FACULDADE DE TEOLOGIA
TESTEMUNHASHOJE
CURSO LIVRE
ARQUEOLOGIA BÍBLICA
CONCEITO
GERAL DE ARQUEOLOGIA BÍBLICA
Introdução
Do
mundo civilizado no antigo Oriente, exceto a Bíblia, não ficou conservado
nenhum monumento literário. A queda dos antigos impérios da Babilônia, Assíria,
Egito e Pérsia, levou ao desaparecimento dos velhos povos orientais, excluindo
os judeus.
Durante
quase dois mil anos, eram os livros bíblicos e as obras dos escritores
greco-romanos, a única fonte de informação sobre o lendário mundo oriental
antigo. Somente as pesquisas arqueológicas dos últimos cem anos chegaram a
escavar as soterradas ruínas das antigas regiões civilizadas perto do Eufrates,
Tigre e Nilo, e a despertar para a vida as silhuetas de uma época culta de
aproximadamente quatro mil anos. A pá dos investigadores descobriu para nós não
só cidades e palácios antigos, como também a vida espiritual daqueles povos,
onde ficava o berço da nossa cultura contemporânea; as suas criações literárias
e artísticas e a sua concepção religiosa do mundo. Graças a isso, a imagem que
temos hoje da vida do antigo Oriente é inteiramente outra, e o nosso horizonte
histórico ampliou-se grandemente, no tempo e no espaço.
As
relações econômicas, políticas e espirituais entre Israel e os povos
circunvizinhos já se percebem muitas vezes na literatura bíblica, onde
encontramos freqüentemente os nomes da Babilônia, Assíria, Pérsia e outros. Mas
os materiais arqueológicos, recentemente descobertos, habilitam-nos a apurar
com mais precisão a natureza dessas relações, e demonstram-nos as influências
dos grandes centros civilizados da Ásia Menor e do Egito sobre a cultura
material e espiritual da Síria e da Palestina. Outrossim, oferecem-nos os
materiais arqueológicos a possibilidade de aquilatar mais ou menos
objetivamente a originalidade e o caráter exclusivo do desenvolvimento
espiritual e social-político de Israel.
É
preciso, no entanto, ter em mente que o nosso material está longe ainda de ser
completo, e que apenas dispomos de fragmentos do patrimônio cultural
relativamente rico do mundo antigo. Isto, aliás, também se aplica a Israel,
onde a Bíblia freqüentemente só fornece notícias isoladas e por vezes apenas
alusões sobre acontecimentos e fenômenos de real importância na vida judaica.
De
um modo geral podemos, entretanto, afirmar, baseados nos materiais existentes,
que: no que diz respeito a civilização material, eram os israelitas, na sua
maior parte, discípulos dos seus mais velhos e adiantados vizinhos; na vida
espiritual, porém, revelaram excepcional independência e uma originalidade
criadora.
1 - EVIDÊNCIAS CONCRETAS DAS ESCRITURAS
Muitas
pessoas após ter lido ou ouvido falar nas Escrituras Bíblicas, já questionaram
e questionam a veracidade dos acontecimentos. A arqueologia bíblica, um
precioso estudo que vem sendo explorado há poucos séculos, tem dado fim a estes
questionamentos que os cépticos opõem aos fatos históricos dos livros bíblicos.
Você, leitor, encontrará nesta página muitos estudos arqueológicos, os quais
provam a autenticidade histórica dos livros da Bíblia.
1.1.
E a Bíblia tinha razão
O
fato de um homem que não é teólogo escrever um livro sobre a Bíblia é bastante
incomum para que se espere dele um esclarecimento sobre a razão por que se
dedicou a essa matéria.
