FACULDADE DE TEOLOGIA TESTEMUNHAS HOJE
CURSO LIVRE
O CULTO BÍBLICO
CONCEITO GERAL
Muitas vezes, as
pessoas se perguntam por quê existem. Para quê fomos criados? A Bíblia nos
mostra que existimos para o louvor e glória de Deus. Sendo este um fato espiritual,
é natural concluirmos que o culto está vinculado à nossa natureza. Nascemos com
um "instinto cultual". Tal afirmativa é endossada pelos
historiadores, antropólogos e arqueólogos. Em todas as civilizações de todos os
tempos, encontra-se presente o fenômeno chamado "culto". O culto é a
expressão da fé. É o tributo de honra, louvor e serviço àquele que se venera.
Quem é "aquele"? Bem... Nesse ponto as civilizações não se entendem.
Os alvos do culto
humano têm sido os mais diversos possíveis. Há quem adore o sol, a lua, as
estrelas, os rios, os animais. Outros veneram o seu semelhante, vivo ou morto,
ou imagens de sua própria criação. Mais longe vão os que espiritualizam o
culto: adoram espíritos que são identificados por centenas ou milhares de
nomes. Em muitos povos foi constatada também a adoração a um "ser
supremo", criador de todas as coisas. Provavelmente, tais pessoas tiveram
algum tipo de experiência espiritual genuína. Entretanto, é através do povo de
Israel que o criador se apresentou à humanidade. Jesus disse: "Vós adorais
o que não sabeis.
Nós adoramos o que
sabemos, porque a salvação vem dos judeus". (João 4:22). Aleluia ! Aí está
aquele que deve ser o alvo de culto de todo ser humano: o Deus de Abraão, de
Isaque e de Jacó. Os judeus são o nosso ponto de referência religiosa na
história. Portanto, convém que nos dediquemos a conhecer aspectos do seu culto
que nos serão de grande utilidade no entendimento de nossas práticas atuais.
Enquanto muitos se
perdem em cultos vãos, adorando ao que não se deve, a Bíblia nos mostra que
Deus está à procura de verdadeiros adoradores. Antes de buscar pregadores,
intercessores, evangelistas, etc. o Senhor procura pessoas que se dediquem a
cultuá-lo. O culto a Deus está fundamentado no conhecimento que se tem dele. Na
medida em que o conhecemos, o adoramos. O verdadeiro culto é um relacionamento
purificador e transformador com o Pai, o Filho e o Espírito Santo.
Que o Senhor nos
ajude a encontrar as diretrizes do culto que o agrada. Esta questão é a
principal. Normalmente, temos o hábito de fazer avaliações dos cultos em que
participamos. Depois dizemos : "Não gostei do culto hoje", ou ,
"fiquei muito satisfeito com o culto". Falamos como se o culto fosse
dirigido a nós. Deus nos livre de usurparmos a glória que lhe é devida. Que ele
nos abençoe e que possamos ser encontrados como aqueles que adoram ao Pai em
espírito e em verdade.
A ESSÊNCIA DO CULTO
BÍBLICO
Haverá, em meio às
múltiplas maneiras de cultuar, um sine
qua non na adoração, um elemento que seja imprescindível? Cremos firmemente
que há. Jesus reafirmou o que Moisés, no Antigo Testamento, deixou claro: o
primeiro mandamento exige um amor a Deus, sem limites (Dt.6:4,5). Séculos
depois que Deuteronômio foi escrito, um intérprete da lei levantou esta pergunta
para Jesus: "Qual é o grande mandamento da lei?" Respondeu o Mestre:
"Amarás o Senhor teu Deus de todo o teu coração, de toda a tua alma e de
todo o teu entendimento"(Mt. 22:36-37).
No texto original de
Deuteronômio, encontramos a palavra "força" em lugar de
"entendimento". O texto de Marcos (12:30) transcreve ambos,
"entendimento" e "força", na resposta de Jesus. O cristão,
cuja mente e coração estão voltados para o Criador e Pai Eterno, percebe nestas
palavras de Jesus um verdadeiro desafio, pois nelas estão a raiz, o tronco e o
fruto da adoração.
Sem o incentivo do
amor por Deus, o culto não passa de palha, pura "casca", isento de
qualquer valor. Pode até se tornar em culto a Satanás. Uma adoração que se
realiza sem o objetivo de expressar e aumentar nosso amor por aquele "de
quem, e por meio de quem e para quem, são todas as coisas" (Rm.11:36),
falha completamente. Deixa de ser culto a Deus, pois carece da essência, que é
o amor.
Ora, quando se trata
de amor por pessoas amigas ou entes queridos da família, não encontramos
dificuldades em atender o sentido de amar. Mas, como se há de amar a Deus, a
quem "ninguém jamais viu"? (Jo.1:18) Como havemos de colocar o Senhor
no centro de nossas ambições? Ou, como nutriremos a amizade que venhamos a oferecer
a Deus, sendo nós pecadores, enquanto Ele é Espírito infinito e mora em luz
inacessível? Como faremos de Deus o "Senhor absoluto" de nossa
existência? Os cristãos, reunidos em adoração a Deus, devem ter este objetivo
como prioritário.
O culto verdadeiro requer amor de todo o coração
Para o hebreu, o
coração, no sentido metafórico, representava o centro da vida intelectual e
espiritual. Associando-se de perto com a alma, o leitor original de
Deuteronômio teria pensado em seus sentimentos, suas avaliações, sua vontade,
todos emanando do coração. Esta realidade pessoal emite emoções tais como
alegria, pesar, tranqüilidade e ansiedade. Igualmente alcança as áreas
intelectuais tais como compreensão e conhecimento, e exerce o poder de
raciocinar ou lembrar. Diríamos, enfim, que coração e alma representam o homem
interior como um todo. Em seu coração o homem é responsável diante de Deus, em
todos os seus atos e palavras. Somente um coração inclinado para Deus é capaz
de adorá-lo, agradá-lo e amá-lo.
