FACULDADE DE TEOLOGIA TESTEMUNHAS HOJE
CURSO LIVRE
OS EVANGELHOS
CONCEITO
GERAL
INTRODUÇÃO
Os quatro Evangelhos
compreendem cerca de 46 por cento no Novo Testamento. A igreja primitiva
colocou os Evangelhos no início do Cânon do Novo Testamento, não por serem eles
os primeiros livros escritos, mas por serem o fundamento sobre o qual Atos e as
Epístolas são edificados. Os Evangelhos ao mesmo tempo se originam do Antigo
Testamento e o cumprem, bem como fornecem um cenário histórico e teológico para
o restante do Novo Testamento.
A palavra grega
euaggelion se refere às “boas novas” ou “alegres novas” acerca de Jesus Cristo,
que foi oralmente proclamado. Mais tarde veio a ser também sido escrito depois,
a igreja primitiva considerou somente os quatro Evangelhos, da forma que os
conhecemos, como dotados de autoridade e divinamente inspirados. Foram
distinguidos uns dos outros pela preposição grega kata (segundo), acompanhada
pelo nome do escritor. A presente ordem dos quatro Evangelhos remonta pelo
menos ao final do segundo século, e cria-se ser esta a ordem em que eles foram
escritos. Embora haja quem teorize que os Evangelhos foram originalmente
escritos em Aramaico, não há evidência real para tal posição. Os habitantes da
Palestina eram primariamente bilíngües (aramaico e grego), e muitos eram
trilíngües (hebraico ou latim). O grego, porém, era o idioma comum de todo o
império, e por isso o mais adequado veículo para as narrativas evangélicas.
A forma literária dos
Evangelhos não tinha correlativo na literatura helênica. Embora eles estejam
saturados de material biográfico, na realidade são perfis temáticos que omitem
quase inteiramente os trinta anos preparatórios para o ministério público
relativamente breve de Cristo. Mesmo esta porção de sua vida se apresenta numa
forma altamente assimétrica, com ênfase em sua última semana. Enfim, apenas
cerca de cinqüenta dias do ministério de Jesus são focalizados nos Evangelhos
combinados.
Os quatro relatos
complementares fornecem um retrato composto da pessoa do Salvador, operando
juntos para fornecer profundidade clareza à nossa compreensão da mais singular
figura da história humana. Neles Jesus é visto como divino e humano, o Servo
soberano, O Deus-homem. Cada Evangelho tem uma dimensão distintiva a
acrescentar, de sorte que o total é maior que a soma das partes.
A Bíblia num relance
O Dr. William H.
Griffith Thomas sugere quatro palavras, a fim de ajudar-nos a ligar toda a
revelação de Deus:
PREPARAÇÃO...No
Antigo Testamento Deus prepara o mundo para a vinda do Messias.
MANIFESTAÇÃO...Nos 4
Evangelhos, Cristo entra no mundo, morre pelo mundo e funda a sua Igreja.
APROPRIAÇÃO... Em
Atos e nas Epístolas, são apresentadas maneiras pelas quais o Senhor Jesus foi
recebido, apropriado e aplicado à vida das pessoas.
CONSUMAÇÃO... No
Apocalipse revela-se o resultado do plano perfeito de Deus.
O que é o Evangelho
Às boas-novas a
respeito de Jesus Cristo, o Filho de Deus são-nos apresentadas por quatro
autores: Mateus, Marcos, Lucas e João, embora exista só um Evangelho, a bela
história da salvação por Jesus Cristo, nosso Senhor.
A palavra “Evangelho”
nunca é usada no Novo Testamento para referir-se a um livro. Significa sempre
“boas-novas”. Quando falamos do Evangelho de Lucas, devemos compreender que se
trata das boas-novas de Jesus Cristo conforme foram registradas por Lucas.
Entretanto, desde os tempos antigos o termo, “evangelho,” tem sido usado com
referência a cada uma das quatro narrativas da vida de Cristo.
Originalmente essas
boas-novas eram transmitidas pela palavra falada. Os homens iam de lugar em
lugar, contando a velha história. Depois de algum tempo fez-se necessário um
registro escrito. Mais de uma pessoa tentou fazê-lo, mais sem êxito. Veja o que
Lucas diz: “Visto que muitos houve que empreenderam uma narração coordenada dos
fatos que entre nós se realizaram, conforme nos transmitiram os que desde o
principio foram deles testemunhas oculares, e ministros da palavra, igualmente
a mim me pareceu bem, depois de a curada investigação de tudo desde a sua origem,
dar-te por escrito, excelentíssimo Teófilo, uma exposição em ordem, para que
tenhas perfeita certeza das verdades em que foste instruído” (Lc 1.1-4).
“Evangelho” é uma
palavra de origem grega que significa “boa notícia”. Do ponto de vista da fé
cristã, só há um evangelho: o de Jesus Cristo. Porque ele mesmo, o Filho de
Deus encarnado na natureza humana (Jo 1.14) e autor da vida e da salvação (At
3.15; Hb 2.10; 12.2), é a boa notícia que constitui o coração do Novo
Testamento o fundamenta a pregação da Igreja desde os tempos apostólicos até os
nossos dias.
No entanto, visto que
toda notícia supõe a comunicação de uma mensagem, chamamos também de
“evangelho” o conjunto dos livros do Novo Testamento, que, sob a inspiração do
Espírito Santo, foram escritos para comunicar a boa notícia da vinda de Cristo
e, com ele, a do Reino eterno de Deus (Mt 3.2; 4.17; Mc 1.1,14-15; Lc 2.10; Rm
1.1-6,16-17). Nesse mesmo sentido, o apóstolo Paulo gosta de falar do “meu
evangelho”, fazendo assim referência ao anúncio da graça divina que ele
proclamava (Rm 1.1,9,16; 16.25; 1Co 15.1; Gl 2.7; 2Tm 2.8): uma mensagem que já
antes fora escutada em Israel (Is 35; 40.9-11; 52.7; 61.1-2a), mas que agora se
estende ao mundo inteiro, a quantos, por meio da fé, aceitam Cristo como Senhor
e Salvador (cf., entre outros, Rm 1.5; 5.1; 6.14,22-23).
Num terceiro sentido,
o uso tem generalizado a aplicação do termo “evangelho” a cada um dos livros do
Novo Testamento (Mateus, Marcos, Lucas e João) que nos têm transmitido
praticamente a totalidade do que sabemos acerca de Jesus: da sua vida e
atividade, da sua paixão e morte, da sua ressurreição e glorificação.
Da perspectiva da fé
cristã, a palavra “evangelho” contém, pois, uma tríplice referência: em
primeiro lugar, a Jesus Cristo, cuja vinda é o acontecimento definitivo da
revelação de Deus ao ser humano; em segundo lugar, à pregação oral e à
comunicação escrita da boa notícia da salvação pela fé; e, por último, aos
quatro livros do Novo Testamento que desde o séc. II se conhecem pela designação
genérica de “os Evangelhos”.
EVANGELHOS E
EVANGELISTAS
Tradicionalmente, os
autores dos quatro primeiros livros do Novo Testamento recebem o nome de
“evangelistas”, título que na Igreja primitiva correspondia às pessoas a quem,
de modo específico, se confiava a função de anunciar a boa nova de Jesus Cristo
(At 21.8; Ef 4.11; 2Tm 4.5. cf. At 8.12,40).
Durante os anos que
se seguiram à ascensão do Senhor, a pregação apostólica foi, sobretudo, verbal
como vemos na leitura de Atos. Mais tarde, quando começaram a desaparecer
aqueles que haviam conhecido Jesus em pessoa, a Igreja sentiu a necessidade de
fixar por escrito a memória das palavras que haviam ouvido dele e dos seus atos
que haviam presenciado. Durante certo tempo, circularam entre as comunidades cristãs
de então numerosos textos referentes a Jesus, que, na maioria dos casos, eram
simples apontamentos dispersos e sem conexão. Apesar do seu caráter
fragmentário, porém, aqueles breves relatos representaram a passagem da
tradição oral à escrita, passagem que presidiu o nascimento dos nossos quatro
Evangelhos.
O propósito principal
dos evangelistas não foi oferecer uma história detalhada das circunstâncias que
rodearam a vida do nosso Senhor e dos eventos que a marcaram; tampouco se
propuseram a reproduzir ao pé da letra os seus discursos e ensinamentos, nem as
suas discussões com as autoridades religiosas dos judeus. Há, conseqüentemente,
muitos dados relativos ao homem Jesus de Nazaré que nunca nos serão conhecidos,
embora, por outro lado, não reste dúvida de que Deus já revelou por meio dos
evangelistas (cf. Jo 20.30; 21.25) tudo o que não devemos ignorar. Na
realidade, eles não escreveram para nos transmitir uma completa informação de
gênero biográfico, mas, como disse João, “para que creiais que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome” (20.31).
Os Evangelhos contêm,
pois, um conjunto de narrações centradas na pessoa de Jesus de Nazaré e
escritas com um propósito testemunhal, para a edificação da Igreja e para a
comunicação da fé. Mas isso não significa que os evangelistas manejaram sem
cuidado os dados, as palavras e os fatos que recompilaram e que foram os seus
elementos de informação. Pois, se bem que é certo que eles não trataram de
escrever nenhuma biografia (ao menos n o sentido específico que hoje damos ao
termo), igualmente é que os seus escritos respondem com fidelidade ao discurso
histórico tal e como era elaborado então, seja por haverem conhecido
pessoalmente a Jesus, ou seja, por terem sido companheiros dos apóstolos que
viveram junto dele.
A obra dos
evangelistas nutriu-se especialmente das memórias que, em relação ao Senhor,
eram guardadas no seio da Igreja como um depósito precioso. Essas memórias
transmitiram-se no culto, no ensinamento e na atividade missionária, isto é, na
pregação oral, que, durante longos anos e com perspectiva escatológica, foi o
meio idôneo para reviver, desde a fé e em benefício da fé, o acontecimento
fundamental do Cristo ressuscitado.
OS EVANGELHOS
SINÓTICOS
A simples leitura dos
Evangelhos conduz logo a uma primeira classificação, que é resultante da
constatação, de um lado, de que existe uma ampla coincidência da parte de
Mateus, Marcos e Lucas quanto aos temas de que tratam e quanto à disposição dos
elementos narrativos que introduzem; e por outro, o Evangelho de João, cuja
aparição foi posterior à dos outros três, parece ter sido escrito com o
propósito de suplementar os relatos anteriores com uma nova e distinta visão da
vida de Jesus. Porque, de fato, com exceção dos acontecimentos que formavam a
história da paixão de Jesus, apenas três dos fatos referidos por João (1.19-28;
6.1-13 e 6.16-21) encontram-se também consignados nos outros Evangelhos.
Daí se conclui que,
assim como o Evangelho Segundo João requer uma consideração à parte, os de
Mateus, Marcos e Lucas estão estreitamente relacionados. Seguindo vias
paralelas, oferecem nas suas respectivas narrações três enfoques diferentes da
vida do Senhor. Por causa desse paralelismo, pelas muitas analogias que
aproximam esses Evangelhos tanto na matéria exposta como na forma de dispô-la,
vêm sendo designados desde
o séc. XVIII como “os
sinóticos”, palavra tomada do grego e equivalente a “visão simultânea” de
alguma coisa.
Os sinóticos
começaram a aparecer provavelmente em torno do ano 70. Depois da publicação do
Evangelho segundo Marcos, escreveu-se primeiro o de Mateus e depois o de Lucas.
Ambos serviram-se, em maior ou menor medida, da quase totalidade dos materiais
incorporados em Marcos, relembrando-os e ampliando-os com outros. Por essa
razão, Marcos está quase integralmente representado nas páginas de Mateus e de
Lucas. Quanto aos novos materiais mencionados, isto é, os que não se encontram
em Marcos, uma parte foi aproveitada simultaneamente por Mateus e Lucas, e a
outra foi usada por cada um deles de maneira exclusiva.
Apesar de que os
autores sinóticos tenham redigido textos paralelos, fizeramno de pontos de
vista diferentes e contribuindo cada qual com a sua própria personalidade,
cultura e estilo literário. Por isso, a obra dos evangelistas não surge como o
produto de uma elaboração conjunta, mas como um feito singular desde seus
delineamentos iniciais até a sua realização definitiva. Quanto aos objetivos,
também são diferentes em cada caso: enquanto Mateus contempla a Jesus de Nazaré
como o Messias anunciado profeticamente, Marcos o vê como a manifestação do
poder de Deus, e Lucas, como o Salvador de um mundo perdido por causa do
pecado.
POR QUÊ QUATRO
EVANGELHOS?
A pergunta que
naturalmente surge é a seguinte: Por que quatro? Não teria bastado uma só
narrativa direta e contínua? Não teria sido mais simples e claro? Isso não nos
teria poupado algumas das dificuldades surgidas em torno do que alguns têm
chamado de narrativas divergentes? A resposta é simples: Uma ou duas pessoas
não nos teriam dado um retrato completo da vida de Cristo. O Dr. Van Dyke
disse: “Suponhamos que quatro testemunhas comparecessem perante um juiz para
depor sobre certo acontecimento e cada uma delas usasse as mesmas palavras. O
juiz provavelmente, concluiria, não que o testemunho delas era de valor
excepcional, mas que a única coisa certa, sem sombra de dúvida, é que haviam
concordado em contar a mesma história. Todavia, se cada uma tivesse contado o
que tinha visto e como o tinha visto, aí então a prova seria digna de crédito.
E quando
temos os quatro
Evangelhos, não é exatamente isso que acontece? Os quatro evangelistas contaram
a mesma história, cada qual a seu modo.
Há quatro ofícios
distintos de Cristo apresentados nos Evangelhos. Ele é apresentado como: Rei em
Mateus, Servo em Marcos, Filho do homem em Lucas e Filho de Deus em João. É
verdade que os quatro Evangelhos têm muita coisa em comum. Todos eles tratam do
ministério terreno de Jesus, sua morte e ressurreição, seus ensinos e milagres,
porém cada Evangelho tem suas diferenças. É fácil ver que cada um dos autores
procura apresentar um quadro diferente de nosso único Salvador. Mateus, de
propósito, acrescenta à sua narrativa o que Marcos omite. Nenhum dos Evangelhos
contém a narração completa da vida de Cristo. João diz em 21.25: “Há, porém,
ainda muitas outras coisas que Jesus fez. Se todas elas fossem relatadas uma
por uma, creio eu que nem no mundo inteiro caberiam os livros que seriam
escritos”. Existem vazios propositados que nenhum dos evangelistas pretendeu
preencher. Por exemplo: todos omitem um registro de dezoito anos da vida de
Cristo, entre os doze e os trinta anos. Embora sejam completos em si mesmo,
cada um registrou aquilo que era relevante ao seu tema.
Na Galeria Nacional
de Londres há uma tela com três representações de Carlos I. Numa, ele tem a
cabeça voltada para à direita, noutra para a esquerda, e na do centro, ele está
olhando para a frente. Van Dick pintou-as para o escultor romano Benini, a fim
de que ele pudesse modelar um busto do rei. Combinando as impressões dos três
quadros, Benini pôde criar uma imagem real. Cada um deles apresenta um aspecto
diferente da vida terrena de nosso Senhor. Juntos dão-nos um retrato completo.
Ele era Rei, mas era também o Servo Perfeito. Há quatro Evangelhos, mas um
Cristo, quatro narrativas com um propósito e quatro esboços de uma mesma
Pessoa.
CAPÍTULO 1
EVANGELHO DE MATEUS
Os profetas do Antigo
Testamento predisseram e ansiaram pela vinda do Ungido que entraria na história
para trazer redenção e livramento. O primeiro versículo de Mateus anuncia
aquele evento há muito esperado: “Livro da genealogia de Jesus Cristo, filho de
Davi, filho de Abraão”. Mateus fornece a ponte essencial entre o Antigo e o
Novo Testamento. Através de uma série cuidadosamente selecionada de citações do
Antigo Testamento, Mateus documenta a reivindicação de Jesus Cristo de ser o
Messias, Jesus possui as credenciais do Messias, ministra no modelo predito do
Messias, prega mensagens que somente o Messias poderia pregar, e finalmente
morre a morte que somente o Messias poderia morrer.
1.1. Autoria
A tradição da Igreja
tem atribuído desde o séc. II a composição deste Evangelho a Mateus, o
publicano (9.9; 10.3), chamado também de Levi, filho de Alfeu (Mc 2.14; Lc
5.27), o coletor de impostos a quem Jesus chamou e uniu ao grupo dos seus
discípulos (10.1-4; Mc 3.13-1 9; Lc 6.13-16). Mateus foi um dos que foram
batizados com o Espírito Santo no dia de Pentecostes (At 1.13).
Tem-se afirmado que
Mateus (Mt) é por excelência o Evangelho da Igreja. Escrito para instruir
acerca de Jesus Cristo o novo povo de Deus, apresentase diante do leitor como
um texto de estrutura basicamente didática.
1.1.1. Controvérsia
sobre o autor
O problema que se
coloca acerca deste Evangelho é a sua autenticidade. Discute-se a autoria deste
evangelho por parte de Mateus. Contudo, o fato é que nenhum dos evangelistas
colocou o seu nome no escrito. Este primeiro evangelho foi atribuído a Mateus
por causa de uma notícia veiculada por Eusébio, citando Papias, de que “Levi
(Mateus) escreveu as palavras do Senhor na língua dos judeus”, e desde então
interpretou-se que este escrito cujo autor não fora identificado poderia ser de
sua autoria. Esta tradição foi abandonada posteriormente depois de se descobrir
que o original deste evangelho foi escrito em grego e não aramaico.
1.1.2. Perfil do
autor
Embora haja
controvérsia sobre o autor, verifica-se que este evangelho foi escrito por um
cristão vindo do judaísmo, conhecedor da Escritura, fiel à tradição. Sabe-se da
sua origem judaica porque este evangelho fala em 'reino dos céus' e não 'reino
de Deus', porque os judeus não pronunciavam o nome de Deus. Além disso,
dispensa a explicação dos costumes dos judeus, porque era fato corriqueiro para
o seu autor, no entanto Marcos explica estes costumes, que para ele eram
novidades. Por exemplo, em 24, 20 tem a seguinte passagem: “pedi para que a
vossa fuga não seja no inverno nem no sábado. A mesma passagem há em Marcos
13.18, porém sem a parte final ('nem no sábado'), que é um acréscimo de Mateus,
por causa do costume judeu.
1.2. Data
O tempo em que foi
escrito este evangelho varia entre 80 e 100 d.C. Seguramente foi depois de 70,
pois pressupõe que já houve a destruição de Jerusalém, e também é posterior ao
evangelho de Marcos, pois demonstra grande evolução teológica em relação a
este. Foi escrito na Palestina em grego, em bom estilo literário, para leitores
de língua grega.