As
inscrições cuneiformes encontradas em Mari, no médio Eufrates, continham nomes
bíblicos que situaram subitamente num período histórico as narrativas sobre os
patriarcas, até então tomadas por simples “histórias piedosas”. Em Ugarit, na
costa do Mediterrâneo, foram descobertos pela primeira vez os testemunhos do
culto cananeu de Baal. O acaso quis ainda que no mesmo ano se encontrasse numa
caverna, próximo ao mar Morto, um rolo do livro do profeta Isaías (Manuscritos
do Mar Morto), considerado de data anterior a Cristo. Essas notícias
sensacionais – permita-se-me o uso desta expressão em vista da importância
desses achados para a cultura.
1.1.1.
A Arqueologia Bíblica
A
porta para o mundo histórico do Antigo Testamento foi aberta já em 1843 pelo
francês Paul-Émile Botta. Em escavações efetuadas em Khursabad, na Mesopotâmia,
ele se encontrou inesperadamente diante das imagens em relevo de Sargão II, o
rei assírio que despovoou Israel e conduziu seu povo em longas colunas. Os
relatos das campanhas desse soberano relacionamse com a conquista de Samaria,
igualmente descrita na Bíblia.
Há
cerca de um século, estudiosos americanos, ingleses, franceses e alemães vêm
fazendo escavações no Oriente Próximo, na Mesopotâmia, na Palestina e no Egito.
As grandes nações fundaram institutos e escolas especializadas nesses trabalhos
de pesquisa. Em 1869, foi criado o Palestine-Exploration Fund; em 1892, a École
Biblique dos dominicanos de Saint-Étienne; seguindo-se, em 1898, a Deutsche
Orientgesellschaft; em 1900, a American School of Oriental Research; e em 1901,
o Deutscher Evangelischer Institut fur Altertumskunde.
Na
Palestina, são descobertos lugares e cidades muitas vezes mencionados na
Bíblia. Apresentam-se exatamente como a Bíblia os descreve e no lugar exato em
que ela os situa. Em inscrições e monumentos arquitetônicos primitivos, os
pesquisadores encontram cada vez mais personagens do Velho Testamento e do Novo
Testamento. Relevos contemporâneos mostram imagens de povos de que só tínhamos
conhecimento de nome. Seus traços fisionômicos, seus trajes, suas armas
adquirem forma para a posteridade. Esculturas e imagens gigantescas mostram os
hititas de grosso nariz, os altos e esbeltos filisteus, os elegantes príncipes
cananeus, com seus “carros de ferro”, tão temidos por Israel, os pacíficos e
sorridentes reis de Mari contemporâneos de Abraão. Através dos milênios, os
reis assírios não perderam nada de seu semblante altivo e feroz: Teglath
Phalasar III, famoso no Velho Testamento com o nome de Ful Senaquerib, que
destruiu Lakish e sitiou Jerusalém, Asaradão, que mandou pôr a ferros o Rei
Manassés, e Assurbanipal, o “grande e famoso Asnafar” do livro de Esdras.
Como
fizeram com Nínive e Nemrod -a antiga Cale -, como fizeram com Assur e Tebas,
que os profetas chamavam No-Amon, os pesquisadores despertaram do sono do
passado a famosa Babel da Bíblia, com sua torre fabulosa. Os arqueólogos
encontraram no delta do Nilo as cidades de Pitom e Ramsés, onde Israel sofreu
odiosa escravidão, descobriram as camadas de fogo e destruição que acompanharam
a marcha dos filhos de Israel na conquista de Canaã, e em Gabaon a fortaleza de
Saul, sobre cujos muros o jovem Davi cantou para ele ao som da harpa; em Megido
descobriram uma cavalariça gigantesca do Rei Salomão, que tinha doze mil soldados
a cavalo.
Do
mundo do Novo Testamento ressurgiam as magníficas construções do Rei Herodes;
no coração da antiga Jerusalém foi descoberta a plataforma (litostrotos),
citada por João, o Evangelista, onde Jesus esteve diante de Pilatos; os
assiriólogos decifraram em tábuas astronômicas da Babilônia os precisos dados
de observação da estrela de Belém.
1.1.2.