Tanto no Antigo
Testamento como no Novo Testamento, o amor que há no coração é o alvo da busca
de Deus. Ele se dirige ao coração porque ali está a sede do amor. Prof. Bruce
Waltke, do Regent College, no Canadá, lembra-nos que antes de o Senhor mandar
seu povo buscá-lo unicamente no lugar onde Ele estabeleceria seu nome (Dt.12),
Deus, em seis capítulos antecedentes (Dt. 6-11), exorta os israelitas a
darem-se a si mesmos inteiramente ao Senhor. "Circuncidai, pois, o vosso
coração" (Dt. 10:16). Pois é no coração que o Todo-poderoso toca, ao fazer
contato conosco, "... aquela parte do homem ... onde, em primeira
instância, se decide a questão pró ou contra Deus" (Gutbrod).
Por ser o coração
essencialmente espiritual, mantendo o que resta da imagem de Deus no homem
caído, é possível amar àquele que não tem corpo físico e nem existe ao alcance
dos nossos cinco sentidos? Evidentemente, para amarmos a Deus, precisamos crer
que Ele se revelou através de palavras por Ele inspiradas (II Tim. 3:16), e uma
vez recebidas pelos profetas, homens por Ele escolhidos, estes fizeram seus
devidos registros. Contudo, sua revelação não se limita à transmissão de
conceitos comunicáveis por linguagem humana. Inclui atos que claramente
evidenciam seu amor e paciência para com seres que têm negligenciado e ignorado
as evidências do seu profundo interesse por eles. Inclui convicção criada por
Deus no coração que ele decide abrir (At.16:14), para fazer brilhar a luz de
sua personalidade (II Cor. 4:4,6). Resulta no reconhecimento do testemunho do
Espírito Santo de Deus "com o nosso espírito que somos filhos de
Deus" (Rm.8:16).
Enquanto Deus revela
a si mesmo no íntimo do coração pela Palavra lida e recebida, pelo
reconhecimento de sua ação no mundo e pela comunicação pessoal do Espírito
residente, nós devemos responder em adoração a ele que declara e aprofunda
nosso amor.
Uma moça presa numa
casa em chamas foi resgatada por um jovem bombeiro que pôs sua própria vida em
risco para retirá-la do incêndio. Ela sentiu profunda responsabilidade de
agradecer-lhe o ato sacrificial. Poucos dias depois, a jovem, que foi
resgatada, procurou o bombeiro para externar sua gratidão. Eles conversaram,
passearam, e, finalmente, acabaram se casando. Ela, que devia a vida ao jovem
bombeiro, passou a namorá-lo e, lentamente, um mero sentimento de gratidão
transformou-se num amor profundo. Pagou uma dívida de vida com a oferta
permanente do seu amor e mostrou sua alegria em conviver com aquele que
arriscou sua vida para lhe resgatar.
Assim Deus procura
uma comunhão por meio da experiência verdadeira com cada pessoa que
experimentou passar da morte para a vida (Jo.5:24), pelo sacrifício de Jesus
Cristo. O novo adorador começa com um sentimento de obrigação de servir a Deus
no culto; vai aprendendo a amá-lo e progride até que todo o seu coração se
concentre na beleza da pessoa do Senhor: "Eis que Deus é a minha salvação;
confiarei e não temerei, porque o Senhor Deus é a minha força e o meu
cântico... vós com alegria tirareis água das fontes da salvação"
(Is.12:2,3). Davi, no deserto de Judá, disse: "Ó Deus, tu és meu Deus
forte, eu te busco ansiosamente; a minha alma tem sede de ti" (Sl. 63:1).
Desse modo se expressaram os que, na Antiga aliança, amavam a Deus.
É natural, para quem
experimentou a "graça melhor do que a vida" (Sl. 63:3), descobrir um
eco semelhante no seu coração. Agostinho afirmou, acertadamente, nas linhas bem
conhecidas que deixou para a posteridade: "O homem mantém-se agitado até
encontrar seu descanso em Deus".
O evangelho é deveras
uma posição doutrinária, mas antes é um relacionamento do cristão com Deus.
"Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e meu Pai o amará, e viremos
para ele e faremos nele morada" (Jo. 14:23). "E nós o amamos porque
ele nos amou primeiro" (I Jo.4:19). Porque na realidade, "cada
indivíduo dá seu coração àquilo que considera de máxima importância, e esta
lealdade determina a direção e o conteúdo da sua vida".
O general William
Booth, fundador do Exército da Salvação, foi indagado acerca do segredo do seu
sucesso. Hesitou um instante e, com os olhos cheios de lágrimas, respondeu:
"Eu compartilharei o segredo. Deus tem se apoderado de tudo que há em mim.
Podem ter havido homens com maiores oportunidades, mas desde o dia em que os
pobres de Londres dominaram meu coração e ganhei uma visão daquilo que Jesus
Cristo podia fazer, determinei que Deus teria tudo do que houvesse em William
Booth. Se há algum poder no Exército da Salvação, hoje, é porque Deus tem
recebido toda a adoração do meu coração, todo o poder da minha vontade e toda a
influência da minha vida.
Concluímos que Deus
nos quer como seus verdadeiros adoradores, por nos amar profundamente ( I Jo.
4:8/16) . Seu mandamento singular requer que nós o amemos de todo o coração e
alma. Participar em todo e qualquer culto requer primeiramente uma melhor
aproximação dele em amor. Assim, a adoração da igreja
cumprirá seu objetivo se :
- O louvor focalizar sua
dignidade, a beleza da sua pessoa e a perfeição do seus caráter. Deve,
ainda, convidar todo homem a atribuir glória ao Pai maravilhoso (Sl.
46:10);
- A confissão do pecado que
cometemos externar o reconhecimento da nossa indignidade e declarar
nosso arrependimento pela rebelião contra a expressa vontade de Deus.
Também, não deixa de ser um estímulo forte de amor, confiar no seu
imediato e imerecido perdão (I Jo.1:9);
- Nossa oração procurar
assimilar seus pensamentos; expressar petições de acordo com seus
conhecidos desejos. Amor genuíno funde os desejos dos que buscam o
Reino e a vontade única de Deus;
- A mensagem, ouvido ou lida,
suscitar pensamentos de gratidão e encorajamento. Serão veículos de
transformação de inimigos em amigos que a ele buscarão agradar
(Jo.15:14,15);
- A música atrair o coração para
a beleza de Deus revelada na criação, na redenção e na regeneração,
refletindo assim a harmonia do universo, por ele criado.
