos anos
do século, adquiriu um outro caráter, originando a dissolução de impérios há
muito estabelecidos. Estava em curso nesta época uma verdadeira revolução no
mundo das artes. O Romantismo foi suplantado pelo Realismo, e pelos nascentes
movimentos de vanguarda. Em 1874, um grupo de pintores franceses uniu-se para
realizar a primeira exposição impressionista de Paris, num desafio aberto à
ordem acadêmica estabelecida. Estes artistas procuravam captar na tela os
efeitos da luz e os padrões em constante mudança do estado do tempo. O estilo
dos impressionistas traduziase bem em termos musicais. Existem paralelos notáveis
entre os efeitos criados pelos quadros dos impressionistas e o uso que os
músicos do estilo faziam de texturas sutis de harmonia e timbre para criar
imagens de cenas nebulosas e cheias de atmosfera. Em direção inversa, muitos
pintores procuravam conscientemente dotar os seus quadros de qualidades
musicais. Elementos da arte oriental também atraíam o interesse tanto de
pintores quanto compositores. Essas experiências demonstravam o espírito febril
de criatividade prevalecente na Europa antes da guerra. Pós- Impressionismo,
Art Nouveau, Fauvismo, Simbolismo, Cubismo e Expressionismo foram movimentos
que surgiram num curto espaço de tempo. As especificidades destes estilos eram
muito diferentes, mas, em geral, marcavam a influência decrescente das
academias oficiais que tinham controlado as artes durante tanto tempo.
(STANLEY, 1994).
A MÚSICA IMPRESSIONISTA
O impressionismo é a primeira estética considerada modernista. As
principais características desta estética aparecem na pintura, na poesia e na
música: ar livre, natureza; interesse pela cor, pelo som puro, estudo sobre o
tom; arabesco, linha pura, efeitos fugidios, visão momentânea; fascínio pelo
instante sonoro; momentos de um mesmo objeto com efeitos diversos; percepção como
sensação e não como sentimento; imediatismo; formas livres; música como
experiência total; vago, indefinido; instinto, mistério, simbolismo. A ideia a
partir de um motivo extramusical é tipicamente impressionista. A ligação com a
palavra – seja ela um assunto que motiva a composição ou então o título ou
texto acrescentados em seguida – é essencial para a nova música. No
impressionismo o pretexto extramusical chama nossa atenção para um determinado
aspecto do objeto sonoro, e deste aspecto pode originar-se um outro encadeamento
de referências culturais. As obras impressionistas têm sons imprevisíveis,
melodia indeterminada, suspensa, vagamente exótica, assimétrica e irregular.
Muitas vezes aparece um cromatismo dentro do âmbito de um trítono, dando a impressão
de sons improvisados. música
impressionista, assim como toda a música vanguardista, passa de arte do tempo a
arte do espaço, impressão esta que deriva justamente da dissolução da sintaxe
(disposição das partes no todo). O significado da música não interessa mais,
ele nos indica o objeto musical. O arabesco desta música tem uma sinuosidade
que não é regulada pelo sistema tonal, pelos esquemas simétricos das progressões,
da rítmica simples, do andamento discursivo e, definitivamente, por aquele caráter
claramente culturalizado. No início do século XX, um grupo de músicos reunidos
em Viena, considerando o sistema tonal definitivamente superado, desenvolvera
uma produção musical em que sistematicamente são negados todos os pressupostos teóricos
que de alguma forma se referiam às tradições tonais. Criaram uma nova linguagem
musical, denominada atonal, isto é, música não centrada numa determinada
tonalidade. Resultara daí o enunciado de novos princípios que, artificialmente
concebidos, deveriam orientar as estruturas musicais modernas. Estes princípios
visavam, em primeira instância, a remover qualquer espécie de hierarquia entre
as alturas sonoras, típicas do tonalismo. Tais preocupações nos sugerem
imediatamente uma analogia com os ideais democráticos que, na mesma época, dominavam
uma substancial faixa do pensamento político. Isso gerou uma aversão da
burguesia a essas novas manifestações artísticas, ligando-as aos movimentos
políticos marxistas e de esquerda. Para a maioria dos ouvistes, esta música
soava caótica, e gerou reação hostil da sociedade. Contudo, alguns críticos olhavam
para a atonalidade de uma forma mais positiva, como uma espécie de equivalente
musical do Expressionismo, que constituía uma força tão importante nas artes
visuais desta época, e que propunha o “retorno ao sujeito”, para reencontrar a
expressão na arte. Mas o grande dia da música atonal foi quando se desenvolveu
o Sistema Dodecafônico, que utiliza todas as 12 notas da escala cromática
dispostas em qualquer ordem, como uma “seqüência” ou tema da composição. Este
estilo, ou sistema, foi também denominado Serialista. (STANLEY, 1994). A
prática dodecafônica assume diversas faces. O romantismo atonal e o pontilhismo
(inexistência de melodia, com sons pontilhados no silêncio) são considerados
marcos na música do século XX. No pontilhismo, cada uma das notas da série
dodecafônica é separada, o que evita qualquer relação harmônica entre elas.