Os Resultados
Assombrosos
e incalculáveis por sua profusão, esses dados e descobertas modificaram a
maneira de considerar a Bíblia. Episódios que até agora
muitos
consideravam simples “histórias piedosas” adquirem de repente estatura
histórica. Por vezes, os resultados da pesquisa coincidem com as narrativas
bíblicas nos mínimos detalhes. Eles não só “confirmam”, mas esclarecem
igualmente os acontecimentos históricos que originaram o Velho Testamento e os
Evangelhos. As experiências e o destino do povo de Israel são assim
apresentados, não só num cenário vivo e variegado, como num colorido painel da
vida diária, mas também nas circunstâncias e lutas políticas, culturais e
econômicas dos Estados e impérios da Mesopotâmia e do Nilo, das quais nunca
puderam libertar-se inteiramente, durante mais de dois mil anos, os habitantes
de estreita região intermédia da Palestina.
Na
opinião geral, a Bíblia é exclusivamente história sagrada, testemunho de crença
para os cristãos de todo o mundo. Na verdade, ela é ao mesmo tempo um livro de
acontecimentos reais. É bem verdade que, sob esse ponto de vista, ela carece de
integralidade, porque o povo judeu escreveu sua história somente em relação a
Jeová e sob a ótica de seus pecados e sua expiação. Mas esses acontecimentos
são historicamente genuínos e têm se revelado de uma exatidão verdadeiramente
espantosa.
Com
o auxílio dos resultados das explorações, diversas narrativas bíblicas podem
ser agora muito mais bem compreendidas e interpretadas. É verdade que existem
correntes teológicas para as quais o que vale é a palavra e nada mais que a
palavra. “Mas como se poderá compreendê-la”, questiona o Profº. André Parrot, arqueólogo
francês mundialmente famoso, “se não se puder encaixá-la no seu preciso quadro
cronológico, histórico e geográfico?”
Até
agora o conhecimento dessas descobertas extraordinárias era privilégio de um
pequeno círculo de peritos. Ainda há meio século, o Profº. Friedrich Delitzsch
perguntava-se, em Berlim: “Para que tantas fadigas em terras distantes,
inóspitas e perigosas? Para que esse dispendioso revolver de escombros
multimilenários, até atingir as águas subterrâneas, onde não se encontra ouro nem
prata? Para que essa competição das nações no sentido de assegurarem para si o
privilégio de escavar essas áridas colinas?” O sábio alemão Gustav Dalman
deu-lhe, em Jerusalém, a resposta adequada, quando expressou a esperança de
que, um dia, tudo o que as pesquisas “viram e comprovaram seria não só
valorizado em trabalhos científicos, mas também utilizado praticamente na
escola e na igreja”. Isso, porém, ainda não aconteceu.
1.1.3.
A Bíblia
Nenhum
livro da história da humanidade jamais produziu um efeito tão revolucionário,
exerceu uma influência tão decisiva no desenvolvimento de todo o mundo
ocidental e teve uma difusão tão universal como o “Livro dos Livros”, a Bíblia.
Ela está hoje traduzida em mil cento e vinte línguas e dialetos e, após dois
mil anos, ainda não dá qualquer sinal de que haja terminado a sua triunfal
carreira.
1.2.
Os informes históricos de fontes assírias
Os
informes históricos de fontes assírias formam um complemento muito precioso aos
relatos dos livros bíblicos e auxiliam-nos principalmente a controlar e
corrigir a cronologia bíblica. Pela primeira vez, só vamos encontrar o nome de
Israel nos textos assírios, lá pelo século nove antes da era cristã (853), por
ocasião do encontro de Salmanassar III -nas imediações de Carcar, na Síria -com
o exército aliado das potências sírio-palestinenses.
Dos
monumentos assírios, que se relacionam com Israel, o mais importante é o famoso
Obelisco Negro do rei Salmanassar III (859-829). Essa pedra, que mede
uns dois metros de altura, acha-se no Museu Britânico, em Londres. Nela estão
gravados, em três filas, as imagens dos povos vencidos por aquele monarca,
levando tributo para o rei vencedor. A segunda fileira, no alto, representa
israelitas levando tributo (842). Este obelisco é valioso por nos oferecer um
quadro figurativo dos tipos e trajes israelitas, como os via o artista assírio.