Enfim, quando
adoramos, só devemos ficar satisfeitos se expressarmos o verdadeiro amor ou se
nosso culto revelar toda a preciosidade do Senhor, infundindo-a nos
participantes.
Certamente,
reconhecemos que nunca alcançaremos um amor perfeito por Deus, à altura do amor
que ele tem por nós, seus filhos. Se, como a Pedro, ele nos perguntasse:
"Amas-me mais do que estes?" (Jo.21:15), estaríamos prontos a
responder-lhe: "Sim, Senhor, tu sabes que te amo", mesmo sabendo que
o vocábulo da pergunta de Jesus seja agapas ( amor sacrificial decidido), em
contraste com a resposta philos (amor de amizade e afeição). Amamos, mas não
podemos confiar muito em nosso amor, nem nos orgulhar por declarações petrinas.
Há o risco de uma lealdade falha.
O CULTO NO VELHO
TESTAMENTO
A lei judaica
determinava que os israelitas servissem a Deus na vida de cada dia, observando
os preceitos e as instruções; ou então, mediante o culto celebrado em lugar
sagrado e em hora regulamentada. Esta segunda forma, na BÍblia e em muitos
idiomas, é denominada "serviço divino". Não apenas uma instituição
humana, mas antes uma expressão institucional do relacionamento recíproco entre
Deus e o homem. Tanto do lado de Deus como do homem opera-se um agir e um
falar. O lugar especial e o tempo certo separam o culto do dia a dia, bem como
a presença do sacerdote como intermediário.
O serviço divino
assim concebido foi introduzido como fruto maduro da teofania sinaítica; ao pé
do monte sagrado, o grupo, transfuga do Egito e em caminho pelo deserto,
experimentava pela primeira vez a sacralidade de um lugar a par com a palavra
de Javé precedente da aparição de Deus, funcionando Moisés como medianeiro
(Êx.19).
O CULTO PRÉ-MOSAICO
O culto é patrimônio
comum do gênero humano. Em Gênesis 1
a 11 encontramos por duas vezes uma ação litúrgica: os
sacrifícios de Caim e Abel, e a oferta de Noé depois do dilúvio. Conclui-se daí
com direito ser o culto fenômeno essencialmente humano de acordo também com as
pesquisas da História das Religiões. Os sacrifícios descritos em Gênesis 1 a 11 representam dois tipos
diferentes quanto à sua motivação. Caim e Abel ofereceram as primícias da
lavoura e do rebanho, em ação de graças e para impetrar a bênção para o futuro.
Já o sacrifício de Noé teve como fundo a salvação de perigo mortal. Os
sobreviventes recomeçam sua vida olhando para o Salvador a quem pertence a vida
recém doada. Ambos os motivos conservam seu valor até os tempos atuais.
Honra-se ainda tanto o Deus benfeitor como o Deus redentor, no ritmo das
solenidades anuais , a par com as ações cultuais motivados por ocasiões
peculiares.
Os patriarcas
celebraram o seu culto no seio da família nômade, em lugares improvisados, no
alto de um monte, debaixo de uma árvore frondosa, junto a fonte de água. Alude-se
apenas a um santuário a ser fundado futuramente (Gn.28), marcando então a
transição para outra forma de vida.
Na inexistência de
tempos sagrados festejavam-se certas ocasiões importantes, como a mudança das
pastagens (antecipações da páscoa), o nascimento de filhos, imposição do nome à
criança. O pai funcionava como intermediário, ele ou a mãe recebiam as palavras
orientadoras e promissoras de Deus; o pai administrava a bênção. O sacrifício é
motivado por objetivo fortuito, não por instituição regulamentada. A prece,
igualmente, nasce da situação concreta (Gn.12:15,32).
O CULTO E O TEMPO - O
SÁBADO E AS FESTAS
A adoração, quando
expressa em ritual, exige tempo. Sob o antigo pacto, Deus fez provisão para
períodos de tempo diários, semanais, anuais e mesmo de gerações, para o
cumprimento da obrigação de culto em Israel. O sacrifício diário, o descanso do
sábado ou do sétimo dia, os primeiros dias do mês e as cinco festas anuais do
período pré-exílico foram divinamente determinados. "Tempos designados"
(Num. 29:39) eram considerados centrais na expressão da adoração a Deus em
Israel, porque eventos passados, nos quais Deus agira, nunca deveriam ser
esquecidos.
O sábado, dia semanal
de descanso e adoração é um exemplo fundamental do tempo consagrado a Deus.
Embora alguém tenha se referido ao sábado como uma criação singular do gênio
religioso hebraico e uma das contribuições hebraicas mais valiosas à
civilização da humanidade, a Bíblia simplesmente atribui a santidade do sétimo
dia à lei de Deus. Ele foi fundamentado no descanso de Deus após a criação
(Gn.1:1-2,3). O quarto mandamento impõe rigidamente a sua observância. Ele foi
tanto abençoado como santificado por Deus (Ex.20:11). Sendo uma parte integral
do pacto, Israel aceitou a observância do sábado como um sinal exigido de
submissão nacional a Deus (Ex.31:13). Em resumo, esta festa semanal foi
instituída para lembrar ao homem a sua responsabilidade de adorar a Deus em
tempos e lugares determinados, bem como para proporcionar ao corpo físico o
descanso necessário.
Apesar da cessação de
toda obra, os sacerdotes continuavam o seu serviço (Lv.24:8); a circuncisão era
executada; o sábado, embora sendo apenas uma observância semanal, foi incluído
nas "festas fixas do Senhor" (Lv.23:1-3), "uma convocação santa",
não devendo ser profanada. Quer visitando um profeta, quer participando da
adoração no templo, os hebreus encarregados de tal serviço o consideravam
coincidente com a santidade do sábado. Isaías desafiou os seus leitores a se
desviarem dos seus próprios prazeres e "se deleitarem no Senhor"
(58:13). Muitos outros textos poderiam ser citados para mostrar qual
significado o dia deveria ter para os israelitas (Sal.92).
Durante e após o
exílio, a proeminência do sábado aumentou. O surgimento da sinagoga aumentou
ainda mais a centralidade da adoração no sábado (Lc.4:16).