Outra importante inovação é a melodia de timbre: uma melodia pode ser formando
mudando-se não apenas as notas, mas também mudando-se os timbres. Além das
escalas dodecafônica e atonal, outra importante inovação do período modernista
é o uso de intervalos microtonais (intervalos menores que meio-tom entre as
notas da escala cromática) e também os clusters (“cachos” de notas, que tendem
ao ruído), tocados com as palmas das mãos, ou mesmo com o antebraço, sobre as
teclas do piano. No âmbito da arquitetura e do urbanismo tais crises artísticas
também ocorreram. Os efeitos da Revolução Industrial tinham colocado em crise a
estrutura tradicional da cidade. Surgem, de centros modestos, ou mesmo do nada,
novas cidades ao redor de novas indústrias, ou novas indústrias se inserem no contexto
de velhas cidades. O fenômeno do urbanismo é comum: é o fenômeno do afluxo de grandes
massas, sobretudo das que formam a mão-de-obra operária. As cidades se transformam
em metrópoles imensas e caóticas. Nenhuma política urbanística racional intervém
para procurar ditar ordem à semelhante desenvolvimento, viçoso, porém
anárquico. Tudo é abandonado ao curso fatal das coisas, e a especulação privada
reinou soberana, criando amontoados e adensamentos absurdos. A arquitetura
lança-se à realização, principalmente nas periferias industriais, de habitações
tristes, estreitas e sujas, para as massas trabalhadoras. Lançou-se,
igualmente, à construção de edifícios de aluguel, para a grande ou pequena burguesia,
sendo as construções sem grandes exigências estéticas, preocupadas apenas com o
maior rendimento da exploração. (PISCHEL, 1966). O século XIX foi marcado pelo
que se chamou de Período Neocolonialista. As grandes potências europeias se
lançam a colonizar todos os povos da África e Ásia, como Portugal e Espanha
fizeram com a América no século XVI. Encantados com a riqueza arquitetônica desses
povos, os arquitetos buscam incorporar os elementos decorativos e formais desta
arquitetura. Uns reproduziam esses elementos em sua totalidade, no que se
chamou de Movimento dos “Neos” (Revival), com o Neo-Arabesco, Neo-Indiano, Neo-Oriental,
entre outros. Esse movimento também incluiu o revivalismo dos estilos do
passado da própria Europa, surgindo assim o Neo-Gótico, Neo-Barroco, Neo-Românico,
Neo-Renascentista, sendo o preferido o Neo-Clássico (ou Neo-Grego, Neo-Romano).