1.3. Cristo Revelado
Este Evangelho
apresenta Jesus como o cumprimento de todas as expectativas e esperanças
messiânicas. Mateus estrutura cuidadosamente suas narrativas para revelar Jesus
como cumpridor de profecias específicas. Portanto, ele impregna seu Evangelho
tanto com citações quanto com alusões ao AT, introduzindo muitas delas com a
fórmula “para que se cumprisse”. No Evangelho, Jesus normalmente faz alusão a
si mesmo como
o Filho do Homem, uma
referência velada ao seu caráter messiânico (Dn 7.13,14). O termo não somente
permitiu a Jesus evitar mal-entendidos comuns originados de títulos messiânicos
populares, como possibilitou-lhe interpretar tanto sua missão de redenção (como
em 17.12,22; 20.28; 26.24) quanto seu retorno na glória (como em 13.41; 16.27;
19.28; 24.30,44; 26.64). O uso do título “Filho de Deus” por Mateus sublinha
claramente a divindade de Jesus (1.23; 2.15; 3.17; 16.16). Como o Filho, Jesus
tem um relacionamento direto e sem mediação com o Pai (11.27). Mateus apresenta
Jesus como o Senhor e Mestre da igreja, a nova comunidade, que é chamada a
viver nova ética do Reino dos céus. Jesus declara: “a igreja” como seu
instrumento selecionado para cumprir os objetivos de Deus na Terra (16.18;
18.15-20). O Evangelho de Mateus pode ter servido como manual de ensino para a
igreja antiga, incluindo a surpreendente Grande Comissão (28.12-20), que é a
garantia da presença viva de Jesus.
1.4. O Espírito Santo
em ação
A atividade do ES é
evidente em cada fase e ministério de Jesus. Foi por meio do poder do Espírito
que Jesus foi concebido no ventre de Maria (1.1820).
Antes de Jesus
começar seu ministério público, ele foi tomado pelo Espírito de Deus (3.16) e
foi conduzido ao deserto para ser tentado pelo diabo como preparação adicional
a seu papel messiânico (4.1). O poder do Espírito habilitou Jesus a curar
(12.15-21 e a expulsar demônios (12.28). Da mesma forma que João imergia seus
seguidores na água, Jesus imergirá seus seguidores no ES (3.11). Em 7.21-23,
encontramos uma advertência dirigida contra os falsos carismáticos, aqueles que
na igreja, profetizam, expulsam demônios e fazem milagres, mas não fazem a
vontade do Pai. Presumivelmente, o mesmo ES que inspira atividades carismáticas
também deve permitir que as pessoas da igreja façam a vontade de Deus (7.21)
Jesus declarou que suas obras eram feitas sob o poder do ES, evidenciando que o
Reino de Deus havia chegado e que o poder de satanás estava sendo derrotado.
Portanto, atribuir o Espírito Santo ao diabo era cometer um pecado imperdoável
(12.28-32).
Em 12.28, o ES está
ligado ao exorcismo de Jesus e à presente realidade do Reino de Deus, não
apenas pelo fato do exorcismo em si, pois os filhos dos fariseus (discípulos)
também praticavam exorcismo (12.27). Mas precisamente, o ES está executando um
novo acontecimento com o Messias -“é chegado a vós o Reino de Deus” (v.28).
Finalmente, o ES é
encontrado na Grande Comissão (28.16-20). Os discípulos são ordenados a ir e a
fazer discípulos de todas as nações, “batizando-os em nome do Pai, do Filho e
do ES” (v.19). Isto é, eles deveriam batizá-los “no/com referência ao” nome -ou
autoridade -do Deus Triúno. Em sua obediência a esta missão, os discípulos de
Jesus têm garantida sua constante presença com eles.
1.5. Conteúdo
O objetivo de Mateus
é evidente na estrutura deste livro, que agrupa os ensinamentos e atos de Jesus
em cinco partes. Este tipo de estrutura, comum ao judaísmo, pode revelar o
objetivo de Mateus em mostrar Jesus como o cumprimento da lei. Cada divisão
termina com uma fórmula como: “Concluindo Jesus estes discursos...” (7.28;
11.1; 13.53; 19.1; 26.1).
No prólogo
(1.1-2.23), Mateus mostra que Jesus é o Messias ao relacioná-lo às promessas
feitas a Abraão e Davi. O nascimento de Jesus salienta o tema
do cumprimento,
retrata a realeza de Jesus e sublinha a importância dele para os gentios. A
primeira parte (caps. 3-7) contém o Sermão da Montanha, no qual Jesus descreve
como as pessoas devem viver no Reino de Deus. A Segunda parte (8.1-11.1)
reproduz as instruções de Jesus a seus discípulos quando ele os enviou para a
viagem missionária.
A Terceira parte
(11.2-13.52) registra várias controvérsias nas quais Jesus estava envolvido e
sete parábolas descrevendo algum aspecto do Reino dos céus, em conexão com a
resposta humana necessária.
A Quarta parte
(13.53-18.35) o principal discurso aborda a conduta dos crentes dentro da
sociedade cristã (cap 18). A quinta Parte (19.1-25.46) narra a viagem final de
Jesus a Jerusalém e revela seu conflito climático com o judaísmo. Os caps.
24-25 contêm os ensinamentos de Jesus relacionados à últimas coisas. O restante
do Livro (26.1-28.20) detalha acontecimentos e ensinamentos relacionados à
crucificação, à ressurreição e à comissão do Senhor à Igreja. A não ser no
início e no final do Evangelho, a disposição de Mateus não é cronológica e não
estritamente biográfica, mas foi planejada para mostrar que o Judaísmo encontra
o cumprimento de suas esperanças em Jesus.
Um traço
característico deste primeiro Evangelho é a sua contínua referência ao Antigo
Testamento, com o objetivo de demonstrar que as Escrituras têm
o seu pleno
cumprimento em Jesus (1.22-23; 2.15,17-18,23; 4.14-16; 8.17; 12.17-21; 13.35;
21.4-5; 27.9-10).
Mateus, mais do que
Marcos e Lucas fazem citações abundantes da lei e dos Profetas (5.17-18; 7.12;
11.13; 22.40) e, com freqüência, da fé em tradições e práticas religiosas dos
judeus vigentes na época (cf., entre outras, 15.2; 23.5,16-23).
Mateus também nos
apresenta Jesus como o intérprete infalível das Escrituras. Ele é o Mestre sem
igual, que a partir da verdade e da autenticidade descobre a falsidade de
certas atitudes humanas aparentemente piedosas, mas, na realidade, cheias de
avidez para receber o aplauso público (6.1). Recordemos a crítica de Jesus
quanto a dar esmolas a toque de trombeta (6.2-4), a respeito da vaidosa
ostentação das orações feitas nos cantos das praças (6.5-8; 23.14) e a
hipocrisia dos jejuns praticados com o propósito primordial de impressionar o
povo (6.16-18).
Especialmente
interessante é o tratamento que Mateus dá ao aspecto pedagógico da atividade de
Jesus. Enquanto Marcos e Lucas associam as palavras do Senhor à ocasião em que
foram pronunciadas, Mateus as dispõe de modo ordenado. Freqüentemente as reúne
em amplas unidades
discursivas,
compostas com o objetivo de ajudar os crentes a aprendê-las de memória. Cinco
delas, muito conhecidas, destacam-se pela sua extensão:
a) O sermão do monte
(5.3-7.27);
b) O apostolado
cristão (10.5-42);
c) O reino dos céus
(13.3-52);
d) A vida da
comunidade cristã (18.3-35);
e) O final dos tempos
(24.4-25.46).
Estes sermões ou
discursos aparecem no Evangelho precedidos e seguidos por determinadas fórmulas
literárias que servem de marco dramático a cada composição (5.1-2 e 7.28-29;
10.5 e 11.1; 13.3 e 13.53; 18.1 e 19.1; 24.3 e 26.1). Por outro lado, não são
estes os únicos discursos. Mateus contém muitos outros ensinamentos e
exortações de Jesus aos seus discípulos (p. ex., 8.20-22; 11.7-19,27-30;
12.48-50; 16.24-28; 22.37-40), assim como admoestações dirigidas a escribas e
fariseus (22.18-21; 23.1-36) ou, inclusive, a Jerusalém (23.37-38) e a algumas
cidades da Galiléia (11.20-24).
1.6. O tema central
O tema predominante
na pregação do Senhor é o Reino de Deus (9.35), geralmente designado neste
Evangelho como “reino dos céus” e focalizado na sua dupla realidade presente
(4.17; 12.28) e futura (16.28). A proclamação da proximidade do Reino é também
o anúncio de que Jesus encarrega aos seus discípulos (10.7), aos quais, depois
de ressuscitado, prometeu a sua permanência duradoura no meio deles: “E eis que
estou convosco todos os dias até à consumação do século” (28.20).
1.7. Estilo e
material literário
Mateus escreve a sua
obra seguindo, em linhas gerais, o esquema de Marcos, mesmo quando a cada passo
põe o seu selo pessoal nos textos que redige. Quanto aos materiais narrativos
utilizados, se bem que muitos sejam comuns a Marcos e Lucas, há cerca de um
quarto que Mateus emprega de maneira exclusiva. Os relatos de Mateus, mais
concisos que os de Marcos, apresentam um rigoroso e belo estilo.
1.8. Abordagem
peculiar
1.8.1. Não é um
evangelho cronológico, mas sistemático e topical
Existe uma ordem na
disposição das matérias de modo que o resultado definido pode ser produzido. O
material é tratado em grupos, como as parábolas do capítulo 13.
1.8.2. É um evangelho
de ensino sistemático
O livro é marcado
pelos vários discursos de considerável extensão, como o sermão da montanha,
caps. 5,7; a denúncia contra os fariseus; a profecia da destruição de Jerusalém
e o final do mundo, caps. 24 e 25.
1.8.3. É um evangelho
de melancolia e tristeza
Não há cânticos de
alegria como os de Zacarias, Isabel, Maria, Simeão, Ana e os Anjos, registrados
em Lucas. Em vez disso, vemos a sua mãe quase repudiada e deixada em desgraça
pelo seu marido, José, e livrada somente pela intervenção divina. Crianças
mortas, mães que choram, esta é a visão transmitida por Mateus. A cruz é
desolação sem um ladrão arrependido (apenas mais tarde foi que um deles mudou
de idéia, Lc 23.39-43).
1.8.4. É um evangelho
de caráter real
A Genealogia mostra a
descendência real (Mt 1.1). Os Magos O buscavam porque era nascido o rei dos
judeus (Mt 2.2). João Batista prega o reino dos céus (3.2,11). Em Lucas um
certo homem deu um grande banquete, mas em Mateus foi um certo Rei (Mt 22.2-9;
Lc 14.16,23).
1.8.5. Mateus é o
evangelho da igreja
Evangelho de Mateus é
o único que ocorre a palavra “igreja” (16.18; 18.17). Nestes dois lugares são
palavras de Cristo, mostrando que Ele tinha uma idéia definida da igreja como
instituição futura. Os propósitos que têm estas duas expressões do Senhor podem
indicar que este Evangelho foi escrito para uma igreja nova e em luta, com
necessidade de estímulo e disciplina.
1.8.5.1. Personagens
Mateus salienta menos
as figuras individuais da sua narrativa do que os outros sinotistas, nem
apresenta muitas pessoas cujos nomes não aparecessem nos outros lugares. A José
(1.8-25), a Herodes o grande (2.116), à mãe de Tiago e João (20.20,21),
concede-lhes mais espaço do que Marcos e Lucas; mas tanto Marcos como Lucas
usaram mais o desenho de caracteres do que Mateus.
1.8.5.2. Objetivos
Mateus escreveu a
história da vida terrena de Jesus especialmente para os judeus. O judeu da
época recebia treinamento pessoal, estava familiarizado com as Escrituras do
Antigo Testamento. Só um judeu seria capaz de
despertar o interesse
de outro judeu. Seu mestre deveria ser alguém versado no Antigo Testamento e
nos costumes judaicos. Eles precisavam saber que esse Jesus viera cumprir as
profecias do Antigo Testamento. Repetidamente lemos em Mateus: “para que se
cumprisse...”, “...Como falou Jeremias, o profeta...”. Temos hoje em dia o
mesmo tipo de pessoa, que se deleita em profecias cumpridas e por se cumprirem.
Procuram saber o que os profetas disseram e como se poderá cumprir. Mateus
prova, pela genealogia, que Jesus é o Messias (Mt 1.1-17). Talvez tenha sido
escrito em língua aramaica sendo o único livro do Novo Testamento que não foi
redigido em grego.
1.8.5.3. O livro se
divide em três partes
1) vida e o
ministério do Messias;
2) Reivindicações do
Messias;
3) Sacrifício e triunfo
do Messias.
1.9. Pontos salientes
em Mateus
1.9.1. O Nascimento
de Jesus (1.18-25)
Somente Mateus e
Lucas contam o nascimento e a infância de Jesus, cada qual narrando incidentes
diferentes.
Maria passou com
Isabel os três primeiros meses seguintes à visita que lhe fez o mensageiro
celeste. Quando voltou a Nazaré e José soube do seu estado, este deve tê-lo
levado a uma “perplexidade estranha, agônica”. Era, porém, um homem bom e
dispôs-se a resguardar a reputação de Maria do que ele supunha ser uma desmoralização
pública ou coisa pior. Foi quando o anjo apareceu-lhe e explicou tudo. Teve
ainda de guardar o segredo de família, para evitar escândalo, porque ninguém
acreditaria na história de Maria. Mais tarde, quando a natureza divina de Jesus
foi comprovada por Seus milagres e Sua ressurreição dentre os mortos, Maria
podia falar livremente do seu segredo celestial e da concepção sobrenatural de
seu filho.
1.9.2. José, pai
adotivo de Jesus
Muito pouco se diz de
José. Foi com Maria a Belém e estava com ela quando Jesus nasceu, (Lc 2.4,16).
Com ela estava quando Jesus foi apresentado no Templo, (Lc 2.33). Guiou-os na
fuga para o Egito e na volta para Nazaré, (Mt 2.13,19-23). Levou Jesus a
Jerusalém quando Este tinha 12 anos, (Lc 2.43,51). Depois disso o que mais se
sabe dele é que era carpinteiro e chefe de família de pelo menos sete filhos,
(Mt 13.55,56). Com certeza devia ser um homem exemplarmente bom, para que Deus
assim o acolhesse a fim de servir de pai adotivo do Seu Filho. Comumente se
pensa que ele faleceu
antes de Jesus entrar
em seu ministério público, embora a linguagem de Mateus 13.55 e João 6.42 possa
implicar que ainda vivia por essa época. Seja como for, já devia ter morrido
antes que Jesus fosse crucificado, de outro modo não haveria razão para Jesus
entregar sua mãe aos cuidados de João (Jo 19. 26-27).
1.9.3. Maria, a mãe
de Jesus
Depois da história do
Nascimento de Jesus e de Sua visita a Jerusalém aos 12 anos, muito pouco se diz
de Maria. De acordo com a interpretação corrente de Mt 13.55-56, ela foi mãe de
pelo menos seis filhos, além de Jesus. Por sugestão sua, Jesus converteu água
em vinho, em Caná, Seu primeiro milagre, Jo 2.1-11. Depois menciona-se que ela
procurou entrar em contacto com Ele, no meio de uma multidão, Mt 12.46; Mc 3.31;
Lc 8.19; quando Jesus indicou claramente que as relações de família entre Ele e
Sua mãe não ofereciam a esta nenhuma vantagem espiritual particular. Ela esteve
presente à crucifixão e foi entregue por Jesus aos cuidados de João, Jo
19.25-27. Não há notícia de Jesus haver aparecido a ela após a ressurreição,
embora aparecesse a Maria Madalena. A última menção que dela se faz é em At
1.14, quando esteve com os discípulos a orar. Eis tudo quanto a Escritura diz
de Maria:
Maria foi uma mulher
calma, meditativa, devotada, prudente, a mais honrada das mulheres, rainha das
mães, que partilhou dos cuidados próprios da maternidade. Admiramo-la,
honramo-la e amamo-la porque foi a mãe do nosso Salvador.
Quem foram os
“irmãos” e “irmãs” de Jesus, mencionados em Mt 13.55-56 e Mc 6.3? Filhos da
própria Maria?; Ou filhos de José, de um matrimônio anterior? Ou primos? O
sentido claro, simples e natural destas passagens é que foram mesmo filhos de
Maria. É esta a opinião comum dos comentadores protestantes. E é apoiada pela
declaração de Lc 2.7, de que ela “deu à luz seu filho PRIMOGÊNITO”. Por que
“primogênito”, se não houve outros filhos?
1.9.4. Os magos, os
ilustres visitantes (2.1-12)
Deve ter ocorrido
quando Jesus tinha entre 40 dias e 2 anos de idade (Mt 2.16; Lc 2.22,39). Os “2
anos” parecem denotar o tempo quando a estrela primeiro apareceu, (v.7), época
em que os magos empreenderam a viagem, que durou muitos meses; não assinalam
necessariamente o tempo exato do nascimento do menino. Herodes, porém, como medida
de precaução, aceitou
o limite extremo.
Pelo menos o menino não estava mais na manjedoura, como tantas vezes se vê em
gravuras, mas na “casa” (v.11).
Estes magos vieram da
Babilônia, ou de país mais além, região onde a raça humana teve sua origem,
terra de Abraão e do cativeiro judaico, onde muitos judeus ainda viviam.
Pertenciam à classe de pessoas ilustradas, eram conselheiros de reis. Talvez
estivessem familiarizados com as Escrituras judaicas e sabiam da expectação
existente pelo rei Messias. Era a terra de Daniel e, sem dúvida, conheciam a
profecia das 70 Semanas, e também a de Balaão acerca da “Estrela a proceder de
Jacó”, (Nm 24.17). Eram homens de elevada posição social, tanto que tiveram
acesso à presença de Herodes. Comumente são mencionados como “Três Magos”, mas
as Escrituras não dizem quantos foram. Provavelmente foram mais de três, ou
pelo menos vieram com uma comitiva de dezenas ou centenas de pessoas, como
medida de segurança, visto que não seria seguro um pequeno grupo viajar
milhares de quilômetros, através de desertos infestados de bandidos. A chegada
deles a Jerusalém foi bastante espetacular, para alvoroçar a cidade inteira.
1.9.5. A Estrela
vista pelos magos
Calcula-se que houve
uma conjunção de Júpiter e Saturno, 6 a.C. Mas isto não explica o fato de “a
estrela ir adiante deles até que se deteve sobre o lugar onde o menino estava.”
Pensam uns que, possivelmente, foi uma ''nova”, isto é, estrela que explode e
por um tempo se queima fulgurantemente. Dizem os astrônomos que na Via Láctea
umas 30 estrelas explodem cada ano assim de súbito, e se tornam mais de 10.000
vezes mais brilhantes, voltando depois à luminosidade ordinária. Mas como pode
esse fato ajustar-se ao caso?
A estrela, vista
pelos magos, foi, sem dúvida, um fenômeno distinto, uma luz sobrenatural que,
pela direta revelação de Deus, foi adiante deles e indicoulhes o lugar exato;
anúncio sobrenatural de um nascimento sobrenatural.
1.9.6. A tentação dos
quarenta dias
Também se narra em Lc
4.1-13, e, muito abreviadamente, em Mc 1.12-13. O Espírito Santo, Satanás e
Anjos tiveram sua parte na tentação de Jesus. O Espírito Santo impeliu-O, anjos
ajudaram-no, enquanto Satanás procurou várias vezes desviá-Lo de Sua missão de
Redentor do gênero humano. O universo inteiro estava interessado. O destino da
criação estava em jogo.
Não sabemos por que a
tentação de Jesus seguiu-se logo ao Seu batismo. A descida do Espírito Santo
sobre Ele nessa ocasião envolvia possivelmente duas coisas novas na Sua
experiência humana: uma, o poder ilimitado de operar milagres; a outra, plena
restauração de Seu conhecimento de antes da encarnação.