Por ocasião das
festas anuais, em Israel e em muitas outras religiões, as famílias visitavam o
templo. Os vários elencos das festas, com ligeiras modificações, são os
seguintes : Êx.23:14-19, 34:18-26. Originariamente festas cananéias, os
israelitas as assumiram depois da sua imigração para Canaã. De acordo com o
ritmo anual celebravam-se as bênçãos divinas da sementeira e da colheita.
Somente a festa da Páscoa regride até a época do nomadismo, refletindo as
mudanças periódicas das pastagens, embora recebendo novo conteúdo no tempo da
saída do Egito (Êx.12).
As festas agrícolas
de Canaã receberam uma dose de historicidade em combinação com os eventos
ocorridos entre Javé e o povo. E foi esta re-interpretação que preservou as
solenidades de sua total paganização, posto que também em Israel permanecessem
ligadas à lavoura. O caso mais eloqüente de um historicização é a festa da
Páscoa que se transformou em memória das origens de Israel.
A páscoa lembra ainda
outra evolução significativa do culto divino em Israel. Na sua qualidade de
festa pastoril, ela foi celebrada na intimidade da família; crescendo, porém, a
importância do templo em Jerusalém, todos os festejos foram transferidos para
lá, entre eles também a páscoa. Destruído o templo, ou talvez já um pouco
antes, a celebração desta festa voltou para a família. Vê-se daí que as festas
não dependiam exclusivamente do santuário.
Outra faceta da
evolução era a coincidência direta com o objetivo agrícola, como, por exemplo,
a vindima. Tempos depois, sua data passou a depender de calendário fixo e nem
sempre simultâneo com o seu objetivo.
LUGAR SAGRADO - O
TEMPLO
Na adoração do antigo
Israel, o espaço sagrado era comparável em importância, aos tempos divinamente
designados. Deus escolheu locais especiais para se revelar no decorrer da
história vétero-testamentária. Especialmente após o êxodo e a instituição da
lei, o levantamento do tabernáculo significava localizar a glória de Deus no
Lugar Santo. Deus proibiu Israel de erigir altares sacrificiais em qualquer
lugar onde seu nome residisse (Dt.12:5) Nos recessos inacessíveis do Santo dos
Santos, aquele aposento santo, respeitável primeiramente no tabernáculo e
depois no templo onde Deus "residia", ficavam o propiciatório e a
arca que continha as tábuas da sua lei. Ali, o sangue da expiação pelos pecados
da nação era aspergido, no mais solene rito anual de adoração (Lv.16). A
adoração é o protocolo pelo qual se pode entrar na presença divina.
O Santo dos Santos
representa o monte Sinai, onde Deus se encontrou com Moisés, dando-lhe sua
palavra e mostrando-lhe a sua glória. Assim, o tabernáculo e , posteriormente,
o templo se tornaram extensões históricas daquele encontro, o modelo de
adoração para o povo eleito. O templo era o único local de sacrifícios,
consagrações e entrega de dízimos agradável a Deus. Jesus mostrou grande
respeito pelo templo, purificando-o para realçar sua santidade. Contudo, apesar
da identificação do templo com a "casa do Pai", assim mesmo ele foi
destinado à destruição. Jesus declarou que um templo "não feito por
mãos" estava destinado a tomar o lugar da temível grandiosidade da
arquitetura herodiana (Mc.14:58). O término do templo ocorreria na associação
da sua morte com a invasão romana. A ressurreição do corpo de Jesus, então ,
criaria um templo de uma ordem distinta para o substituir, um conceito
compreensível aos discípulos depois da ressurreição apenas com a ajuda do
Espírito Santo.
O caráter sagrado do
templo não era absoluto, isto é, não se impunha a separação do ambiente
considerado "profano", fora do lugar santo; ele era entes funcional,
na sua qualidade de fonte de bênçãos para o país, retribuindo o país estas
bênçãos em forma de ofertas para o culto do templo. A santidade do templo teve
a sua concretização quando os habitantes do país a ele se dirigiram, retornando
às suas casas repletos do que lá haviam recebido. Este vaivém das casas para o
templo e do templo para as casas perfaz um elemento essencial do culto e da sacralidade.
Nas procissões e nas peregrinações, igualmente, revelava-se a consciência da
santidade funcional da casa de Deus. Já no templo concebido por Ezequiel, o
caráter sacral é diferente: a glória de Javé abandonara a sua habitação no meio
do povo, juntamente com a ameaça do juízo definitivo e voltaria somente para
residir num templo restaurado e com os ministérios purificados.
O SACRIFÍCIO
Considerando que o
homem é pecador, ele precisa de um sacrifício propiciatório para remover
qualquer ofensa que o separe de Deus, de modo que possa ter comunhão com seu
Criador. Como "Moisés... se interpôs, impedindo que sua cólera os
destruísse" (Sal.106:23); assim o sacerdote e o pecador sob a égide do
Antigo Pacto se uniam para oferecerem a Deus uma vítima sacrificial em
propiciação. Seguindo as ordens divinas, os pecadores gozavam da bênção de
pecados cobertos (Sal.32:1) ou apagados (Is.43:25). Há, contudo, uma verdade
básica a ser lembrada. "Deus não é influenciado por meio de sacrifício
sacerdotal... É realmente o próprio Deus quem realiza o ato de perdão e
expiação, mas o culto sacerdotal é designado como resposta ao seu ato e como
testemunho da purificação do pecador.
Quatro tipos
distintos de sacrifício eram prescritos:
1 - A oferta
queimada, significando literalmente "aquilo que ascende"
(Lv.1:6,8-13). Ela produzia um "sabor de satisfação" de modo que do
altar, no tribunal da casa de Deus, um fogo perpétuo e o sacrifício pudessem,
duas vezes por dia, "simbolizar a resposta do homem à promessa de Deus.
Apenas o melhor animal, um macho sem mácula, podia ser oferecido, o que sugere
a máxima devoção. A imposição de mãos retratava a identificação completa.
2 - A oferta de
manjares era literalmente chamada uma "dádiva". Oferecida junto com a
oferta queimada e a oferta pacífica, ela exigia "o sal da aliança do teu
Deus" (2:13). A "porção memorial", queimada com incenso ao
Senhor, tinha como objetivo trazer a aliança à lembrança de Deus. O simbolismo
sugeria que Deus era o convidado de honra.