Imagens
de judeus da época bíblica também se encontram em outros monumentos assírios.
Existe um baixo-relevo do rei assírio Sanaquerib,o qual foi descoberto
no lugarejo de Quidjique, onde antigamente ficava a cidade de Ninive. Nesse
baixo-relevo, que também se acha em Londres, representa-se a subjugação da
cidade de Lachish em Judá (701 A.C.). No quadro também se vêem judeus
conduzidos para a presença do rei. São também de muita importância os informes
assírios sobre as suas guerras com Israel e a queda de Samária.
Do
mesmo modo foram descobertos documentos relativamente detalhados, a respeito do
sítio de Jerusalém na época de Ezequias, os quais completam os relatos da
Escritura Sagrada. Não menos valiosas são as notícias descobertas nos materiais
assírios sobre a época de Menassé. Por outro lado, ressentem-se as fontes
bíblicas da falta de notícias a respeito das últimas guerras com Judá e a
destruição de Jerusalém. Além dos monumentos que se relacionam diretamente com
Israel e Judá, foram encontrados muitos materiais assírios, babilônicos, e mais
tarde também hamíticos (textos religiosos, obras literárias, etc.), os quais
indiretamente nos ajudam a melhor compreender o desenvolvimento econômico e a
evolução do povo judeu na antiguidade, especialmente a sua conexão íntima com a
cultura dos demais povos daquela época.
Requer-se
naturalmente o maior cuidado quando se fazem deduções baseadas em cotejos
literários. Semelhança de tema, idéias e até de expressão, são freqüentemente o
resultado de análogas situações e semelhantes condições de vida.
Os
influxos babilônicos percebem-se com clareza nos primeiros capítulos de
Gênesis, nas narrativas sobre a criação do mundo e a história primitiva da
humanidade. Neste particular é muito instrutiva a descrição babilônica do
dilúvio, a qual se assemelha à história bíblica, não só em sua idéia central
que, aliás, é difundida pelo mundo inteiro, mas também em alguns detalhes curiosos,
como se verifica, adiante, pelo confronto do texto babilônico com o texto
bíblico.
Na
narrativa babilônica é o próprio personagem do dilúvio, Utnapishtim, quem conta
as suas experiências, ao passo que em Gênesis fala-se de Noé na terceira
pessoa. Há também no fundo consideráveis diferenças. Na narrativa babilônica
faltam principalmente as razões éticas da destruição do mundo, como as
encontramos em Gênesis. Outra variação importante é introduzida pelo monoteísmo
bíblico. Não obstante, ainda assim é bem evidente, como demonstra o confronto
que segue, a dependência do autor de Gênesis da fonte babilônica mais antiga.
Eis os dois textos comparados:
1.3.
Texto Babilônico
“No
monte Nissir parou o navio. O monte Nissir deteve o navio, não o deixando
balançar... Quando repontou o sétimo dia, soltei uma pomba, deixando-a voar. A
pomba saiu e voltou; porque não achou repouso, ela voltou. Soltei uma
andorinha, deixando-a voar. A andorinha saiu e voltou, porque não encontrou
repouso, ela voltou. Soltei um corvo, deixando-o voar. O corvo saiu, viu que a
água cessou... e não voltou mais. Então fui soltando (sempre) por todos os
quatro ventos, e ofereci um sacrifício, ofereci um holocausto no cume do
monte”.
1.4.
Texto Bíblico
“E
foram as águas indo e minguando... e apareceram os cumes dos montes. E
aconteceu que ao cabo de quarenta dias, abriu Noé a janela da arca e soltou um
corvo, que saiu indo e voltando até que as águas se secaram de sobre a terra.