Antes, na eternidade,
Jesus sabia que viria ao mundo sofrer como o Cordeiro de Deus pelo pecado
humano. Veio, porém, pelo caminho do berço. Devemos supor que Jesus,
criancinha, conhecia tudo quanto sabia antes de assumir as limitações da carne
humana? Não é mais natural pensar que o conhecimento que tinha antes de
encarnar-Se veio-Lhe gradativamente à proporção que crescia, em paralelo com a
Sua educação humana? Naturalmente Sua mãe contou-Lhe as circunstâncias do Seu
nascimento. Ele sabia que era o Filho de Deus e o Messias. Sem dúvida, Ele e
Sua mãe conversaram muitas vezes sobre planos e métodos de realizar Sua obra
como Messias no mundo. Quando, porém, o Espírito Santo desceu sobre Ele no
batismo, “sem medida”, então Lhe veio plena e claramente, pela primeira vez
como homem, a ciência de algumas coisas que Ele conhecera antes de
humanizar-Se: entre elas, a CRUZ como o meio pelo qual cumpriria Sua missão. Isto
O aturdiu; fê-Lo perder o apetite; afastou-O do convívio dos homens, e por 40
dias Ele não pensou noutra coisa.
Qual foi a natureza
de Sua tentação? Esta pode ter incluído as tentações ordinárias dos homens na
luta pelo pão e no desejo de fama e poder. Foi, porém, mais. Jesus era muito
grande para pensarmos que tais motivos pesassem muito no Seu espírito. A julgar
pelos Seus antecedentes e Sua formação, devemos crer que Ele já alimentava uma
paixão absorvente de salvar o mundo. Sabia ser esta a Sua missão. A pergunta
era, Como realizála? Usando os poderes miraculosos que Lhe acabavam de ser
concedidos poderes que nenhum mortal conhecera antes -para fornecer pão aos
homens, sem que estes precisassem trabalhar, e para vencer as forças ordinárias
da natureza, Ele podia ter-Se imposto ao domínio do mundo e pela força levar os
homens a fazer Sua vontade. Foi essa a sugestão de Satanás. Mas a missão de
Jesus foi não compelir os homens à obediência, mas transformar seus corações.
A essência da
tentação de Jesus foi fazê-Lo procurar alcançar Seus fins por meios mundanos,
antes que pelo sofrimento. Produzir resultados espirituais por métodos
mundanos. O que Jesus recusou fazer, a igreja, através dos séculos, tem feito
e, em escala, ainda hoje faz, permitindo-se a cobiça do poder do mundo.
O diabo esteve
realmente presente? Ou foi só uma luta íntima? Não se diz sob que forma o diabo
apareceu a Jesus. Mas evidentemente Jesus reconheceu que as sugestões partiam
de Satanás, que ali estava resolvido, seriamente, a frustrar-Lhe a missão.
Pensa-se que o local
da tentação de Jesus foram as alturas desoladas e estéreis da região montanhosa
que dominava Jericó, acima do ribeiro de Querite, onde os corvos alimentaram
Elias, e de onde possivelmente se divisava ao longe o Gólgota, local da última
batalha de Cristo.
Jesus jejuou 40 dias.
Moisés jejuara 40 dias no Monte Sinai quando os Dez Mandamentos foram dados,
(Êx 34.28). Elias jejuara 40 dias, a caminho para o mesmo monte, (1Rs 19.8).
Moisés representava a Lei. Elias, os profetas. Jesus era o Messias, para quem a
Lei e os profetas apontavam. Os três grandes representantes da revelação divina
ao homem. Do alto do monte onde Jesus jejuava, olhando a Leste para o outro
lado do Jordão, podia divisar a Cordilheira do Nebo, onde Moisés e Elias,
séculos antes, subiram para Deus.
Uns três anos depois,
estes três homens tiveram um encontro, em meio às glórias celestes da
transfiguração, no Monte Hermom, 160 km ao Norte, cujo pico nevado via-se
distintamente do Monte da Tentação: companheiros no sofrimento e agora
companheiros na glória.
1.10. O grande
discurso sobre o fim. Capítulos (24 e 25)
1.10.1. A queda de
Jerusalém, a vinda de Cristo e o fim do mundo
Este discurso foi
proferido após Jesus ter deixado o Templo pela última vez. Versou sobre a
destruição de Jerusalém, Sua vinda e o fim do mundo. Algumas de Suas palavras
se referem a um fato, outras aludem a outro. Algumas estão de tal forma
intricadas que é difícil saber a qual dos eventos se referem. Talvez esse
estilo pouco claro fosse intencional. Parece claro que Ele tinha em mente dois
eventos distintos, separados por um intervalo, indicados por “esta geração” em
24.34, e por “aquele dia” em 24.36. Alguns entendem, por “esta geração”
(24.34), “esta nação”, isto é, a raça judaica que não passaria sem que o SENHOR
voltasse. A opinião mais comum é que Jesus quis significar o seguinte:
Jerusalém seria destruída ainda naquela geração que então vivia. Quem olha para
dois cumes de montanhas distantes, estando um atrás do outro, parece vê-los
juntos, embora estejam muito afastados um do outro. Assim, na perspectiva de
Jesus, esses dois eventos, estavam muito aproximados entre si, apesar de longo
intervalo entre os dois. O que disse numa sentença pode referir-se a uma era
inteira. O que aconteceu num caso pode ser o “princípio de cumprimento” do que
acontecerá no outro.
Suas palavras a
respeito de Jerusalém cumpriram-se literalmente dentro de 40 anos. Os edifícios
magníficos de mármore e ouro foram tão completamente arrasados pelo exército
romano, 70 d.C. que, segundo Josefo, o local parecia que nunca fora antes
ocupado.
1.10.2. A Segunda
Vinda de Jesus
Grande parte deste
grande discurso dedica-se à segunda vinda de Jesus. Vendo que Sua morte
ocorreria dentro de três dias e sabendo que os discípulos ficariam assombrados
quase a ponto de perder a fé nele e no Seu reino, empreende a difícil tarefa de
explicar que eles ainda verão realizadas suas esperanças de um modo muito mais
grandioso do que jamais sonharam.
Os pensamentos de
Jesus detêm-se largamente em Seu segundo advento:
“Quando vier o Filho
do Homem na sua majestade e todos os anjos com Ele”, (Mt 25.31).
“O Filho do Homem há
de vir na glória de seu Pai, com os seus anjos e então retribuirá a cada um
conforme as suas obras”, (Mt 16.27).
“Assim como o
relâmpago sai do oriente e se mostra até no ocidente, assim há de ser a vinda
do Filho do Homem” (Mt 24.27).
“Assim como foi nos
dias de Noé, também será a vinda do Filho do homem” (Mt 24.37).
“O mesmo aconteceu
nos dias de Ló... assim será no dia em que o Filho do homem se manifestar” (Lc
17.28-30).
“Então se verá o
Filho do homem vindo numa nuvem, com poder e grande glória” (Lc 21.27).
“Qualquer que (...)
se envergonhar de mim também o Filho do homem se envergonhará dele quando vier
na glória de seu Pai com os santos anjos” (Mc 8.38).
“Vou preparar-vos
lugar voltarei e vos levarei para mim mesmo” (Jo 14.2-3).
Sua vinda será
anunciada “com grande clamor de trombeta” (Mt 24.31), como outrora se fez para
reunir o povo (Êx 19.13,16,19). O fato de Paulo haver repetido esta expressão
“a trombeta soará”, em conexão com a ressurreição, (1Co 15.52), e em (1Ts 4.16)
onde diz, “O Senhor mesmo (...) ouvida a voz do arcanjo, e ressoada a trombeta
de Deus, descerá dos céus”, indica que pode ser mais do que mera figura de
linguagem. Um grandioso acontecimento histórico, real e repentino, quando Ele
agregará os Seus a Si, dentre os vivos e os mortos, numa escala vasta e maciça.
Nem Sua vinda a
Jerusalém no juízo de 70 d.C., nem a vinda do Espírito Santo no dia de
Pentecostes; nem Sua vinda ao Seu povo em novas experiências sempre repetidas;
nem nossa ida para Ele na morte; nenhum destes casos pode esgotar o sentido das
palavras de Jesus quanto a vir outra Vez.
É melhor que não
sejamos por demais dogmáticos a respeito de certos eventos concomitantes,
relacionados com a Sua vinda. Mas, se a linguagem é de qualquer modo um veículo
de idéias, decerto seria preciso muita explanação e interpretação para se
compreender as palavras de Jesus de outro modo, e não perceber que Ele
considerava a Sua segunda vinda um evento histórico definido, quando pessoal e
literalmente aparecerá a fim de reunir a Si e para a glória eterna aqueles que
foram redimidos pelo Seu sangue.
E é melhor não
obscurecer a esperança de Sua vinda com uma teoria muito circunstanciada sobre
o que irá acontecer quando Ele vier. Muita gente, supomos, vai ficar
tremendamente desapontada, se Jesus não proceder de acordo com o programa que
ela já traçou para Ele.
Conta-se que a rainha
Vitória, profundamente emocionada com um sermão de F. W. Farrar, sobre a
segunda vinda do SENHOR, disse-lhe: “Cônego Farrar, gostaria de estar viva
quando Jesus viesse, para depositar aos Seus pés a coroa da Inglaterra”.
1.11. Estudando as
parábolas de Mateus
O estudo das
parábolas de Mateus 13 tem como propósito a análise da mensagem central contida
neste capítulo do evangelho de Mateus, tendo em vista também o estudo de qual
foi o contexto natural da época do ministério público de Jesus que O levou a
anunciar estas chamadas Parábolas do Reino. Visto que também seria muito
relevante a pesquisa a respeito da perspectiva judaica a respeito do Reino
Messiânico e como foi que Cristo quebrou alguns destes paradigmas estabelecidos
pelos judeus na espera do seu Rei.
Há uma grande
necessidade em se estudar esta passagem e seu contexto histórico de acordo com
o ministério de Jesus aqui na terra, a fim de que não sejamos ignorantes a
respeito do que se sucedeu, está acontecendo e irá acontecer futuramente com
respeito ao estabelecimento definitivo do Reino Messiânico em nosso meio.
A necessidade pessoal
do estudo deste assunto vai além das exigências para o cumprimento dos
requisitos parciais desta matéria, pois tenho a intenção de estar criando em
mim o hábito de estar analisando e interpretando os textos aos quais me
proponho a estudar, sendo esta uma oportunidade grandiosa e também muito
valiosa.
Procurarei abranger
ao máximo possível a análise deste assunto em questão utilizando-me de diversos
livros como comentários bíblicos, apostilas e outras referências bibliográficas
concernentes ao tema a ser pesquisado, como dicionários teológicos e até
materiais não-publicados oficialmente, expressando estes conceitos de forma
clara e sucinta, atingindo assim o propósito deste estudo e pesquisa.
1.12. Contexto histórico do ministério público de
Jesus até Mateus 13
Até o contexto em que
Jesus anunciou as parábolas contidas em Mateus 13 ocorreram grandes fatos
relevantes em Seu ministério público, que de uma maneira ou de outra
contribuíram definitivamente para a predição destas parábolas.
1.12.1. Seu preparo
Antes do início de
Seu ministério público, Jesus passou por algumas experiências que lhe foram
necessárias passar antes de que Ele iniciasse assim o Seu ministério.
O Seu batismo feito
por João Batista (Mt 3.13-17) tinha como objetivo seguir a ordem de Deus e
também a tradição de que, “quando um sacerdote começava a oficiar nessa
capacidade, com a idade de trinta anos, lavava-se com água”1 (Ex
29.1-4; Lv 8.1-6). E então Jesus através do Seu batismo reivindicou sobre Si o
conceito assim de Sacerdote. Foi também uma maneira de se apresentar ao povo
(não sendo claro o ato do batismo em si mas o momento experimentado por Ele).
Estava também cumprindo com o conceito da Kenosis onde Ele se auto-esvaziou a
fim de se fazer igual ao povo.
Em suma através do
Seu batismo Jesus estava se consagrando ao ministério que Deus lhe confiara (Lc
3.21,22).
Através da tentação
de Jesus, Deus tinha como propósito demonstrar que o Seu Filho possuía as
credenciais de impecabilidade e também comunhão direta com o Pai, a fim de
demonstrar que os Seus (de Jesus) feitos e também a Sua morte na cruz eram
dignas de ser realizadas apenas por
1 RYLE, J.C. Meditações
no Evangelho de Mateus. Editora Fiel: São José dos Campos, 1991. p. 18
aquele que foi
“tentado em todas as cousas, à nossa semelhança, mas sem pecado” (Hb 4.15b
-VRA). A tentação também foi prova de que de fato Jesus se expôs à todas as
características espirituais, físicas, emocionais, etc. que os seres humanos
possuem, fazendo-se assim homem.
1.12.2. Seu
ministério em Jerusalém (Judéia)
Após o Seu preparo,
Jesus vai para Jerusalém e permanece cerca de 8 meses nesta cidade
desenvolvendo o Seu ministério. Durante este primeiro ministério na Judéia
Jesus estava atravessando um período obscuro da Sua popularidade como
Rei-Messias, pois pouquíssimas pessoas conheciam o Seu nome, as Suas obras e
feitos e também o conteúdo da Sua pregação. “Mas, por causa deste ministério na
Judéia ... o Seu ministério começou a ficar [e de fato ficou] relevante” .
1.12.3. Seu
ministério na Galiléia
Após os oito meses de
ministério que Jesus teve na Judéia e também na Samaria, Ele decidi ir para a
Galiléia onde mais especialmente em Cafarnaum Jesus estabeleceria esta cidade
como sendo o Seu “quartel general” .
Os motivos que
levaram Jesus a ter a cidade de Cafarnaum como o Seu ponto de estadia principal
foi de que esta cidade ocupava uma região privilegiada às margens do Mar da
Galiléia, o que a tornava quase que a principal via de acesso para Decápolis .
A cidade de Cafarnaum foi cenário de uma ocupação militar por parte das tropas
romanas, é possível se dizer isso pois em Cafarnaum havia um centurião (Mt 8.5)
que era “um oficial do exército romano que comandava 100 homens” , o que para
aquela época era um número expressivo.
Todo este peso
militar na cidade de Cafarnaum conferiu a ela o status de cidade tranqüila com
ar de liberdade. Era lá que moravam os discípulos Pedro e André (Mc 1.29), e o
fato de Jesus ter feito desta cidade o Seu quartel general e também local de
Sua morada (Mt 4.13) levou o evangelista Mateus a fazer menção em Mateus 9.1 de
que Cafarnaum era a cidade de Jesus; sendo que foi usada por Jesus como a
cidade inicial e também como ponto terminal de todas as Suas viagens por toda a
Galiléia.
Nessa nova fase do
ministério público de Jesus na Galiléia é que Ele começa a se tornar popular,
pois os galileus estavam informados de que este tal Jesus operava sinais,
milagres e maravilhas na Judéia. E então os moradores da Galiléia O recebem de
braços abertos quando Ele pisa pela primeira vez no solo galileu (Jo
4.45).
O ministério de Jesus
na Galiléia durou aproximadamente 1 ano e 8 meses e é num período de mais ou
menos 10 meses que Jesus “reina” praticamente soberano sobre toda a Galiléia,
pois a geografia da Galiléia “tinha no máximo 100 Km de comprimento por 50 Km
de largura” , o que favorecia grandemente para que Jesus percorresse toda esta
região pregando Sua mensagem, e operando Seus milagres, além de estar
conquistando Seus adeptos.
Ainda que a motivação
dos galileus não fossem a mais correta possível, pois eles estavam mais
interessados nos feitos e realizações de Jesus do que propriamente com Suas
palavras, Jesus foi atingindo gradativamente a Sua popularidade ministerial
como pessoa e também como um “milagreiro” da época. A estratégia que Jesus
utilizou para atingir tal posição foi mediante os Seus feitos: milagres, curas,
sinais, prodígios e também o simples fato d'Ele andar no meio do povo.
Após o término da
segunda viagem que Jesus fez pela Galiléia, Ele então volta para Sua casa em
Cafarnaum (Mt 13.1), como era de costume pois sempre após uma viagem pela
Galiléia, Ele logo voltava para Cafarnaum, e entrando num barco que estava às
margens do Mar da Galiléia, Ele então pronuncia as parábolas do Reino (Mt
13.1-52) à uma multidão que estava em pé na praia ouvindo Seus ensinamentos.
O propósito e motivo
destas parábolas serão tratados num próximo capítulo.
1.12.4. Expectativa
judaica pelo reino messiânico
Desde Gênesis 3.15
Deus revelou ao povo hebreu através dos vários escritores vétero-testamentários
de que Ele enviaria Aquele que haveria de instituir um reino eterno e sem
igual, vindo da parte Deus e que reinaria sobre toda a nação de Israel. A vinda
do Messias seria o cumprimento da atividade redentora de Deus ao ser humano. A
instituição do Reino de Deus seria a “manifestação perfeita de Deus a Seu povo,
e Sua permanência eterna entre os homens.”
Textos como 2Sm
7.12-16; Sl 132.11; Is 9.1,2,6,7; 16.5; 43.1-3; 53.4; Jr 23.5; Dn 2.44;
7.14,27; Mq 4.7; 5.2, sugeriram bases concretas para que este povo hebreu, em
toda a sua história, ficassem ansiosos com a vinda deste Messias e Rei e
cressem de que Ele seria o libertador eterno da nação de Israel.
A cada novo rei ou
profeta que Deus suscitava em Israel no Velho Testamento o povo logo tinha a
expectativa de que este seria o tão prometido Rei de Israel. Assim aconteceu
com Moisés, Davi, Elias. E através deste présuposto os judeus criaram um
absoluto em sua crença divina de que o verdadeiro Rei de Israel seria uma
junção (em caráter, poder, espiritualidade, etc.) destes grandes líderes
políticos e religiosos que Israel já teve, ou a encarnação plena de um deles.
Existia a esperança
de um Rei vindo da própria nação israelita que derrotaria eternamente os
romanos, livrando-os assim do domínio imperial, sendo que este Rei teria o
mesmo sucesso monárquico que o grande rei histórico Davi teve, onde a capital
deste grande reino seria a cidade de Jerusalém.
Os judeus tinham o
pensamento de que este Rei-Messias “reuniria ... os remanescentes dispersos de
Israel, e ocasionaria uma vida infindável de alegria” aos israelitas. Uma outra
idéia que predominava na mente dos judeus é de que o Rei-Messias seria alguém
sobrenatural, manifestando esta faceta do seu caráter através da ressurreição
dos mortos de todas as épocas, julgando e transformando o mundo e seus
habitantes.
Em suma, a
perspectiva judaica a respeito do Rei-Messias e Seu Reino é de que este teria a
sua consumação plena e perfeita aqui na terra, tornando assim o Reino
Messiânico algo unicamente físico e de instauração imediata no momento em que o
seu Rei viesse. Para Israel este reino significaria bênçãos sem fim manifesta
numa vida de paz, alegria, prosperidade e liberdade, instituído tão só pelas
mãos do seu Rei esperado.
Porém o que nenhum
judeu com certeza esperava é de que o prometido Rei-Messias de Israel teria
como paradeiro a cruz, o lugar maldito predito para os reconhecidos malfeitores
do povo.
