quinta-feira, 19 de março de 2020




FACULDADE DE TEOLOGIA
TESTEMUNHAS HOJE


CURSO LIVRE
INTRODUÇÃO À
HISTÓRIA DA MÚSICA






INTRODUÇÃO À
HISTÓRIA DA MÚSICA
A ARTE DOS ANJOS E DOS HOMENS

A MÚSICA COMO ARTE
O Ser Humano possui em sua vida sete “dimensões”: Física, Espiritual, Intelectual, Social, Profissional, Afetiva e Familiar. De todas as realizações do Homem, a Arte é a que mais intrinsecamente permeia todas essas dimensões da existência humana. E de todas as Artes, a mais antiga é a Música. Assim como o percurso da História do Homem, na suas lutas e realizações, se desenvolve na medida de milênios, do mesmo modo a Arte, expressão espontânea, necessidade da humanidade, floresce em tempos igualmente amplos. É uma exigência a tal ponto irresistível que não há momento do viver humano, por mais árduo que possa ser, que não se empenhe na criação artística. A música é nossa mais antiga forma de expressão, possivelmente até mais antiga que a linguagem. De fato, a música é o Homem, muito mais que as palavras, pois estas são símbolos abstratos. A música toca nossos sentimentos mais profundamente que a maioria das palavras e nos faz responder com todo nosso ser. Muito antes de o ser humano aprender a pintar, esculpir, escrever ou projetar algo, já sabia a produzir e apreciar os sons. Obviamente esses sons seriam hoje considerados apenas ruídos, mas considerando que “música é a arte de manipular os sons”, o que o Homem primitivo produzia era música, ou um “embrião” musical. O “instrumento” musical mais antigo que existe é a voz humana. Com ela, o homem aprendeu a produzir os mais diversos sons, e a agrupar esses sons, formando as primeiras linhas melódicas. Depois inventou os instrumentos musicais, que se multiplicaram e evoluíram ao longo da História. Muitos destes desapareceram, e a Música mudou muito em todo este tempo. Mas o gosto do ser humano pela música permanece intacto. Para se estudar a Música, é preciso antes saber o que é música. A música não pode ter nenhuma definição objetiva, pois ela conserva um caráter de abstração, o que a torna algo sem uma definição fechada ou precisa. Ela é uma arte sem corpo físico, ao contrário do que acontece com a pintura, escultura, literatura ou a arquitetura, daí sua abstração. Pode-se dizer que ela não tem um significado, mas o produz em determinados contextos; ou seja, só é possível entendê-la através do vínculo estabelecido entre a música e os contextos (sociais, culturais, físicos) a ela ligados. A música sempre foi uma parte importante da vida cotidiana e da cultura geral do homem. Hoje vê-se a Música sendo transformada em mero produto pela “Indústria do Entretenimento”. Muitas vezes ela se torna um simples ornamento que permite preencher noites vazias com idas a concertos ou shows, organizar festividades públicas, etc. Há um paradoxo, então: as pessoas ouvem, atualmente, muito mais música do que antes, mas esta representa, na prática, bem pouco, e possui, muitas vezes, não mais que uma mera função decorativa. Mas em todo o Mundo ela ainda mantém vivo seu caráter social, de transmitir sentimentos, de servir de elo com a Divindade, de perpetuar a História, a língua, a cultura e as tradições de cada povo. A música é mais sublime das Artes, a arte que homens e Anjos compartilham. Deve ser ensinada como uma língua, e não como mera técnica e prática, sem vida. No princípio, todas as Artes estavam vinculadas à Arquitetura: Pintura, Escultura, Música, etc… Com o passar do tempo, a Pintura e a Escultura ganharam um status de Artes autônomas.
A Pintura saiu das paredes e passou para as telas. A Escultura passou a ter corpo independente das edificações. Mas a Música continuou, e continua ligada à Arquitetura, ao espaço (construído ou não), pois música é acústica, e a acústica depende do meio onde o som é produzido. Uma mesma música tocada em ambientes diferentes nunca soará da mesma forma. Cada instrumento ou estilo musical funciona de maneira ideal em determinados tipos de ambientes arquitetônicos, pois deve ser levado em consideração o volume sonoro e o volume do ambiente, o eco (que pode ser prejudicial ou fundamental), a relação músico/ouvinte, e muitos outros aspectos. Ao longo da História, a Música esteve tão dependente da Arquitetura, que esta era composta em função da edificação onde ela sempre era executada (a música sacra nas catedrais, a música da corte nos salões dos castelos). Mesmo a música do povo, tocada nas praças e nas ruas, carregavam em sua estrutura a “aura” do espaço adjacente, do estorno construído. O vazio e seu entorno também é arquitetura, pois arquitetura é a “arte de organizar o espaço”. Com a popularização da música, a partir do Século XIX, quando esta ficou cada vez mais acessível a públicos cada vez maiores, é que começou a ocorrer o contrário: a Arquitetura dependente da Música. Foram então projetadas as primeiras salas de concerto, com sua concepção arquitetônica toda voltada para as questões acústicas. Este é o tema deste presente estudo: pesquisar a História da Música, analisando em todos os aspectos sua relação com a arquitetura, em como estas duas Artes evoluíram juntas, bem como os aspectos sociais, culturais e ideológicos que determinaram cada uma destas duas Artes.



GÊNESE E CONCEITOS DE MÚSICA
Desde os imemoriais tempos primórdios da História (ou até incluindo o que chamamos de “Pré-História”) o Homem cultiva a arte da Música. Podemos afirmar, sem sombra de dúvida, que a mais antiga das Artes é a Música, pois antes que o ser humano pudesse pintar, esculpir, escrever ou projetar algo, ele já podia produzir e apreciar os sons. O primeiro instrumento musical foi a própria voz humana. Sabemos, com base nas Sagradas Escrituras, que a música surgiu primeiramente nas Côrtes Celestiais. Sua função era honrar e louvar a Deus. Quando Deus criou Adão e Eva, os dotou de musicalidade inata. A primeira experiência musical do casal foi a música dos Anjos. Com certeza essa foi a música mais pura e perfeita já ouvida por nós humanos. Adão e Eva possivelmente também produziam suas próprias músicas, em louvor ao Criador, e também para seu deleite próprio. Após a Queda, o Homem já não tinha mais um contato direto com Deus e seus santos Anjos. Mas a música se perpetuou na vida do Homem. Não sabemos exatamente como era essa música, mas é possível que boa parte da pureza e perfeição inicial se perdeu, como tudo neste mundo após o pecado. Se a Humanidade antediluviana era mais o menos homogênea, após o Dilúvio tudo mudou. A grande catástrofe enviado por Deus alterou completamente o relevo da Terra, separou os continentes, mudou o clima, os hábitos alimentares de homens e animais. Com a confusão das línguas na Torre de Babel, o Homem se espalha pela face da Terra. Passa a habitar regiões desérticas, densas florestas, ilhas soladas no meio de oceanos, etc. E passa a exercer uma grande habilidade natural: a adaptação ao meio ambiente. O isolamento geográfico e a adaptação ao meio vão gerar grandes alterações no ser humano, não apenas no seu estilo de vida, mas em sua biologia. Foi assim que surgiram e se desenvolveram as etnias humanas, classificadas em caucasiana, negroide, australoide, mongoloide, etc. Ou seja, os brancos, os negros, os amarelos (orientais), os vermelhos, etc. Essa grande variedade de meios vai gerar uma grande variedade de estilos de vida, de etnias e de graus de desenvolvimento. Enquanto alguns povos se desenvolvem enormemente, chegando ao estágio de grandes civilizações, com grande desenvolvimento tecnológico, com sistema político-social avançado, com o domínio da Arte (música, pintura, escultura, literatura, arquitetura) e da Ciência (matemática, física, medicina); outros estacionam (ou até regridem, no espaço de poucas gerações) num estágio de desenvolvimento bastante primitivo.
Povos que um dia foram capazes de construir embarcações capazes de levar famílias através de milhares de quilômetros mar adentro, séculos (ou até milênios) depois foram encontradas isoladas em ilhas, incapazes de construir algo além de rudimentares canoas de pesca. E foram encontrados por homens munidos de avançadas embarcações de metal, movidos a propulsão mecânica (a vapor), nos séculos XIX; e a óleo combustível, no século XX. Em plena era moderna, ainda havia (e ainda há) seres humanos vivendo de um modo primitivo; “como na pré-história”, disseram alguns pesquisadores. Neste trabalho a ênfase é dada ao Ocidente, em especial à Europa. É usual começarmos pelo período da Antiguidade Clássica, das civilizações greco-romanas. Neste período já havia um grande “abismo” entre os povos. Enquanto os gregos e romanos eram muito desenvolvidos, moravam em grandes cidades com construções avançadas de pedra e alvenaria, com ruas calçadas, aquedutos, instrumentos musicais como órgão de tubo, harpas, liras, flautas, trombetas de metal, etc; havia as tribos chamadas de “bárbaras”. Esses povos bárbaros ainda viviam em sociedades tribais, se vestiam com peles, viviam da caça e da agricultura de subsistência, moravam e cabanas primitivas.
E antes desses existiram na Europa povos mais primitivos ainda, como evidenciam os achados arqueológicos, como as pinturas rupestres nas cavernas, os artefatos de ossos, pedra lascada, etc. No mundo todo se encontrou vestígios da presença de povos primitivos. E ainda hoje há povos de modo de vida semelhante, como os ianomâmis, os aborígines australianos (que ainda habitam em cavernas, no deserto australiano), os povos antropófagos da África, da Oceania e da Ásia. Eles ainda andam nus, (ou se vestem com peles ou folhas), fazem fogo com paus e pedras, caçam com armas rudimentares, apenas coletam o que a natureza oferece, não possuem qualquer forma de escrita, sua língua é simples e com um vocabulário limitado. Esse modo de vida permaneceu inalterado por centenas e milhares de anos, devido ao isolamento destes povos. Como não possuem escrita ou meios de registrar sua história, eles contam sagas de geração a geração, através de lendas. Se verificou que possuem uma relação de interdependência muito forte com a natureza, a ponto desta ser deificada por eles. É observando os animais que eles aprendem muita coisa. Em suas andanças pela Natureza, esse homem primitivo se deleitava com os melodiosos gorjeios dos pássaros, com a variada gama de sons (grunhidos, relinches, urros, rugidos, uivos, latidos, miados, mugidos…) produzidos pelos mais diversos animais. Podia apreciar também o “assobio” do vento, o “tamborilar” da chuva, o “sussurro” do riacho, o “crepitar” da fogueira, entre outros. O homem também podia produzir (e reproduzir) muitos sons, de intensidade, alturas, timbres e “texturas” diferentes. Com o arranjo desses elementos, criou suas próprias linhas melódicas vocais. Essa habilidade foi desenvolvida ao longo do processo de desenvolvimento da comunicação (não confundir com desenvolvimento da fala). O modo de comunicação primitivo foi o tronco comum do qual, no campo sonoro, se destacaram dois ramos distintos: a linguagem verbal e a música. (SCHURMANN, 1985).