Outros arquitetos foram mais além, misturando ao acaso elementos decorativos e
ordens arquitetônicas destes vários estilos e períodos em um único edifício, no
que ficou denominado “Ecletismo”. É importante notar que a produção musical, de
maneira geral, seguiu direção oposta. Enquanto a arquitetura buscava valorizar
e incorporar elementos estrangeiros, os compositores da época vão valorizar e
divulgar cada vez mais os elementos nacionais, o folclore. A cultura popular é
incorporada à produção erudita. Logo surgem movimentos contrários a toda essa,
para muitos críticos, banalização dos elementos históricos. Um dos primeiros
foi e estilo Art Nouveau, que apesar de curta duração, teve primordial papel
nessa busca por, como diz seu nome, uma arte nova. Um primeiro fator foi abolir
os elementos arquitetônicos tradicionais, como frontões, colunas clássicas, volutas
barrocas, etc. Com suas formas assimétricas, irregulares, sinuosas, vai contra
o padrão vigente de belo. Outro fator foi a incorporação das novas tecnologias
construtivas frutos da Revolução Industrial, como o aço, de maneira aberta e
definitiva. Enquanto os edifícios ecléticos usavam o aço de maneira tímida em
sua estrutura, e ainda encobria essa estrutura com a alvenaria e todos os elementos
meramente decorativos pré-fabricados em concreto, a arquitetura Art Nouveau vai
deixar a estrutura em aço aparente, e vai usá-lo como um elemento decorativo,
em varandas, corrimãos, parapeitos, maçanetas, vitrais, marquises e cúpulas de
ferro fundido, com seus temas florais. A arquitetura em aço logo se populariza,
primordialmente nas pontes, nos “palácios de cristal”, e seu símbolo máximo até
hoje é a Torre Eiffel, em Paris. Na América, sobretudo na “escola de Chicago”,
estas técnicas construtivas se desenvolvem rapidamente, e uma nova estrutura
surge: os arranha-céus. Neste estilo, repudia-se tudo o que é inutilmente
ornamental; adotam-se critérios de pura funcionalidade. Mas em meados do início
deste século, a arte contemporânea sofreu graves ataques. No período do
Nazismo, Hitler censurou e proibiu a produção de tudo que fosse contra os
ideais conservadores de seu regime, denominadas de “artes degeneradas”,
incluídas aí todos os estilos vanguardistas de pintura, escultura, design,
arquitetura e música. Uma das primeiras baixas no mundo artístico foi a Bauhaus,
uma escola de arquitetura e artes aplicadas. O seu corpo docente era constituído
por um dos melhores conjuntos de talentos artísticos alguma vez reunido num
único local, e teve enorme influência no design e na arquitetura contemporânea.
(PISCHEL, 1966). Após a derrocada do regime nazista, as ações para a
reconstrução das economias da Europa Ocidental tiveram elo no domínio cultural.
No centro destas atividades, a Alemanha fez esforços para derrubar a censura
que prevalecera durante o regime Nazista, e os compositores serialistas
voltaram a ser ouvidos em concertos. Esta nova onda dodecafônica foi peça chave
no desenvolvimento do “serialismo total”, que se expandiu para além da altura
para áreas como o ritmo e a dinâmica. (STANLEY, 1994). O serialismo total, ou
integral, consistiu num sistema em que são acrescentadas à série de alturas uma
série de durações, uma série de intensidades e uma série de timbres. A idéia do
serialismo serve também para a organização de séries de 23 notas (incluindo os
micro-tons), ou séries de sons sem alturas definidas. Sendo “força de choque”
e, portanto, minoritários, internacionais e rebeldes, os movimentos denominados
“de vanguarda”, diversos quanto à origem e intentos, efetuam uma nítida e
deliberada ruptura relativamente à visão tradicional. Essa fratura está na base
do nosso século; e a ela confere, convulsionando tudo, um aspecto de crise, de
busca e experimentação. A contribuição mais essencial do período entre as duas
guerras consistiu na afirmação e advento de um novo estilo arquitetônico: o
Modernista, também chamado racionalista ou funcionalista. Esse advento deve ser
contemplado por diversos aspectos. O primeiro é a exigência de se criar uma
arquitetura adequada e aderente à nossa civilização tecnológica, às
necessidades e aos serviços que ela postula, ao modo de viver e trabalhar do homem moderno.