Depois soltou uma pomba, a ver se as águas tinham minguado sobre a face da
terra. A pomba, porém não achou repouso para a planta do seu pé e voltou a ele
para a arca; porque as águas estavam sobre a face de toda a terra... e esperou
ainda outros sete dias, e tornou a enviar a pomba fora do arco, e a pomba
voltou a ele sobre a tarde; e eis arrancada, uma folha de oliveira no seu bico,
e conheceu Noé que as águas tinham minguado sobre a terra. Então esperou ainda
outros sete dias, e enviou a pomba, mas não tornou mais a ele... E então Noé
saiu e sua mulher e seus filhos... e tomou de todo o animal limpo e de toda a
ave limpa e ofereceu holocaustos sobre o altar” Gn 8.5-20.
Nos
outros paralelos babilônicos, a semelhança dá menos na vista, sendo até
provável que, em casos isolados, se trate de analogias casuais. Mas seja como
for, o certo é que tradições e concepções babilônicas eram também conhecidas em
Judá e Israel e que certas idéias e motivos, de uma forma mais ou menos
modificada, foram também incluídos na literatura bíblica.
Monumento
bem importante neste setor é o Código Hamurabi. A pedra em que o
referido código está gravada, foi descoberta nas ruínas da cidade de Suse
(Susan) na Pérsia, no inverno de 1901-1902. O texto do código foi pela primeira
vez publicado, por V. Sheil, em 1902, causando logo uma grande sensação.
Muitos
sábios pretendiam ver nas leis do Pentateuco simples imitação, ou cópia
modificada do Código Hamurabi. A denominada escola “Pan-Babilônica” (H.
Vinkler, A. Jeremias e outros) encontrava nisso especial confirmação de sua
tese: que todos os povos da Ásia Menor -inclusive os judeus -hauriram toda a
sua sabedoria na Babilônia. Mas, hoje em dia, rejeita-se este “babilonismo”
exagerado, do fim do século dezenove e princípios do século vinte. Não há que
negar as semelhanças e conexões, porém, numa pesquisa mais acurada também
aparecem claramente a diferença e a originalidade do desenvolvimento espiritual
em Israel.
Efetivamente,
algumas leis avulsas do Pentateuco assemelham-se, segundo a sua formulação, às
respectivas normas em códigos babilônicos, sendo até provável que o direito
babilônico, e particularmente o Código Hamurabi, estivesse conhecido na
Palestina também. Porém, de um modo geral, quando confrontamos o direito
bíblico com o do Oriente antigo, ressalta mais a diversidade que a semelhança.
O direito babilônico cuida em primeiro plano de proteger a vida e os bens do
cidadão, determinando severos castigos não só por assassínio como também por
roubo e furto. Ao passo que as leis bíblicas visam antes de qualquer coisa a
proteção dos socialmente fracos, e defendem os assalariados, os servos, os
estrangeiros, os órfãos e as viúvas. Enquanto, as outras leis do antigo
Oriente, contêm, por exemplo, disposições para assegurar os direitos do credor,
encontramos no Pentateuco, aos invés disso, uma série de leis que favorecem o
devedor.
O
mesmo se pode afirmar em relação ao direito escravista. Em Deuteronômio
proibe-se expressamente a entrega de um escravo, que fugisse de seu amo, ao
passo que pelo Código Hamurabi aquele que esconde um escravo fugido merece pena
de morte. Ainda em muitos outros detalhes se notam consideráveis diferenças
entre as leis bíblicas e as da Babilônia, diferenças que se explicam
principalmente pelas condições econômicas e político-sociais de Israel.
1.5.