É importante observar que, dentro do âmbito da música, muitas articulações sonoras se desvincularam da sua original função comunicativa, para funcionar como instrumentos de trabalhos mágicos e religiosos. A função mágica, sendo mais antiga que a religiosa, provavelmente dominava não apenas as manifestações musicais, mas também as pinturas rupestres das paredes das cavernas. Segundo SCHURMANN, essas representações, quase exclusivamente de animais, caracterizam-se por um naturalismo surpreendente e, pelo que tudo indica, serviam a uma prática de magia. Cria o Homem primitivo que a produção da imagem de um animal contribuiria diretamente para a aquisição de poder sobre o mesmo. É muito provável que a música tenha sido tão naturalista quanto a pintura, e que imitando o relinchar de um cavalo, o homem julgasse apossar-se não apenas do relinchar, mas também do próprio cavalo. A íntima relação entre a música e a religião na sociedade humana é reconhecida como um fenômeno universal. A música é uma das únicas comuns a todas as culturas. Em todo o mundo a música está relacionada à religião; na maioria das culturas, a música acompanha ou é veículo para a adoração. Nas práticas religiosas, a música era a linguagem mágica do Homem primitivo na sua invocação aos deuses, aos espíritos e as forças da Natureza, através de uma melodia cantada. Pode ser usada tanto para expressar gratidão como para acalmar uma divindade enraivecida, até o ponto de exercer uma influência mágica e controladora sobre a mesma. Servia para elevar a consciência humana ao místico, ao mítico, ao cósmico, ao sobrenatural. (STEFANI, 2002). Essas melodias cantadas também assumiriam um importante papel na prática de contar estórias. Era por meio de tais estórias que se mantinham vivos os valores éticos indispensáveis para a estrutura social da época, e se louvavam a memória de deuses e heróis, narrando façanhas notáveis e enaltecendo a bravura, a lealdade, o espírito aventureiro e a coragem. Com o desenvolvimento dessas canções/poemas, a música se afasta de sua função produtiva, e toma um caráter mais artístico, lúdico, de integração social. (SCHURMANN, 1985). Ao longo de suas atividades diárias, o Homem descobriu também que, ao bater paus, pedras (e posteriormente metais) uns nos outros, podia produzir sons. Verificou que materiais diferentes, de rigidez e tamanhos variados produziam sons variados na mesma medida, muitas vezes nas mesmas tonalidades que ele produzia com sua voz. Sugiram assim os instrumentos de percussão. O Homem também percebeu que ao soprar em sua zarabatana de caça, se produzia um som característico, como um assobio, e que zarabatanas de comprimentos e diâmetros diferentes produziam sons de alturas diferentes. Ao puxar e fazer vibrar a corda de seu arco de flecha, também se produzia um som. Da manipulação destas propriedades sugiram então os primeiros instrumentos de sopro e os de cordas. Muitos outros instrumentos musicais surgiram e evoluíram ao longo da História, outros desapareceram sem que hoje tenhamos contato com eles. Mas o gosto do ser humano pela música permanece inalterado. De toda essa riqueza musical da Antiguidade, apenas se tem uma vaga ideia, através da música dos povos primitivos que ainda se encontram na Terra. Mas a noção exata de como esta seria se baseia em pura especulação. Assim como a Pré-História só passou a ser chamada de História a partir da invenção da escrita, a música desse período se perdeu devido à falta de uma escrita musical. A notação musical só foi desenvolvida no século IX, por um monge, e se desenvolveu até a que se conhece e se usa hoje na escrita de músicas na forma de partituras. Obviamente, quando se fala sobre a música “pré-histórica”, não se pode julgar a partir de um conceito atual de música. Este conceito mudou bastante com o passar das eras. O conceito clássico diz que “música é a arte de combinar os sons de maneira agradável aos nossos ouvidos”. O conceito Romântico diz que “música é a arte de manifestar os diversos afetos de nossa alma mediante os sons”. Neste século, com o fim de um único estilo dominante, onde a cada dia nascem dezenas de novos estilos musicais, dizemos apenas que “música é a arte de combinar sons e silêncio”, conceito que se aproxima muito do que era a música para o Homem primitivo. A música mais moderna e tecnológica, a chamada música eletrônica, é predominantemente percutida e dançante, tal qual uma música tribal. A música tem o poder de despertar as mais variadas sensações em seus ouvintes. Pode servir de estímulo; por isso muitas vezes uma pessoa ouve uma canção e se sente sintonizada com ela e consigo mesma, e se sente melhor e consegue trabalhar melhor. Pode servir como ativadora da memória, nos fazendo lembrar de eventos passados, tristes ou felizes; pode nos associar a pessoas, eventos, lugares, datas especiais. Pode relaxar, excitar, alegrar, deprimir. A música funciona como estímulo a comportamentos em diversos casos. Depende do caráter da música, mas o ambiente, o estado de ânimo e a vontade, o gosto pessoal e o conhecimento musical também influenciam muito. Os sons são muito ambíguos. O som estridente de uma guitarra excita quem aprecia músicas no estilo “Heavy Metal”, mas pode aborrecer algumas pessoas. O som suave de um piano enternece o apreciador de música erudita, mas pode incomodar outros que não apreciam tal música. O mesmo vale para qualquer instrumento ou estilo musical. E mesmo para pessoas que apreciam estilos variados, uma determinada música pode lhe agradar ou desagradar, dependendo da ocasião, lugar, hora do dia, estado emocional, etc. Num filme, por exemplo, a música não é apenas um fundo; ela acompanha, comenta, descreve e reforça as diferentes situações. É difícil de nos lembrarmos da trilha sonora de um filme quando acabamos de assisti-lo, mas com certeza nos lembraremos das cenas mais marcantes. E estas cenas são marcantes graças ao reforço da trilha sonora. Uma cena romântica nunca desperta a mesma emoção sem uma linda melodia a acompanhá-la. Uma cena de ação não produz a mesma adrenalina sem uma música poderosa de fundo. Uma cena de suspense ou terror não provocará tanto medo sem uma lúgubre e aterradora trilha sonora. Diversos estudos foram realizados neste sentido. Diversas pessoas assistiram cenas de romance, ação, comédia, suspense e terror, primeiramente com as trilhas originais, depois com as trilhas trocadas, e por último sem som algum. As sensações despertadas foram as mais diversas possíveis. Ao contrário, num concerto de música erudita, as pessoas assumem uma postura de escuta direta e imediata, concentrada exclusivamente na música. A música não serve para algo, ela é um fim em si mesma. A música tem diversos níveis de sentido. Os sons são pensados pela mente como qualquer outra realidade: simples ou complexa, contínua ou descontínua, repetida, variada, etc. Estes são os primeiros significados. A música pode ser sentida em vários sentidos: códigos gerais de percepção, práticas sociais, técnicas musicais, estilo, obra, etc. Mas isso não só quando escutamos concentradamente, mas também quando cantamos, tocamos, jogamos, dançamos, estudamos música. Somos capazes, com os sons, de produzir sensações em diversos níveis. Quando tentamos definir a música, podemos simplesmente dizer que é uma sequência de sons, de tons de altura definida, organizados melódica, harmônica e ritmicamente, e de acordo com o timbre. Muitos dizem que música é uma ciência exata, definida pela matemática e pela física. A música é a arte que tem a maior possibilidade de se libertar de toda expressão de um determinado conteúdo, para se contentar com uma simples sucessão de justaposições, modulações, contrastes e harmonia, e assim se encerrar nos limites do domínio puramente musical dos sons. Mas, nestas condições, a música permanece vazia e sem significado, e visto que lhe falta um dos principais elementos de qualquer arte, o conteúdo e expressão, não pode ser então colocada entre as artes propriamente ditas. Mas quando o elemento sensível dos sons serve para exprimir o espiritual de uma maneira mais adequada, a música se eleva ao nível de uma verdadeira Arte. Há música desde que o som se organize no tempo; mas que sons pode-se considerar música? É aqui que começa o arbitrário. Todos que produzem som fazem música: pássaros, animais, homens de todas as etnias, o vento, o mar. Mas não com os mesmos sons. Cada povo possui uma maneira de fazer e escutar música. Isso acompanha a formação, a cultura e a própria história de cada povo. Através da música uma sociedade expressa sentimentos de maneiras características, por isso cada cultura possui uma forma de expressá-los. A arte tem sido repetidamente definida por estudiosos do ocidente e do oriente como uma expressão sensorial da cosmovisão de um povo ou de uma cultura. Pessoas numa sociedade estruturada de maneira única desenvolvem uma música igualmente única. Deve ser a estrutura social que forma o estilo musical. A música não é uma linguagem que descreve como uma sociedade parece ser, mas uma expressão metafórica de sentimentos associados com a maneira que a sociedade realmente é. Porque as pessoas criam a música, elas reproduzem na estrutura básica de sua música a estrutura básica de seus próprios processos de pensamento. (STEFANI, 2002). Merriam, um antropólogo cultural, caracteriza a música através da seguinte definição: “O som musical é o resultado de processos comportamentais humanos que são modelados pelos valores, atitudes e crenças das pessoas que compartilham uma determinada cultura. O som musical não pode ser produzido exceto por pessoas para outras pessoas, e embora possamos separar os dois aspectos (o aspecto sonoro e o aspecto cultural) conceitualmente, um não está realmente completo sem o outro. O comportamento humano produz música, mas o processo é contínuo; o comportamento é amoldado para produzir som musical, e assim, o estudo de um converge para o outro”.
Conclui-se com isso que em qualquer tempo ou lugar, a música será sempre uma arte extremamente rica e difundida, apesar de carregar esse caráter de abstração em seu próprio conceito. Entender o que a música é ou representa é tão importante quanto ouvi-la, e não faz com que a escuta se torne insignificante, mas atenciosa, e ajuda a fazer a música passar pelo exercício essencial de contextualização, o que distancia todo o mal gerado pela ignorância. Aqui estamos estudando a evolução da música, primordialmente a música ocidental, ao longo da História. Aparentemente esta intensa mutabilidade é um fenômeno tipicamente ocidental. Nas culturas orientais, predominantemente pagãs, a música tem se preservado a mesma por milênios. Nestas culturas, devido à crença de que os ancestrais se juntavam em rituais de adoração comuns, era fundamental que a música e as danças se mantivessem tão antigas quanto possível para que fossem compreendidas por todos os ancestrais e facilitasse sua participação. Uma das funções da música também era revelar a imutável essência eterna do universo. Então, seria natural que, uma vez criada, tal música resistiria às mudanças com o passar do tempo. Mesmo uma religião estritamente monoteísta, como o islamismo, também preserva diligentemente uma forma própria de expressão musical. Por que então a música ocidental mudou tanto? Uma organização religiosa (ou mesmo política) incute uma ideologia, um conjunto de valores e, talvez, cria uma ação ritual tal como uma liturgia ou uma atitude em relação a um modo de vida como parte de sua filosofia. Embora nada específico seja dito ou escrito sobre as artes, há um estímulo natural em descobrir a expressão artística implícita, adequada a essa ideologia. Mas os valores que os homens dos séculos passados respeitavam não parecem, hoje, importantes. Essa modificação radical da significação da música se processou nos últimos dois séculos com uma rapidez crescente. E ela se fez acompanhar de uma mudança de atitude frente à música contemporânea, aliás, frente à arte em geral, porque, como a música era parte essencial da vida, ela tinha que nascer necessariamente do presente. Ela era a língua indizível do homem, e só os contemporâneos poderiam entendê-la. Devia ser sempre criada com o novo, da mesma forma que os homens deviam construir para si novas moradas que correspondessem a um novo modo de existência, a uma nova modalidade de vida espiritual. Da mesma forma, já não era capaz de compreender, nem de utilizar a música das gerações passadas. Por que então buscar saber da música antiga? Porque a música sofreu milhares de transformações que a distanciam de seu ouvinte contemporâneo. Por isso surgiu a canção, que é uma tentativa de “humanizar” o som, tornando-o mais compreensível. A música tem de ser antes de tudo bela. Muitos ainda não estão preparados para o experimentalismo da música contemporânea. Por isso buscam na música antiga a beleza e a harmonia tão almejadas. Mas a música simplesmente bela jamais existiu; pois beleza é um conceito subjetivo e abstrato; é um componente de toda e qualquer música, mas não pode ser o critério determinante, pois isso significa ignorar os outros componentes. Se reduzirmos a música ao belo, tornando -a apenas um componente agradável da vida cotidiana, fica impossível compreendermos a música em sua totalidade. Quanto mais as pessoas se esforçarem para aprender a música antiga, mais perceberão que ela ultrapassa a beleza e o quanto ela inquieta, pela diversidade e riqueza de linguagem; e só assim reencontrarão a música contemporânea, aquela que constitui a cultura de hoje, e a prolonga. Ao passarmos pelas etapas cronológicas da História da Música, estaremos abordando os períodos artísticos, e os estilos característicos de cada período. O estilo tem sido descrito de diversas formas: “um modo característico de fazer algo”, uma “generalização do particular”, ou “um modo de vida”. O estilo é usado como produto ou método da ação e da escolha humana. É uma réplica do modelo, um conjunto particular de características. (STEFANI, 2002). Inúmeros fatores determinam o estilo musical em sua relação tempo-espaço, ou seja, de acordo com o lugar e a época, conforme veremos nos capítulos a seguir.
A MÚSICA NA ANTIGUIDADE
A História da Antiguidade ocidental começa, geralmente, pelo período greco-romano, também conhecido como Antiguidade Clássica. No desenvolvimento artístico de diversas civilizações, é quase sempre possível vislumbrar um momento, de maior ou menor duração, que se costuma denominar “clássico”. É a culminância, frequentemente luminosa, de perfeição formal e integração espiritual. Nenhuma civilização e nenhum país deu, todavia, a este conceito de clássico, uma contribuição tão decisiva e essencial que aquela dada Grécia, num período relativamente breve, que abarcou, mais ou menos, os séculos V e IV a.C.
O classicismo grego revela, pela primeira vez, uma manifestação artística que se afirma e se difunde unicamente pelo efeito da sua qualidade intrínseca, ou seja, pela eficácia e evidência de seus valores formais e expressivos. É uma arte de exaltação da importância do homem como tal, considerado “a medida de todas as coisas”. Essa arte exprime, portanto, aqueles valores de equilíbrio, harmonia, ordem, proporção e medida, que pertencem à razão humana. É uma arte que, em sua quase totalidade, tem uma destinação pública e religiosa. Se a individualização dos valores do classicismo grego se reveste de tanta importância, nem por isso sua pesquisa se torna fácil. A arquitetura não tem sequer um monumento íntegro. Todos estão em estado de ruínas, por vezes, de ruína arqueológica que permite reconstruir, idealmente, mas não ver, uma estrutura arquitetônica perdida. (PISCHEL, 1966), Neste período, a arquitetura assistiu ao nascimento do templo grego. Trata-se da transformação em sentido estrutural e monumental daqueles edifícios mais rudimentares, erigidos anteriormente para dar uma “casa” elementar à divindade. Inicialmente de madeira, desenvolve-se até chegar aos templos de mármore, solidamente construídos sobre uma plataforma com degraus. De planta retangular, com desenvolvimento predominantemente horizontal, e com cálculo de dimensões e proporções, de modo a contrapor à desordem da natureza a geométrica racionalidade da vontade arquitetônica. A arquitetura grega é essencialmente monumental. Assim, o templo grego é um espaço mais externo que interno. Seu edifício interno não é feito para acolher e conter grandes massas de fiéis. É um lugar concebido como moradia de um determinado deus, onde é colocada sua estátua. Para os fiéis, o templo é erguido a fim de ser contemplado no seu conjunto, para que subam até ele levando sacrifícios e homenagens; não, porém, para ficarem lá dentro. (PISCHEL, 1966) Sendo assim, a maior parte das manifestações musicais se davam em lugares abertos, de menores recursos acústicos, como o Agora, a praça do mercado e dos principais edifícios públicos, e a Acrópoles, a “cidade alta”, o topo da colina onde. ficavam os templos. Os espaços onde a música era executada contando com mais recursos acústicos eram os anfiteatros. Estes eram construídos em encostas, assim dispondo sua arquibancada em um semicírculo íngreme, que amplificava as vozes dos atores, cantores e músicos.