“A forma deve acompanhar a função”, proclamou o norte-americano Sullivan com
sua “escola de Chicago”. Mas a funcionalidade não tem o propósito de ser
simples moda, e sim adequação a um mundo novo de relações, a outra escala de
valores. O segundo aspecto é a reevocação da essencialidade das formas, à sua
sincera força geometrizante, à autenticidade das estruturas. Contra todas os
ornamentos que a prendam a uma época ou a uma tradição nacional ou local, a
linguagem arquitetônica assume, assim, característica internacional e alcance
universal. Em terceiro lugar, a eliminação do divórcio entre arquitetura e
técnica. Quer-se fazer uso de todas as possibilidades – construtivas e
expressivas – das novas técnicas, dos novos materiais e princípios. Ao lado do
aço, do vidro, e dos elementos préfabricados, incorpora-se o concreto armado. O
quarto e último elemento da arquitetura Moderna é a totalidade de sua visão: a
construção torna-se realidade que se insere esteticamente num ambiente dado, e
que socialmente se enxerta no tecido de uma comunidade ou cidade. Decorre disto
o estreito vínculo existente entre a arquitetura e a urbanística. (PISCHEL,
1966) E a música sempre esteve acompanhando de perto essa evolução. Como em arquitetura,
novos materiais obrigam a inventar novas estruturas. De início, o concreto
começou por imitar a pedra; logo o material se tornou tão forte, que a tradição
estalou. Em música, o material vai obrigar a encontrar um sistema de expressão
que lhe corresponda. De fato, a música atual já não vem edificada sobre o
rígido embasamento do tonalismo, mas é em parte um processo híbrido, onde aparece
camuflada uma série de qualificações – modal, atonal, politonal, serial, concreta,
minimalista, experimental, conceitual, digital – que trazem em si, o próprio
signo da mobilidade, a tal ponto que, para se falar de música hoje torna-se necessário,
antes, desvendar suas novas estruturas, formas e significações. (IAZZETA,
1993). A investigação da questão espacial mostra-se relevante no entendimento destes
novos arranjos que começam a se estabelecer a partir deste século. Espaço cênico,
espaço acústico e mesmo o espaço das frequências sonoras, ganham por parte dos
compositores uma atenção que, até então, era dispensada ao fenômeno sonoro na
música como um evento apenas temporal. Isso trouxe uma série de consequências
inusitadas, ampliando a flexibilidade e a mobilidade do material sonoro, que
confere a individualidade de cada obra: problemas arquiteturais, ligados à
construção de ambientes de escuta adaptados às novas exigências espaciais da
música de hoje; problemas acústicos concernentes à percepção dos novos efeitos
sonoros resultantes da espacialização do som; problemas estéticos, relacionados
à natureza exata das finalidades que persegue o compositor ao fazer tal ou qual
uso particular de uma certa realidade acústica do ambiente. Segundo IAZZETA
(1993), essa problemática emerge de três modos distintos. Em primeiro lugar, no
âmbito das larguras sonoras, onde há um alargamento do espaço das frequências,
tanto num plano bidimensional – dos sons mais graves aos mais agudos – quanto
num plano tridimensional com a incorporação dos aspectos de densidade e massa
sonora. O segundo modo de apreensão do espaço pela música é mais objetivo e
representa, de certa forma, um retorno à maneira de se fazer música na
Antiguidade e, também, na Idade Média, vinculando o acontecimento musical a um
evento cênico. O terceiro ponto se relaciona muito diretamente ao atual estágio
de desenvolvimento tecnológico que tornou possível a exploração de uma
capacidade perceptiva peculiar: a de estabelecer, através do som, relações
espaciais (distâncias e direções) entre as fontes sonoras, bem como características
acústicas do ambiente. Apesar dessa capacidade ser bastante utilizada
cotidianamente em música, é somente na metade deste século que vai ocorrer uma