3 - A oferta pacífica
(Lv.3:7,11-14). Seguindo um ritual preparatório idêntico àquele de quem
apresentou a oferta queimada, o ofertante comia o sacrifício com alegria diante
do Senhor. Não era permitido que a festa resultante durasse mais que um dia,
para garantir que um número de amigos fosse incluído. Ela expressava a
plenitude e o bem-estar denotados pela paz de Deus, compartilhada com
sacerdotes e amigos.
4 - As ofertas pelo
pecado e pela culpa (Lv.4:1-6,7). Distintas das três festas anteriores que eram
voluntárias, estas eram exigidas quando um pecador quebrava a lei de Deus e
tinha o seu relacionamento interrompido com o Criador. Nem a congregação nem o
Sumo sacerdote estavam sem pecado; conseqüentemente, eles precisavam de sangue
para ser aspergido diante do véu e aplicado aos dois altares. Uma vez por ano o
sangue expiatório tinha de ser levado para dentro do véu. Os objetivos desse
sacrifício eram a restauração da comunhão e o acesso à presença de Deus.
O CULTO CRISTÃO NA
IGREJA PRIMITIVA
O que sabemos do
culto cristão nos dá uma idéia do modo como aqueles cristãos do primeiro século
percebiam e experimentavam sua fé. Com efeito, quando estudamos o modo como a
igreja antiga adorava, nós nos apercebemos do impacto que sua fé deve ter tido
para as massas depojadas que constituíam a maioria dos fiéis.
Desde o princípio, a
igreja cristã costumava se reunir no primeiro dia da semana para "partir o
pão". A razão pela qual o culto tinha lugar no primeiro dia da semana era
que nesse dia se comemorava a ressurreição do Senhor. Logo, o propósito
principal do culto não era chamar os fiéis à penitência, nem fazê-los sentir o
peso de seus pecados, mas celebrar a ressurreição do Senhor e as promessas das
quais essa ressurreição era a garantia. ~E por isso que o livro de Atos
descreve aqueles cultos dizendo que " partindo o pão nas casas comiam
juntos com alegria, e singeleza de coração" (Atos 2:46) . A atenção
naqueles cultos de comunhão não se centralizava tanto nos acontecimentos de
Sexta-feira santa como nos do domingo de ressurreição. Uma nova realidade havia
amanhecido, e os cristãos reuniam-se para celebrá-la e fazerem-se participantes
dela.
A partir de então e
através de quase toda a história da igreja, a comunhão tem sido o centro do
culto cristão. E somente em época relativamente recente que algumas igrejas
estabeleceram a prática de se reunir para adorar aos domingos sem celebrar a
comunhão.
Além dos indícios que
nos oferece o Novo Testamento e que são de todos conhecidos, sabemos acerca do
modo em que os antigos cristãos celebravam a ceia do Senhor graças a uma série
de documentos que perduraram até nossos dias. Mesmo que não possamos entrar em
detalhes acerca de cada um destes documentos, e das diferenças entre eles,
podemos assinalar algumas das características comuns, que parecem ter formado
parte de todas as celebrações da comunhão.
A primeira delas, a
que já nos aludimos anteriormente, é que a ceia do Senhor era uma celebração. O
tom característico do culto era o gozo e a gratidão, e não a dor ou a
compunção. No princípio, a comunhão era celebrada em meio de uma refeição. Cada
qual trazia o que podia, e depois da comida em comum, celebravam orações sobre
o pão e o vinho. Já em princípios do século segundo, entretanto, e
possivelmente devido, em parte, às perseguições e às calúnias que circulavam
acerca das "festas de amor" dos cristãos, começou a se celebrar a
comunhão sem a refeição em comum. Mas sempre se manteve o espírito de
celebração dos primeiros anos.
Pelo menos a partir
do século segundo, o culto de comunhão constava de duas partes. Na primeira
liam-se e comentavam-se as Escrituras, faziam-se orações e cantavam-se hinos. A
segunda parte do culto começava geralmente com o ósculo da paz. Logo alguém
trazia o pão e o vinho para frente e os apresentava a quem presidia. Em seguida,
o presidente pronunciava uma oração sobre o pão e o vinho, na qual se
recordavam os atos salvíficos de Deus e se invocava a ação do Espírito Santo
sobre o pão e o vinho. Depois se partia o pão, os presentes comungavam, e se
despediam com a benção. Naturalmente, a esses elementos comuns acrescentavam-se
muitos outros em diversos lugares e circunstâncias.
Outra característica
comum do culto nesta época é que só podia participar dele quem tivesse sido
batizado. Os que vinham de outras congregações podiam participar livremente,
sempre e quando estivessem batizados. Em alguns casos, era permitido aos
convertidos que ainda não tinham recebido o batismo assitir à primeira parte do
culto - isto é, as leituras bíblicas, as homilias e as orações - mas tinham que
se retirar antes da celebração da ceia do Senhor propriamente dita.
Outro dos costumes
que aparece desde muito cedo era celebrar a ceia do Senhor nos lugares onde
estavam sepultados os fiéis já falecidos. Esta era a função das catacumbas.
Alguns autores dramatizaram a "igreja das catacumbas", dando a
entender que estas eram lugares secretos em que os cristãos se reuniam para
celebrar seus cultos escondidos das autoridades. Isto é um exagero. Na
realidade as catacumbas eram cemitérios e sua existência era conhecida pelas
autoridades, pois não eram só os cristãos que tinham tais cemitérios
subterrâneos. Mesmo que em algumas ocasiões os cristãos tenham utilizado
algumas das catacumbas para se esconder dos seus perseguidores, a razão pela
qual se reuniam nelas era que ali estavam enterrados os heróis da fé.
OS BATISMOS
Segundo já foi dito
anteriormente, só quem havia sido batizado podia estar presente durante a
comunhão. No livro de Atos, vemos que tão logo alguém se convertia era
batizado. Isto era possível na primitiva comunidade cristão, onde a maioria dos
conversos vinha do judaísmo, e tinha, portanto, certo preparo para compreender
o alcance do Evangelho. Mas conforme a igreja foi incluindo mais gentios
tornou-se cada vez mais necessário um período de preparo e de prova antes da
ministração do batismo. Este período recebe o nome de "catecumenato",
e no princípio do século terceiro durava uns três anos. Durante este tempo, o
catecúmeno recebia instrução acerca da doutrina cristã, e tratava de dar mostras
em sua vida diária da firmeza de sua fé. Por fim, pouco tempo antes do seu
batismo, era examinado - às vezes em companhia de sues padrinhos - e eram
admitidos na classe dos que estavam prontos para serem batizados.