A palavra música vem do grego “mousiki”, que significa “a ciência de compor melodias”. Há uma lenda mitológica que diz que a música ocidental começou com a morte dos deuses conhecidos como Titãs. Depois da derrota destes deuses, foi solicitado a Zeus que se criasse divindades capazes de cantar as vitórias dos Olímpicos. Há também, na mitologia, outros deuses ligados à história da música, como Museu, que quando tocava chegava a curar doenças; Orfeu, que era cantor, músico e poeta; Anfião, que depois de ganhar uma lira de Hermes, passou a se dedicar inteiramente à música. Assim como da arquitetura grega clássica só nos restam ruínas, da produção musical grega só nos restaram raros fragmentos, em alguns papiros e em capitéis de colunas de mármore. Mas, se de músicas propriamente ditas não temos quase nada, o mesmo não se pode dizer da teoria musical. Inúmeros tratados sobre música escritos em grego, e cópias em árabe e latim, sobreviveram. Uma das primeiras explicações formais sobre a natureza da arte musical reveste-se de caráter fantástico: é a idéia pitagórica segundo a qual o universo se constituiria de sete esferas cristalinas que emitem em seu movimento concêntrico as respectivas notas da escala musical em perfeita harmonia. A teoria musical tem como objetivo a elaboração de um conjunto de disciplinas e interpretações gerais sobre os elementos e estruturas musicais. Pitágoras foi quem desenvolveu matematicamente os intervalos entre as notas musicais, demonstrando as proporções numéricas das escalas musicas. Os gregos utilizavam duas formas primitivas de notação musical: uma  instrumental, composta de quinze símbolos distintos, possivelmente derivados de algum alfabeto arcaico; e um vocal, baseado nas 24 letras do alfabeto jônico. A notação com letras e todos os padrões harmônicos, escalas e outros aspectos musicais influenciaram toda a produção musical do Ocidente (de do Oriente Médio) até o fim do sistema modal, no século XVII. Uns dos maiores legados da cultura grega é sua literatura. A literatura grega é a mais antiga da Europa, e desde suas origens está associada à música, ao teatro e também à dança. Do Período Helenístico em diante, entretanto, estabeleceu-se uma certa independência entre a música e a literatura.
POESIA ÉPICA
Poesias que narravam feitos heroicos, geralmente se baseavam em fatos históricos, misturados a lendas e personagens mitológicos. Composições deste tipo, em versos, foram criadas antes da invenção da escrita e conservadas graças à memória de incontáveis gerações de poetas-cantores, os aedos. É bom esclarecer que a poesia grega não era parecida com o que hoje conhecemos por “poesia”. Não havia rimas, e sim uma estruturação do verso em sílabas longas e curtas, de tal modo que a declamação adquiria um ritmo e uma musicalidade muito própria à língua grega. E os versos eram sempre acompanhados de música.
POESIA LÍRICA
Durante o período Arcaico, época de grande efervescência cultural, a poesia, a música e a dança tornaram-se ainda mais estreitamente ligadas, mas a temática já era outra. Os poetas praticamente abandonaram os longos temas épicos e heroicos, e preferiram criar obras mais curtas, pessoais e emotivas. Era muito apreciada, também, poesias compostas para ocasiões cívicas, como festivais religiosos e disputas esportivas. O qualitativo lírica, usado até hoje, refere-se ao fato de estes poemas terem sidos usualmente apresentados com o acompanhamento da lira. Usava-se muito também a palavra ode, que significa simplesmente canto, em relação a qualquer forma de poesia lírica. Havia a “lírica monódica”, em que o poeta declamava sua poesia, e a “lírica coral”, em que a composição era apresentada por um coro.
TRAGÉDIA E COMÉDIA
A tragédia evoluiu, aparentemente, a partir dos ditirambos, cantos corais apresentados nos festivais em honra ao deus Dionísio. Em algum momento do VI a.C. um dos componentes do coro passou a declamar, numa espécie de conversa com o restante do coro, e quando um segundo membro passou a dialogar com o primeiro, e ambos com o coro, surgiu a ação dramática, cerne da tragédia grega. As tragédias florescera na Atenas do século V a.C., após as guerras greco-pérsicas. Eram apresentadas nos concursos dramáticos dos festivais da cidade: as Leneias (janeiro), as Dionísias Urbanas (março e abril), e as Dionísias Rurais (dezembro). As apresentações aconteciam em teatros semicirculares, e dois ou três atores masculinos com máscaras faziam todos os papéis principais. O tamanho do coro, que cantava, dançava e dialogava com os atores durante a peça, variou conforme a época. A comédia também se originou nas festas populares em honra ao deus Dionísio. Na ocasião, os camponeses dos cortejos se apresentavam bêbados de vinho, e diziam impropérios e palavrões em voz alta, para atrair boas colheitas. Em Atenas os concursos de comédias começaram mais tarde que os de tragédia, por volta do ano 486 a.C. Os coros usavam em geral roupas que lembravam animais, e os atores tentavam despertar o riso com barrigas e falos postiços. Eram também usuais os trocadilhos, paródias e cenas burlescas de vários tipos. Os gregos tinham uma idéia antropocêntrica da vida, e mesmo seus deuses eram humanamente concebidos de uma forma infalível. Mas, talvez sua idealização das características humanas tenha contribuído para o desenvolvimento de dos famosos arquétipos dionisiano e apoloniano. Os gregos da Antigüidade viram uma ligação entre estilos de expressão musical e impulsos contrastantes da vida incorporados na distinção dionisiana/apoloniana. Havia assim uma música cujo efeito era de tranqüilidade e elevação e a música que tinha como objetivo produzir agitação e entusiasmo. A primeira estava associada com a adoração de Apolo, celebrado em tranquilidade e ordem; o instrumento usado era a lira e suas formas poéticas a ode e o épico. A segunda estava associada com a adoração de Dionísio, celebrado com vinho e embriaguez; o instrumento era o aulos e suas formas poéticas o dithyramb e o drama. A música era usada para incitar paixões e até mesmo promover o hedonismo. (STEFANI,2002) O último momento da arte grega é o período helenístico. Inicia-se antes do fim do século IV a.C., mas é difícil indicar o ponto final desse momento. Do ponto de vista artístico, o período não se fecha com a conquista política da Grécia por Roma; aliás, essa conquista conduz à admiração dos romanos para a cultura e arte grega, bem como a transferência, para Roma, de mestres e artesãos gregos. Assim ocorrem as infiltrações helenísticas na arte romana. (PISCHEL, 1966) Não é paradoxo afirmar que a maior construção dos romanos foi seu Estado. Através dos diversos regimes da monarquia, da república e do império, passa de modesta liga de povos rurais, para a força que unificou toda a Itália, até tornar-se a potência que dominou todo o Mediterrâneo, depois conquistando a Europa, a Ásia e a África. Nesse território Roma instaurará – a todos fazendo cidadãos romanos – a sua civilização, fundada sobre o critério do Direito e sobre singulares inter-relações da autoridade e democracia. Não admira, pois, que tal mundo revela em todos os setores, e também na arte, um cunho praticista. Estradas pavimentadas para o exército; pontes sólidas de alvenaria; aquedutos em arcos, que de longe transporta água para as cidades. Tudo isso faz parte da precoce arquitetura romana. Seu próprio teor monumental, procurando a grandiosidade como símbolo de potência e se orientando mais pela solidez imponente do que para a elegância e graça, será caracterizada pela preocupação relativa às exigências das grandes massas populares: foros, termas, teatros, circos. Para o estudo da arte romana e importante identificar as diversas contribuições proporcionadas pelas civilizações pré-romanas. O território itálico, saindo da Idade do Bronze, não experimentou unidade política, e portanto, não expressou unidade artística. A característica de sua produção de arte pode ser reconhecida pelas diferenças de níveis qualitativos e pela variedade de manifestações. As principais influências foram primeiramente os etruscos, e posteriormente os gregos.
Quando no século VIII a.C., Roma inicia sua vida histórica, adota em sua forma urbana a solução etrusca de cidade murada, com portas de acesso, ruas em retícula e casa de planta elíptica. Num período republicano mais avançado, Roma passa, na construção de seus templos, das receitas etruscas aos módulos gregos. A própria Roma se refaz, então, com exemplos urbanos helênicos, abrindo pórticos nas alas laterais de suas praças, e edifícios monumentais. Com a expansão da civilização romana no período imperial, Roma se torna hiper-populosa. Para seus governantes, deve representar o mais vasto império do mundo, deve tornar-se o centro esplêndido de semelhante domínio. Aqui se exprimiria o melhor da cultura; aqui a arte será entendida como recurso de exaltação a potência do Império. As grandes soluções urbanísticas e as grandes construções darão, entre outras coisas, trabalho a grandes massas de proletários. Utilizando as ordens arquitetônicas gregas de maneira mais livre, a arquitetura romana se enche aos poucos de originalidade. Prédios curvos e dinâmicos, em oposição à solução retilínea e estática da arquitetura grega. (PISCHEL, 1966).
Musicalmente, ocorreu o mesmo que com as demais artes romanas. A música grega foi incorporada, somada às influências de outros povos dominados pelo império romano. Estava principalmente ligada aos eventos públicos, como reuniões e festividades religiosas; eventos esportivos e lutas de gladiadores; eventos cívicos, militares e festividades dos imperadores em seus palácios; acompanhamento par teatros, dança e poesia. A grande arrancada artística se dá na renovação monumental de Roma, após o incêndio de Nero, no primeiro século da Era Cristã. A obra arquitetônica mais conhecida da época é o Coliseu. Nenhuma outra obra desta época alcança, em Roma, tamanho equilíbrio estético.  No século II, a arquitetura nos revela domínio do espaço real em construções isoladas, e domínio da ficção espacial na relação entre forma arquitetônica e espaço urbano.
O século III reflete, em todas as soluções artísticas romanas a ânsia de manifestações destinadas a surpreender por sua magnificência. Quando irrompe o Cristianismo, no século IV, Roma já concluíra sua parábola artística.(PISCHEL, 1966).
A MÚSICA NO MUNDO ROMANO
Por volta do século IX, livres da opressão do Império Romano, os povos europeus começam a desenvolver suas próprias manifestações culturais, como língua, Música, Arquitetura e outras Artes. Como período artístico que sucedeu o do Império Romano, foi denominado de Românico, que marca o início da Idade Média, na Europa feudal. No período do fim do Império Romano, a Europa estava arrasada após séculos de dominação romana e de ataques de povos bárbaros. As cidades, outrora grandes, se reduziram a feudos murados e pequenas vilas rurais.
A única instituição que perdurou do período imperial foi a Igreja Católica Apostólica Romana, que dominava todo o Continente com seu poder religioso, e em muitas regiões com um poder quase temporal. Onde o poder temporal era exercido pelo senhor feudal, que dominava a classe social dos servos, o clero tinha a função de legitimar o poder da nobreza, garantir a autoridade das classes dominantes e justificar as relações feudais como necessárias e imutáveis. Com sede em Roma, seus “tentáculos” nos demais países eram os Mosteiros e Conventos das ordens monásticas. Essas construções se destacavam por sua monumentalidade, onde predominava a horizontalidade, sólidas e pesadas paredes de pedra, com poucas aberturas para a entrada de luz natural. Tanto seu interior quanto exterior estavam quase ou nada dotados de ornamentos. Essa austeridade tinha a função social de pregar o desapego às coisas materiais, e a busca das coisas espirituais. (RAMALHO, 1992).
O surgimento do monasticismo, com sua rejeição ascética do mundo físico, confirmou a orientação transcendental no pensamento cristão até o ascetismo tornar-se o ideal da vida cristã. À medida que as comunidades monásticas emergiam como os centros de aprendizagem e fornecedores da cultura cristã, sua concepção do que era santo veio a ser comparado com o que era bonito e bom. Com o desenvolvimento do sacerdotalismo e do sacramentalismo, a participação congregacional na adoração foi minimizada, Deus foi distanciado da experiência direta dos adoradores. (STEFANI, 2002). As poucas aberturas dessas construções direcionavam a luz para o altar, onde se encontrava o clero e os objetos litúrgicos, ficando a congregação na penumbra. Isso passava a ideia de santidade dos representantes de Deus aqui na Terra, e a condição de trevas espirituais da população leiga. O peso de sua massa construtiva ao mesmo tempo passava a sensação de opressão e de proteção, como que dizendo que é a Igreja que domina, mas diferentemente da dominação do senhor feudal, apenas ela pode salvar a alma. As pessoas que entravam nas catedrais deixavam para trás sua vida de preocupações materiais e pareciam adentrar em um mundo diferente. Mas era um mundo misterioso, que inspirava temor, onde a esperança de salvação misturava-se ao medo da morte e do julgamento; e nas comunidades simples o foco principal estava no medo.
A Teologia românica concentrava-se em Deus como uma figura de autoridade – soberano, ditador da lei e juiz. As criações estéticas derivadas dessa ideologia certamente inspiravam mistério, temor e reverência, e às vezes intimidação (STEFANI, 2002). Nestas “fortalezas” sagradas os religiosos se refugiavam dos males deste mundo. Suas atividades diárias consistiam de orações, meditações, leituras da Bíblia (copiadas a mão por eles mesmos) e de cânticos. A fonte musical destes cânticos era os cânticos judaicos (Salmos) e a música grega, preservada pela Roma Antiga. Inicialmente herdado da sinagoga judaica, o estilo de música sacra cristã primitiva foi conscientemente cultivado durante séculos sucessivos para refinar essas características próprias de uma orientação transcendente. Ambas músicas, da sinagoga judaica e a música cristã primitiva, exibiram o mesmo canto bíblico intencionalmente restrito, mas certos pontos secundários de diferença existiram, particularmente relativos à expressão do sentimento humano. Enquanto o canto judaico era um canto humano, imperfeito, o louvor cristão buscava aproximar-se da beleza pura e perfeita de um coro de anjos. Após o Papa Gregório I ter unificado a liturgia do culto nas igrejas, no século VI, a música passou a ter uma grande importância nos ritos sacros, denominada de Canto Gregoriano. A música litúrgica foi o padrão para a cultura musical durante o período medieval.
A música da Igreja claramente liderou a hierarquia musical aceitável na sociedade, determinando a direção do desenvolvimento artístico como um todo. O tema e o objetivo da música de adoração cristã era permanecer sendo a glorificação de Deus e a edificação do homem. Seu foco era o Deus transcendente e a humanidade deveria ser ensinada sobre Ele e elevado ao Seu reino.A ênfase era a contemplação no lugar do envolvimento; o idealismo no lugar do realismo; a instrução no lugar do prazer. (STEFANI, 2002).