exploração um pouco mais consistente das características sonoro/espaciais dentro
do discurso musical, trazendo à tona uma série de problemas relacionados à
arquitetura dos ambientes e á localização das fontes sonoras. Obviamente, o
elemento espacial sempre desempenhou uma influência importante na formação da
linguagem musical, ainda que isso não se procede de modo aparente. É impossível
não reconhecer, por exemplo, as afinidades entre a acústica ressonante das
igrejas e catedrais e o cantochão medieval, ou a relação entre o surgimento das
grandes salas de concerto e os volumosos conjuntos orquestrais que vão se formando
a partir do século XVIII. Sem dúvida, todo espaço onde se realiza um espetáculo
é um espaço social sujeito a refletir as mais variadas nuances do pensamento
cultural onde se insere. As grandes transformações por que vem passando a
música esbarram, por vezes, no cerceamento imposto por uma audiência cuja postura
sonora ainda se baseia em princípios bastante tradicionais. Cada vez mais torna-se
necessária a criação de espaços móveis que suporte configurações diferentes na disposição
de intérpretes e ouvintes, bem como, possibilitem a utilização de recursos
extra musicais. As salas de concertos atuais, revestidas de sua aura aristocrática,
em nada cooperam na formação de novos públicos afeitos às novas propostas
musicais que têm surgido. Como diz Pierre Boulez (1984): “A orquestra atual leva
ainda a marca da sociedade do século XIX, que por sua vez herdou a tradição das
cortes principescas. Penso que a arquitetura das salas é um fenômeno desconcertante
de conservadorismo”. Esta postura conservadora frente o Modernismo começou a
tomar força nos anos 60, mas vai mesmo se firmar nos anos 70. A Arquitetura
Racionalista se popularizou demais no período do Pós-Guerra. Havia a
necessidade de se reconstruir a Europa bombardeada. A arquitetura Moderna se
mostrava a ideal para tal feito. Com suas linhas simples, sua estrutura racional,
e com o emprego de materiais pré-fabricados, possibilitava contruções rápidas e
econômicas. A máxima minimalista de Mies van der Rohe, que dizia que “Menos é
mais”, é levada às últimas consequências. Em todo o mundo surgiam construções
em que quase só se viam linhas retas e perpendiculares, grandes e claras. As
fachadas dissolvidas de cima a baixo em vidro e cuja decoração, tanto interior
com exterior, se contentava com o efeito não adulterado dos materiais: metal
cromado, paredes de tijolo áspero, madeira não envernizada, concreto não
revestido, pedra de relevo rude. Devido à sua construção, com base num
esqueleto simples e plantas abertas, as construções no estilo de Mies –
mantendo no essencial a mesma forma – podiam ser interminavelmente adaptadas e
aplicadas, quer se tratasse de arranha-céus, ou de construções baixas.
(PISCHEL, 1966) Na música tal fenômeno fez surgir um estilo também denominado
Minimalista. Neste estilo, igualmente como na arquitetura, vão se utilizar as
mais recentes tecnologias, e sua estrutura melódica será composta de um mínimo
de elementos. No lugar de instrumentos tradicionais, os primeiros instrumentos
eletrônicos, na época chamados de “eletroacústicos”. A partir desses
instrumentos, a sua maioria de teclado (que seriam os “avós” dos atuais sintetizadores)
e da gravação em fita magnética de sons de outros instrumentos e de sons do
cotidiano, criavam-se pequenas “células” melódicas, que eram repetidas ad
infinitum, como num mantra indiano. Contudo, a possibilidade de construir com
rapidez e economia era frequentemente usada apenas para realizar caixas sem
ornamentos e de exterior superficialmente moderno. Onde Mies usara materiais
caros, como o ônix ou o mármore, procurava-se obter o mesmo aspecto com
pré-fabricados de padrão semelhante. Por detrás das fachadas não se encontravam
plantas abertas, mas antes espaços minúsculos, semelhantes a celas. Os
pioneiros da arquitetura Moderna tinham sonhado com casas que não só funcionassem