Em geral, o batismo
era ministrado uma vez ao ano, no domingo da ressurreição, ainda que logo e por
diversas razões se começou a ser ministrado em outras ocasiões.
A PRÁTICA DA ADORAÇÃO
Deus mandou que seu
povo, sob a Antiga Aliança, cumprisse ao pé da letra todas as suas instruções a
respeito da adoração. Ele advertiu Moisés sobre a construção do Tabernáculo.
Tinha de ser " segundo a tudo o que eu te mostrar para modelo de todos os
seus móveis, assim mesmo o fareis" (Êx.25:9). Os detalhes que Deus
comunicou ao chefe da nação foram dados para que o povo não se desviasse em
nenhum ponto da vontade estipulada por Deus. O temor de Deus arraigado no
coração do piedoso israelita, não permitia que ele desobedecesse
conscientemente qualquer regrinha que regulamentava o ritual dos cultos
(Dt.6:1,2). Foi Deus quem planejou a participação dos sacerdotes e levitas no
culto que Ele mandou que oferecessem (Nm. 8:1 I Cr. 9:33 23:5 II Cr. 29:25,
etc.) .
Após a leitura do
Antigo Testamento, estranhamos o fato de não descobrirmos no Novo Testamento
regras explícitas para nos informar que tipo de culto Deus quer. Numerosas
pesquisas, feitas com o intuito de descobrir as diretrizes que devem reger a
forma de adoração realmente neo-testamentária, criam pouca convicção além
daquela formada na cabeça do estudioso. Ele descobre, geralmente, o que
procura. Tudo isto poderia levar-nos a desvalorizar a prática nos cultos da
igreja primitiva. Mesmo assim, cremos que é válido examinar as indicações sobre
as formas de adoração nos escritos dos apóstolos.
Após o derramamento
do Espírito Santo no dia de Pentecoste, a igreja de Jerusalém "
perseverava na doutrina dos apóstolos e na comunhão, no partir do pão e nas
orações" (At.2:42). Este verso nos traz um breve esboço dos componentes do
culto primitivo. As práticas sob a tutela dos apóstolos fornecem-nos um
fundamento geral, mas seguro. Adoração, para manter o padrão apostólico, deve
se aprimorar no ensino, comunhão, celebração da ceia e oração.
A DOUTRINA DOS
APÓSTOLOS
Adoração e doutrina
apóiam-se mutuamente, porque um culto oferecido na ignorância evapora (Jo.4:22
At.17:23), carece de substância e de verdade. Doutrina não significa apenas
granjear informação. Não foi uma aula bíblica acadêmica que os apóstolos
ministraram , mas ensinamentos junto com apelos aos discípulos para que acatassem
as diretrizes do Senhor. Quando igrejas do século XX dão uma ênfase exagerada à
transmissão da informação e não à sua expressão, elas promovem depressão
espiritual.
Jesus convocou os
seus discípulos a "discipularem todas as nações" (Mt. 28:19). O
primeiro passo foi o batismo que representava um compromisso público, total,
com Deus Pai , Deus Filho e Deus Espírito. Em seguida, Jesus ordenou aos
apóstolos que ensinassem aos futuros discípulos da segunda geração a "
guardar todas as coisas" que Ele ensinara a seus seguidores. Esses ensinos
foram exemplos práticos em torno de uma nova compreensão do relacionamento com
Deus.
Dentro do culto
primitivo, os novos discípulos recebiam a orientação sobre a vida consagrada,
que glorifica a Deus (I Pd.1:16). Quando os assistentes novatos no culto da
igreja de Jerusalém ou Antioquia ouviam pela primeira vez: " vinde a mim
todos os que estais cansados e sobrecarregados, e eu vos aliviarei. Tomai sobre
vós o meu jugo, e aprendei de mim porque sou manso e humilde de coração; e
achareis descanso para as vossas almas" (Mat.11:28), certamente sentiram o
impulso do Espírito para renovarem sua confiança em Jesus, e queriam entender
num sentido prático o que significaria levar o "jugo suave" do
Senhor.
A adoração, na
prática, deve dar lugar central à palavra de Deus porque ele assim ordena.
"Pregue a Palavra" (II Tm.4:2) representa a preocupação de Paulo com
a igreja de Éfeso. Um homem que almeja o pastorado precisa ter uma qualidade
que lhe recomende a conduzir os cristãos num culto verdadeiro. Ele deve ser
apto para ensinar. Ensino requer entendimento, explicação, relacionamento entre
o ouvinte e o Pai.
COMUNHÃO - A CEIA DO
SENHOR
Junto com o serviço
da palavra, a primeira igreja da história perseverava na comunhão (At.2:42). Lucas
explica algo mais a respeito desta comunhão nos versos subseqüentes. Os crentes
ficavam juntos indica que estavam juntos como família de Deus, isto é,
regularmente, e tinham tudo em comum. Marshall sugere que "não seria
surpreendente... que pelo menos um outro grupo contemporâneo judaico, a seita
de Cunrã, adotasse este modo de vida."
A adoração genuína
conduz-nos à lembrança de que não somos de nós mesmos. Fomos comprados por
preço infinitamente alto. Conseqüentemente, somos escravos de Deus e dos membros
do Seu Corpo. Ações de graça pelo sacrifício do Filho de Deus incitam os filhos
beneficiados a indagar como se desincumbir da obrigação imposta. Que presente
digno devemos trazer para o altar cristão?
O pano de fundo da
eucaristia cristã descobre-se na refeição da Páscoa. Esta celebração consistia
de duas partes: primeira, "enquanto comiam", e segunda, "depois
de cear" (I Cor.11:24). O que Jesus insistiu originalmente era repetido
como duas partes de uma refeição maior - ágape ou " festa de amor",
com a intenção de beneficiar os cristão mais carentes da igreja. Esta refeição,
que substituiu a Páscoa dos judeus, era tomada diária ou semanalmente.