O CANTO GREGORIANO
O Canto Gregoriano, como canto monódico unificado de uma Igreja que se responsabilizava por uma tal missão social, necessariamente deveria ser organizado de forma a favorecer a difusão dessa ideologia. O sistema modal, instituído para reger a organização melódica do Canto Gregoriano, deve ser entendido como um “princípio disciplinador”. Principalmente em se tratando das formas de recitação dos Salmos, nota-se, por exemplo, que um mesmo modelo de trajetória melódica frequentemente servia de suporte para vários textos inteiramente diversos, bem como também era comum que um mesmo texto se sujeitasse a diversas formações melódicas distintas. (SCHURMANN, 1985). Em sua estrutura melódica se destaca o uso de uma determinada altura sonora, uma nota dominante. Toda a trajetória da voz pela linha melódica parece estar vinculada a esta dominante, com a qual mantém uma relação de íntima dependência, impregnando-a de um caráter autoritário favorável ao desempenho social da Igreja.



O CANTO LITÚRGICO
O canto litúrgico era dividido em melodias (cantos realizados sobre textos novos, cantados numa única linha melódica, sem acompanhamento de neumas, que indicam a movimentação melódica) e salmodias (canto de Salmos ou partes da Bíblia). A notação musical ainda não era precisa. Eram utilizados signos fonéticos acompanhados de sinais que indicavam a movimentação melódica. No âmbito da teoria musical, surgiram os oito modos eclesiásticos, inspirados nos modos gregos. A melodia era dividida em três partes, sendo a primeira ascendente, a segunda permanente e a terceira descendente, com as mesmas notas que a primeira, formando uma estrutura simétrica, fazendo alusão aos versos da liturgia “Sicut erat in principio, et nunc, et semper, et im saecula saeculorum” (sempre foi, permanece e sempre será), que tanto se refere a uma característica Divina, quanto à ideologia de imutabilidade social do feudalismo; bem como imprimem à melodia e ao ouvinte as características de impessoalidade e de dependência de uma instância superior. Para reforçar ainda mais essa ideia de permanência, era comum o uso de acompanhamento de um pequeno órgão de tubos ou de uma viele de roda, que produzia um som único e contínuo, do início ao fim, além da predominância constante de uma nota cantada dominante, que com o eco se tornava mais contínua ainda. São características desta natureza que sem dúvida eram relevantes para dotar a liturgia da austeridade pesada e opressora, também presente nas formas arquitetônicas do estilo românico.Todas as características da Arquitetura Românica estavam presentes na música desta época: a horizontalidade, gerada pela pouca diferença de altura entre a nota mais baixa e a mais alta da melodia; a falta de ornamentos, pela ausência de “voltas” em suas escalas; a já citada simetria; a unidade, pela estrutura harmônica em uníssono. Além disso, suas pesadas e sólidas paredes de pedra, sua forma retangular com um comprimento da nave muito maior que sua altura, e um teto em forma côncava (abóbada), proporcionava um tempo de reverberação altíssimo, causando muito eco. Se a melodia e a harmonia fosse complexa, o som ficaria “embolado”. Com uma melodia simples e em uníssono, o eco acabava gerando uma “polifonia” e um “contracanto” natural, pela superposição das notas cantadas e do eco, criando um clima misterioso e místico.
A MÚSICA GÓTICA
A partir de meados do século XII, grandes mudanças assolam a Europa. O crescimento demográfico e o aperfeiçoamento dos métodos agrícolas e comerciais proporcionam as bases pelas quais o Ocidente deixará de viver encolhido sobre si mesmo. Na ordem política, vê-se uma crescente afirmação do poder real frente às desagregadoras do feudalismo. A consolidação das monarquias e do sentido nacional, a prosperidade econômica regida pela indústria manufatureira e pelo comércio, que vai gerar um grande crescimento das cidades e o surgimento da classe burguesa, vai por um fim definitivo à sociedade feudal. As peregrinações e as Cruzadas põem a Europa em contato com novas culturas. As ordens cistercienses promovem uma reforma monástica. As escolas catedralícias e urbanas arrebatarão a primazia dos mosteiros como foco de cultura, passando as universidades a exercerem essa função. A espiritualidade se vê condicionada pelo fenômeno urbano quando surgem as chamadas ordens mendicantes: franciscanos e dominicanos. (BRACONS, 1992). As manifestações artísticas ganham grande importância, e os artistas e artesãos passam a ser muito valorizados. Esses se organizam em confrarias e corporações, e passam a se especializar em seus ofícios. Todas essas mudanças nos âmbitos sociais, econômicos, políticos e artísticos, acabou resultando em mudanças na ideologia da Igreja. O nascimento da arquitetura gótica foi resultado da evolução das técnicas construtivas realizadas durante o período românico, principalmente em consequência dessa mudança ideológica. O início dessa nova corrente foi atribuído ao abade Suger, da abadia de Saint-Denis, na Île-de-France, santuário do evangelizador da França (São Dionísio), panteão real e depositário das insígnias do poder. Ao conceber o projeto de renovação da abadia, Suger utilizou os elementos arquitetônicos que já existiam no românico tardio, como arcos e abóbadas ogivais, mas combinados segundo uma nova ordem. A partir deste feito, todas as obras construídas na França seguirão seu estilo. Todos os esforços passaram a se concentrarem na solução de um único edifício: a catedral. (BRACOSN, 1992). Segundo BRACONS, a catedral, paradigma da arquitetura gótica, fará a contraposição entre a arte românica monástica e rural, e a arte gótica catedralícia e urbana. Como igreja representativa de uma sede episcopal, converte-se no símbolo da do renascimento das cidades na Europa do século XII. Os aspectos construtivos possibilitaram a materialização da nova ênfase doutrinária da Igreja. Com o domínio cada vez maior dos arcos e abóbadas em ogivas, e do afastamento dos contrafortes em arcobotantes das paredes externas, se conseguiu construir catedrais com panos cada vez mais esbeltos, e naves cada vez mais altas. Com a diminuição da função estrutural das paredes, estas ganham cada vez mais aberturas para a entrada de luz, os vitrais. Como a luz emana dos elevados janelões, o sentido ascencional converte-se em outro dos fatores substanciais da arquitetura das catedrais góticas. Altíssimas torres pontiagudas riscam os céus, reforçando este sentido de ascensão e se tornando ponto de referência visual em toda a cidade. Ao contrário da arquitetura românica, a gótica é extremamente ornamentada. Com o virtuosismo dos artistas como arquitetos, escultores, ourives, muralistas e vitraleiros, além do patrocínio dos monarcas, se passam a construir catedrais cada vez mais ricas, adornadas e monumentais. A luz passa a transmitir uma profunda sensação de transcendência, da presença de Deus que agora se derrama sobre todos. A leveza da igreja, aliada aos elementos arquitetônicos ascendentes (arcos e abóbadas em ogiva, os vitrais, as torres…) não mais passam o sentimento de opressão. Nos cultos, a figura masculina do Deus opressor é substituída pela figura feminina e intercessória da Virgem Maria. A espiritualidade se renova, se tornando mais sensível à realidade humana. (BRACONS, 1992). O conjunto dessas inovações se estenderam à produção musical, que recebeu o nome de “Ars Nova” (arte nova), em oposição à “Ars Antiqua” (arte antiga). Essa nova arte seria a música polifônica, que veio substituir a música em cantochão (monofônica) do Canto Gregoriano. Igualmente à arquitetura gótica, também nasceu na Île-de-France, na catedral de Notre Dame. Os músicos que atuavam junto à catedral de Notre Dame dispunham de uma notação musical evoluída, em que não só as notas musicais vinham grafadas, mas também os ritmos e a duração em que cada nota deviam soar. Além da elaboração de notas novas sobre organuns dados, as músicas se abrem para composições autônomas.
A ARTE NOVA
A “arte nova”, que fortalecia o conceito tonal, fez com que a música adquirisse uma complexidade até então incomum para a cultura do ocidente. A transição da nonofonia tradicional românica para a polifonia gótica se deu de maneira gradual, iniciando com ornamentações ou vocalizes a duas vozes, até chegar a quatro, então designadas de tenor, duplum, triplum e quadruplum. Inicialmente, as vozes seguiam a linha melódica na partitura paralelamente, sendo duas em oitavas e as outras em quartas e quintas. (SCHURMANN, 1989).
CONTRACANTO
Outra técnica comum era o contracanto ou contraponto, onde uma voz iniciava a melodia, seguida poucos segundos depois pela outra, e assim por diante, cantando todas as vozes a mesma melodia, em tempos desencontrados. Essas duas técnicas evoluíram para arranjos a quatros vozes independentes, onde as linhas melódicas não seguiam mais trajetórias paralelas; e o auge da polifonia gótica, quando se uniu esta técnica de harmonia com o contraponto, passando as diferentes vozes a assumirem independências melódicas e rítmicas, chegando ao extremo de cada voz entoar seu texto exclusivo. A polifonia e o contraponto sugerem uma perfeita similaridade poética com os princípios da arquitetura gótica: ritmos agitados, flutuantes, de elevada grandiosidade espiritual. Estão presentes também a riquíssima ornamentação, a transcendental idade, a superposição de elementos ascendentes que reforçam o sentido de alegria e júbilo e culminam num clímax. (SCHURMANN, 1989). A catedral, com sua proporções e sua própria estrutura amplificava o som, constituindo uma fonte especial de inspiração para os compositores, que desenvolviam técnicas para preencher este espaço com música gloriosa e que se elevasse a grandes alturas. (IAZZETA, 1993) Vê-se aí mais uma nítida diferença entre a música monofônica e a polifônica, que vai além da questão estética, presente igualmente na música e na arquitetura, e se dá no âmbito ideológico da nova sociedade: o júbilo que sucede a opressão. Ao que tudo indica, tratava-se de uma espécie de exultação que nada tinha a ver com a liturgia em si. O desenvolvimento desse tipo de polifonia urbana pressupunha a existência, naquele tempo e naquele lugar, de uma formação social onde uma camada substancial da sociedade tivesse motivos relevantes para se sentir em estado permanente de exaltação. Seria uma comunidade triunfante, a burguesia, como resultado de um processo histórico vinculado ao surgimento, no âmbito urbano, de novas forças sociais, distintas e opostas àquelas que eram próprias à ordem feudal e rural anteriormente estabelecida. Mediante tais manifestações, a burguesia dizendo não ao canto monódico, contestava e se opunha de modo jubiloso à dominação cultural. Como explicar que tais manifestações de contestação se desse na catedral de Notre Dame, isto é, um espaço que evidentemente se destinava primordialmente às práticas diretamente vinculadas à liturgia? Uma possível resposta, embora um pouco romântica, é que os habitantes das cidades francesas dessa época, imbuídos de forças sociais acumuladas em consequência dos êxitos obtidos nos seus empreendimentos, ansiassem por um espaço no meio urbano que resumisse seus esforços coletivos e expressasse o sucesso de suas realizações. A catedral gótica seria a materialização desses anseios: a “casa comunal”, o celeiro de abundância, a bolsa de trabalho e o teatro do povo, o edifício sonoro e luminoso que sempre estaria aberto ao povo, a grande nave capaz de conter a cidade inteira, a arca cheia de tumulto nos dias de mercado, cheia de danças nos dias de festas, cheia e cânticos nos dias de culto, cheia da voz do povo todos os dias. (SCHURMANN, 1985). A formação intelectual se desloca das escolas monásticas para as novas instituições urbanas: as escolas catedralícias e as universidades. As relações existentes entre a escolástica, no campo acadêmico da filosofia, e o estilo gótico, na arquitetura, são fenômenos dialeticamente vinculados. Sobre essa perspectiva deve ser compreendido também o fenômeno da polifonia, enquanto a escolástica expressava a religiosidade medieval de acordo com a ideologia burguesa, se utilizando da comunicação linguística. Para procurar contemporizar os conflitos ideológicos já deflagrados, a música polifônica não fazia uso dos procedimentos discursivos. Era assim uma prática de efeitos muito mais imediatos capaz de expressar a animosidade da burguesia perante a dominação cultural, aniquilando assim os meios musicais tradicionalmente usados para esta dominação. (SCHURMANN, 1989).