como máquinas mas que também fossem produzidas por estas. No entanto, quando as
casas passaram a ser realmente montadas com componentes pré-fabricados por
máquinas, verificou-se que isso conduzia não só a uma monotonia sem limites mas
também a uma produção e modelação de qualidade extremamente baixa. Esse
fracasso da crença eufórica no futuro e no progresso começou lentamente a ser
reconhecido, por volta de 1970. Uma habitação numa nova urbanização era ainda
considerada como o cúmulo da felicidade na face da terra e os urbanistas e
arquitetos modernos estavam convictos de que a nova cidade, planejada até ao
ínfimo pormenor; pensada na perspectiva dos automóveis, com grandes eixos
viários e parques de estacionamento, estruturada nas suas funções, desobstruída
e permeada de espaços verdes, teria de ser melhor do que a antiga, de crescimento
aleatório, caótica e compactada. No entanto, a desagregação da cidade, segundo
a qual só se habitava numa zona e se trabalhava noutra, sendo uma terceira zona
reservada para as compras e tempos de lazer, conduziu à desarticulação do que tinha
sido até então considerado uma “cidade”. Deu-se a desertificação temporária de
quarteirões inteiros, juntando-se a isso uma arquitetura considerada monótona,
numa imitação esquemática, interminável e sem qualquer rasgo de criatividade. A
reação contra a crença num racionalismo técnico radical logo surgiu. Começou-se
a falar na inospitalidade das cidades e a reagir contra os planos de demolição
de edifícios antigos e de construção de estradas. (PISCHEL, 1966) Um certo medo
do futuro e uma fuga da realidade juntou-se à essa situação. Surge o Movimento
Hippie, se popularisa o exoterismo e outras ideologias políticas não menos
irracionais. A moda “psicodélica” do “Flower Power” vai gerar uma preferência
por cores berrantes, em oposição ao branco do modernismo; na onda nostálgica e
na redescoberta do Art Nouveau. A cidade do século XIX foi reavaliada nesta
época, e sua revalorização vai eclodir no que se denominou Pós-Modernismo. Os
porta-vozes da arquitetura pós-modernista procedem com a arquitetura moderna da
mesma forma esquemática que o modernismo, que repudiara em bloco seus
antecessores. Substituíram novamente a assimetria equilibrada por uma simetria
clássica, as janelas tornam-se outra vez pequenas e, em vez da ausência de ornamentação,
usam-se ornamentos sobrepostos. O “Less is more” (“Menos é mais”) de Mies van
der Rohe é substituído pelo “Less is bore” (“Menos é monótono”) de Venturi. Se
para os modernistas “a forma segue a função”, agora “a forma segue a fantasia”.
Mas o que se viu foram citações de edifícios históricos, de maneira cada vez mais
aleatória. Os arquitetos pós-modernistas pouco mais apresentaram que do que um
antiprograma pouco original contra o Movimento Moderno, em que invocavam os
tempos pré-modernistas, sem se lembrarem que os vanguardistas do século XIX, como
Ledoux, Boullée ou Gaudí, que se tornaram seus heróis, estavam voltados para o
futuro, e não para o passado. Tudo isso culminou na reconstrução de edifícios
históricos inteiros há muito desaparecidos e numa arquitetura que copiava
diretamente o historicismo do século XIX. (GYMPEL, 1996). Neste período a
música erudita também vai tomar uma direção de volta ao passado, no que se
denomina Música Neo-Clássica: uma busca aos modelos melódicos e harmônicos do
Classicismo, visto que o experimentalismo desenvolvido pelos modernistas na
primeira metade do século XX não arregimentou muitos apreciadores entre a massa
burguesa. A forma se desprende totalmente da função, tornando as construções
bonitas à vista mas de má utilização. Apesar da arquitetura pós-moderna procurar
refúgio no familiar, no antigo e no romântico, utilizou também elementos
formais modernos. Mas a supremacia deste estilo durou pouco. A substância
intelectual deste estilo só lhe suscitou sensação por um curto espaço de tempo,
até o final dos anos 80.