A localização da Palestina
Geograficamente,
a Palestina é situada muito mais próximo do Egito que da Mesopotâmia, e não há
dúvida de que as suas relações econômicas também eram mais intensas com o país
do Nilo do que com as regiões do Tigre e Eufrates. Apesar disso, o que menos se
sente na Bíblia é a influência espiritual do Egito. A antiga terra civilizada
do Nilo, que já possuía atrás de si uma história de três mil anos, quando
Israel ensaiara os primeiros passos, era geralmente mais retraída e revelava
menos ambição para expansão política e espiritual dos que os universais
impérios mesopotâmicos. Não obstante, era o Egito uma potência mundial com
amplos interesses políticos e econômicos no mundo daquela época, e muitas vezes
promovia guerras para conquistar a Palestina, que sempre fora importante ponto
de contacto internacional. Durante os séculos 15-13 A.C., eram os egípcios quem
dominavam a Palestina e, como se verifica pelas tradições bíblicas, tribos
israelitas habitavam então as zonas limítrofes do Egito. Nas fontes egípcias não
se encontrou até o presente nenhuma referência que confirmasse as narrativas da
Bíblia sobre a permanência e êxodo dos judeus daquele país. Contudo, a maioria
dos pesquisadores julga haver fundo de verdade nessas narrativas, e certa prova
disso também vêem no número relativamente grande de nomes e expressões
egípcias, que se encontram nos respectivos capítulos do Pentateuco. Até nomes
judaicos tais como Moisés e Pinhas, são de origem egípcia. O nome “Israel”
acha-se nas fontes egípcias, pela primeira e única vez na denominada Pedra-Mernepta
-monumento triunfal do rei egípcio Mernaptac (pelos 1125-1215 A.C.). Israel
é ali citado juntamente com Asquelon, Guezar e Yenoam. Pelo que parece, Israel
então dominava uma pequena parte da Palestina. Trezentos anos depois o monarca
egípcio Sisaque invadiria Israel e cobraria tributo de Roboão de Judá. Essa
vitória é perpetuada numa gravação em alto-relevo, que se acha na parede norte
do afamado templo de Carnaque.
Historicamente
muito valiosos, são os cadastros urbanos da Palestina e Síria, os quais se
acharam em maior número, entre os materiais egípcios na célebre parede de
Tutmasis (pelos 1550 A.C.).
Dos
textos literários -que no Egito não eram escritos em tábuas de argila senão em
papiro -merecem especial menção os provérbios do sábio Amanemope, cujo
texto achado data de 1000 A.C. Encontra-se ali considerável número de paralelos
aos Provérbios de Salomão. Parte dos provérbios da coleção egípcia repete-se
literalmente nos capítulos 22-23 dos Provérbios da Bíblia. Há quem
considere, por esse motivo, que o autor
judaico
tivesse à sua frente o texto egípcio. Em geral porém, era a cultura egípcia mal
vista em Israel, e os círculos proféticos combatiam com veemência as tendências
pró-egípcias e, a par disso, as influências espirituais daquele país -“maassei
mitzraim”.
É
isso provavelmente uma das razões por que na literatura bíblica tão pouco se
sente a influência egípcia.
2 - O DILÚVIO
“Depois
disse o Senhor a Noé: Entra na arca, tu e toda a tua casa, porque tenho visto
que és justo diante de mim nesta geração (Gn 7.1). Porque, passados ainda sete
dias, farei chover sobre a terra quarenta dias e quarenta noites, e
exterminarei da face da terra todas as criaturas que fiz. (Gn 7.4). Noé entrou
na arca com seus filhos, sua mulher e as mulheres de seus filhos, por causa das
águas do dilúvio (Gn 7.7)”.
2.1.
História de muitas tradições
Quando
ouvimos a palavra “dilúvio”, pensamos quase imediatamente na Bíblia e na
história da arca de Noé. Essa história maravilhosa do Velho Testamento viajou
com o cristianismo através do mundo. E assim se tornou a tradição mais
conhecida do dilúvio, embora não seja de modo algum a única. Nos povos de todas
as raças existem diferentes tradições de uma inundação imensa e catastrófica. Os
gregos contavam a lenda do dilúvio de Deucalião; já muito antes de Colombo,
corriam entre os primitivos habitantes do continente americano numerosas
histórias a respeito de uma grande inundação. Na Austrália, na Índia, na
Polinésia, no Tibete, em Caxemira, na Lituânia, há histórias de uma grande
inundação que vem sendo transmitidas de geração a geração até nossos dias.