A MÚSICA RENASCENTISTA
No início do século XV, as monarquias estavam em vias de desenvolver uma potencialidade política independente. Elas encontrariam na burguesia os meios necessários para a realização de seu poder. Até então, os reis e imperadores medievais, como supremos soberanos situados no ápice da pirâmide hierárquica da nobreza feudal, haviam exercido seu poder numa dependência quase absoluta da Igreja, a qual se identificava com o Estado. As monarquias, por mais amplo que fosse seu poder, de fato nunca haviam passado de meros prolongamentos do verdadeiro Estado que era a Igreja. Essa situação viria alterar-se totalmente com o surgimento da intelectualidade urbana, uma vez que os funcionários e estadistas já não mais teriam que, forçosamente, ser recrutados pelo clero tradicional. E ao mesmo tempo em que a monarquia assim acabaria por distanciar-se do resto da nobreza, também no âmbito das cidades o patriciado começava a afastar-se dos trabalhadores urbanos. Foram muitas as cidades onde a indústria artesanal de determinados produtos se havia desenvolvido a ponto de exceder as demandas de consumo local. Este excedente, evidentemente, tinha que ser absorvido pelo comércio a longa distância, a fim de abastecer outras regiões. Muitos artesãos passaram a produzir produtos exclusivamente para o mercado exterior, tornando-se aos poucos dependentes dos grandes mercadores, recebendo destes matéria prima e entregando aos mesmo os produtos acabados. Assim gradativamente foi crescendo o número de trabalhadores que, tendo perdido sua antiga condição de artesãos autônomos, passaram aos poucos adepender completamente de uma classe de comerciantes, detentora do capital comercial. Configurava-se aí uma contradição entre o trabalho e o capital, surgindo assim o capitalismo mercantil. A burguesia, antes unida em seus esforços em uma luta de toda a comunidade urbana por privilégios e franquias, uma vez atingidos esses objetivos, passara a distanciar-se cada vez mais da população menos favorecida e voltar seus interesses para as perspectivas de enriquecimento cada vez maior. Essa mudança de mentalidade trouxe consequências pra todos os aspectos da sociedade, inclusivena música. (STANLEY, 1994). As missas polifônicas que começaram a brotar no século XV já se nos apresentam como estruturas que parecem atender a solicitações de outra natureza, não tendo mais nada a ver com aquele júbilo juvenil de uma burguesia em vigorosa ascensão. Antes era uma melodia litúrgica que servia de pretexto para um ato de comunicação burguês; agora seria uma melodia burguesa que serve de pretexto para um ato de comunicação litúrgico. Antes era a cultura burguesa que se utilizava, à sua maneira, de um elemento da cultura dominante; agora seria a cultura dominante que se utiliza, também à sua maneira, de um elemento da cultura burguesa. A História nos mostra tratar-se de um processo cujos primeiros frutos tiveram origem na região de Flandres, para daí se alastrar rapidamente por toda a Europa, resultando no que viria a ser designado pelo termo polifonia renascentista. (SCHURMANN, 1985). As cortes enriquecidas eram frequentadas por grandes comerciantes, representantes das instituições bancárias hanseáticas e italianas, e também por importantes intelectuais e artistas, como pintores e músicos. De fato, esse meio requintado viera oferecer a músicos, escultores, pintores, arquitetos e outros intelectuais condições econômicas e de prestígio muito vantajosas. A alta aristocracia passara a assumir o papel de Mecenas(Os mecenas eram burgueses ricos da época do Renascimento, que, patrocinavam o trabalho de artistas e escritores, em busca de glória e prestígio). Assim, as atividades artesanais passaram a ser destinadas ao entretenimento e prestígio desta aristocracia, modalidade esta que daí em diante seria designada pelo termo Arte. A partir daí, os objetos haveriam de satisfazer já não mais às necessidades da vida cotidiana, mas às necessidades da contemplação. Coisa semelhante se daria com a música que, em lugar de continuar a servir como meio de comunicação cotidiana, gradativamente se converteria em obra de arte para ser exposta como forma de espetáculo. Os músicos passariam então a exercer uma nova função, que consistia em dotar a classe aristocrática de uma forma de ostentação, pela qual esta pudesse afirmar, para si e para os outros, a magnificência necessária para a legitimação do seu status de detentora da riqueza e do poder. Chegara o tempo em que qualquer casa que se prezasse haveria necessariamente de exercer o mecenato e, efetivamente, muitos foram os centros de riqueza e poder espalhados pela Europa que, numa concorrência desenfreada, passaram a disputar os músicos de maior fama. (SCHURMANN, 1985). O auge desta ostentação e opulência se daria na arquitetura. Filippo Brunelleschi (1377-1446) abre em Florença a Renascença Italiana. Sua linguagem arquitetônica, embora dotada de um desenvolvimento contínuo, nasce completa, absoluta, com liberação explícita da experiência gótica ainda recente. O cunho de sua originalidade está, sobretudo, na criação do vazio espacial interior, no equilíbrio íntimo e espiritual entre poesia e razão. Sua personalidade técnica está toda expressa na construção de duas réguas de cálculo, demonstrativas das regras para a exata concepção da perspectiva de um edifício. Virtuosismo no domínio das formas geométricas e puras, no novo arranjo das antigas ordens clássicas, a monumentalidade, as proporções humanas. Tudo isso para enaltecer as conquistas intelectuais e econômicas do Homem Moderno. No lugar das catedrais, o que interessa agora são os palácios da corte e as mansões da burguesia capitalista. (PISCHEL, 1966). Por seu passado de cultura clássica (greco-romana), a Itália vai ser o berço destas novas manifestações artísticas, baseados nos ideais clássicos de antropocentrismo e humanismo. As ciências se desenvolvem incrivelmente, e são escritos tratados e regras para reger todas as Artes. A Música passa a ser considerada ciência, como a Matemática e a Astronomia, entre outras. De fato, a Renascença musical constituiu-se em uma arte que os próprios compositores, cantores e instrumentistas sabiam estar aberta a experimentações e inovações. A possibilidade de aventuras sonoras teve sua correspondência mais próxima com as descobertas do Novo Mundo e a física de Galileu e Newton. Por outro lado, o que teve em comum com seu tempo foi justamente o refinamento da sensibilidade, o ideal de perfeição e grandeza, a ampliação de públicos educados e a incorporação de um espírito humanista e cosmopolita. A música polifônica, que já evoluíra com os mestres de Flandres, ganhou suas mais requintadas e complexas estruturas na Renascença do século XV. A missa e o moteto, gêneros predominantes do período, executados à capela, permitiram que se explorasse a multiplicação de vozes independentes e, com ela, um maior domínio sobre o chamado “estilo imitativo” (contraponto). Ao domínio do estilo imitativo esteve ligada a contínua melhoria do sistema de notação musical. Paralelamente ao já citado experimentalismo e busca de inovação, a música já não era mais expressão de sentimentalismo (o júbilo, por exemplo), e sim do racionalismo. Assim como na arquitetura se inovou usando as já conhecidas ordens greco-romanas de maneira nova, mas baseado em regras e princípios racionais de proporção, harmonia, ritmo, etc…; a manipulação das notas musicais que comporiam as obras polifônicas seguiriam essas mesmas regras e princípios. Foram estabelecidos oito princípios gerais, que são:
• Parâmetros sonoros especificamente musicais: define os sons individuais, com parâmetros de traços distintivos, como altura, intensidade, duração e timbre.
• Repertório de sons musicais: define o som musical como um som com de altura e duração fixa, o que o difere do ruído.
• As entidades musicais: define com entidades relevantes as associações sonoras, como as associações melódicas e rítmicas.
• O espaço mélico (ou melódico): define as relações de dependência e independência entre ritmo e melodia.
• O conceito de melodia: define melodia como uma sucessão de sons musicais, uma voz em movimento.
• A sistematização racional do ritmo: estabelece unidades de tempo, os andamentos, compassos e a duração das notas musicais.
• Os relacionamentos harmônicos entre duas alturas sonoras: define as relações entre as linhas melódicas, nos intervalos harmônicos (sons simultâneos), divididos em consonantes (agradáveis) e dissonantes (desagradáveis).
• A classificação dos intervalos harmônicos: elabora regras concernentes ao tratamento das dissonâncias. Mas o clero, em oposição a essa música tão racionalista, e mais ainda ao entrar no contexto da Contra Reforma, vai iniciar um movimento de mudança na concepção musical. (SCHURMANN,1985).
A MÚSICA BARROCA
Podemos definir o a arte barroca como a manifestação de um poder estabelecido e, quase sempre, absoluto. Uma forte carga ideológica influenciou a prática artística, gerando um barroco da burguesia protestante, e um barroco da Igreja e da Corte. Os artistas lutarão para ser considerados nobres e, sua arte, liberal. A conexão entre arte e sociedade trará consigo o desenvolvimento de obras perfeitamente adequadas às preferências dos diversos encomenda dores, sobretudo nas manifestações da Corte e da Igreja, em que a ideia artística, na maioria dos casos, será produto da mente daquele que encomendou a obra, convertendo-se o artista em mero e fiel executor. A ditadura do gosto, nas sociedades burguesas, entrará num jogo de oferta e procura, o incrementará o comércio de arte. No barroco, a inter-relação das artes, a busca de um caráter unitário, uma arte total, englobando todas as manifestações artísticas, é uma característica marcante. A arquitetura converte-se num marco idôneo, capaz de acolher as plásticas pictórica e escultórica, integrada em um todo unitário. Nunca havia se tentado um tipo de integração que, fugindo do meramente decorativo, isto é, acrescentando, se convertesse em algo orgânico, dentro de um conjunto global. O espaço arquitetônico transforma-se em theatrum sacrum, em que a pintura e escultura são elementos da representação. (TRIADÓ, 1991). A linguagem musical, cujos primeiros indícios – como linguagem propriamente dita – julgamos poder situar na polifonia renascentista, não chegara à sua plena realização senão após a evolução de novos princípios musicais próprios ao chamado sistema tonal. Enquanto a arte renascentista deseja exaltar a razão do Homem, a barroca deseja expressar as emoções. Em meados do século XVII, a música já era considerada como sendo não apenas uma espécie de linguagem, mas sobretudo um modo de comunicação que obedecia certas determinações, as quais acabaram por ser englobadas num sistema filosófico-musical sob a denominação de teoria dos afetos. Segundo tais determinações, a música viera estabelecer-se como a linguagem mais adequada sempre que se tratava de expressar ou provocar certos sentimentos, emoções e paixões, ou seja, os afetos humanos. Durante esse período, diferentes estereótipo de certos estados emocionais foram traduzidos em temas musicais que um compositor poderia usar para compor uma música. (STEFANI, 2002). Apesar disso, o sistema tonal surgiu num contexto do racionalismo. Nesta época, importantes trabalhos científicos foram produzidos, como a criação da Geometria Analítica, por René Descartes. Em Paris fundara-se a Academia das Ciências, e nesta, pela primeira vez, se reconheceu a Acústica como uma ciência autônoma. E era da Acústica que se exigia que desvendasse, por meio da razão científica, os mistérios ainda envolvidos no domínio da música. Era a estreita vinculação de um trabalho prático de produção musical com atividades teóricas de investigação científica que permitiria o surgimento do sistema tonal, o qual acabaria por encontrar sua fundamentação numa estrutura de conceitos perfeitamente racional, edificada sobre os acordes e suas associações. E foi com base nessa concepção que se desenvolveu um Tratado de Harmonia. Embora essa preocupação com os acordes tenha em seu início como consequência das práticas homofônicas, isto é, de uma reação às práticas polifônicas, evoluiria para uma polifonia tonal, em oposição à polifonia modal anterior. Agora todos os fenômenos melódicos envolvidos na trama das diversas vozes simultâneas teriam que sujeitar-se ao novo sistema. Assim, enquanto na polifonia modal qualquer acorde não podia surgir senão como consequência quase passiva das trajetórias melódicas das diversas vozes, na polifonia tonal essas trajetórias já são conscientemente programadas tendo em vista os acordes a serem alcançados. Os acordes seriam conglomerados de notas simultâneas, apoiadas em notas fundamentais que se localizavam nos diversos graus da escala. Os teóricos da época descreviam a ordem da expressão musical a partir da Harmonia, e para estes somente a harmonia tinha a capacidade de expressar as paixões. (SCHURMANN, 1989). A expressão das paixões, a dramaticidade, encontrará seu lugar, além da música, na arquitetura. A arquitetura do século XVII evoluirá em dois sentidos: a definição de um espaço unitário e a formação de um espaço especulativo. Essa formulação, espacial e de conjunto, define dois momentos de um mesmo discurso. Inicialmente, as ordens religiosas necessitaram de igrejas para acolher seus numerosos fiéis e a nave única converteu-se em hábil solução. Num segundo momento, o sentido propagandístico prevaleceu e a busca de um espaço individualizado se acentuou. Assim, da planta longitudinal, passar-se-á a soluções complexas em todo o espaço arquitetônico. Acrescentar-se-á o infinito como valor essencial, rompendo-se a ordem fechada das estruturas arquitetônicas. Portanto, essa corrente pode ser definida como contra reformista. A ideia de unidade espacial, latente nas formulações barrocas, vai lograr um todo que não seja a composição das partes. Isso dá início à especulação arquitetônica. Essa especulação tem, norteando-a, a total integração espacial e a eliminação de zonas de conflito que quebrem a ideia globalizada do espaço. Reforça-se, desta forma, o sentido teatral do espaço, que recolhe num só ponto, fazendo-as confluir, todas as partes do conjunto. Assim, o espectador não está num lugar do espaço, mas dentro do próprio espaço, absorvido pelo movimento e pela interpenetração das partes num todo. Assim, um conjunto de dimensões reduzidas, por não poder ser medido e delimitado, cria uma espacialidade enigmática, que o faz maior aos olhos do espectador. Propõe, ao mesmo tempo, um percurso visual que, por falta de elementos diferenciados, leva-nos sem descanso ao longo de um contínuo sem fim. (TRIADÓ, 1991). O dominante estilo de música de igreja, transcendental, manifestado no canto gregoriano e na polifonia, não desapareceu com o começo da Reforma Protestante. Mas através da nova compreensão da atitude reconciliatória de Deus com a humanidade, a música que expressava a vida cotidiana já não era mais evitada. (STEFANI, 2002). Partindo de seu princípio mais racionalista, a música barroca se utilizava de uma polifonia mais comedida. Isso se enquadrava na ideologia inicial da Contra-  Reforma, que procurava buscar novamente a austeridade perdida na Idade Média, como forma de atrair os fiéis “perdidos” para o movimento reformista protestante. Seguiu-se um período de repressão artística, incluindo a música. O Concílio de Trento decretou que a música fosse pia e celebrasse a religião. Assim, a estrutura musical consistia de tema e acompanhamento, ou seja, de uma melodia e ornamentos. (SCHURMANN, 1989). Pressões da Igreja Romana, que exigia o claro entendimento das palavras litúrgicas cantadas pelos coros, levaram a uma simplificação das vozes sobrepostas, e com isso, inicialmente, o papel individual de cada melodia se tornava secundário, se adequando a nova concepção harmônica da homofonia. Em contrapartida, uma melodia que se destacasse como principal sobre o acompanhamento, era investida de uma importância inexistente até então, o que redundou no surgimento da figura do solista. A estreita integração da música com o texto, tanto melodicamente como ritmicamente, se adequaram aos ideais humanísticos da época. Embora feito pela recém criada Igreja Protestante por razões teológicas. Os instrumentos musicais, antes proibidos, são incorporados no acompanhamento dos hinos.