Com Sua vinda Jesus
começa então a quebrar alguns paradigmas que os judeus haviam tornado-os em
absolutos a respeito do Rei e do Seu Reino. Jesus através das Suas pregações
demonstra para o povo de que o Rei que eles estavam esperando já estava ali com
eles, porém não para realizar e cumprir com todos os requisitos, exigências e
qualificações que eles haviam alistado como uma ordem de serviço a ser apenas
executada ou satisfeita pelo Messias.
Uma das maneiras que
Jesus Se utilizou para anunciar de que o Reino ainda não estava totalmente
instaurado foi através do Sermão do Monte (Mt 5-7), pois este apresenta “os
requisitos de Cristo para os que vivem na expectativa da plena manifestação do
reino” . O outro discurso que Jesus fala a respeito
do Reino Messiânico
são as parábolas em Mateus 13, onde Ele diz que o Reino seria algo a se
concretizar plenamente no futuro.
1.13. Parábolas
Antes de propriamente
entrarmos na questão das parábolas do reino descritas em Mateus 13, há a grande
necessidade de traçarmos uma linha de raciocínio lógica, teológica e também
histórica no que diz respeito às parábolas como um todo.
1.13.1. Definição
Parábola segundo a
concepção neo-testamentária, portanto também de Jesus, eram histórias e/ou
estórias simples, tiradas das experiências e práticas cotidianas daqueles a
quem eram proferidas estas parábolas. Embora fossem simples, elas cumpriam
cabalmente com o intuito a que eram proferidas, ilustrar “uma verdade ética ou
religiosa” tendo como paralelo exatamente as experiências cotidianas.
Definindo parábola
unicamente de acordo com o contexto histórico e o conteúdo de Mateus 13 seria
ela uma linguagem de alto nível teológico, expressa de maneira profunda e
substancial tendo como objetivo forçar uma reação, positiva ou negativa, de
crença ou incredulidade, de aceitação ou total reprovação por parte daqueles
que a ouviam. Estas parábolas “revelam a natureza do reino de Deus e/ou indicam
como um filho do reino deve agir” .
1.13.2. Contexto
histórico da utilização de parábolas
A utilização de
parábolas como uma linguagem alternativa na comunicação de verdades (de acordo
com o padrão daqueles que as pronunciam) étnicas e/ou religiosas vão muito além
das utilizações que Jesus fez das mesmas e que são descritas pelos autores dos
evangelhos.
Já no Antigo
Testamento alguns escritores já se utilizavam de parábolas a fim de comunicarem
verdades vindas do Senhor (2Sm 12.1-6; Is 5.1-7; Jr 18.1-4).
Era também costume de
muitos rabinos antes e pós-Jesus fazerem a utilização de uma parábola nos
momentos de controvérsias com outras seitas judaicas ou com a simples plebe.
Eles tinham o intuito de estar camuflando (omitindo) do público suas respostas
ríspidas proferidas contra aqueles a quem discutiam. Porém eles explicavam mais
tarde o significado e aplicação das suas parábolas apenas para os seus
seguidores. Além de utilizar as parábolas como uma forma de comunicação verbal
eles também se utilizavam delas na maneira escrita.
As parábolas eram
também muito utilizadas no Oriente “porque em todo o Oriente, a idéia de
sabedoria era unida a esta forma de ensino” , ou seja, ao método de discurso
figurativo tendo portando a sabedoria e filosofia como seus maiores conteúdos.
A utilização do
vocábulo (........) na LXX é uma tradução do mashal no hebraico que pode
indicar a grande variedade de estilos de comunicação como: “o provérbio, a
metáfora, a alegoria, a história ilustrativa, a fábula, o enigma, o símile e as
parábolas propriamente dita.”
Jesus na verdade se
utilizou das parábolas como já sendo um tipo de comunicação verbal existente na
época, portanto, não foi o seu inventor mas sim o seu maior utilizador.
1.13.3. Propósito de
Jesus em falar através de parábolas
Até o contexto de
Mateus 13 Jesus falava por meio de parábolas apenas com o objetivo de que esta
servisse de ilustração aos Seus ensinamentos em questão, onde, se fosse
necessário saber sua interpretação o contexto em que foi proclamada cuidaria
muito bem de fazê-lo.
Ao anunciar as
parábolas de Mateus 13 Jesus começa a falar às multidões apenas por parábolas
(Mt 13.34), onde na sua maioria o conteúdo teológico destas parábolas
preocupava-se mais em anunciar alguma verdade a respeito de Jesus e Seu reino
aos seus discípulos, do que propriamente proclamar uma verdade ou exemplo a ser
seguidos pelas multidões a quem Ele estava ensinando.
Estas parábolas de
Jesus tinham como público alvo os Seus próprios discípulos, pois até então o
povo judeu tinha se mostrado surdo aos apelos de arrependimento e conversão
propostas a eles por Jesus (Mt 11.12), dando crédito apenas aos milagres,
curas, sinais e prodígios que Jesus fazia. O povo estava interessado tão só e
unicamente no lado bom do ministério de Jesus, os poucos que estavam a fim de
seguí-Lo recebiam a sua interpretação.
De agora em diante
então quando Jesus vai ensinar, proclamar verdades às multidões incrédulas com
seus corações endurecidos Ele a faz apenas por meio de parábolas (Mt 13.34).
Jesus decidiu ocultar deste povo incrédulo os mistérios do tão sonhado e
esperado Reino Messiânico (Mt 13.10-15), sendo que na verdade tudo isso era o
cumprimento duma profecia predita pelo profeta Isaías (6.9,10) a respeito da
pregação de Jesus nos Seus tempos.
1.13.4. Conceitos
escatológicos de Jesus contidos em Mateus 13
Através da parábola
do semeador (13.3-8,18-23) Jesus está se referindo às diversas maneiras que os
homens poderiam receber a Sua mensagem a respeito do reino. Jesus estava
lidando com a tensão da rejeição por parte de alguns grupos judaicos porém ao
mesmo tempo com Sua total aceitação por parte da grande maioria dos galileus.
E então Cristo
transporta este quadro de aceitação e rejeição para ao longo da história
humana, onde estes 2 pólos com certeza haveriam de continuar existindo.
Já nas parábolas do
joio e trigo (13.24-30,36-43) e também da rede (13.4750) Jesus dá um panorama
rápido de que a existência conjunta entre o bem e
o mal teria uma
“separação escatológica definitiva” predita para a consumação do século.
Outro conceito
escatológico que Jesus possuía e estava passando para Seus discípulos através
da parábola do grão de mostarda (13.31,32) é que as influências da mensagem do
reino englobaria todo tipo de gente, quer judeu quer gentio, sendo que esta
mensagem do reino terá um crescimento rápido e repentino.
Ainda que o
crescimento da mensagem de Cristo referente ao reino cresça, infelizmente Jesus
apresenta que os elementos malignos também crescerão até o final da presente
dispensação (13.33). Possivelmente Jesus estava também fazendo uma alusão
daquilo que seria a Sua aceitação para com o povo, pois a perversidade destes O
colocaram pregado no madeiro.
As parábolas do
tesouro escondido (13.44) e da pérola de grande valor (13.45,46) serviram para
Jesus mostrar qual deveria ser a atitude daqueles que um dia foram ou ainda
seriam impactados pela mensagem do reino, uma alegre abnegação total. Foi
exatamente isso que aconteceu com os 12 discípulos escolhidos por Jesus,
confiaram na mensagem de Cristo.
De fato Cristo tinha
um propósito muito claro ao anunciar as parábolas de Mateus 13 que era de
tornar Seus discípulos conhecedores dos mistérios do reino dos céus (13.11).
1.13.5. Reino
Messiânico
Com certeza os judeus
nunca imaginaram que se sentiriam tão frustrados com o seu tão prometido
Rei-Messias de Israel. Porém foi exatamente isso
que aconteceu, pois
Jesus não tipificava o manequim de Rei que os judeus estavam a tanto tempo
esperando.
Jesus contestou a Sua
tão alta posição de Rei instaurando o Seu majestoso Reino no momento da Sua
vinda através das parábolas do reino em Mateus
13. Jesus nada mais
fez do que explicar aos judeus de que aquele reino que eles tanto esperavam
ainda não seria totalmente estabelecido, devido à incredulidade e dureza de
seus corações em receberem a mensagem de arrependimento e conversão que Jesus
até então pronunciava.
Literalmente os
judeus estavam para colocar o pirulito na boca porém, se esqueceram de que este
vinha embrulhado em um papel, e por não gostarem do sabor deste pirulito
encapado acabaram jogando fora o tão sonhado reino. Mas Deus em Sua soberania
pré-determinou de que o total estabelecimento deste Reino Messiânico se daria
num futuro escatológico. Na verdade este é o ensinamento central das parábolas
em Mateus 13.
“Quem tem ouvidos
para ouvir ouça” (Mt 13.9) .
CAPÍTULO 2
EVANGELHO DE MARCOS
Marcos, o mais breve
e mais simples dos quatro Evangelhos, apresenta um relato conciso e de cenas
rápidas da vida de Cristo. Com pequenos comentários, Marcos deixa a narrativa
falar por si só, quando conta a história do servo que está constantemente em
movimento, ao pregar, curar, ensinar e, por fim, morrer pelos pecadores. Seu
ministério começa com as massas, logo restringindo-se aos doze discípulos, e
por fim culmina na cruz. Ali o Servo que “não veio para ser servido, mas para servir”
faz o supremo sacrifício de serviçal, dando “sua vida em resgate de muitos”
(10.45). E esse padrão de serviço altruísta se torna o modelo para aqueles que
seguem os passos do Servo.
2.1. Importância do
Evangelho
Este Evangelho, o
segundo dos livros do Novo Testamento, contém pouco material que não apareça
igualmente em Mateus e Lucas. Apenas cinco passagens de Marcos (3.7-12;
4.26-29; 7.32-37; 8.22-26; 14.51-52) e alguns versículos isolados não foram
registrados nos outros dois Evangelhos. Por essa razão, durante muito tempo,
não se deu a Marcos a importância teológica e literária que realmente tem. No
entanto, desde o séc. XIX começou a firmar-se a idéia de que o “segundo
Evangelho” foi básico na preparação de Mateus e Lucas. E, ao considerar-se assim
que Marcos é o documento mais antigo que possuímos sobre a vida e a obra de
Jesus, foi despertado um grande interesse por estudá-lo.
2.2. Autoria
Mesmo que o Evangelho
de Marcos seja anônimo, a antiga tradição é unânime em dizer que o autor foi
João Marcos, seguidor próximo de Pedro (1Pe 5.13) e companheiro de Paulo e
Barnabé em sua primeira viagem missionária. O mais antigo testemunho da autoria
de Marcos tem origem em Papias, bispo da Igreja em Hierápolis (cerca de 135-140
d.C.), testemunho que é preservado na História Eclesiástica de Eusébio. Papias
descreve Marcos como “interprete de Pedro”. Embora a igreja antiga tenha tomado
cuidado em manter a autoria apostólica direta dos Evangelhos, os pais da igreja
atribuíram coerentemente este Evangelho a Marcos, que não era um apóstolo.
João Marcos era filho
de certa Maria, cuja casa em Jerusalém era lugar de reunião dos discípulos, (At
12.12). Sendo parente de Barnabé, (Cl 4.10). Conjectura-se que foi ele o moço
que “fugiu desnudo”, na noite em que Jesus foi preso, (Mc 14.51,52), quando
começou a interessar-se por Jesus. A linguagem de (1Pe 5.13) pode querer dizer
ter sido ele um convertido desse apóstolo.
Provavelmente, a mãe
de Marcos tinha posição de considerável influência na Igreja em Jerusalém. Foi
a casa dela que Pedro procurou logo ao ser libertado da prisão pelo anjo, (At
12.12); 14 anos mais tarde, cerca de 45 d.C., seguiu com Paulo e Barnabé a
Antioquia, At 12.25; e esteve com eles no princípio de sua primeira viagem
missionária, não prosseguindo. Depois, lá por 50 d.C., quis fazer com Paulo a
segunda viagem, porém este recusouse a levá-lo. Deu isso ocasião a que Paulo e
Barnabé se separassem, (At 13.5,13; 15.37-39). Marcos, então, partiu com
Barnabé para Chipre.
Uns 12 anos depois,
cerca de 62 d.C., acha-se em Roma com Paulo, (Cl 4.10; Fm 24). Quatro ou 5 anos
mais adiante, este apóstolo, logo antes do martírio, pede que Marcos vá ter com
ele, (2Tm 4.11). Parece, assim que Marcos, nos seus últimos anos, tornou-se um
dos auxiliares íntimos e queridos do Apóstolo Paulo.
Esteve com Pedro em
Babilônia (Roma?), quando este apóstolo escreveu sua primeira epístola, (1Pe
5.13). Antiga tradição cristã reza que ele, pela maior parte do tempo, foi
companheiro de Pedro e escreveu a história de Jesus como a ouviu desse Apóstolo
em suas pregações. Julga-se que este
Evangelho foi escrito o divulgado em Roma, entre 60 e 70 d.C.
2.3. Data
Os fundadores da
Igreja declaram que o Evangelho de Mc foi escrito depois da morte de Pedro, que
aconteceu durante as perseguições do Imperador Nero por volta de 67 d.C. O
Evangelho em si, especialmente o cap. 13, indica ter sido escrito antes da
destruição do Templo em 70 d.C. A maior parte das evidências sustenta uma data
entre 65 e 70 d.C.
2.4. Considerações
Marcos não é um
historiador no sentido que hoje damos ao termo. Antes, é um narrador que conta
o que chegou ao seu conhecimento. Escreve em grego, com a rusticidade
característica de quem está usando um idioma que não lhe é próprio e, contudo,
sabe desenvolver um estilo vivo e vigoroso.
Recorre,
provavelmente, à memória de coisas ouvidas, mas é capaz de criar no leitor a
impressão de encontrar-se ante uma testemunha ocular dos fatos relatados.
2.5. Características
teológicas e literárias
Este Evangelho
proclama em cada uma das suas páginas que Jesus é a revelação definitiva de
Deus, o qual, em seu Filho eterno, se integra na história da humanidade: Jesus,
o singelo mestre chegado da Galiléia (1.9), é o Cristo, o Messias a quem desde
séculos antigos esperava o povo de Israel (8.29; 9.41; 14.61-62). O evangelista
anuncia a presença de Jesus no mundo como o sinal imediato da vinda do reino de
Deus (1.14-15; 4.1-34).
A personalidade de
Jesus, entretanto, não satisfaz às expectativas judaicas, pois longe de
apresentar-se como messias político e militar, o faz como um homem humilde cuja
atividade e ensinamentos não correspondiam à imagem triunfante de um libertador
nacional.
Jesus de Nazaré, o
Filho de Deus, é também o Filho do Homem. Participa dos sentimentos humanos e é
sujeito ao sofrimento e à morte (8.31). Com consciência da sua natureza humana,
exige freqüentemente que a sua função messiânica se mantenha em segredo
(1.43-44; 5.43; 8.29-30; 9.9,3031), até que chegue o momento de ser acreditada
pelos padecimentos morais e físicos que ele deverá enfrentar (14.35-36; 15.39).
Uma característica
típica de Marcos é que dedica mais espaço aos atos que aos discursos de Jesus.
Na realidade, só dois desses últimos podem ser considerados como tais: a série
de parábolas de 4.1-34 e o sermão escatológico de 13.3-37. Tudo mais são breves
intervenções de ensinamento, exortação ou controvérsia. Por outro lado, o
evangelista concede à descrição dos atos um espaço mais amplo, inclusive, às
vezes, superior ao que Mateus e Lucas dedicam a narrativas paralelas (cf.
5.21-43 com Mt 9.18-26 e Lc 8.40-56; 6.14-29 com Mt 14.1-12; 6.30 com Mt
14.13-21 e Lc 9.10-17).
À medida que
progride, o desenvolvimento dramático do segundo Evangelho cresce em
intensidade, até alcançar o seu ponto culminante no relato da paixão,
crucificação e ressurreição de Jesus. O Senhor anuncia três vezes esses
acontecimentos aos seus discípulos: “O Filho do homem será entregue aos
principais sacerdotes e aos escribas... e o entregarão aos gentios; hão de...
matá-lo; mas, depois de três dias, ressuscitará” (10.33-34; ver 8.31 e
9.31. Cf. Mt 16.21;
17.22-23; 20.18-19 e Lc 9.22; 9.44; 18.32-33). Os discípulos não compreenderam
até o último momento que o sacrifício de
Jesus Cristo fazia
parte do plano de salvação de que Deus o havia incumbido (8.32-38; 16.19-20).
2.6. Cristo revelado
Esse livro não é uma
biografia, mas uma história concisa da redenção obtida mediante o trabalho
expiatório de Cristo. Marcos demonstra as reivindicações messiânicas de Jesus
enfatizando sua autoridade com o Mestre (1.22) e sua autoridade sobre satanás e
os espírito malignos (1.27; 3.20-30), o pecado (2.1-12), o sábado (2.27-28;
3.1-6), a natureza (4.35-41; 6.45-52), a doença (5.21-34), a morte (5.35-43),
as tradições legalistas (7.1-13,14-20), e o templo (11.15-18).
Título de abertura do
trabalho de Marcos, “Princípio do Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus”
(1.1), fornece sua tese central em relação a identidade de Jesus como o filho
de Deus. Tanto o batismo quanto a transfiguração testemunham sua qualidade de
filho (1.11; 9.7). Em duas ocasiões, os espíritos imundos o reconhecem como
Filho de Deus (3.11; 5.7). A parábola dos lavradores malvados (12.6) faz alusão
à qualidade de filho divino de Jesus (12.6). Por fim, a narrativa da crucificação
termina com a confissão do centurião: “Verdadeiramente, este homem era o Filho
de Deus.” (15.39) O título que Jesus usava com mais freqüência para si próprio,
num total de catorze vezes em Marcos, é “Filho do Homem”. Como designação para
o Messias, este termo (ver Dn 7.13) não era tão popular entre os Judeus como
o título “Filho do
Homem” para revelar e para esconder seu messianismo e relacionar-se tanto com
Deus quanto com o homem. Marcos, atentando para o discipulado, sugere que os
discípulos de Jesus deveriam ter um discernimento amplo ao mistério de sua
identidade. Mesmo apesar de muitas pessoas interpretarem mal sua pessoa e
missão, enquanto os demônios confessam sua qualidade de filho de Deus, os
discípulos de Jesus precisam ver além de sua missão, aceitar sua cruz e
segui-lo. A segunda vinda do Filho do Homem revelará totalmente seu poder e
glória.