Serão todas mitos, lendas, produtos da imaginação?
É
bem provável que todas elas reflitam a mesma catástrofe universal. Mas esse
formidável acontecimento deve ter ocorrido num tempo em que já havia seres
pensantes que o presenciaram e Ihe sobreviveram, podendo transmitir a notícia
as gerações futuras. Os geólogos julgavam poder solucionar o velho enigma com o
auxílio de sua ciência, apontando como causa a alternância de épocas de calor e
períodos glaciários que assinalaram a evolução da Terra. Por quatro vezes subiu
o nível dos mares quando começavam a derreter-se as tremendas camadas de gelo
que cobriam os continentes, em alguns lugares com muitos milhares de metros de
espessura. As águas de novo desencadeadas mudavam o aspecto da paisagem,
inundavam litorais e vales profundos, exterminando homens, animais e plantas.
Em suma, todas as tentativas de explicação terminavam em especulações e hipóteses.
Mas conjeturas são o que menos interessa ao historiador. Ele exige sempre uma
demonstração clara e material. E essa não existia; nenhum cientista, qualquer
que fosse a sua especialidade, pudera dá-la. E a verdade é que foi por puro
acaso, isto é, graças as escavações que visavam algo completamente diferente,
que se apresentou a prova insofismável da existência do dilúvio. E isso
aconteceu num sítio de escavações realizadas em Ur dos Caldeus!
2.2.
Expedições Arqueológicas
Havia
já seis anos que os arqueólogos americanos e ingleses estudavam o terreno junto
ao Tell al Muqayyar, que nessa época dava a impressão de uma obra colossal.
Quando o trem de Bagdá se detinha nesse local por um instante, os viajantes
olhavam com espanto para os gigantescos montes de areia retirada. Trens
inteiros de terra eram removidos, examinados cuidadosamente, passados na
peneira; lixo milenar era manejado como se tratasse de valioso tesouro. A
atividade, os cuidados, as fadigas e o zelo de seis anos produziram uma colheita
prodigiosa. Aos templos sumérios com armazéns, fábricas e tribunais, as ricas
habitações dos cidadãos, seguiramse, de 1926 a 1928, achados de tal brilho e
esplendor que obscureceram tudo o que se conseguira até então.
Refiro-me
aos “túmulos reais de Ur“, como batizou Woolley, na exultação da descoberta, os
túmulos de sumérios notáveis cujo esplendor verdadeiramente régio foi revelado
num monte de entulho de quinze metros de altura. Esse monte de entulho ficava
ao sul do templo, e os túmulos estavam dispostos numa longa fila, uns ao lado
dos outros. As câmaras tumulares de pedra eram verdadeiros tesouros: estavam
cheias de todas as preciosidades de Ur. Taças e copos de ouro, bilhas e vasos
de formas maravilhosas, utensílios de bronze, mosaicos de madrepérola,
lápis-lazúli e prata rodeavam os mortos reduzidos a pó. Encostadas as paredes
havia harpas e liras. Um moço, “herói da terra de Deus”, pois assim era
intitulado por uma inscrição, tinha na cabeça um elmo de ouro. Um pente de
ouro, ornado de flores de lápis-lazúli, enfeitava o cabelo da bela suméria
Puabi, a “Lady Shub-ad”, como a chamaram os ingleses. Coisas mais belas não
haviam sido encontradas nem mesmo nas famosas câmaras mortuárias de Nefertiti e
Tutancamon. E, contudo, os túmulos reais de Ur eram mil anos mais antigos do
que aquelas!