O CANTO CONGREGACIONAL
Em resposta ao chamado de Lutero para canções de adoração congregacionais e vernáculas (na língua do povo, e não mais em latim), um novo estilo de música sacra (o chorale) foi intencionalmente criado. Esteticamente, isso significou a adoção de ideais que eram mais próximos do homem comum e da realidade natural da experiência cotidiana. A música congregacional necessitou de um estilo de música mais apropriada para vozes destreinadas e linguagens vernáculas. (STEFANI, 2002). Mas logo a ideologia do clero mudou, e o desejo de se ostentar a opulência e magnificência da Igreja se consolidou. No período barroco assistiu-se ao revitalismo triunfante do catolicismo, invertendo-se algumas das derrotas para a Reforma. O Papado respondeu com uma grande determinação em reinstaurar sua autoridade. Em contraste com os valores de austeridade e simplicidade do protestantismo, encorajava a criação de uma arquitetura grandiosa. As formas inicialmente contidas da arquitetura, ainda carregadas de um certo classicismo, se enchem de dinamismo, de formas curvas e ascensionais. Ao invés de ogivas o torres pontiagudas apontando para o céu, típicas do gótico, pilares espiralados, contorcendo e distorcendo a regularidade clássica do renascimento, que se fundiam ao teto, formando um conjunto único e infinito. Neste teto, o próprio Céu, cheio de anjos e outras figuras celestiais, pintadas. As novas igrejas e altares, extremamente elaborados, destinavam-se a evocar o mesmo sentimento de temor e majestade que as grandes catedrais da Idade Média haviam inspirado. Os altares e ornamentos se recobrem de ouro e prata. A dramaticidade se revela também na expressão das esculturas e imagens, carregadas de misticismo, ascetismo, heroísmo, erotismo e crueldade, que persuadirão os fiéis através dos sentidos, em oposição à razão. (TRIADÓ, 1991). Essa opulência se refletirá na música. A polifonia tonal atinge grande complexidade ao reincorporar estruturas polifônicas antigas, como a Fuga (contraponto), as linhas melódicas independentes, onde cada instrumento tem sua melodia, formando uma trama intrincada de sons, mas como uma unidade precisa, baseadas nos novos princípios de harmonia. As linhas melódicas usam e abusam de escalas ascendentes e descendentes, numa alusão às formas curvas da arquitetura barroca. A complexidade dos acordes se remeterá à riqueza de detalhes de cada escultura, pintura ou altar das igrejas. Como a arquitetura, a música é extremamente ornamentada e teatral. A harmonia se estende aos antes chamados instrumentos melódicos, e músicas são compostas para instrumentos até ali pouco explorados como solistas, com uma riqueza de sonoridades nunca antes deles extraída. E mesmo na música orquestral, com muitos instrumentos diferentes, cada instrumento é pensado com sua individualidade e potencialidade. O barroco foi o período em que o homem de espetáculo, o virtuoso, reinou. O detalhe é super valorizado, mas sempre pensado dentro da unidade, do todo global. A teoria musical, neste período, teve no estudo da harmonia sua linha de frente. Até o Barroco, distinguia-se os semitons ascendentes dos descendentes. A partir do século XVII, o tamanho do semitom foi matematicamente estabelecido e padronizado, numa evolução da teoria de Pitágoras. O estabelecimento da atual sistema de afinação única para todos os instrumentos, chamado de temperamento igual, possibilitou pela primeira vez a transposição de uma peça para outra tonalidade, e abriu caminho para as composições orquestrais do século XVIII em diante.
A MÚSICA CLÁSSICA
O século XVIII é frequentemente descrito como a Idade da Razão. À medida que os filósofos e cientistas começavam a desafiar os pressupostos tradicionais sobre a natureza da fé e da autoridade, era posto em questão o poder ilimitado da Igreja e da Monarquia. O seu espírito de investigação tinha raízes numa abordagem crítica que muito contribuiu para dar origem aos acontecimentos turbulentos que depressa iriam irromper no mundo ocidental. Em meados do século, no entanto, essas convulsões não passavam de nuvens distantes no horizonte. O estilo prevalecente nas artes era o Rococó, que os arquitetos franceses introduziram a fim de suavizar a grandiosidade severa do Barroco. Suas marcas características eram a graciosidade, a frivolidade e o prazer sensual. O equivalente musical ao rococó foi o estilo galante, que estabeleceu-se com base semelhante de leveza e elegância, substituindo a escrita complexa da música barroca por melodias de grande fluência e sentimentalidade. À medida que o século XVIII se aproximava do fim, verifica-se uma reação quer contra os exageros estilísticos do rococó quer contra a sociedade que os gerara. Este descontentamento era mais óbvio na França, onde se estabelecia as bases para a Revolução Francesa. Este movimento, o Iluminismo, pregava a substituição das superstições da religião pelas virtudes humanas da razão, da tolerância e da justiça. Na América, a Revolução Americana se formava. Os Estados Unidos declaram sua independência da Coroa Inglesa. A França, encorajada por este acontecimento, derruba a monarquia. Ambos países instauram a República. Vários desenvolvimentos marcantes no mundo artístico constituíram um elo destes importantes acontecimentos. Nesta altura, o veículo das mudanças foi o classicismo. Em um determinado nível, “classicismo” diz respeito à influência das culturas da antiga Grécia e Roma. Este dado é mais evidente na arquitetura, onde há modelos a imitar. Num domínio como o da música, a alusão é menos clara. Aqui, “clássico” pode dizer respeito às qualidades que eram mais apreciadas pelos artistas do mundo antigo: clareza, simplicidade, moderação e equilíbrio. Em termos práticos, significava um afastamento da polifonia da música barroca e um maior interesse por uma melodia e harmonia sem adornos, numa abordagem mais intelectual e distante. (STANLEY, 1994) O estímulo do revivalismo clássico proveio de duas fontes principais. Por uma lado, desenvolveu-se como uma reação ao espalhafato do barroco e do rococó. Ao mesmo tempo, tinha origem em novas descobertas arqueológicas surpreendentes. As maravilhas do mundo antigo haviam mantido a sua atração desde a Renascença. Uma visita às ruínas de Roma antiga continuavam a ser uma das paragens obrigatórias das viagens de qualquer jovem abastado. Na arquitetura, as ordens clássicas se popularizam. A simetria, o rigor geométrico e a monumentalidade são novamente as premissas básicas para os edifícios. Frontões, cúpulas e pilares na fachada se tornam quase obrigatórios. O branco do mármore e a ausência quase total de adornos davam um aspecto sóbrio porem solene, dando um ar quase monolítico. Na esfera musical, estas tendências eram mais evidentes, no gosto crescente pela simplicidade e pela contenção. Para que a falta de adornos não comprometesse a expressividade, a orquestra se torna o grande veículo da música clássica. Pela primeira vez na história da música, as formas instrumentais tomaram precedência sobre as formas vocais. O grande número de instrumentos, com predominância das cordas, vão dar o aspecto de massa coesa e monumental, presentes na arquitetura. Na sociedade, a ascensão da burguesia teve consequências significativas para os músicos. Até então, fora vital para qualquer aspirante a compositor procurar uma nomeação real ou ligar-se a uma casa nobre. Em fins do século XVIII, já não se passava assim. Um compositor poderia também trabalhar como independente, tentando ganhar sua vida vendendo músicas sob encomenda, ou através de espetáculos públicos que, patrocinados por nobres ou burgueses, representavam fontes potenciais de rendimento para os compositores. Essa diversidade das fontes ilustra até onde a música evoluíra. A maior parte das principais cidades podia orgulhar-se de ter pelo menos um recinto público para concertos, as salas de concertos. Isso indica uma mudança marcante na relação da música com a arquitetura. Até então a música era composta de maneira a explorar as características acústicas do ambiente, e torná-la condizente com os aspectos acústicos, plásticos e ideológicos do espaço, na maioria das vezes uma igreja. Com a secularização e popularização da música, grandes recintos são construídos para abrigar os concertos públicos. Além disso, com o crescente domínio da Acústica, cujos estudos se desenvolveram bastante no século anterior, tais recintos eram adequados a audição da música, num processo inverso ao vigente até então. A publicação de música tornara-se uma indústria com bastante peso. As novas revistas que surgiam incluíam críticas aos últimos concertos, juntamente com conselhos úteis para o número crescente de músicos amadores que desejavam tocar em casa. Técnicas sofisticadas de fabrico tinha feito descer o preço da maior parte dos instrumentos musicais, fato que contribuiu para tornara-se moda adquirir um mínimo de dotes musicais como um complemento social indispensável. Se até 1750 a música era criada principalmente para benefício da Igreja, da Nobreza e da Coroa, durante o período clássico passou a ser um prazer ao alcance de muitos outros grupos da sociedade. O período seguinte, o Romântico, proporcionaria música para o indivíduo. (STANLEY, 1994).

A MÚSICA ROMÂNTICA
Como adjetivo, a palavra “romântico” tinha uma longa e nobre história. Deriva dos antigos “romances” – as lendas de cavalaria popularizadas pelos trovadores na Idade Média – e foi usada para expressar as qualidades evocativas e imaginativas típicas destas obras. Os românticos opunham-se ao classicismo, proclamando a superioridade da emoção sobre a razão. Exigiam o direito à livre expressão, em lugar da antiga ênfase na contenção; elevaram o poder da imaginação a um estatuto quase divino. Os artistas podiam fazer tais afirmações em grande parte devido ao fato dos seus patronos não serem já as cortes aristocráticas, mas sim a classe média. Os compositores tinham um maior controle sobre suas carreiras. De muitas formas, o movimento Romântico proporcionou-lhes o equivalente artístico de uma declaração de independência. Os românticos inspiravam-se na Idade Média com um entusiasmo idêntico ao dos predecessores em relação à Grécia e Roma antiga. Este gosto pelo medievalismo permeava todas as artes. Na arquitetura, produziu o estilo gótico revivalista. A música, mais precisamente a ópera, incorporava temas de fantasia e lendas medievais. (STANLEY, 1994). Os românticos distanciaram-se dos valores prevalecentes durante a Idade da Razão. A consequência natural era que se interessassem pelo irracional, pelo macabro, sendo a loucura, o horror e o sobrenatural temas comuns. Na música, essa influência pode ser observada, por exemplo, na Sinfonia Fantástica (1830), de Berlioz, na qual o compositor evoca uma série de alucinações induzidas pelo ópio. Na arquitetura, os casarões neogóticos, com sua aparência de “mansão mal assombrada”, decoradas com esculturas de monstros e gárgulas, típicas das catedrais góticas. Dada a natureza lúgubre dos temas, poderá parecer surpreendente que a outra preocupação dos românticos fosse a natureza e suas belas e bucólicas paisagens. É claro que o gosto pela natureza não era uma novidade, mas a versão romântica desenvolveu-se em resposta direta a vários fatores contemporâneos. O alastramento da Revolução Industrial e a crescente urbanização da sociedade fizeram com que o campo parecesse idílico. Isso se refletiu nos projetos urbanísticos das “cidades jardins”; e na arquitetura, no estilo Art Nouveau, com suas formas orgânicas, fazendo referência a temas florais, e com uma certa influência gótica. Enquanto os artistas clássicos procuravam dispor elementos naturais, de forma a criar um efeito harmonioso, os românticos não tentavam modificar a natureza, registrando apenas suas impressões pessoais sobre ela. Em vez de controlarem os elementos, sentiam-se a sua mercê. De acordo com STANLEY (1994), a importância que os românticos atribuíam aos seus sentimentos pessoais e ao individualismo em geral estendia-se a todos os aspectos da sociedade. Os benefícios econômicos decorrentes da Revolução Industrial resultaram em vantagens consideráveis para os músicos. O alargamento da educação e o crescimento das classes profissionais proporcionaram um novo público, permitindo a alguns executantes granjear grande fama. Os virtuoses eram os reais beneficiários. Com seu virtuosismo buscavam expressar os seus sentimentos desenfreados de paixão, ódio e loucura. Esse tipo de virtuosismo foi estimulado também pelos avanços técnicos na construção de instrumentos musicais, em especial o piano. Isso encorajou os músicos a tornarem-se mais ousados em suas composições. A dificuldade técnica de muitas peças transformou-as em exclusivas dos executantes mais especializados, elitizando a música, fazendo distinção entre os diferentes níveis de público ouvinte. Surgiu uma divisão semelhante na escala da produção musical. Por um lado, obras mais curtas, para serem tocadas por poucos músicos, para ouvintes seletos, no ambiente íntimo dos salões: a música de câmara. Por outro lado, o tamanho da orquestra foi aumentando gradualmente, a fim de satisfazer os efeitos opulentos da sinfonia romântica. (STANLEY, 1994). O romantismo é o derradeiro momento da música tonal. As formas livres, o sinfonismo, o virtuosismo instrumental e os movimentos nacionais incorporam elementos alheios à tonalidade estrita do classicismo e esta lentamente se desfaz. A música do final do século XIX, embora carregada pelo individualismo, reflete as preocupações coletivas relacionadas aos movimentos de unificação que marcam a Europa do período. As composições unem o pensamento nacional às melodias populares. Elaborando-se contra a tradição que representava a arte dos séculos anteriores, essa corrente evocou a espontaneidade e a revolta, antes dominados pela razão e pela frieza. As transformações do mundo (sobretudo a Revolução Francesa) puseram em primeiro plano o indivíduo, com seus conflitos, inquietações e sua lucidez, seus pesadelos e sonhos, seus descaminhos, indignações e esperanças. A corrente romântica teve assim uma grande variedade de expressões. O romantismo desempenhou seu papel no fomento do fervor nacionalista e revolucionário do século XIX, no enaltecimento dos sentimentos pessoais e da ação individual como força poderosa de mudanças quer políticas quer artísticas. Mas à medida que o tempo passava, o movimento Romântico ir-se-ia tornando cada vez menos significativo, embora no mundo musical sua influência se mantivesse forte durante muitos anos mais. (STANLEY, 1994). Ao final do período romântico algumas obras trazem uma modulação tão fluida leva a tonalidade até seu limite, ficando a um passo da atonalidade. A enorme complexidade harmônica transgrediu as normas clássicas de composição e incorporou elementos e sons considerados capazes de dissolver ou ameaçar a própria harmonia. A tensão harmônica é tamanha que a velha harmonia finalmente entra em colapso. É o fim do tonalismo e o início do modernismo.