2.7. O Espírito Santo
em ação
Junto com os outros
escritores do Evangelho, Marcos recorda a profecia de João Batista de que Jesus
“vos batizará com o ES” (1.8), Os crentes seriam totalmente imersos no
Espírito, como os seguidores de João o eram nas águas. O Espírito Santo desceu
sobre Jesus em seu batismo (1.10), habilitando-o para seu trabalho messiânico
de cumprimento da profecia de Isaías (Is 42.1; 48.16; 61.1-2). A narrativa do
ministério subseqüente de Cristo testemunha o fato de que seus milagres e
ensinamentos resultaram da unção do Espírito Santo. Marcos declara graficamente
que “o Espírito o impeliu para o deserto” (1.12) para que fosse tentado,
sugerindo a urgência
por encontrar e
vencer as tentações de Satanás, que queria corrompê-lo antes que ele embarcasse
em uma missão de destruir o poder do inimigo nos outros. O pecado contra o
Espírito Santo é colocado em contraste com “todos os pecados” (3.28), pois
esses pecados e blasfêmias podem ser perdoados. O contexto define o significado
dessa verdade assustadora. Os escribas blasfemaram contra o Espírito Santo ao
atribuírem a satanás a expulsão dos demônios. Que Jesus realizava pela ação do
Espírito Santo (3.22). Sua visão prejudicada tornou-os incapazes do verdadeiro
discernimento. A explicação de Marcos confirma o motivo de Jesus ter feito essa
grave declaração (3.30).
Jesus também refere à
inspiração do AT pelo ES (12.36). Um grande estímulo aos cristãos que enfrentam
a hostilidade de autoridades injustas é a garantia do Senhor de que o ES falará
através deles quando testemunharem de Cristo (13.11).
Além das referências
explícitas ao Espírito Santo, Marcos emprega palavras associadas com o dom do
Espírito, como poder, autoridade, profeta, cura, imposição de mãos, Messias e
Reino.
2.8. Conteúdo
Marcos fundamenta seu
Evangelho em torno de vários movimentos geográficos de Jesus, que chega ao
clímax com sua morte e ressurreição subseqüente. Após a introdução (1.1-13),
Marcos narra o ministério público de Jesus na Galiléia (1.14-9.50) e Judéia
(caps 10-13), culminando na paixão e ressurreição (caps 14-16). O Evangelho
pode ser visto como duas metades unidas pela confissão de Pedro de que Jesus era
o Messias (8.27-30) e pelo primeiro anúncio de Jesus e sua crucificação (8.31).
Marcos é o menor dos
Evangelhos, e não contém nenhuma genealogia e explicação do nascimento e antigo
ministério de Jesus na Judéia. É o evangelho da ação, movendo-se rapidamente de
uma cena para outra. O Evangelho de João é um retrato estudado do Senhor,
Mateus e Lucas apresentam o que poderia ser descrito como uma série de imagens
coloridas, enquanto que Marcos é como um filme da vida de Jesus. Ele destaca as
atividades dos registros mediante o uso da palavra grega “euteos” que costuma
ser traduzida por “imediatamente”. A palavra ocorre quarenta e duas vezes, mais
do que em todo o resto do NT. O uso freqüente do imperfeito por Marcos
denotando ação contínua, também torna a narrativa rápida.
Marcos também é o
Evangelho da vivacidade. Frases gráficas e surpreendentes ocorrem com
freqüência para permitir que o leitor reproduza mentalmente a cena descrita. Os
olhares e gestos de Jesus recebem atenção
fora do comum.
Existem muitos latinismos no Evangelho (4.21; 12.14; 6.27; 15.39). Marcos
enfatiza pouco a lei e os costumes judaicos, e sempre os interpreta para o
leitor quando os menciona. Essa característica tende a apoiar a tradição de que
Marcos escreveu para uma audiência romana e gentílica.
De muitas formas, ele
enfatiza a Paixão de Jesus de modo que se torna a escala pela qual todo o
ministério pode ser medido: “Porque o Filho do Homem também não veio para ser
servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate de muitos”(10.45). Todo o
ministério de Jesus (milagres, comunhão com os pecadores, escolha de
discípulos, ensinamentos sobre o reino de Deus, etc.) está inserido no contexto
do amor oferecido pelo Filho de Deus, que tem seu clímax na cruz e
ressurreição.
Os fundadores da
Igreja declaram que o Evangelho de Marcos foi escrito depois da morte de Pedro,
que aconteceu durante as perseguições do Imperador Nero por volta de 67 d.C. O
Evangelho em si, especialmente o cap. 13, indica ter sido escrito antes da
destruição do Templo em 70 d.C. A maior parte das evidências sustenta uma data
entre 65 e 70 d.C.
Com respeito à
composição de Marcos, é provável que teve lugar em Roma ou, talvez, na
Antioquia da Síria, antes do ano 70, data em que Jerusalém foi destruída. Não
há base cronológica que permita datá-la com exatidão, de forma que alguns
historiadores a situam entre 65 e 70, isto é, nos anos que seguiram à
perseguição de 64, decretada por Nero; outros situam a data em torno do ano 63;
e ainda outros a fazem retroceder até a década de 50.
A antiga tradição
eclesiástica viu neste Evangelho a influência dos ensinamentos de Pedro, de
quem Marcos teria sido discípulo. Em princípio, foi escrito para leitores de
origem gentílica, residentes fora da Palestina. Assim o sugere, entre outras
peculiaridades, o fato de que o autor acrescenta à tradução grega expressões
cujo original aramaico incorpora ao texto com a maior fidelidade (cf. 5.41,
7.11,34; 14.36; 15.22,34).
2.9. Contexto
Histórico
Em 64 d.C., Nero
acusou a comunidade cristã de colocar fogo na cidade de Roma, e por esse motivo
instigou uma temerosa perseguição na qual Paulo e Pedro morreram. Em meio a uma
igreja perseguida, vivendo constantemente sob ameaça de morte, o evangelista
Marcos escreveu suas “boas novas”. Está claro que ele quer que seus leitores
tomem a vida e exemplo de Jesus como modelo de coragem e força. O que era
verdade para Jesus deveria ser para os apóstolos e discípulos de todas as
idades. No centro do Evangelho há pronunciamentos explícito de “que importava que
o Filho do Homem
padecesse muito, e
que fosse rejeitado pelos anciãos, e pelos príncipes dos sacerdotes e pelos
escribas, que fosse morto, mas que, depois de três dias, ressuscitaria” (8.31)
Esse pronunciamento de sofrimento e morte é repetido (9.31; 10.32-34), mas
torna-se uma norma para o comprometimento do discipulado: “Se alguém quiser vir
após mim, negue-se a si mesmo, e tome a sua cruz e siga-me” (8.34). Marcos guia
seus leitores à cruz de Jesus, onde eles podem descobrir o significado e
esperança em seu sofrimento.
2.9.1. Estrutura do
Evangelho
A estrutura formal de
Marcos tem dado lugar a diversas análises e a diferentes possibilidades de
dividir o texto. A que mais adiante se oferece toma como base a revelação
progressiva que Jesus faz de si mesmo: por um lado, a sua personalidade (cf.
1.7-8, 10-11; 4.41; 8.27-29; 9.7), o seu poder frente à natureza, à dor e à
morte (cf. 1.30-31,40-42; 2.3-12; 4.37-39; 5.22-42; 6.45-51) e a sua luta
contra as forças do mal (cf. 1.24-27; 3.11; 9.25-27); por outro lado, a índole
da sua missão, primeiro como mestre e profeta (cf. 1.3739; 2.18-28;
3.13-19,23-29; 4.1-34; 9.2-10.45; 13.3-37; 14.61-62) e definitivamente como
Senhor e Salvador (16.15-18).
2.9.2. Objetivos
O romano era o povo
dominador do mundo daquele tempo. Marcos escreveu especialmente para ele. O
romano não sabia nada do Antigo Testamento. O cumprimento de profecias não lhe
interessava. Mas estava profundamente interessado em um líder notável que
surgira na Palestina. A esse líder se atribuía autoridade fora do comum e
possuía poderes extraordinários. Eles queriam ouvir mais a respeito de Jesus
-que tipo de pessoa ele realmente era, o que tinha dito e o que tinha feito. Os
romanos gostavam da mensagem direta de alguém como Marcos. Mil e tantas vezes
Marcos usa a conjunção “e”. É o Evangelho do ministério de Jesus. O romano dos
dias de Jesus era um tipo semelhante ao homem de negócios de hoje. Ele não está
interessado na genealogia de um rei, mas num Deus capaz de suprir as
necessidades diárias do indivíduo. Marcos é o Evangelho do homem de negócios.
Nas décadas de 60-70 d.C., os crentes de Roma eram tratados cruelmente pelo
povo e muitos foram torturados e mortos pelo Imperador Romano, Nero. Segundo a
tradição, entre os mártires cristãos de Roma, nessa década, estão os apóstolos
Pedro e Paulo. Como um dos líderes eclesiásticos em Roma, João Marcos foi
inspirado pelo Espírito Santo a escrever este Evangelho, como uma antevisão
profética desse período da perseguição, ou como uma resposta pastoral à perseguição.
Sua intenção era fortalecer os alicerces da fé dos crentes romanos e, se
necessário fosse, inspirá-los a sofrer fielmente em prol do evangelho,
oferecendo-lhe como modelo a vida, o sofrimento, a
morte e a
ressurreição de Jesus, seu Senhor. Podemos dividi-lo em três partes:
a) Súditos para o Seu
reino (Mc 1-5);
b) Conquistando o
reino pelo Seu poder (Mc 6-10);
c) Reivindicando o
Seu direito (Mc 11-16).
d) Pontos salientes
em Marcos
e) A Trama para matar
a Jesus (Mc 14.1-2).
Foi na tarde da terça-feira.
Cerca de um mês antes disto, depois que Jesus ressuscitou a Lázaro, o sinédrio
decidira definitivamente matá-Lo, (Jo 11.53). Mas a popularidade dEle tornou-o
difícil, (Lc 22.2). Até em Jerusalém as multidões não O deixavam, (Mc 12.37; Lc
19.48). A oportunidade chegou, na segunda noite depois desta, com a traição de
Judas que, num movimento de surpresa, entregou-O a eles de noite, enquanto a
cidade dormia. Apressaram-se em fazer que fosse condenado antes que clareasse o
dia e, de manhã, antes que as multidões na cidade despertassem, já O tinham
pregado na cruz.
2.9.3. A traição (Mc
14.10-11)
Cabia-lhe entregar
Jesus a eles, na ausência das multidões. Não ousavam prendê-lo abertamente,
para não serem apedrejados pelo povo. Judas levouos a Jesus em um dos Seus
lugares secretos de retiro, depois que a cidade se recolheu.
Jesus “sabia desde o
princípio” que Judas o trairia. Por que foi escolhido, é um dos mistérios de
Deus. Trinta moedas de prata eram equivalentes ao preço de um escravo, (Êx
21.32). Judas pode ter pensado que Jesus usaria Seu poder miraculoso para
livrar-Se, ou pode ser que ele procurasse forçar Jesus a revelar-Se. Todavia,
aos olhos de Deus foi um ato de perfídia, porque Jesus disse que fora melhor
para Judas não ter nascido, (Mt 26.24). Tudo isso foi admiravelmente predito,
(Zc 11.12-13). “Jeremias”, (Mt 27.9-10) ou entrou aí por engano do copista, ou
porque o grupo inteiro de livros proféticos era algumas vezes chamado pelo nome
de Jeremias.
2.9.4. O Julgamento
de Jesus (14.53-15.20)
Houve dois
julgamentos: diante do sinédrio e diante de Pilatos, o governador romano. A
Judéia estava sujeita a Roma. O sinédrio não podia executar sentença de morte
sem o consentimento do governador romano. Houve três etapas em cada julgamento,
seis ao todo.
1) Diante de Anás, (Jo 18.12-24). Cerca de
meia-noite. Caifás era o sumo sacerdote. Mas seu sogro, Anás, que fora deposto
em 16 d.C., ainda retinha, mediante os filhos, a influência e a autoridade do
ofício. A família enriquecera imensamente às custas das barracas de negócio no
Templo. Sobre o sumo sacerdote da nação judaica recai a primeira
responsabilidade da morte de Jesus.
2) Diante do sinédrio, na casa de Caifás, (Mt
26.57; Mc 14.53; Lc 22.54; Jo 18.24). Deu-se entre a meia-noite e o clarear do
dia. Foi este o principal julgamento da parte dos judeus. Incapazes de
apresentar alguma acusação baseada em testemunho, condenaram-no sob a acusação
de blasfêmia, por Se haver Ele declarado Filho de Deus, (Mc 14.61-62). Depois,
enquanto esperavam que o dia clareasse, escarneceram dEle. Foi quando Pedro O
negou. Esta sessão deles, processada à noite, era ilegal por força da própria
lei que os regia.
3) O dia já claro, o sinédrio ratifica
oficialmente sua decisão de meianoite, (Mt 27.1; Mc 15.1; Lc 22.66-71), para
lhe dar aparência de legalidade. A acusação era de “blasfêmia”. Mas diante de
Pilatos isso não valeria muito. De modo que, para ele, excogitaram a acusação
de sedição contra o governo romano. A verdadeira razão era a inveja que tinham
da popularidade de Jesus, (Mt 27.18).
4) Diante de Pilatos, (Mt 27.2, 11.14; Mc 15.1-5;
Lc 23.1-5; Jo 18.28-38), pouco depois de o dia clarear. Jesus não replicou às
acusações deles. Pilatos admirou-se. Depois fê-Lo entrar no palácio para uma
entrevista particular, que mais o convenceu da inocência de Jesus. Vindo a
saber ser Ele da Galiléia, mandou-O a Herodes, que tinha jurisdição sobre
aquela parte do país.
5) Diante de Herodes, (Lc 23.6-12). Foi este o
Herodes que matara João Batista, e cujo pai assassinara os meninos de Belém.
Jesus não fez absolutamente caso dele, recusando-se firmemente a responder suas
perguntas. Herodes escarneceu dele, vestiu-O de uma roupa aparatosa, e mandou-O
de volta a Pilatos.
6) Diante de Pilatos outra vez, (Mt 27.15-26; Mc
15.6-15; Lc 23.13-25; Jo 18.39-19.16). Pilatos tenta desviar-se das autoridades
e dirigir-se ao povo diretamente. Mas o povo no tribunal, em peso, escolhe
Barrabás. Depois Pilatos ordena o açoite de Jesus (Mt 27:26), na esperança de
que isto satisfaria à turba. Ouve dizer que Jesus Se afirmara Filho de Deus, e
fica com mais medo. Outra entrevista particular e nova tentativa de soltá-Lo.
Sua esposa manda contar o sonho que tivera. Pilatos pasma diante da calma
majestosa de Jesus com Sua coroa de espinhos. Surge, porém, o início de um
motim, e o ardil da ameaça de denunciá-lo a César. Lavra a sentença, às 6
horas, (Jo 19.14).
CAPÍTULO 3
EVANGELHO DE LUCAS
Lucas, um médico
gentio, elabora sua narrativa evangélica em torno de uma apresentação histórica
e cronológica da vida de Jesus. Lucas é o mais extenso e abrangente dos quatro
Evangelhos, apresentando Jesus Cristo como o Homem Perfeito que veio buscar e
salvar os pecadores. Fé crescente e oposição crescente se desenvolvem lado a
lado. Os que crêem em suas reivindicações são desafiados a assumir o preço do
discipulado; os que se opõem a ele não ficarão satisfeitos até que o Filho do
Homem penda sem vida numa cruz. A Ressurreição, porém, assegura que seu
ministério de buscar e salvar os perdidos continue na pessoa de seus
discípulos, uma vez que estejam equipados com seu poder.
3.1. Autor
Esse Evangelho foi
escrito por Lucas, um médico grego para os seus patrícios que amavam a beleza,
a poesia e a cultura. Viviam num mundo de grandes conceitos. Era difícil agradá-los.
O Evangelho de Lucas fala do nascimento e da infância de Jesus, dos cânticos
inspirados relacionados com a vida de Cristo. Nele encontramos a saudação de
Isabel ao receber a visita de Maria (Lc 1.42-45). Também o cântico de Maria (Lc
1.46-55).
O próprio Zacarias
rompe em louvor ao recuperar o uso da palavra (Lc 1.6879). Ao nascer o
Salvador, ressoam as vozes de um coro de anjos (Lc 2.13,14), ouvindo-se, a
seguir, o cântico de louvor entoado pelos pastores (Lc 2.20). O grego é o tipo
do estudante idealista de hoje em busca da verdade, por crer que ela traz a
felicidade. Lucas no seu evangelho deixa claro que ele escreveu aos gentios.
Por exemplo, ele apresenta a genealogia humana de Jesus, recuando-a até Adão
(Lc 3.23-28) e não até Abraão, conforme fez Mateus (Mt 1.1-17). Em Lucas, Jesus
é visto claramente como o Salvador divino–humano, que veio como a provisão
divina da salvação para todos os descendentes de Adão.
3.2. Autor e objetivo
do Evangelho
Entre os quatro
evangelistas, é Lucas quem mais se aproxima do conceito atual de historiador.
Cuidadoso no seu trabalho, é provável que ao começar a
prepará-lo já teve a
previsão da publicação de uma obra em dois volumes. O primeiro é o Evangelho
que leva o seu nome; o segundo, Atos dos Apóstolos.
Com a publicação
desses livros, o autor quis transmitir uma mensagem de valor universal: que
Jesus, o “Filho do Altíssimo” (1.32), representa o último capítulo do
desenvolvimento da humanidade; e que a sua existência terrena, manifesta sob a
denominação de “Filho do Homem” (6.22), significa que Deus veio estabelecer o
seu Reino entre nós e que nos convida a participar dessa realidade nova e
definitiva (17.20-21).
Desde o prólogo do
Evangelho (1.1-4), Lucas revela uma grande preocupação de referir em detalhes “uma
narração coordenada dos fatos que entre nós se realizaram” (1.1). E mesmo que
ele não tinha vivido pessoalmente o acontecimento de Cristo, trata de
proclamá-lo “conforme nos transmitiram os que desde o princípio foram delas
testemunhas oculares” (1.2). Com esse objetivo se havia entregue de antemão a
uma “acurada investigação de tudo desde sua origem” (1.3).
Igualmente, como
faria mais tarde ao compor o livro dos Atos dos Apóstolos, também agora dedica
Lucas o seu “primeiro livro” (At 1.1) a um personagem de destaque chamado
Teófilo, acerca de quem não nos chegou maior informação. Apenas o conhecemos
por essas dedicatórias, que na moldura dos seus respectivos prólogos (Lc 1.1-4;
At 1.1-5), correspondem às formas literárias usuais entre os escritores gregos
de então.
Lucas, certamente,
preocupou-se em narrar de maneira inteligente e ordenada tudo quanto sabia
acerca da pessoa e do ministério de Jesus. Entretanto, não é menos certo que,
em sentido estrito, nunca pretendeu escrever uma biografia, senão um Evangelho.
A sua intenção não esteve simplesmente orientada para dar a conhecer a vida, as
características pessoais e a atividade de Jesus em meio à multiplicidade de
situações religiosas, políticas e sociais em que se desenvolve o drama humano.
Lucas,
o evangelista,
escreve desde a fé e para a fé, oferecendo com isso um testemunho pessoal de
que Jesus é o Messias que veio a dar cumprimento perfeito ao plano salvador
preparado por Deus antes de todos os tempos.
3.3. Data
Eruditos que admitem
que Lucas usou o Evangelho de Marcos como fonte para escrever seu próprio
relato datam Lucas por volta do ano 70 d.C. Outros, entretanto, salientam que
Lucas o escreveu antes de Atos, que ele escreveu durante o primeiro
encarceramento de Paulo pelos romanos, cerca de 63 d.C. Como Lucas estava em
Cesaréia de Filipe durante os dois anos em que Paulo ficou preso lá (At 27.1),
ele teria uma grande oportunidade
durante aquele tempo
para conduzir investigações que ele menciona em 1.1
4. Se for este o
caso, então o Evangelho de Lucas pode ser datado por volta de 59-60 d.C., mas
no máximo até 75 d.C.