A DESCONSTRUÇÃO MUSICAL
Por volta de 1990, a arquitetura pós-modernista foi substituída nos
meios de comunicação pelo “desconstrutivismo”. Com base nos conceitos
filosóficos de Jacques Deridas, os seus representantes desenvolveram uma
sintaxe formal que ampliava ao extremo a abstração do Movimento Moderno. Os
estudiosos colocam esses arquitetos no contexto histórico do modernismo e, por
isso, designam-nos de “neo-modernistas”. Mas, tal como os pós-modernistas, os
desconstrutivistas também procuram, sem ter em conta a satisfação das
exigências funcionais – dificultando-as mesmo – uma forma extravagante e
espetacular, exprimindo a sua oposição contra normas de construção e de
ornamentação. É frequente encontrar elementos de uma delicadeza de filigrana ao
lado de outros monstruosamente superdimensionados, o que dá à estrutura um
aspecto caótico e um efeito instável, como se fosse desmororar-se de um momento
para o outro. (GYMPEL, 1996). No âmbito da música, assim como o desconstrutivismo
se propôe como um recontextualizador do modernismo, a atual produção erudita
vai reler os conceitos do dodecafonismo, surgido no início do século XX, que de
certa forma era descontrutivista, pois desconstruía a escala cromática numa
escala sem hierarquia tonal de uma nota para outra, o atonalismo, num estilo
denominado “estilo aleatório”, em que as melodias são feitas ao acaso. Hoje,
início de um novo século (e novo milênio), mais do que nunca a música tem o
caráter da mutabilidade. A cada dia novos estilos surgem, antigos são resgatados
sob nova leitura, reformulados, fundidos a outros estilos. Os instrumentos que
sugiram a milhares de anos convivem com o computador, instrumentos eletrônicos,
samplers, sons digitais, etc. A arquitetura atual também possui o mesmo aspecto
de pluralidade. Em centros históricos milenares são construídos edifícios com a
mais alta tecnologia, seguindo as premissas estéticas da última moda. Atualmente,
uma série de novos movimentos convive com práticas remanescentes da música do
pós-guerra. Destacam-se: a nova simplicidade, que visa à estética da liberdade
da arte, propondo uma música com ausência de dificuldades, livrando-se da carga
histórica; a nova complexidade, que resgata a importância estrutural do
serialismo integral, numa música que expressa a complexidade do homem atual; a
música espectral, que surge a partir do estudo de espectros sonoros de
instrumentos e sons cotidianos com o auxílio de recursos audiovisuais, como
vídeo, teatro, dança, etc.; e a computer-music, que utiliza recursos da
informática na síntese sonora, no cálculo de estruturas sonoras e nas transformações
de informação sonora, através de simulações diversas. Durante o século XX,
ocorreram mudanças tanto na sintaxe do discurso musical, quanto no papel que
ela desempenha dentro da sociedade. A separação entre música erudita e popular
nunca foi tão explícita. Isso criou uma certa distância entre a música
produzida neste século e seus ouvintes contemporâneos. Em todos os outros
períodos históricos a música que se ouvia era a música produzida naquela mesma
época. Atualmente, com o surgimento dos meios de gravação, as músicas antigas
passaram a ser mais difundidas, e a música do passado passou a ser a música do
presente. Mas as pessoas vão muito menos a concertos, se comparadas com as
pessoas do século XIX. As pessoas não precisam ir até a música, pois ela pode
ir até seus ouvintes, seja através da mídia (rádio, TV) ou das gravações (CDs,
discos, fitas, DVDs) Mas isso faz com que o ouvinte se prive de ouvir a música
no seu ambiente natural (igrejas, teatros, salas de concerto). Além disso,
deixa de fazer o exercício essencial para a compreensão de qualquer produto cultural,
o de contextualização. Para onde a música tenderá neste novo milênio? Somente o
tempo dirá. O jargão técnico dos músicos é inadequado para explicar as novas
criações. Ainda hoje existem, entre nós, propostas criativas que podem revelar
mundos novos.
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