Percebe-se pela leitura de I Cor. 11:17-22, que esta refeição era a " Ceia
do Senhor", que reunia todos os membros da família de Deus. além de
relembrar a morte de Jesus e a inauguração da Nova aliança, a Ceia confirmava,
de maneira inconfundível, que todos os participantes tinham uma vida em comum.
Ricos e pobres, livres e escravos, todos se comprometiam diante de Deus a ter e
manter uma responsabilidade mútua, uns pêlos outros.
O caráter dessa
refeição não se evidencia somente numa dramatização do sacrifício único do
Filho de Deus pêlos nossos pecados, mas era também uma demonstração da adoração
que tem implicações horizontais. Daí, o veemente protesto de Paulo, em Corinto,
diante da negação na prática da comunhão que a ceia devia demonstrar. "...
não é a ceia do Senhor que comeis. Porque ao comerdes, cada um toma
antecipadamente a sua própria ceia" (I Cor. 11:20). Agindo assim,
profanavam o Corpo de Cristo formado pela morte e ressurreição. Comiam e bebiam
juízo para si.
Os cristãos que comem
juntos no culto são integrados num corpo comparável ao corpo humano. Uma vida
ou personalidade ocupa a unidade física humana, de tal forma que nenhuma parte
pode se desligar sem prejuízo para as outras, nem podem desprezar uma à outra,
nem devem ter inveja.
AS ORAÇÕES
Um dos elementos que
têm destaque no culto da igreja primitiva é a oração. O judeu do primeiro
século dificilmente podia imaginar um culto sem orações, pelo menos na
sinagoga. Conseqüentemente, era natural que os primeiros cristãos continuassem
essa prática, ainda que com algumas modificações. A importância básica das
orações é notada no nome "lugar de oração" (At.16:13). Em Filipos,
uma colônia romana, não havia os dez homens necessários para formar uma
sinagoga, mas havia um lugar de orações, onde mulheres se reuniam. Paulo e
Silas não sentiram nenhum embaraço ao participarem desse primeiro culto
"ecumênico", transformando o que antes era especificamente judaico em
culto cristão. Daquele local foi feito um palco para anunciar o evangelho.
Jesus ensinou que a
oração deve ser particular (Mat.6:6) e pessoal. Ele pouco falou sobre oração em
comunhão com outros irmãos , com exceção da famosa afirmativa: "Se dois
dentre vós, sobre a terra, concordarem a respeito de qualquer coisa que
porventura pedirem, ser-lhes-á concedida por meu Pai que está nos
céus"(Mat.18:19), relacionada com o contexto de disciplina na igreja. Sua
própria prática foi de orar sozinho, num monte ou lugar afastado (Lc.6:12).
Ainda que pensando
num sentido mais geral, a oração se distingue da adoração pela preocupação do
suplicante com suas necessidades, enquanto a adoração conceitua a alma sobre
seu Deus. Um comentário puritano sobre o Salmo 107 dizia: "A miséria
instrui maravilhosamente a pessoa na arte de orar".
Mas as orações
bíblicas valorizam a comunhão com Deus. Como aparelhos complicados, projetados
para uma função particular, deixamos de alcançar o objetivo de nossa existência
fora da comunhão que a oração cria. Egoísmo, soberba e murmuração aniquilam a
comunhão. Somos, então como quem tenta martelar um prego com sabonete. Orar de
verdade quer dizer abandonar a rebelião e aceitar a reconciliação. Jesus quis
ensinar, acerca da oração, a verdade incomparavelmente preciosa de que Deus
deseja nossa comunhão. Ele nos ama mais do que um pai humano é capaz
(Lc.11:11-13). Ele deseja ouvir as nossas necessidades e supri-las
(Mat.7:7-11). Amar a Deus acima de todo objeto por ele criado só pode
significar que ele quer ser conhecido e desejado pelas suas criaturas. Por
isso, as orações dos santos são qualificadas como o incenso que enche os vasos
de ouro nas mãos dos 24 anciãos que rodeiam o trono do Senhor do universo
(Apc.5:8). O altar de incenso do propiciatório simbolizava o prazer com que
Deus recebia os louvores e petições do seu povo.
O CÂNTICO NO NOVO
TESTAMENTO
Surpreendentemente
encontramos poucas referências ao cântico no Novo Testamento. Os evangelistas
relatam que Jesus cantou um hino (Mat.26:30 Mac.14:26) após a celebração da
Páscoa. Paulo e Silas "cantavam louvores a Deus" na prisão em
Filipos, na contundente ocasião após seu espancamento e antes do terremoto que
abriu as portas da prisão. Acreditamos que essa música evangelística concorreu
para a conversão do carcereiro (At.16:25). O autor de Hebreus cita Salmo 22:22
: "Cantar-te-ei louvores no meio da congregação" (2:12). Paulo cita o
Salmo 18:49: "... cantarei louvores ao teu nome"(Rm.15:9).
Mas, ainda que
referências à música sejam raras no Novo Testamento, seguramente o soar de
vozes em louvor a Deus teve muito destaque nos cultos dos primórdios da igreja.
"Cânticos espirituais" (Cl.3:16), surgiram, provavelmente, por
inspiração imediata do Espírito Santo. W.Lock identifica tais composições como
semelhantes a alguns cânticos preservados no Novo Testamento. No Apocalipse,
várias referências aos cânticos dos adoradores celestiais revelam
características de exultação e júbilo na contemplação da vitória retumbante de
Deus e Seu Filho sobre todas as forças do maligno.
Os "salmos"
(Cl.3:16) provavelmente são os mesmos do Antigo Testamento, amados por nós e
lidos em nossos cultos. Ocasionalmente cantamos porções de alguns salmos. Nas
igrejas que se reuniam nas casas, no primeiro século, o entoar de salmos deve
ter sido comum, "formando parte do culto religiosos e da fraternidade
cristã". Nas sinagogas, os judeus cantavam salmos, como também os essênios
do Mar Morto.
Os "hinos"
também, provavelmente, referem-se aos hinos de louvor a Deus e a Cristo,
compostos espontaneamente por cristãos no momento do culto, ou em outras horas.