3.4. Características
teológicas e literárias
O Evangelho Segundo
Lucas (= Lc) ajusta-se, em termos gerais, aos esquemas de Mateus e de Marcos.
Sendo assim, é preciso acrescentar que Lucas trabalhou e poliu o seu texto com
especial esmero. Do ponto de vista literário, grande parte dos materiais
redacionais comuns aos três Evangelhos sinóticos encontra-se mais depurada no
terceiro Evangelho do que nos dois primeiros. Isso é possível graças ao domínio
que Lucas possui do idioma e a riqueza do vocabulário que maneja. A amplitude
dos seus recursos estilísticos manifesta-se, inclusive, quando, a fim de
reproduzir com fidelidade determinadas formas da fala popular aramaica
(sobretudo em discursos de Jesus), introduz conscientemente semitismos ou
palavras gregas que se distanciam do habitual nível culto dele.
A partir do prólogo,
o texto de Lucas pode-se distribuir em cinco seções:
A primeira seção
(1.5-2.52), sem paralelo em Mateus e Marcos, contém os relatos entrelaçados do
nascimento de João Batista e de Jesus. Ocorrem aqui algumas circunstâncias que
os tornam semelhantes: a apresentação de dados históricos (1.5 e 2.1-5); a
aparição do anjo Gabriel a Zacarias e Maria
(1.19 e 1.26); as
respectivas mensagens de que o anjo é portador (1.11-20 e 1.26-38); os cânticos
de Maria e Zacarias em louvor ao Senhor (1.46-55 e 1.67-79); o nascimento de
João e o de Jesus e a circuncisão de ambos em cumprimento do que foi
estabelecido pela Lei Mosaica (1.57-59 e 2.21-24).
Começa a segunda
seção (3.1-4) situando historicamente (3.1-2) um conjunto de fatos: a pregação
e o encarceramento de João Batista (3.1-20), o batismo de Jesus (3.21-22) e a
tentação no deserto (4.1-13). Lucas, tal qual Mateus (Mt 1.1-17), insere uma
genealogia; mas, em lugar de limitá-la à ascendência hebraica de Jesus, a faz
remontar até Adão (3.23-38), para dar ênfase ao caráter universal da obra do
Senhor.
A terceira seção do
Evangelho (4.14-9.50), compreende o ministério público de Jesus na Galiléia,
onde ensinou, pregou, reuniu os seus discípulos, curou a enfermos e possessos,
fez milagres e anunciou que haveria de sofrer, morrer e ressuscitar. Há aqui
textos muito importantes: a parábola do semeador (8.4-15), a ressurreição da
filha de Jairo (8.40-56), a confissão de Pedro (9.18-20) e a transfiguração do
Senhor (9.28-36). Também temos aqui relatos que Mateus e Marcos não incluem,
como a ressurreição do filho da
viúva de Naim
(7.11-17) e a visita do Senhor à casa de Simão, o fariseu (7.36-50).
Na quarta seção
(9.51-19.27) agrupam-se numerosas passagens exclusivas deste terceiro
Evangelho. Entre outras, uma série de parábolas muito conhecidas: o bom
samaritano (10.25-37), a figueira estéril (13.6-9), a grande ceia (14.15-24), o
filho pródigo (15.11-32), o rico e Lázaro (16.19-31), a viúva e o juiz iníquo
(18.1-8), o fariseu e o publicano (18.9-14) e as dez minas (19.11-27).
A quinta seção
(19.28-24.53) narra os acontecimentos finais da vida terrena de Jesus. São os
seus últimos dias, que têm Jerusalém por cenário único. Todos os fatos ocorrem
nessa cidade, desde o dia em que o povo recebe em triunfo o Senhor (19.28-38)
até que é preso, processado, crucificado, morto e sepultado.
Os sofrimentos, a
morte e a ressurreição do Senhor (22.47-24.49) constituem
o ponto culminante do
relato dos quatro Evangelhos, cada um dos quais traz alguma informação
exclusiva que não se encontra nos demais.
3.5. Cristo Revelado
Além de apresentar
Jesus como o Salvador do mundo, Lucas dá os seguintes testemunhos sobre ele:
Jesus é o profeta
cujo papel equipara-se ao Servo e Messias (4.24; 7.16,39; 9.19; 24.19) Jesus é
o homem ideal, o perfeito salvador da humanidade. O título “Filho do Homem” é
encontrado 26 vezes no evangelho. Jesus é o Messias. Lucas não apenas afirma
sua identidade messiânica, mas também tem o cuidado de definir a natureza de
seu messianismo. Jesus é, por excelência, o Servo que se dispõe firmemente a ir
a Jerusalém cumprir seu papel (9.31,51). Jesus é o filho de Davi (20.41-44), o
Filho do Homem (5.24) e o Servo Sofredor (4.17-19, que foi contado com os
transgressores (22.37). Jesus é o Senhor exaltado. Lucas refere-se a Jesus como
“Senhor” dezoito vezes em seu evangelho. Jesus é o amigo dos proscritos
humildes. Ele é constantemente bondoso para com os rejeitados.
3.6. O Espírito Santo
em ação
Há dezesseis
referências explicitas ao Espírito Santo, ressaltando sua obra tanto na vida de
Jesus quanto no ministério continuo da igreja. Em primeiro lugar: a ação do
Espírito Santo é vista na vida de várias pessoas fiéis, relacionadas ao
nascimento de João Batista e Jesus (1.35,41,67; 2.25-27), bem como no fato de
João ter cumprido seu ministério sob a unção do
Espírito Santo
(1.15). O mesmo Espírito capacitou Jesus para cumprir seu ministério. Em
segundo lugar: O Espírito Santo capacita Jesus para cumprir seu ministério -o
Messias ungido pelo Espírito Santo. Nos caps 3 e 4, há cinco referencias ao
Espírito, usadas com força progressiva.
1) O Espírito desce
sobre Jesus em forma corpórea, como uma pomba
(3.22);
2) Ele leva Jesus ao
deserto para ser tentado (4.1);
3) Após sua vitória
sobre a tentação, Jesus volta para a Galiléia no poder
do mesmo (4.14);
4) Na sinagoga de
Nazaré, Jesus lê a passagem messiânica: “O Espírito
do Senhor está sobre
mim...”(4.18; Is 61.1-2), reivindicando o
cumprimento nele
(4.21). Então;
5) Evidência seu
ministério carismático está repleta (4.31-44) e continua
em todo seu
ministério de poder e compaixão.
Em terceiro lugar: O
Espírito Santo, através de oração de petição leva a cabo
o ministério
messiânico. Em momentos críticos daquele ministério, Jesus ora antes, durante
ou depois do acontecimento crucial (3.21; 6.12; 9.18,28; 10.21). O mesmo
Espírito Santo que foi eficaz através de orações de Jesus dará poder as orações
dos discípulos (18.1-8) e ligará o ministério messiânico de Jesus ao ministério
poderoso deles através da igreja (24.48.49).
Em quarto lugar: O
Espírito Santo espalha alegria tanto a Jesus como à nova comunidade. Cinco
palavras gregas denotando alegria ou exultação são usadas duas vezes com mais
freqüência tanto Lucas como Mateus ou Marcos. Quando os discípulos voltam com
alegria de sua missão (10.17), “Naquela mesma hora, se alegrou Jesus no
Espírito Santo e disse...” (10.21). Enquanto os discípulos estão esperando pelo
Espírito prometido (24.49), “adorando-o eles, tornaram com grande júbilo para
Jerusalém. E estavam sempre no templo, louvando e bendizendo a DEUS”
(24.52-53).
3.7. Pontos salientes
em Lucas
3.7.1. João Batista
(3.1-20)
A pregação de João é
contada nos quatro Evangelhos, (Mt 3.1-12; Mc 1.1-8; Jo 1.6-8,19-28). Lucas é o
mais circunstanciado de todos.
A história da
infância e mocidade de João é resumida numa única frase: “evitava morar em
sociedade e vivia na solidão da região selvagem e descampada ao Oeste do Mar
Morto”.
Sabia desde menino
que o Evento dos séculos estava próximo, e que nascera para anunciar sua
chegada.
Nasceu na cidade de
Abraão, fundador da nação cuja finalidade era trazer à luz o Messias; cresceu
vendo todos os dias o Monte Nebo, de cujas alturas Moisés divisara, com olhos
saudosos, a Terra Prometida, e falara do Messias também prometido; este monte
dominava o Jordão, no ponto atravessado por Josué e Jericó, cujos muros ruíram
ao buzinar do mesmo; vivia na mesma região onde Amós apascentara seus rebanhos
e sonhara com o Rei davídico vindouro que governaria as nações; visitava amiúde
o ribeiro de Querite, onde Elias fora alimentado pelos corvos, meditava
profundamente na História que estava se encaminhando para o seu clímax, e
aguardava a chamada de Deus.
Sabendo que seria o
Elias profetizado, (1.17; Mt 11.14; 17.10-13; Ml 4.5 (não Elias em pessoa, Jo
1.21), de propósito, talvez, copiou os hábitos e a maneira de trajar daquele
profeta.
Alimentava-se de gafanhotos
e mel silvestre, (Mt 3.4). Aqueles, desde os primitivos tempos que se usam como
alimento. Assam-se, ou secam-se ao sol, e se comem com grãos tostados. Dizem
que têm o sabor de camarão.
Quando João tinha 30
anos foi chamado. A nação, gemendo sob as crueldades da servidão romana, ficou
eletrizada com a voz estentórea desse eremita esquisito, rude e corajoso, a
bradar das ribanceiras do Jordão que o Libertador, de há muito vaticinado,
estava às portas.
O local de suas
pregações era o baixo Jordão, defronte de Jericó, numa das principais
encruzilhadas da região e uma das principais vias de acesso a Jerusalém.
A ênfase de seus
brados era “arrependei-vos”. Suas pregações obtiveram imenso êxito popular. O
país inteiro foi sacudido nos seus alicerces. Grandes multidões vinham ao seu
batismo, (Mt 3.5). Até Herodes ouviu-o com alegria, (Mc 6.20). Diz Josefo que
João “tinha grande influência sobre o povo, que parecia pronto a fazer o que
ele aconselhasse.”
Aos que se
confessavam arrependidos, pedia que se submetessem ao batismo, que foi uma
introdução à bela cerimônia do batismo cristão.
No auge de sua
popularidade, batizou Jesus e proclamou-o Messias. Depois, cumprida a sua
missão, com presteza se retirou da cena. Despertara a nação de sua letargia e
apresentara-lhe o Filho de Deus. Estava feita a sua obra.
No entanto, continuou
pregando e batizando por poucos meses, quando se mudou para Enom, na direção do
Norte, (Jo 3.23; Mt 3.13-17).
Cerca de um ano
depois que batizou Jesus, Herodes prendeu a João, para satisfazer ao capricho
de uma mulher perversa, (Mt 14.1-5). Foi isto ao encerrar-se o primeiro
ministério de Jesus na Judéia, dezembro, (Mt 4.12; Jo 3.22; 4.35).
Não se menciona o
lugar em que ficou detido, mas supõe-se que foi ou Maquero, a Leste do Mar
Morto, ou Tiberias, na praia ocidental do Mar da Galiléia; em ambos os lugares
Herodes tinha residência. Foi decapitado mais ou menos pela segunda Páscoa que
se seguiu, (Mt 14.12-13; Jo 6.4).
Não atinamos com a
razão da dúvida de João, (Mt 11.3). Dera um testemunho positivo e de muita fé
acerca de ser Jesus o Cordeiro de Deus e
o
Filho de Deus, (Jo 1.29-34). Mas agora, posto a cismar atrás das paredes do
cárcere, estava confuso. Jesus não estava fazendo o que ele julgava que
o
Messias fizesse. Evidentemente, comungava a idéia popular de um reino
Messiânico de caráter político. Deus não lhe revelara tudo com relação à
natureza do reino. Mesmo os doze demoraram a aprender isso, e não o
compreenderam senão depois da ressurreição.
Admitindo que João
começou Seu ministério pouco antes de batizar Jesus, provavelmente no verão de
29 d.C., o mesmo durou cerca de um ano e meio, ou menos 30 anos de isolamento.
Ano e meio, ou menos, de pregação pública. Um ano e 4 meses na prisão. Depois
cerrou-se a cortina. Temos aí breve sumário da vida do homem que introduziu em
cena o Salvador do mundo, e de quem Jesus disse ter sido maior que qualquer
outro, (Mt 11.11). João não operou milagres, (Jo 10.41).
3.7.2. A mulher
pecadora , 7.36-50
Não há a menor base
para se identificar esta mulher com Maria Madalena, ou com Maria de Betânia.
Esta unção NÃO foi a mesma que houve em Betânia (Jo 12.1-8). Esta mulher, muito
conhecida na cidade por sua má reputação, (v.37), era provavelmente uma das
meretrizes que se converteram fosse por João Batista, fosse por Jesus, (Mt
21.31-32), e agora, profundamente envergonhada, arrependida e humilhada, vinha
protestar francamente sua gratidão a Jesus. Foi na casa de um fariseu. Um
banquete no Oriente era mais ou menos aberto ao público. Jesus, meio reclinado
num divã, Seu rosto voltado para a mesa, Seus joelhos dobrados, foi acessível à
mulher aproximar-se. Chorando, beijando-lhe os pés, banhando-os com o rico
perfume e enxugando com os seus cabelos as lágrimas que caíam -a nós, os
respeitáveis que
somos, ela faz que nos envergonhemos, assim inclinada, em inteira humildade e
adoração reconhecida aos pés do seu Senhor.
Jesus tinha maneiras
muito delicadas com mulheres que haviam errado (Jo 4.18; 8.11). Todavia,
ninguém nunca Lhe atribuiu motivos duvidosos, (Jo 4.27).
3.7.3. Outras
mulheres, 8.1-3
Nomeiam-se três, além
de “muitas outras”. Nada mais se sabe de Susana. Joana era a mulher do
procurador de Herodes, oficial do palácio real. Ela pertencia ao grupo dos
amigos mais íntimos de Jesus. Estava entre aquelas que foram ao túmulo, (Lc
24.10).
3.7.4. Maria Madalena
Maria Madalena era a
mais proeminente daquelas mulheres, líder notável entre elas. É mencionada mais
do que outra qualquer, e comumente em primeiro lugar: (Mt 27.56,61; 28.1; Mc
15.40,47; 16.1,9; Lc 8.2; 24.10; Jo 19.25; 20.1,18). Foi a que primeiro Jesus
apareceu depois de ressurgir. O fato de ser nomeada entre as que “prestavam
assistência com os seus bens”, v.3, sugere que era mulher de algumas posses. O
ter sido curada de “sete demônios”, v.2, não quer dizer que fosse depravada. Os
demônios causavam doenças e mazelas de várias espécies (Mc 5.1-20), mas em
parte alguma isso se relaciona com a imoralidade humana. Inquestionavelmente,
era uma mulher de caráter inatacável. Ela NÃO foi a pecadora do capítulo
precedente.
Pode ser recomendável
que nós, humanos, façamos entre nós mesmos distinção entre pecados respeitáveis
e pecados grosseiros, e estigmatizemos aquelas pessoas culpadas de certas
modalidades de pecados vulgares. Assim procedendo, podemos ajudar a salvar
nossa sociedade humana da completa ruína. Mas, para Deus, todo pecado é pecado.
E, sem dúvida, a Deus tanto custa “perdoar nossos pecados decentes” como
aqueles que atraem sobre o pecado r a maldição da sociedade. Uma prostituta ter
seus pecados perdoados, e ser aceita na companhia dos salvos é uma coisa, mas
seria outra bem diferente colocar logo tal pessoa à frente de uma obra
religiosa.
3.7.5. A pena de
crucifixão
Era com a crucifixão
que Roma punia escravos, estrangeiros e os mais vis criminosos, que não fossem
cidadãos seus. Era a morte mais agoniada e ignominiosa que uma época de
crueldade podia inventar. Batiam-se pregos nas mãos e pés e deixava-se a vítima
ali suspensa a agonizar, submetida à
fome, à sede intolerável
e a convulsões de dores cruciantes. Comumente a morte sobrevinha depois de
quatro a seis dias. No caso de Jesus veio depois de seis horas.
3.8. Esboço da
história da crucificação
3.8.1. Coordenada à
vista das quatro narrativas
Às 9 da manhã chegam
ao Gólgota. Quando se preparam para cravar as mãos e os pés de Jesus,
oferecem-Lhe vinho misturado com fel, como entorpecente, para Lhe diminuir as
dores. Ele, porém, recusa beber. O Mestre bendito suportou as dores todas, por
nós; amamo-Lo por isso.
“Pai, perdoa-lhes:
porque não sabem o que fazem”, diz quando O pregam à cruz. É difícil para nós
conter a indignação, apenas com a leitura do fato. Quanto mais para Ele. Mas
Jesus não tem absolutamente qualquer ressentimento. Admirável domínio próprio!
Suas vestes
dividem-nas os soldados entre si. Colocam a inscrição “Rei dos Judeus” sobre a
Sua cabeça, redigida em três línguas -hebraico, latim e grego -de modo que
todos leiam e entendam qual é o crime de que O acusam.
É escarnecido, ouve
chacotas, é injuriado, vilipendiado pelos principais sacerdotes, anciãos,
escribas e soldados. Que multidão de coração duro, desumana, brutal e vil!
“Hoje estarás comigo
no Paraíso”, diz ao ladrão arrependido, possivelmente depois de uma ou duas
horas.
“Mulher, eis aí teu
filho.” A João, “eis aí tua mãe.” Provavelmente, quando estava perto do
meio-dia, após afastar-se a turba dos escarnecedores. Que morte gloriosa! Orou
pelos Seus algozes; prometeu o Paraíso ao ladrão; e providenciou um lar para
Sua mãe -Seu último ato neste mundo.
Trevas, desde o
meio-dia às 3 da tarde. Suas primeiras três horas na cruz foram assinaladas por
palavras de misericórdia e ternura. Agora, entra na última fase da expiação
pelo pecado humano. Talvez as trevas simbolizem o afastamento de Deus, de modo
a ser um ato de completa expiação. O que Jesus sofreu naquelas horrendas três
horas jamais saberemos neste mundo.
Suas quatro últimas
frases proferiu-as já expirando.
“Deus meu, Deus meu,
por que me abandonaste?” Sozinho, sofrendo as dores do inferno, para que não
fôssemos parar ali. “Tenho sede.” Febre ardente e sede excruciante acompanhavam
a crucifixão.
Pode ter significado
mais, ver Lc 16.24. Oferecem-Lhe vinagre, que Ele toma,
já passadas as dores.
“Está consumado.” Exclamação de alívio e gozo triunfais. Está por terra o longo
reinado do pecado humano e da morte.
“Pai, em tuas mãos
entrego o meu espírito.” Foi para o Paraíso. Treme a terra, rasga-se o véu, os
túmulos se abrem. É a salva de Deus. O centurião crê. As multidões ficam
compungidas. “Sangue e água” do lado de Jesus. José e Nicodemos pedem o corpo,
para sepultá-lo. Cai a noite sobre o mais negro e mais revoltante crime da
História.