A MÚSICA VANGUARDISTA
 DO SÉCULO XX
Dois séculos de música tonal, numa sociedade cada vez mais dominada pelo poder econômico e político do grande capital industrial, acabaram, no fim do século XIX, por consolidar uma situação cultural, onde as manifestações musicais, agora definitivamente sobre a forma de produção e consumo de uma mercadoria chamada arte, servia de alimento ideológico indispensável à burguesia. Os músicos, produtores desta arte, assumiram o papel de verdadeiros apóstolos, cuja função residia em fornecer a essa burguesia consumidora as suas obras. Atendendo às necessidades da divisão social do trabalho, estes compositores se ocupavam em produzir apenas os projetos de tais obras, cuja execução ficava a cargo de outros músicos especializados na realização propriamente sonora das mesmas. Esses projetos, sob a forma de partituras, continham agora todas as instruções julgadas necessárias para que o executante – intérprete ou virtuoso – pudesse dar testemunho de suas habilidades em dar-lhe vida sonora. Os compositores, assim como os intérpretes, profissionais altamente especializados que eram, na medida em que tinham pleno êxito no desempenho da sua função, passaram a ser considerados como gênios e trabalhavam de forma inteiramente individual, não restando mais nada da produção coletiva que havia caracterizado épocas mais remotas. Foi extraordinária a riqueza desta produção musical que florescera nos séculos XVIII e XIX e que abrange os áureos períodos do Barroco, Classicismo e Romantismo. No final do século XIX, no entanto, deparamo-nos com uma época de crise: a produção musical européia perde sua homogeneidade, o sistema tonal passa a ser questionado e surge uma multiplicidade de direcionamentos novos e contraditórios entre si, que diversos grupos de músicos procuram imprimir à sua produção. (SCHURMANN, 1989). Em meados da década de 1870, o fervor revolucionário e nacionalista, tão intimamente relacionado com o movimento Romântico, transforma o mapa da Europa. O nacionalismo não era de forma alguma uma força esgotada, mas, nos últimos anos do século, adquiriu um outro caráter, originando a dissolução de impérios há muito estabelecidos. Estava em curso nesta época uma verdadeira revolução no mundo das artes. O Romantismo foi suplantado pelo Realismo, e pelos nascentes movimentos de vanguarda. Em 1874, um grupo de pintores franceses uniu-se para realizar a primeira exposição impressionista de Paris, num desafio aberto à ordem acadêmica estabelecida. Estes artistas procuravam captar na tela os efeitos da luz e os padrões em constante mudança do estado do tempo. O estilo dos impressionistas traduziase bem em termos musicais. Existem paralelos notáveis entre os efeitos criados pelos quadros dos impressionistas e o uso que os músicos do estilo faziam de texturas sutis de harmonia e timbre para criar imagens de cenas nebulosas e cheias de atmosfera. Em direção inversa, muitos pintores procuravam conscientemente dotar os seus quadros de qualidades musicais. Elementos da arte oriental também atraíam o interesse tanto de pintores quanto compositores. Essas experiências demonstravam o espírito febril de criatividade prevalecente na Europa antes da guerra. Pós- Impressionismo, Art Nouveau, Fauvismo, Simbolismo, Cubismo e Expressionismo foram movimentos que surgiram num curto espaço de tempo. As especificidades destes estilos eram muito diferentes, mas, em geral, marcavam a influência decrescente das academias oficiais que tinham controlado as artes durante tanto tempo. (STANLEY, 1994).

A MÚSICA IMPRESSIONISTA
O impressionismo é a primeira estética considerada modernista. As principais características desta estética aparecem na pintura, na poesia e na música: ar livre, natureza; interesse pela cor, pelo som puro, estudo sobre o tom; arabesco, linha pura, efeitos fugidios, visão momentânea; fascínio pelo instante sonoro; momentos de um mesmo objeto com efeitos diversos; percepção como sensação e não como sentimento; imediatismo; formas livres; música como experiência total; vago, indefinido; instinto, mistério, simbolismo. A ideia a partir de um motivo extramusical é tipicamente impressionista. A ligação com a palavra – seja ela um assunto que motiva a composição ou então o título ou texto acrescentados em seguida – é essencial para a nova música. No impressionismo o pretexto extramusical chama nossa atenção para um determinado aspecto do objeto sonoro, e deste aspecto pode originar-se um outro encadeamento de referências culturais. As obras impressionistas têm sons imprevisíveis, melodia indeterminada, suspensa, vagamente exótica, assimétrica e irregular. Muitas vezes aparece um cromatismo dentro do âmbito de um trítono, dando a impressão de sons improvisados.  música impressionista, assim como toda a música vanguardista, passa de arte do tempo a arte do espaço, impressão esta que deriva justamente da dissolução da sintaxe (disposição das partes no todo). O significado da música não interessa mais, ele nos indica o objeto musical. O arabesco desta música tem uma sinuosidade que não é regulada pelo sistema tonal, pelos esquemas simétricos das progressões, da rítmica simples, do andamento discursivo e, definitivamente, por aquele caráter claramente culturalizado. No início do século XX, um grupo de músicos reunidos em Viena, considerando o sistema tonal definitivamente superado, desenvolvera uma produção musical em que sistematicamente são negados todos os pressupostos teóricos que de alguma forma se referiam às tradições tonais. Criaram uma nova linguagem musical, denominada atonal, isto é, música não centrada numa determinada tonalidade. Resultara daí o enunciado de novos princípios que, artificialmente concebidos, deveriam orientar as estruturas musicais modernas. Estes princípios visavam, em primeira instância, a remover qualquer espécie de hierarquia entre as alturas sonoras, típicas do tonalismo. Tais preocupações nos sugerem imediatamente uma analogia com os ideais democráticos que, na mesma época, dominavam uma substancial faixa do pensamento político. Isso gerou uma aversão da burguesia a essas novas manifestações artísticas, ligando-as aos movimentos políticos marxistas e de esquerda. Para a maioria dos ouvistes, esta música soava caótica, e gerou reação hostil da sociedade. Contudo, alguns críticos olhavam para a atonalidade de uma forma mais positiva, como uma espécie de equivalente musical do Expressionismo, que constituía uma força tão importante nas artes visuais desta época, e que propunha o “retorno ao sujeito”, para reencontrar a expressão na arte. Mas o grande dia da música atonal foi quando se desenvolveu o Sistema Dodecafônico, que utiliza todas as 12 notas da escala cromática dispostas em qualquer ordem, como uma “seqüência” ou tema da composição. Este estilo, ou sistema, foi também denominado Serialista. (STANLEY, 1994). A prática dodecafônica assume diversas faces. O romantismo atonal e o pontilhismo (inexistência de melodia, com sons pontilhados no silêncio) são considerados marcos na música do século XX. No pontilhismo, cada uma das notas da série dodecafônica é separada, o que evita qualquer relação harmônica entre elas. Outra importante inovação é a melodia de timbre: uma melodia pode ser formando mudando-se não apenas as notas, mas também mudando-se os timbres. Além das escalas dodecafônica e atonal, outra importante inovação do período modernista é o uso de intervalos microtonais (intervalos menores que meio-tom entre as notas da escala cromática) e também os clusters (“cachos” de notas, que tendem ao ruído), tocados com as palmas das mãos, ou mesmo com o antebraço, sobre as teclas do piano. No âmbito da arquitetura e do urbanismo tais crises artísticas também ocorreram. Os efeitos da Revolução Industrial tinham colocado em crise a estrutura tradicional da cidade. Surgem, de centros modestos, ou mesmo do nada, novas cidades ao redor de novas indústrias, ou novas indústrias se inserem no contexto de velhas cidades. O fenômeno do urbanismo é comum: é o fenômeno do afluxo de grandes massas, sobretudo das que formam a mão-de-obra operária. As cidades se transformam em metrópoles imensas e caóticas. Nenhuma política urbanística racional intervém para procurar ditar ordem à semelhante desenvolvimento, viçoso, porém anárquico. Tudo é abandonado ao curso fatal das coisas, e a especulação privada reinou soberana, criando amontoados e adensamentos absurdos. A arquitetura lança-se à realização, principalmente nas periferias industriais, de habitações tristes, estreitas e sujas, para as massas trabalhadoras. Lançou-se, igualmente, à construção de edifícios de aluguel, para a grande ou pequena burguesia, sendo as construções sem grandes exigências estéticas, preocupadas apenas com o maior rendimento da exploração. (PISCHEL, 1966). O século XIX foi marcado pelo que se chamou de Período Neocolonialista. As grandes potências europeias se lançam a colonizar todos os povos da África e Ásia, como Portugal e Espanha fizeram com a América no século XVI. Encantados com a riqueza arquitetônica desses povos, os arquitetos buscam incorporar os elementos decorativos e formais desta arquitetura. Uns reproduziam esses elementos em sua totalidade, no que se chamou de Movimento dos “Neos” (Revival), com o Neo-Arabesco, Neo-Indiano, Neo-Oriental, entre outros. Esse movimento também incluiu o revivalismo dos estilos do passado da própria Europa, surgindo assim o Neo-Gótico, Neo-Barroco, Neo-Românico, Neo-Renascentista, sendo o preferido o Neo-Clássico (ou Neo-Grego, Neo-Romano). Outros arquitetos foram mais além, misturando ao acaso elementos decorativos e ordens arquitetônicas destes vários estilos e períodos em um único edifício, no que ficou denominado “Ecletismo”. É importante notar que a produção musical, de maneira geral, seguiu direção oposta. Enquanto a arquitetura buscava valorizar e incorporar elementos estrangeiros, os compositores da época vão valorizar e divulgar cada vez mais os elementos nacionais, o folclore. A cultura popular é incorporada à produção erudita. Logo surgem movimentos contrários a toda essa, para muitos críticos, banalização dos elementos históricos. Um dos primeiros foi e estilo Art Nouveau, que apesar de curta duração, teve primordial papel nessa busca por, como diz seu nome, uma arte nova. Um primeiro fator foi abolir os elementos arquitetônicos tradicionais, como frontões, colunas clássicas, volutas barrocas, etc. Com suas formas assimétricas, irregulares, sinuosas, vai contra o padrão vigente de belo. Outro fator foi a incorporação das novas tecnologias construtivas frutos da Revolução Industrial, como o aço, de maneira aberta e definitiva. Enquanto os edifícios ecléticos usavam o aço de maneira tímida em sua estrutura, e ainda encobria essa estrutura com a alvenaria e todos os elementos meramente decorativos pré-fabricados em concreto, a arquitetura Art Nouveau vai deixar a estrutura em aço aparente, e vai usá-lo como um elemento decorativo, em varandas, corrimãos, parapeitos, maçanetas, vitrais, marquises e cúpulas de ferro fundido, com seus temas florais. A arquitetura em aço logo se populariza, primordialmente nas pontes, nos “palácios de cristal”, e seu símbolo máximo até hoje é a Torre Eiffel, em Paris. Na América, sobretudo na “escola de Chicago”, estas técnicas construtivas se desenvolvem rapidamente, e uma nova estrutura surge: os arranha-céus. Neste estilo, repudia-se tudo o que é inutilmente ornamental; adotam-se critérios de pura funcionalidade. Mas em meados do início deste século, a arte contemporânea sofreu graves ataques. No período do Nazismo, Hitler censurou e proibiu a produção de tudo que fosse contra os ideais conservadores de seu regime, denominadas de “artes degeneradas”, incluídas aí todos os estilos vanguardistas de pintura, escultura, design, arquitetura e música. Uma das primeiras baixas no mundo artístico foi a Bauhaus, uma escola de arquitetura e artes aplicadas. O seu corpo docente era constituído por um dos melhores conjuntos de talentos artísticos alguma vez reunido num único local, e teve enorme influência no design e na arquitetura contemporânea. (PISCHEL, 1966). Após a derrocada do regime nazista, as ações para a reconstrução das economias da Europa Ocidental tiveram elo no domínio cultural. No centro destas atividades, a Alemanha fez esforços para derrubar a censura que prevalecera durante o regime Nazista, e os compositores serialistas voltaram a ser ouvidos em concertos. Esta nova onda dodecafônica foi peça chave no desenvolvimento do “serialismo total”, que se expandiu para além da altura para áreas como o ritmo e a dinâmica. (STANLEY, 1994). O serialismo total, ou integral, consistiu num sistema em que são acrescentadas à série de alturas uma série de durações, uma série de intensidades e uma série de timbres. A idéia do serialismo serve também para a organização de séries de 23 notas (incluindo os micro-tons), ou séries de sons sem alturas definidas. Sendo “força de choque” e, portanto, minoritários, internacionais e rebeldes, os movimentos denominados “de vanguarda”, diversos quanto à origem e intentos, efetuam uma nítida e deliberada ruptura relativamente à visão tradicional. Essa fratura está na base do nosso século; e a ela confere, convulsionando tudo, um aspecto de crise, de busca e experimentação. A contribuição mais essencial do período entre as duas guerras consistiu na afirmação e advento de um novo estilo arquitetônico: o Modernista, também chamado racionalista ou funcionalista. Esse advento deve ser contemplado por diversos aspectos. O primeiro é a exigência de se criar uma arquitetura adequada e aderente à nossa civilização tecnológica, às necessidades e aos serviços que ela postula,  ao modo de viver e trabalhar do homem moderno. “A forma deve acompanhar a função”, proclamou o norte-americano Sullivan com sua “escola de Chicago”. Mas a funcionalidade não tem o propósito de ser simples moda, e sim adequação a um mundo novo de relações, a outra escala de valores. O segundo aspecto é a reevocação da essencialidade das formas, à sua sincera força geometrizante, à autenticidade das estruturas. Contra todas os ornamentos que a prendam a uma época ou a uma tradição nacional ou local, a linguagem arquitetônica assume, assim, característica internacional e alcance universal. Em terceiro lugar, a eliminação do divórcio entre arquitetura e técnica. Quer-se fazer uso de todas as possibilidades – construtivas e expressivas – das novas técnicas, dos novos materiais e princípios. Ao lado do aço, do vidro, e dos elementos préfabricados, incorpora-se o concreto armado. O quarto e último elemento da arquitetura Moderna é a totalidade de sua visão: a construção torna-se realidade que se insere esteticamente num ambiente dado, e que socialmente se enxerta