McDonald escreve: "É de se esperar a
priori, que um movimento que suscitou tanta emoção, lealdade e entusiasmo,
encontre expressão em cântico". Avivamentos e despertamentos religiosos,
com o passar dos séculos, estimularam o louvor por meio da música; seria
estranho se no primeiro século não houvesse aparecido expressões musicais para
tornar a adoração mais real e agradável.
Estas três palavras,
"salmos, hinos e cânticos"(Cl.3:16), tomadas juntas, descrevem de
modo global o âmbito da adoração expressa pela música e estimulada pelo
Espírito. O termo "espirituais" refere-se a todas as formas de
expressão de louvor contidas nos três termos, ainda que não possamos precisar
as formas exatas da expressão musical.
O CULTO E OS DONS
ESPIRITUAIS
Passando a descrição
do culto em Atos para Romanos e I Coríntios, descobrimos que o exercício dos
dons do Espírito deve ser encarado como uma expressão de culto a Deus. Somente
no caso dos dons serem motivados por amor genuíno pelos irmãos e por Deus é que
podemos encaixá-los no quadro de um culto genuíno, "em Espírito e em
verdade".
Paulo lembra aos
romanos que a oferta de seus corpos a Deus é um ato de adoração espiritual, se,
contudo, esses mesmos corpos estiverem sujeitos ao Cabeça para servir,
profetizar, ensinar, exortar, contribuir, presidir e exercer misericórdia
(Rm.12:1-8). Certamente a lista pode ser estendido para incluir todo e qualquer
ministério. A vida do cristão, se não se isolar da família de Deus, nem se
separar do próprio Senhor, expressará adoração nas reuniões ou nas atividades
do dia a dia.
A significação dos
cultos nos quais a congregação se reunia alcançou relevância particular na
concentração de vozes louvando e ensinando juntas, com corações sedentos,
aprendendo e aplicando a palavra. Era uma ocasião apropriada para o treinamento
dos santos para servirem a Deus dentro e fora das reuniões. Os dons de
apóstolo, profeta, evangelista, pastor e mestre cooperam e fecundam no centro
do culto para encorajar o bom ajustamento, o auxílio de toda junta e a
cooperação de cada parte, o que "efetua o seu próprio aumento para a
edificação de si mesmo em amor"(Ef.4:16).
O CULTO NA IGREJA
COMPARADO AO CULTO JUDAICO
O cristianismo é
bipolar pela sua própria natureza. Esses dois pólos são o conteúdo da fé,
fundamentado na sua mensagem revelada, e a adoração prática, através da qual o
cristão e Deus mantêm comunhão. Ambos os pólos não são fortalecidos
repelindo-se ou ignorando-se, mas são vitalizados por apoio mútuo. A avaliação
de W.Tozer sobre a adoração do cristianismo evangélico como "a jóia
perdida" reflete a dicotomia insalubre entre a verdade proclamada e a
vitalidade da adoração, hoje. Podemos criticar a observação: "Em toda a
parte os cristãos estão perdendo o interesse, passando a simplesmente simular
na igreja", pois milhares de protestante, católicos e cristãos ortodoxos
estão satisfeitos em participar de maneiras vazias, porém rígidas, com apenas
uma vaga percepção do conceito bíblico de adoração em Espírito e em verdade.
De um modo geral, os
cristãos não estão conscientes de que sua adoração reflete a teologia prática
da comunidade onde estão inseridos. O cunho puritano no dito "a finalidade
principal do homem é glorificar a Deus e gozá-lo para sempre" é
inequívoco. Os puritanos focalizaram o significado da existência inteira do
homem em glorificar a Deus e deleitar-se em sua comunhão, porque este era o
único resultado prático de suas crenças. A adoração centralizada no homem tende
a negar a realidade do coração que confessamos. De um lado, a lei ameaça
deslocar a graça como o motivo fundamental para se adorar a Deus. Tanto o
hábito quanto a busca da paz espiritual devem ser suspeitos quando procuramos
uma base lógica e bíblica para a adorar a Deus. Em resumo, a liturgia é
teologia representada, a resposta humana a Deus e ao seu favor. As formas
persistem enquanto o conteúdo evapora ou muda o seu centro de Deus para o
homem. Assim, o liberalismo nega realidade de um Deus que está presente.
Fazendo assim, não pode evitar de transmutar as verdades religiosas em mitos. O
resultado é visto em toda parte na secularização do "pós-cristão que
atingiu a maioridade". A teologia da libertação procura contextualizar a
adoração num programa de ação sócio-político. Assim, o despertamento da
consciência torna-se identificável com a percepção de Deus no processo da
história.
Os evangélicos têm
tendência de separar a centralidade do senhorio de Cristo, biblicamente
fundamentada, do viver cotidiano, de modo que a adoração se torna, com efeito,
compartimentada em cápsulas de uma hora de duração, não sendo levado em
consideração quão importante pode ser o ato de se "invocar o nome do
Senhor juntos". Mas o Novo Testamento projeta uma visão de adoração que
invade toda a vida com a presença e a glória de Deus. O objetivo desse estudo é
mostrar, através de um exame dos conceitos de tempo, templo, sacrifício e
sacerdócio, como o Novo Testamento refundiu as formas vétero-testamentárias da
adoração sem anular a importância da reunião da igreja.
CONCLUSÃO
A Bíblia apresenta a
questão do culto de Gênesis a Apocalipse. Das ofertas de Caim e Abel até a
adoração dos seres celestiais. No transcorrer da história bíblica, Deus vem
ensinando o seu povo a cultuá-lo. No Velho Testamento, as formas exteriores do
culto eram as mais enfatizadas. Percebemos que elas tinham um objetivo didático
a fim de trazer à percepção humana realidades espirituais. No Novo Testamento,
a utilização de tais recursos fica reduzida a um número bem pequeno. Na Nova
Aliança, o culto é, antes de tudo, uma forma de vida. Seja o comer, o beber, o
falar, tudo deve ser feito para a glória de Deus. Não obstante, as reuniões da
igreja, que chamamos de cultos, têm grande importância nesse contexto. Elas
constituem o culto coletivo, oportunidade de comunhão e ensino. Sua ênfase é
espiritual e não tanto ritual. Assim sendo, dependemos do Espírito Santo para
realizarmos um culto aceitável diante de Deus. Em outras palavras, o culto
verdadeiro é aquele cuja essência provém do próprio Deus e a ele retorna.
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