CAPÍTULO 4
EVANGELHO DE JOÃO
4.1. Introdutório
O Evangelho de João é
singular. Mateus, Marcos e Lucas são chamados Evangelhos Sinóticos porque, a
despeito de suas ênfases individuais, descrevem muitos dos mesmos eventos da
vida de Jesus de Nazaré. João se volta principalmente para eventos e discursos
não comuns aos outros evangelhos, com intuito de provar a seus leitores que
Jesus é Deus na carne, a eterna Palavra vinda à terra, que nasceu para morrer
como sacrifício oferecido a Deus para tirar o pecado humano. Sete sinais
miraculosos provam que “Jesus é o Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo,
tenhais vida em seu nome” (20.31). Jamais se escreveu um tratado evangélico
mais excelente que a narrativa inspirada que João elaborou sobre a vida, morte
e ressurreição de Cristo.
4.2. Autoria
A tradição que
atribui o Evangelho ao filho de Zebedeu (Mc 3.17), remonta ao séc. II. Detalhes
indicados no livro o caracterizam como um autêntico judeu palestínico,
profundamente religioso e bom conhecedor das tradições e das expectativas do
seu povo, um judeu que encontrou em Jesus de Nazaré o Messias esperado, o Salvador
e Senhor, “de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas”
(1.45; 12.34,38-40; 15.25). No entanto, não contamos com muito mais informação
acerca da pessoa deste evangelista. Dir-se-ia, melhor, que o mesmo deseja
ocultar a sua identidade por trás de um anonimato apenas rompido quando se
refere àquele discípulo “a quem ele amava” (13.23; 19.26; 20.2; 21.20), de quem
em 21.24 se diz que “dá testemunho a respeito destas coisas e que as escreveu”.
João, o apóstolo, era
filho de Zebedeu e Salomé e, irmão mais novo de Tiago: Era galileu e
aparentemente vinha de uma família abastada (Mc 15.4041). Era uma pessoa de
firme caráter a ponto de ser chamado “filho do t rovão” (Mc 3.17). Teve papel
importante na igreja primitiva em Jerusalém (At 3.1; 8.14; Gl 2.9). Mais tarde
esteve em Éfeso e, por razões desconhecidas, foi exilado na ilha de Patmos (Ap
1.9).
4.3. O prólogo
Em João tudo também
se conforma a um padrão e propósitos especiais.
Não encontramos no
prólogo de João genealogia humana, mas em alguns golpes profundo da pena ele
nos leva a píncaros mais elevados e sublimes do que qualquer dos outros
Evangelhos. Qual a importância da simples antigüidade humana na terra? Para
começar, com este Cristo magnífico você deve projetar-se para além da primeira
alvorada no tempo, para a eternidade? Antes do mundo ter começado, o Verbo já
existia. “No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era
Deus... Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e sem Ele nada do que
foi feito se fez. A vida estava nele, e a vida era a luz dos homens.”
Ele não é apenas o
“filho de Davi”, ou o “filho de Abraão”, ou o “filho de Adão” -Ele é o Filho de
Deus. Ele é o Verbo, e portanto co-eterno com a Mente eterna. Mas para que não
seja de modo algum considerado como impessoal, Ele é também o Filho, e portanto
co-pessoal com o Pai, Ele não é pessoalmente idêntico ao Pai: absolutamente,
como Verbo estava “com Deus”, e como Filho está “no seio do Pai”. Isto também
não é tudo: pois, a fim de que não seja julgado essencialmente subordinado ao
Pai -como uma palavra do pensamento, ou um filho ao pai -Ele é também a Vida e
a Luz. Ele não transmite, simplesmente a Vida, e reflete a Luz -mas “é” a Vida,
e “é” a Luz. A Vida está “nEle”.
Neste curto preâmbulo,
João O descreveu como Verbo, a Luz, a Vida e o Filho. Não é então preciso dizer
que é este o aspecto de Cristo que nitidamente se repete através de todo o
quarto Evangelho. Tudo é adaptado de modo a salientar a revelação da luz, vida
e amor divinos através dEle, que, desde o início, é chamado de Verbo. Como
“Luz” Ele revela. Como “Filho” redime. Como “Vida” renova. A humanidade não é
obscurecida, mas a ênfase está na Divindade.
4.4. Propósito
João deixa claro o
propósito do seu Evangelho, em 20.31, a saber: “para que creiais que Jesus é o
Cristo, o Filho de Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome”. Alguns
manuscritos gregos deste Evangelho apresentam, nesta passagem, formas verbais
distintas para “crer”. Uns contêm o aoristo subjuntivo (“para que comecem a
crer”); outros contêm o presente do subjuntivo (“para que continuem crendo”),
No primeiro caso, João teria escrito para convencer os incrédulos a crer em
Jesus Cristo e serem salvos. No segundo caso, João teria escrito para
consolidar os fundamentos da fé de modo que os crentes continuassem firmes,
apesar dos
falsos ensinos de
então, e assim terem plena comunhão com o Pai e o Filho (cf. 17.3). Estes dois
propósitos são vistos no Evangelho segundo João.
O autor do quarto
Evangelho, como que dialogando figuradamente com os seus futuros leitores,
explica-lhes que os sinais milagrosos feitos por Jesus e recolhidos neste
livro... foram registrados para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus... (20.30-31). Esta é a intenção que guia o evangelista a coligir também o
conjunto de ensinamentos e discursos reveladores da natureza e razão de ser da
atividade desenvolvida por Jesus, o Messias, o Filho unigênito (1.14), enviado
pelo Pai para tirar “o pecado do mundo” (1.29)
o para dar vida eterna
a “todo o que nele crê” (3.13-17).
4.5. Perfil teológico
do autor
O autor do Evangelho
de João (= Jo) apresenta-se, tal qual João Batista, como uma testemunha viva da
revelação de Deus. Ninguém jamais viu a Deus (1.18), mas agora deu-se a
conhecer por intermédio do seu Filho (19.35; 21.24).
Encarnado na
realidade humana, o Cristo preexistente e eterno veio conferir à nossa história
um novo sentido, uma categoria que excede a toda a nossa capacidade de
compreensão e raciocínio. Disso, João Batista prestou um testemunho precursor
no começo do ministério público de Jesus. Agora, o faz João, o evangelista, a
partir da perspectiva do Cristo que vive apesar da morte, do Senhor que, com a
sua morte, venceu o mundo (16.33) e que é vida para todo aquele que o aceita
pela fé (11.25-26).
A lembrança do
Ressuscitado está sempre presente no coração do autor deste Evangelho, como,
sem dúvida, ela esteve em cada um dos discípulos que acompanharam o Senhor
durante os dias da sua existência terrena (cf. 2.17,22; 12.16; 14.26; 15.20;
16.4). E o acontecimento da ressurreição é como uma linha luminosa que percorre
o livro de João desde o princípio até o fim e permite contemplar a figura única
e irrepetível do Messias Salvador.
Mais que oferecer uma
biografia de Jesus no sentido estrito que hoje damos à palavra, João pretende
introduzir o leitor numa profunda reflexão acerca da pessoa do Filho de Deus e
do mistério da redenção que nele nos tem sido revelado. Em Cristo manifestou-se
o amor de Deus, e, por meio dele, o crente tem acesso às moradas eternas
(14.2,23), isto é, a uma vida de comunhão com o Pai.
4.6. Particularidades
do Evangelho
O ponto de partida do
quarto evangelista para as suas considerações sobre o Messias não é o mesmo que
o de Mateus, Marcos e Lucas. João busca outros enfoques, de maneira que,
freqüentemente, se refere a situações e eventos ou inclui palavras,
ensinamentos e discursos de Jesus, não testificados pelos sinóticos. Isso
permite supor que, provavelmente, João, contando com alguma fonte de informação
própria, tenha podido ampliar determinados dados conhecidos e transmitidos por
aqueles, admitindo-se sobretudo, que, de acordo com o critério mais amplamente
aceito, a redação do quarto Evangelho teve lugar depois da aparição dos outros
três, em datas próximas ao final do séc. I.
Um aspecto singular
deste Evangelho é o persistente interesse em fixar os lugares dos
acontecimentos. E curiosamente, enquanto Mateus, Marcos e Lucas dão maior
atenção às atividades de Jesus na Galiléia, João fixa-se de modo especial nos
fatos que têm lugar em Jerusalém (cf. Jo 2.12; 4.43-54; 6.1; 7.9). Ao mesmo
tempo enfatiza que determinadas festas do calendário judaico parecem marcar os
momentos escolhidos pelo Senhor para entrar na cidade: a Páscoa (2.23; 11.55),
a Festa dos Tabernáculos (7.2), a Festa da Dedicação do Templo (10.22) e,
inclusive, uma festa não referida com precisão (5.1).
Essa relação
simultânea de Jesus com Jerusalém e com as festividades judaicas é um dos
elementos de composição que contribuem a dar ao texto deste Evangelho o seu
colorido peculiar. Mas não é o único, pois existem outros traços igualmente
característicos que é necessário ter presentes. Destacamos entre eles:
A linguagem simbólica
(p. ex.: o Verbo Jo 1.1; a água: 7.37; o pão: 6.35; a luz: 8.12). As imagens
tiradas do Antigo Testamento (p. ex.: o pastor e as ovelhas: 10.1-1 8; cf. Sl
23; a videira e os ramos: 15.1-6; cf. Is 5.1-7). As referências culturais ou à
natureza humana; (p. ex.: as bodas em Caná, a personalidade de Nicodemos, a mulher
samaritana, o cego de nascimento).
4.7. Cristo revelado
O livro apresenta
Jesus como ó único Filho gerado por Deus que se tornou carne. Para João, a
humanidade de Jesus significava essencialmente uma missão dupla: 1) como
o”Cordeiro de Deus (1.29), ele procurou a redenção da humanidade; 2) Através de
sua vida e ministério, ele revelou o Pai. Cristo colocou-se coerentemente além
de si mesmo perante o Pai que o havia enviado e a quem ele buscava glorificar.
Na verdade, os próprios milagres
que Jesus realizou
como “sinais”, testemunham a missão divina do Filho de Deus.
4.8. O Espírito Santo
em ação
A designação do
Espírito Santo como “Confortador” ou “Consolador” (14.16) é exclusiva de João e
significa literalmente “alguém chamado ao lado”. Ele é “outro consolador”, isto
é, alguém como Jesus, o que estendeu o ministério de Jesus até o final desta
era. Seria um grave erro, entretanto, compreender o objetivo do Espírito apenas
em termos daqueles em situações difíceis. Ao contrário,João demonstra que o papel
do Espírito abrange cada faceta da vida. Em relação ao mundo exterior de
Cristo, ele trabalha como o agente que convence o mundo do pecado, da justiça e
do juízo (16.8-11). A experiência de ser “nascido no Espírito” descreve o Novo
Nascimento (3.6). Como, em essência, Deus é o Espírito, aqueles que o adoram
devem fazê-lo espiritualmente, isto é, conforme comandado e motivado pelo ES
(4.24). Além disso, em antecipação do Pentecostes, o Espírito torna-se o
capacitador divino para o ministério autorizado (20.21-23).
João revela a função
do ES em continuar a obra de Jesus, guiando os crentes e a um entendimento dos
significados, implicações e imperativos do evangelho e capacitando-os a
realizar “obras maiores” do que aquelas realizadas por Jesus (14.12). Aqueles
que crêem em Cristo hoje podem, assim, enxergá-lo como um contemporâneo, não
apenas como uma figura do passado distante.
4.9. Conteúdo
No decorrer dos anos
têm sido feitos diversos esforços para estabelecer de algum modo a cronologia
dos acontecimentos referidos no quarto Evangelho ou para agrupar logicamente os
seus elementos literários. Como é evidente que o propósito de João não foi
redigir uma crônica, mas criar uma atmosfera de reflexão que conduza o leitor à
fé em Jesus Cristo, o Filho de Deus, a composição do livro também deve ser
considerada desse ponto de vista. Por outro lado, aquilo que se torna claro num
primeiro contato com o texto é a sua divisão em duas grandes seções. Delas, uma
chega até o final do cap. 12 e está centrada no ministério público de Jesus; a
outra, que compreende os caps. 13-21, narra o acontecido em Jerusalém durante a
última semana da vida terrena de Jesus, incluindo a sua paixão e morte e a sua
ressurreição.
O conjunto de caps.
que forma a primeira seção do livro abre-se com um Prólogo (1.1-18) que, com
ressonâncias de Gn 1.1, exalta a encarnação da Palavra de Deus, eterna e
criadora, na pessoa de Jesus, o Cristo. Junto a outros assuntos, o Evangelho se
refere aqui a um total de sete milagres ou
sinais realizados
pelo Senhor para manifestar a sua glória e para que os seus discípulos cressem
nele (2.11; 4.48; 5.18; 6.14,16; 9.35-38; 11.15,40). São os seguintes:
1) A conversão da
água em vinho (2.1-11);
2) A cura do filho de
um oficial do rei (4.46-54);
3) A cura de um
paralítico (5.1-18);
4) A alimentação de
uma multidão (6.1-14);
5) Jesus caminha
sobre as águas (6.16);
6) A cura de um cego
de nascença (9.35-38);
7) A ressurreição de
Lázaro (11.1-44).
Com respeito a esses
atos milagrosos é importante sublinhar o que também se percebe em primeiro
lugar na intenção do evangelista, isto é, o seu propósito em destacar o sentido
profundo desses milagres como manifestações da atividade messiânica de Jesus.
Para dar realce a esse enfoque contribuem os diálogos e discursos que em
diversas ocasiões acompanham o relato dos sinais (assim em 5.17-47; 6.25-70;
9.35-10.42; 11.7-16,21-27).
A segunda parte do
livro mostra Jesus no seu confronto com os poderes públicos, representados
particularmente pelas autoridades religiosas dos judeus. Encabeça a seção o
lavamento dos pés dos discípulos e a predição da traição de Judas (13.1-30);
logo depois há um longo discurso dirigido aos discípulos (14.1-16.33),
concluído com uma oração conhecida como “sacerdotal” (17.1-26). Os caps. 18 e 19
contêm o relato da prisão, julgamento, morte e sepultamento de Jesus; e os
caps. 20 e 21 são o testemunho que João presta da ressurreição de Jesus e das
diversas aparições do Ressuscitado.
4.10. Abordagem
peculiar
Este é o mais
teológico dos quatro Evangelhos. Trata da natureza e da pessoa de Cristo, e do
significado da fé nEle. A apresentação que João faz de Cristo como o divino
Filho de Deus se vê nos títulos que Jesus recebe no livro: “o Verbo era Deus”
(1.1), “o Cordeiro de Deus” (1.29), “o Messias” (1.41), “o Filho de Deus” e “o
Rei de Israel” (1.49), “o Salvador do mundo” (4.42), “Senhor”...e Deus”
(20.28). Sua divindade também é afirmada na série de pronunciamentos “Eu
Sou...” (6.35; 8.12; 10.7,9,11,14; 11.25; 14.6; 15.1,5). Em outros pronunciamentos
“Eu Sou”, Cristo deixou implícito e explícita Sua reivindicação de ser o EU SOU
-Javé do Antigo Testamento (4.24,26; 8.24,28,58; 13.19). Estas eram as mais
fortes reivindicações de divindade que Jesus poderia ter feito.
A estrutura e o
estilo deste Evangelho são diferentes daqueles dos outros três (os sinópticos).
Menciona apenas sete milagres (cinco dos quais não registrados em nenhum dos
sinópticos) e registra várias entrevistas pessoais. O autor enfatiza a
realidade física da fome, sede, cansaço, dor e morte de Cristo como uma defesa
contra a alegação gnóstica de que Jesus não possuíra verdadeira natureza
humana.
4.11. Destaques no
Evangelho
a) Jesus como “o
Filho de Deus”. Do prólogo do Evangelho, com sua sublime declaração: “vimos a
sua glória” (1.14), até a sua conclusão na confissão de Tomé: “Senhor meu, e
Deus meu!” (20.28), Jesus é Deus, o Filho encarnado;
b) A palavra “crer”
ocorre 98 vezes, equivalente a receber Cristo (1.12). Ao mesmo tempo, esse
“crer” requer do crente uma total dedicação a Ele, e não apenas uma atitude
mental;
c) “Vida Eterna” em
João é um conceito-chave, referindo-se não tanto a uma existência sem fim, mas
à nova qualidade de vida que provém da nossa união com Cristo, a qual resulta
tanto da libertação da escravidão do pecado e dos demônios, como o nosso
crescimento contínuo no conhecimento de Deus e na comunhão com Ele;
d) Encontro de
pessoas com Jesus. Temos neste Evangelho 27 desses encontros individuais
assinalados;
e) O ministério do Espírito Santo, pelo qual Ele
capacita o crente, comunicando-lhe continuamente a vida e o poder de Jesus após
sua morte e ressurreição;
f) A “verdade”. Jesus é a verdade; o Espírito
Santo é o Espírito da verdade, e a Palavra de Deus é a verdade. A verdade
liberta (8.32); purifica (15.3). Ela é a antítese da natureza e atividade de
Satanás (8.44-47,51);
g) A importância do
número sete neste Evangelho: sete sinais, sete sermões e sete declarações “Eu
Sou” dão testemunho de quem Jesus é (cf. a proeminência do número “sete” no
livro do Apocalipse, do mesmo autor);
h) O emprego doutras
palavras de destaque como “luz”, “palavra”, “carne”, “amor”, “testemunho”,
“conhecer”, “trevas” e “mundo”.
4.12. Pontos
salientes em João
4.12.1. O
sepultamento
José e Nicodemos,
membros do Sinédrio, discípulos ocultos – ocultos na hora da popularidade de
Jesus, -agora, na hora da Sua humilhação, apareceram ousadamente para partilhar
com Ele a vergonha da cruz. Salve, José! Salve, Nicodemos!
4.12.2. A Mortalha
sagrada
O “Scientific
American”, de março 1937, publicou o artigo de um cientista francês a respeito
de um lençol de linho que hoje se encontra numa igreja católica de Turim,
Itália, que ele acreditava fosse o verdadeiro lençol que envolveu o corpo de
Jesus. Deu-o como medindo 4,60 m de comprimento, por 1 m e pouco de largura,
contendo imagens negativas da frente e costas do corpo de um homem, indicando
que esse homem foi posto numa metade do lençol e que a outra metade foi
enrolada no corpo, no sentido do comprimento. As figuras, afirmou ele, não foram
pintadas, mas são imagens produzidas por vapores amoniacais resultantes da
fermentação da uréia, que se desprende em grande quantidade do suor produzido
por sofrimento atroz. Há resíduos de aloés e de partículas de sangue, no lenço.
As marcas dos açoites, as feridas das mãos, da cabeça e do lado são
perfeitamente visíveis, com evidência de que soro e sangue saíram da lançada. É
iniludivelmente a imagem de um homem crucificado, todas as minúcias combinando
com o registro bíblico e apresentando o semblante de um homem de nobre
aparência. Apareceu primeiro na França, em 1355 d.C., com a notícia de que fora
visto em Constantinopla em 1204. Não sabemos com certeza se é uma impostura ou
a verdadeira mortalha de Jesus.
4.12.3. O túmulo de
Jesus, (19.41-42)
“No lugar onde Jesus
fora crucificado, havia um jardim, e neste um sepulcro novo, no qual ninguém
tinha sido, ainda, posto” Significa que o sepulcro em que Jesus foi sepultado
ficava bem perto do lugar onde foi crucificado.