no tecido de uma comunidade ou cidade. Decorre disto o estreito vínculo existente entre a arquitetura e a urbanística. (PISCHEL, 1966) E a música sempre esteve acompanhando de perto essa evolução. Como em arquitetura, novos materiais obrigam a inventar novas estruturas. De início, o concreto começou por imitar a pedra; logo o material se tornou tão forte, que a tradição estalou. Em música, o material vai obrigar a encontrar um sistema de expressão que lhe corresponda. De fato, a música atual já não vem edificada sobre o rígido embasamento do tonalismo, mas é em parte um processo híbrido, onde aparece camuflada uma série de qualificações – modal, atonal, politonal, serial, concreta, minimalista, experimental, conceitual, digital – que trazem em si, o próprio signo da mobilidade, a tal ponto que, para se falar de música hoje torna-se necessário, antes, desvendar suas novas estruturas, formas e significações. (IAZZETA, 1993). A investigação da questão espacial mostra-se relevante no entendimento destes novos arranjos que começam a se estabelecer a partir deste século. Espaço cênico, espaço acústico e mesmo o espaço das frequências sonoras, ganham por parte dos compositores uma atenção que, até então, era dispensada ao fenômeno sonoro na música como um evento apenas temporal. Isso trouxe uma série de consequências inusitadas, ampliando a flexibilidade e a mobilidade do material sonoro, que confere a individualidade de cada obra: problemas arquiteturais, ligados à construção de ambientes de escuta adaptados às novas exigências espaciais da música de hoje; problemas acústicos concernentes à percepção dos novos efeitos sonoros resultantes da espacialização do som; problemas estéticos, relacionados à natureza exata das finalidades que persegue o compositor ao fazer tal ou qual uso particular de uma certa realidade acústica do ambiente. Segundo IAZZETA (1993), essa problemática emerge de três modos distintos. Em primeiro lugar, no âmbito das larguras sonoras, onde há um alargamento do espaço das frequências, tanto num plano bidimensional – dos sons mais graves aos mais agudos – quanto num plano tridimensional com a incorporação dos aspectos de densidade e massa sonora. O segundo modo de apreensão do espaço pela música é mais objetivo e representa, de certa forma, um retorno à maneira de se fazer música na Antiguidade e, também, na Idade Média, vinculando o acontecimento musical a um evento cênico. O terceiro ponto se relaciona muito diretamente ao atual estágio de desenvolvimento tecnológico que tornou possível a exploração de uma capacidade perceptiva peculiar: a de estabelecer, através do som, relações espaciais (distâncias e direções) entre as fontes sonoras, bem como características acústicas do ambiente. Apesar dessa capacidade ser bastante utilizada cotidianamente em música, é somente na metade deste século que vai ocorrer uma exploração um pouco mais consistente das características sonoro/espaciais dentro do discurso musical, trazendo à tona uma série de problemas relacionados à arquitetura dos ambientes e á localização das fontes sonoras. Obviamente, o elemento espacial sempre desempenhou uma influência importante na formação da linguagem musical, ainda que isso não se procede de modo aparente. É impossível não reconhecer, por exemplo, as afinidades entre a acústica ressonante das igrejas e catedrais e o cantochão medieval, ou a relação entre o surgimento das grandes salas de concerto e os volumosos conjuntos orquestrais que vão se formando a partir do século XVIII. Sem dúvida, todo espaço onde se realiza um espetáculo é um espaço social sujeito a refletir as mais variadas nuances do pensamento cultural onde se insere. As grandes transformações por que vem passando a música esbarram, por vezes, no cerceamento imposto por uma audiência cuja postura sonora ainda se baseia em princípios bastante tradicionais. Cada vez mais torna-se necessária a criação de espaços móveis que suporte configurações diferentes na disposição de intérpretes e ouvintes, bem como, possibilitem a utilização de recursos extra musicais. As salas de concertos atuais, revestidas de sua aura aristocrática, em nada cooperam na formação de novos públicos afeitos às novas propostas musicais que têm surgido. Como diz Pierre Boulez (1984): “A orquestra atual leva ainda a marca da sociedade do século XIX, que por sua vez herdou a tradição das cortes principescas. Penso que a arquitetura das salas é um fenômeno desconcertante de conservadorismo”. Esta postura conservadora frente o Modernismo começou a tomar força nos anos 60, mas vai mesmo se firmar nos anos 70. A Arquitetura Racionalista se popularizou demais no período do Pós-Guerra. Havia a necessidade de se reconstruir a Europa bombardeada. A arquitetura Moderna se mostrava a ideal para tal feito. Com suas linhas simples, sua estrutura racional, e com o emprego de materiais pré-fabricados, possibilitava contruções rápidas e econômicas. A máxima minimalista de Mies van der Rohe, que dizia que “Menos é mais”, é levada às últimas consequências. Em todo o mundo surgiam construções em que quase só se viam linhas retas e perpendiculares, grandes e claras. As fachadas dissolvidas de cima a baixo em vidro e cuja decoração, tanto interior com exterior, se contentava com o efeito não adulterado dos materiais: metal cromado, paredes de tijolo áspero, madeira não envernizada, concreto não revestido, pedra de relevo rude. Devido à sua construção, com base num esqueleto simples e plantas abertas, as construções no estilo de Mies – mantendo no essencial a mesma forma – podiam ser interminavelmente adaptadas e aplicadas, quer se tratasse de arranha-céus, ou de construções baixas. (PISCHEL, 1966) Na música tal fenômeno fez surgir um estilo também denominado Minimalista. Neste estilo, igualmente como na arquitetura, vão se utilizar as mais recentes tecnologias, e sua estrutura melódica será composta de um mínimo de elementos. No lugar de instrumentos tradicionais, os primeiros instrumentos eletrônicos, na época chamados de “eletroacústicos”. A partir desses instrumentos, a sua maioria de teclado (que seriam os “avós” dos atuais sintetizadores) e da gravação em fita magnética de sons de outros instrumentos e de sons do cotidiano, criavam-se pequenas “células” melódicas, que eram repetidas ad infinitum, como num mantra indiano. Contudo, a possibilidade de construir com rapidez e economia era frequentemente usada apenas para realizar caixas sem ornamentos e de exterior superficialmente moderno. Onde Mies usara materiais caros, como o ônix ou o mármore, procurava-se obter o mesmo aspecto com pré-fabricados de padrão semelhante. Por detrás das fachadas não se encontravam plantas abertas, mas antes espaços minúsculos, semelhantes a celas. Os pioneiros da arquitetura Moderna tinham sonhado com casas que não só funcionassem como máquinas mas que também fossem produzidas por estas. No entanto, quando as casas passaram a ser realmente montadas com componentes pré-fabricados por máquinas, verificou-se que isso conduzia não só a uma monotonia sem limites mas também a uma produção e modelação de qualidade extremamente baixa. Esse fracasso da crença eufórica no futuro e no progresso começou lentamente a ser reconhecido, por volta de 1970. Uma habitação numa nova urbanização era ainda considerada como o cúmulo da felicidade na face da terra e os urbanistas e arquitetos modernos estavam convictos de que a nova cidade, planejada até ao ínfimo pormenor; pensada na perspectiva dos automóveis, com grandes eixos viários e parques de estacionamento, estruturada nas suas funções, desobstruída e permeada de espaços verdes, teria de ser melhor do que a antiga, de crescimento aleatório, caótica e compactada. No entanto, a desagregação da cidade, segundo a qual só se habitava numa zona e se trabalhava noutra, sendo uma terceira zona reservada para as compras e tempos de lazer, conduziu à desarticulação do que tinha sido até então considerado uma “cidade”. Deu-se a desertificação temporária de quarteirões inteiros, juntando-se a isso uma arquitetura considerada monótona, numa imitação esquemática, interminável e sem qualquer rasgo de criatividade. A reação contra a crença num racionalismo técnico radical logo surgiu. Começou-se a falar na inospitalidade das cidades e a reagir contra os planos de demolição de edifícios antigos e de construção de estradas. (PISCHEL, 1966) Um certo medo do futuro e uma fuga da realidade juntou-se à essa situação. Surge o Movimento Hippie, se popularisa o exoterismo e outras ideologias políticas não menos irracionais. A moda “psicodélica” do “Flower Power” vai gerar uma preferência por cores berrantes, em oposição ao branco do modernismo; na onda nostálgica e na redescoberta do Art Nouveau. A cidade do século XIX foi reavaliada nesta época, e sua revalorização vai eclodir no que se denominou Pós-Modernismo. Os porta-vozes da arquitetura pós-modernista procedem com a arquitetura moderna da mesma forma esquemática que o modernismo, que repudiara em bloco seus antecessores. Substituíram novamente a assimetria equilibrada por uma simetria clássica, as janelas tornam-se outra vez pequenas e, em vez da ausência de ornamentação, usam-se ornamentos sobrepostos. O “Less is more” (“Menos é mais”) de Mies van der Rohe é substituído pelo “Less is bore” (“Menos é monótono”) de Venturi. Se para os modernistas “a forma segue a função”, agora “a forma segue a fantasia”. Mas o que se viu foram citações de edifícios históricos, de maneira cada vez mais aleatória. Os arquitetos pós-modernistas pouco mais apresentaram que do que um antiprograma pouco original contra o Movimento Moderno, em que invocavam os tempos pré-modernistas, sem se lembrarem que os vanguardistas do século XIX, como Ledoux, Boullée ou Gaudí, que se tornaram seus heróis, estavam voltados para o futuro, e não para o passado. Tudo isso culminou na reconstrução de edifícios históricos inteiros há muito desaparecidos e numa arquitetura que copiava diretamente o historicismo do século XIX. (GYMPEL, 1996). Neste período a música erudita também vai tomar uma direção de volta ao passado, no que se denomina Música Neo-Clássica: uma busca aos modelos melódicos e harmônicos do Classicismo, visto que o experimentalismo desenvolvido pelos modernistas na primeira metade do século XX não arregimentou muitos apreciadores entre a massa burguesa. A forma se desprende totalmente da função, tornando as construções bonitas à vista mas de má utilização. Apesar da arquitetura pós-moderna procurar refúgio no familiar, no antigo e no romântico, utilizou também elementos formais modernos. Mas a supremacia deste estilo durou pouco. A substância intelectual deste estilo só lhe suscitou sensação por um curto espaço de tempo, até o final dos anos 80.
A DESCONSTRUÇÃO MUSICAL
Por volta de 1990, a arquitetura pós-modernista foi substituída nos meios de comunicação pelo “desconstrutivismo”. Com base nos conceitos filosóficos de Jacques Deridas, os seus representantes desenvolveram uma sintaxe formal que ampliava ao extremo a abstração do Movimento Moderno. Os estudiosos colocam esses arquitetos no contexto histórico do modernismo e, por isso, designam-nos de “neo-modernistas”. Mas, tal como os pós-modernistas, os desconstrutivistas também procuram, sem ter em conta a satisfação das exigências funcionais – dificultando-as mesmo – uma forma extravagante e espetacular, exprimindo a sua oposição contra normas de construção e de ornamentação. É frequente encontrar elementos de uma delicadeza de filigrana ao lado de outros monstruosamente superdimensionados, o que dá à estrutura um aspecto caótico e um efeito instável, como se fosse desmororar-se de um momento para o outro. (GYMPEL, 1996). No âmbito da música, assim como o desconstrutivismo se propôe como um recontextualizador do modernismo, a atual produção erudita vai reler os conceitos do dodecafonismo, surgido no início do século XX, que de certa forma era descontrutivista, pois desconstruía a escala cromática numa escala sem hierarquia tonal de uma nota para outra, o atonalismo, num estilo denominado “estilo aleatório”, em que as melodias são feitas ao acaso. Hoje, início de um novo século (e novo milênio), mais do que nunca a música tem o caráter da mutabilidade. A cada dia novos estilos surgem, antigos são resgatados sob nova leitura, reformulados, fundidos a outros estilos. Os instrumentos que sugiram a milhares de anos convivem com o computador, instrumentos eletrônicos, samplers, sons digitais, etc. A arquitetura atual também possui o mesmo aspecto de pluralidade. Em centros históricos milenares são construídos edifícios com a mais alta tecnologia, seguindo as premissas estéticas da última moda. Atualmente, uma série de novos movimentos convive com práticas remanescentes da música do pós-guerra. Destacam-se: a nova simplicidade, que visa à estética da liberdade da arte, propondo uma música com ausência de dificuldades, livrando-se da carga histórica; a nova complexidade, que resgata a importância estrutural do serialismo integral, numa música que expressa a complexidade do homem atual; a música espectral, que surge a partir do estudo de espectros sonoros de instrumentos e sons cotidianos com o auxílio de recursos audiovisuais, como vídeo, teatro, dança, etc.; e a computer-music, que utiliza recursos da informática na síntese sonora, no cálculo de estruturas sonoras e nas transformações de informação sonora, através de simulações diversas. Durante o século XX, ocorreram mudanças tanto na sintaxe do discurso musical, quanto no papel que ela desempenha dentro da sociedade. A separação entre música erudita e popular nunca foi tão explícita. Isso criou uma certa distância entre a música produzida neste século e seus ouvintes contemporâneos. Em todos os outros períodos históricos a música que se ouvia era a música produzida naquela mesma época. Atualmente, com o surgimento dos meios de gravação, as músicas antigas passaram a ser mais difundidas, e a música do passado passou a ser a música do presente. Mas as pessoas vão muito menos a concertos, se comparadas com as pessoas do século XIX. As pessoas não precisam ir até a música, pois ela pode ir até seus ouvintes, seja através da mídia (rádio, TV) ou das gravações (CDs, discos, fitas, DVDs) Mas isso faz com que o ouvinte se prive de ouvir a música no seu ambiente natural (igrejas, teatros, salas de concerto). Além disso, deixa de fazer o exercício essencial para a compreensão de qualquer produto cultural, o de contextualização. Para onde a música tenderá neste novo milênio? Somente o tempo dirá. O jargão técnico dos músicos é inadequado para explicar as novas criações. Ainda hoje existem, entre nós, propostas criativas que podem revelar mundos novos.


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