O General Christian
Gordon, 1881, encontrou, no pé ocidental do “Monte da Caveira um jardim”. Pôs
uma turma a cavar e, debaixo de 1,60 m de entulho, achou um túmulo do tempo dos
romanos, cavado numa parede de rocha sólida, com um sulco na frente, por onde a
pedra rolava para a porta.
O túmulo é uma sala
de 4,60 m de largura, 3,30 m de fundo, 2,50 m de altura. Ao entrar, vêem-se, à
direita, duas sepulturas, uma junto à parede da frente, e outra na do fundo.
Ficam um pouco abaixo do nível do piso da sala, separadas por uma parede baixa.
A sepultura da frente parece que nunca foi concluída. Tudo indica que só a
sepultura do fundo foi alguma vez ocupada, e ainda assim sem indícios de restos
mortais. O túmulo é suficientemente grande para acomodar um grupo de mulheres e
dois anjos, com espaço à cabeça e aos pés onde um anjo podia sentar-se, (Mc
16.5; Jo 20.12). À direita da porta, vê-se uma janela por onde, ao romper do
dia, a luz solar teria penetrado na sepultura ocupada. Cada pormenor destes
combina com a narrativa bíblica.
Demais disto, segundo
Eusébio, o imperador romano Adriano, na perseguição que moveu aos cristãos em
135 d.C., construiu um templo de Vênus sobre o túmulo onde Jesus fora
sepultado. Constantino, primeiro imperador cristão d.C., destruiu esse templo.
O General Gordon, no entulho que removeu do túmulo, achou uma pedra sagrada da
Vênus. Descobriu vestígios de um edifício que fora levantado sobre o dito
túmulo. Acima da entrada deste, duas reentrâncias, características dos templos
de Vênus.
Numa cripta
funerária, junto ao túmulo, foi achada uma pedra tumular, inscrita: “Enterrado
perto do seu Senhor.”
No acúmulo da
evidência, parece haver base para a opinião que este túmulo no jardim é o
verdadeiro lugar onde Jesus foi sepultado e donde surgiu vivo. Para os
cristãos, é o lugar sagrado donde surgiu a garantia da vida eterna.
4.12.4. A
ressurreição
4.12.4.1. Jesus
aparece a Maria Madalena, (20.11-18)
Foi Sua primeira
aparição, (Mc 16.9-11). As outras mulheres tinham ido embora. Pedro e João,
também. Maria Madalena lá estava só, chorando como se fosse lhe arrebentar o
coração. Nada de pensar que Jesus ressuscitara. Ela não ouvira o anjo anunciar
que Jesus estava vivo. O próprio Jesus dissera repetidamente que ressuscitaria
ao terceiro dia. Fosse como fosse, ela não O compreendera. Mas, oh! quanto O
amava! E agora, eis que estava morto. Até o Seu corpo desaparecera. Nesse
momento de aflição, Jesus postou-Se ao lado, e chamou-a pelo nome. Ela
reconheceu Sua voz e deu um brado em transportes de alegria. Jesus não estava
morto, mas vivo!
a) Um pouco depois
apareceu às outras mulheres, (Mt 28.9-10);
b) Naquela tarde
apareceu aos dois, (Lc 24.13-32);
c) E a Pedro (Lc
24.33-35);
d) Jesus Aparece aos
Dez, (20.19-25).
À tardinha daquele
dia, em Jerusalém, Tomé ausente, (v.24). Essa aparição vem registrada três
vezes: aqui e em (Mc 16.14 e Lc 24.33-43). Jesus estava no mesmo corpo,
ostentando as marcas em suas mãos, pés e lado: e comeu na presença deles.
Contudo, podia passar através de paredes, a parecer e desaparecer à vontade.
4.12.4.2. Aparece aos
onze, (20.26-29)
Uma semana depois, em
Jerusalém, Tomé presente. Nenhum crítico moderno poderia ser mais “científico”
do que Tomé.
4.12.4.3. A
morosidade em crer que Jesus ressuscitara
Eles não esperavam
isso, apesar de Jesus lhes ter dito repetida e claramente que ressuscitaria ao
terceiro dia, (Mt 16.21; 17.9,23; 20.19; 26.2; 27.63; Mc 8.31; 9.31; Lc 18.33;
24.7). Devem ter tomado Suas palavras como parábola de algum sentido
misterioso. Quando as mulheres foram ao túmulo, não foi para ver se Ele
ressuscitara, mas para Lhe prepararem o corpo, com vistas ao sepultamento
definitivo.
De todos os
discípulos, somente João creu à vista do sepulcro vazio (Jo 20.8).
Maria Madalena só
pensava numa coisa: que alguém tinha tirado o corpo (Jo 20.8).
A notícia das
mulheres, de haver Jesus ressuscitado, pareceu aos discípulos como “delírio”
(Lc 24.11).
Quando os dois,
voltando de Emaús, disseram aos onze que Jesus lhes aparecera, “não lhes deram
crédito” (Mc 16.13).
Pedro relatou que
Jesus lhe aparecera (Lc 24.34). Mas ainda não acreditaram (Mc 16.14).
Assim, Jesus o
predissera reiteradamente. Os anjos o anunciaram. O túmulo estava vazio. O
corpo saíra. Maria Madalena viu-0. As outras mulheres viram-No. Cleópas e seu
companheiro viram-No. Pedro viu-O. E ainda o grupo, de um modo geral, não
acreditava. Parecia-lhe uma coisa incrível.
Então, ao aparecer
Jesus aos dez naquela noite, lançou-lhes em rosto sua indisposição e dureza de
coração para crer naqueles que O haviam visto, Mc
16.14. Ainda pensavam
que era apenas um espírito, pelo que os convidou
para olhar de perto
Suas mãos, lado e pés, e apalpá-Lo. Em seguida, pediu o que comer, e “comeu
diante deles”, (Lc 24.28-43; Jo 20.20).
Depois de tudo isso,
Tomé, taciturno, de cabeça dura, duvidador, estava certo de que havia por aí um
engano qualquer, e não creu senão quando pessoalmente viu a Jesus uma semana
depois, (Jo 20.24-29).
De modo que os que
primeiro proclamaram a história da ressurreição de Jesus estavam de todo
desprevenidos para crer, determinados a não crer, e chegaram a crer a despeito
de si mesmos. Isto torna insustentável qualquer possibilidade de haver essa
história surgido de uma imaginação excitada e em expectativa. Não há meio
concebível de explicar a origem dessa história, senão que foi um FATO REAL.
Também nós um dia, pela graça de Cristo, ressurgiremos.
4.12.4.4. Jesus
aparece aos sete
Os discípulos estavam
agora, de volta, na Galiléia, segundo Jesus lhes ordenara, (Mt 28.7,10; Mc
16.7), a fim de aguardarem novas instruções. Indicara-lhes um certo monte, (Mt
28.16), e, provavelmente, marcara o tempo. Enquanto esperam, voltam à antiga
ocupação. Pode ter sido perto, ou no mesmo local onde dois ou três anos antes
Jesus pela primeira vez os chamara para serem pescadores de homens, (Lc
5.1-11). Agora, como antes, dá-lhes uma redada miraculosa de peixes. Pode ter
tido a intenção de, com isso, dar-lhes uma idéia simbólica do grande êxito do
movimento redentor entre os homens, que em breve iniciariam.
“A terceira vez”
(v.14), isto é, aos discípulos reunidos, sendo mencionadas as outras em
20.19,26. Contando os indivíduos a quem já aparecera, Maria Madalena, as outras
mulheres, os dois, Pedro, era esta a sétima aparição.
“Mais do que estes”
(v.15). Estes objetos? Ou, estes homens?
As formas masculina e
neutra do pronome “estes”, no grego, são idênticas. Não há meio de saber-se em
que sentido é aí usado. “Amas-me mais do que estes outros discípulos?” Ou,
“amas-me mais do que a este negócio de pesca?” Estaria Jesus increpando a Pedro
sua tríplice negação? Ou estaria censurando-o, delicadamente, por ter voltado
ao negócio da pescaria? Inclinamo-nos a admitir esta segunda hipótese.
“Amas-me?”
(vv.15,16,17). Jesus emprega o verbo “agapao”. Pedro usa “phileo”. Dois verbos
gregos que significam “amar”. “Agapao” exprime um tipo mais elevado de
devotamente. Pedro recusa empregá-lo. Na terceira vez Jesus toma a palavra
usada pelo apóstolo.
“Pastoreia as minhas
ovelhas” (vv.15,16,17), três vezes variando na forma. A idéia pode ser mais ou
menos esta: “Pedro, amas-ME mais do que a esta pescaria? Então, melhor para ti
será dedicares o teu tempo ao cuidado de meu rebanho; à minha empresa, Pedro,
antes que à tua”.
4.12.4.5. O
ministério do Senhor
Pelo fato da
população da Palestina nos dias de Cristo ter sido em grande parte Bilingue,
segue-se quase necessariamente que o Senhor falava em ambas as línguas. Vemos
que ele falava algumas vezes em aramaico pelas suas palavras nessa língua não
terem sido retiradas em alguns pontos: “Talita cumi” (Mc 5.41): “Eli, Eli, lemá
sabactâni” (Mt 27.46). Na capital, especialmente, ao dirigir-se aos chefes
judeus, o Senhor Jesus usaria mais o grego. Que Ele falava é indicado na
pergunta que os judeus fizeram entre si depois de Jesus dizer que eles haveriam
de procurá-lo, mas não o encontrariam: “Disserem, pois, os judeus uns aos
outros: Para onde irá este que não o possamos achar? irá, porventura, para a
Dispersão (Judeus) entre os gregos com o fim de os (gregos) ensinar?” (Jo
7.35). Se não estivessem acostumados a ouvir Jesus falar em grego, tal pergunta
não seria feita.
4.12.4.6. Finais
característicos
É interessante notar
também a maneira característica em que cada um dos quatro registros termina, e
o progresso do pensamento que eles apresentam quando tomamos em conjunto.
Mateus finaliza com a ressurreição do Senhor. Marcos avança e termina com sua
ascensão. Lucas se adianta mais e encerra com a promessa do Espírito. João
completa os quatro, terminando com a promessa do segundo advento. Quão
apropriado é que Mateus, o Evangelho do poderoso Messias-Rei, termine com o ato
esplêndido de sua ressurreição, a prova culminante de seu caráter messiânico e
poder divino! Quão perfeitamente adequado é que Marcos, o Evangelho do servo
humilde, se encerre com o Servo exaltado ao lugar de honra! Como soa belo e
harmonioso o final de Lucas, o Evangelho do homem ideal, de coração compassivo,
ao lermos sobre a promessa do poder que viria do alto! Que conclusão apropriada
vemos no fato de João, o Evangelho do Filho Divino, escrito especialmente para
a igreja, terminar com a promessa acerca da sua volta, feita pelo Senhor
Ressurreto. Propósito conjunto evidenciado pelos quatro Evangelhos faz deles
uma obra prima de variedade na unidade.
Conclusão
Alguns comentários
usa muito, por exemplo, o argumento da “redação tardia” dos Evangelhos como uma
prova da pouca confiabilidade histórica dos dados neles contidos. Essa é,
porém, uma visão muito pobre e incompleta. Para começar, há diversas
descobertas recentes que indicam serem os Evangelhos mais antigos do que até há
pouco se pensava, já havendo alguns registros escritos desde os primeiros anos
após a morte e ressurreição de Jesus. Além disso, é importante lembrar que os
textos bíblicos não surgiram do nada, não são textos “originais” do autor, mas
são sempre fruto e registro de uma tradição oral já de há muito estabelecida,
tendo mesmo sido redigidos com a provável ajuda de escritos avulsos
pré-existentes. Portanto, a data de redação de um texto bíblico não significa,
em absoluto, que antes daquela data não se falava no assunto.
Os relatos
evangélicos não devem ser olhados como se fossem uma notícia de jornal ou uma
crônica dos acontecimentos nos moldes de hoje. Eles não foram redigidos com
pretensões de exatidão matemática, mas isso não significa que os acontecimentos
neles narrados não sejam históricos. Significa, sim, que na Bíblia a história é
um instrumento, é um meio e não um fim. O mais importante não é a precisão dos
dados ou a sua ordem cronológica, e sim a leitura que se deve fazer dos
acontecimentos, o significado teológico e catequético neles contido.
Portanto, os fatos
existem. Deus se revela concretamente na história, na vida das pessoas. A
Bíblia não é ficção, e os Evangelhos, em especial, falam de fatos muito
concretos, ocorridos num determinado momento da história, e registrados para a
posteridade.
Só que esses fatos
ultrapassam a história, ultrapassam o tempo. Eles revelam uma realidade muito
maior do que o conjunto de circunstâncias concretas em que se deram. O
evangelista sabe disso, por isso organiza sua narrativa de modo a deixar claro,
para o leitor, o papel que aqueles acontecimentos desempenham na vida de todos
os homens em todos os tempos.
Os evangelhos não
foram escritos com a intenção de apresentar uma biografia de Jesus no sentido
moderno, mas sim para dar a conhecer a pessoa de Jesus e sua missão, o lugar
essencial e preciso que o Filho de Deus ocupa na história de nossa salvação.
Para Mateus, que se
dirigia especialmente a judeus convertidos ao cristianismo, era importante
mostrar a ligação entre a Nova Aliança e a Antiga, mostrar que em Jesus se
cumpriam, de fato, as profecias messiânicas
do Antigo Testamento,
que ele era a continuidade lógica da história de salvação iniciada com Abraão.
Era preciso que seus leitores pudessem enxergar que todos os acontecimentos da
antiguidade tinham sido uma preparação para o advento de Jesus, que inaugurava
um novo tempo e uma nova lei, em substituição à antiga. Em toda a Bíblia está
presente essa intenção primordial de ensinar a ouvir a voz de Deus nos
acontecimentos e discernir seu significado religioso, mais do que simplesmente
relatar fatos. Por isso, os hebreus desenvolveram um gênero literário
especialmente propício a isso, chamado midraxe. O midraxe é um relato de fundo
histórico, mas que pode ser “enriquecido” com traços fictícios, comentários
interpretativos e associações com outros fatos bíblicos, a fim de tornar mais
clara a mensagem que o autor deseja apresentar. É uma espécie de comentário
teológico sobre os fatos, a fim de se tornem um instrumento catequético. Dentro
da maneira de pensar dos judeus antigos, tal recurso literário era lícito e
válido, não era visto como “enganação” ou falsificação, como alguns tendem a
concluir ao avaliar, anacronicamente, a cultura antiga pelos padrões de hoje.
Se os teólogos vêem com clareza essa questão, demonstram às vezes certa falta
de cuidado na hora de explicá-la aos fiéis.
O Evangelho de Mateus
procura apresentar Jesus como o novo Moisés, o novo libertador e legislador que
leva à plenitude a antiga Lei, e forma o novo povo de Deus, que é a Igreja.
Para enfatizar esse paralelo com Moisés, Mateus interpreta os fatos da infância
de Jesus de forma a evidenciar sua relação com as tradições antigas. Assim,
Jesus vai ao Egito e de lá regressa, uma vez afastados os seus perseguidores,
num paralelo entre Mt 2, 19-21 e Ex 4,19s.
Há escritos judaicos
antigos (não bíblicos) que dizem terem sido os astrólogos que revelaram ao
Faraó o futuro nascimento do libertador de Israel, motivo pelo qual o Faraó
mandou matar os bebês hebreus do sexo masculino (Ex 1,16). Há aqui um paralelo
com Mt 2,16, onde Herodes manda matar os meninos na esperança de, entre eles,
matar também Jesus, cujo nascimento lhe fora igualmente anunciado por
astrólogos ou magos (Mt 2.12). Essa semelhança e outras ainda -como a relação
entre a estrela vista pelos magos e a profecia de Balaão em Nm 24.17 -mostram a
intenção de Mateus de apresentar Jesus como novo Moisés.
Isso é o que os
teólogos geralmente dizem -e não estão errados. Mas eles deveriam enfatizar
mais que tal circunstância não significa, absolutamente, uma falsificação da
história.
Vários testemunhos de
autores pagãos atestam que a expectativa judaica de um Messias encontrava eco
também entre povos distantes, tendo sido, sem
dúvida, introduzida
no Oriente pelos judeus por ocasião do exílio (séc. VI a.C.), e também depois.
Por exemplo, o historiador romano Tácito (+120 d.C) escreveu: “Os homens
estavam geralmente persuadidos, à luz da fé de antigas profecias, de que o
Oriente ia tomar a vanguarda, e, dentro em breve, se veria sair da Judéia
aqueles que governariam o universo” (Hist.V.23). Também Zaratustra (séc. VI/VII
a.C.), na Pérsia, falava de uma tradição segundo a qual o Bem triunfaria sobre
o Mal graças à “verdade encarnada” que devia nascer de uma “virgem que nenhum
homem tivesse tocado”.
Isso mostra que
havia, sim, no Oriente, sábios pagãos capacitados para discernir um sinal
enviado por Deus sobre o nascimento do Messias judeu. A estrela, além de ser o
símbolo da nação judaica, era imagem comum entre os judeus para designar o
aparecimento de um grande homem, podendo representar também um anjo, ou
qualquer sinal de que se sirva a Providência para guiar os homens.
Sabe-se também que
havia, entre os medos e persas, uma casta sacerdotal muito bem conceituada,
designada pelo nome de “magos” (o que, em sua língua, significava “sacerdote”),
e que se ocupava da adivinhação, astrologia e medicina. Sabe-se, igualmente,
que era comum a presença de reis e outras personalidades pagãs em Jerusalém,
atraídos -entre outros motivos também pela religião aí praticada.
Portanto, a história
contada por Mateus não é nenhum absurdo, mas perfeitamente possível, ainda que
Mateus possa ter dado forma personalizada a um fato genérico. Não se pode
provar que aqueles determinados magos existiram, mas também não se pode provar
que não existiram. Na verdade, não há como detectar o limite exato entre os
fatos reais e os pormenores que a tradição lhes acrescentou com finalidade
catequética, mas é certo que o núcleo essencial é histórico.
Agora, quanto à
afirmação de que “não eram três e não eram reis”: de fato, o Evangelho não diz
que eles eram reis, nem diz quantos eram; só fala em “magos do Oriente”. Nem
por isso se pode afirmar com certeza que não eram três ou não eram reis, pois é
perfeitamente possível que o fossem. A abordagem mais razoável seria dizer,
simplesmente, que não é possível saber se essa tradição retrata a verdade, e
que o Evangelho não traz essa informação (nem a desmente).
A idéia de que eram
três surgiu a partir do número de presentes oferecidos: ouro, incenso e mirra
(Mt 2.11). Quanto ao status de reis, deriva provavelmente de diversas profecias
messiânicas que dizem que “todos os reis da terra se prostrarão diante dele e
lhe pagarão tributo”.
A Igreja aplicou,
aqui, o mesmo processo catequético usado pelos judeus, permitindo que se
formassem e se cultivassem tradições que, sem apresentar pretensões de verdade
histórica, ajudam os fiéis a compreender e a celebrar
o mistério da
Salvação. Isso deve ser entendido e reconhecido como um recurso pedagógico
legítimo e saudável, não condenado como sinal de atraso e ignorância.
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