Mas,
a par das riquezas, os túmulos reais reservavam outro espetáculo sinistro e
impressionante para os homens de nosso tempo, uma cena que não podemos
considerar sem um ligeiro calafrio. Nas câmaras mortuárias foram encontradas
parelhas de animais de tiro, os esqueletos ainda atrelados aos grandes carros
carregados de artísticos utensílios domésticos. Era evidente que todo o cortejo
fúnebre seguira os defuntos notáveis a morte, como deixavam perceber os
esqueletos que os cercavam, com vestidos de festa e ornados de jóias. Vinte
continha o túmulo da bela Puabi, e outras criptas continham até setenta
esqueletos.
Que
teria acontecido ali em épocas passadas? Não havia o menor indício de que
aquela gente tivesse sofrido morte violenta. Tudo indicava que eles haviam
acompanhado os defuntos a cripta em solene cortejo, com carros cheios de
tesouros puxados por animais. E, enquanto pelo lado de fora o túmulo era
emparedado, lá dentro eles oravam, pedindo o último repouso para o senhor
morto. Depois tomavam uma droga, reuniam-se pela ultima vez em volta dele e
morriam voluntariamente... a fim de poderem serví-lo também na outra vida!
Durante
dois séculos, os habitantes de Ur haviam depositado seus homens notáveis
naqueles túmulos. Com a abertura da mais profunda e última câmara tumular, os
pesquisadores do século XX decidiram continuar com as escavações.
2.2.1.
Aprofunda-se as escavações
Com
a chegada do verão de 1929, aproximava-se do fim a sexta campanha de escavação
no Tell al Muqayyar. Woolley pôs mais uma vez seus auxiliares nativos a
trabalhar no monte dos “túmulos reais”. Não podia descansar, queria ter certeza
se a terra sob o túmulo real mais profundo poderia oferecer descobertas durante
o novo período de escavações. Depois de retirados os alicerces do túmulo,
algumas centenas de golpes de pá revelaram que embaixo havia mais camadas de
entulho. A que profundidade do passado chegariam aqueles mudos cronômetros?
Quando surgiria, debaixo daquela colina, a primeira povoação assente em solo
virgem? Era isso o que Woolley queria saber! Lentamente, com muito cuidado, a
fim de ter certeza, mandou abrir poços e ficou ali para examinar as camadas
extraídas. “Quase imediatamente se fizeram descobertas que confirmaram nossas
suposições”, escreve ele mais tarde em seu relatório. “Sob o pavimento dos
túmulos reais foram encontradas, numa camada de cinzas de madeira, numerosas
tabuinhas de terracota cobertas de inscrições dum tipo muito mais antigo que as
encontradas nos túmulos. A julgar pela escrita, as tabuinhas poderiam ser
situadas mais ou menos no século XXX a.C. Deviam ser, pois, uns duzentos ou
trezentos anos mais antigas do que os túmulos”.
A
medida que se aprofundavam os poços, apareciam novas camadas com cacos de
cântaros, potes, tigelas. O fato de a cerâmica continuar extraordinariamente
inalterada chamou a atenção dos exploradores. Parecia ser exatamente igual as
peças encontradas nos túmulos reais. Donde se concluía que, durante muitos
séculos, a civilização dos sumérios4 não sofrera modificações dignas
de nota. Devia ter atingido um alto grau de desenvolvimento em tempos
muitíssimo remotos.
Quando,
depois de muitos dias, um dos trabalhadores gritou para Woolley que haviam
chegado ao fundo, ele desceu lá pessoalmente para se certificar. Com efeito,
ali terminava bruscamente todo e qualquer vestígio humano. No solo intato,
repousavam os últimos fragmentos de utensílios domésticos; aqui e ali havia
vestígios de fogo. “Finalmente!”, pensou Woolley. Com cuidado, examinou o solo
do fundo do poço e viu que era limo, puro limo do tipo que só se formava pela
sedimentação na água! Limo naquele lugar? Woolley procurou uma explicação. Só
podia ser areia de rio, uma acumulação de aluviões do Eufrates em outras eras.
Aquela camada devia ter-se formado quando o grande rio estava avançando seu
delta mais para o interior do Golfo Pérsico. Até hoje continua esse avanço da
foz do rio para o Golfo, onde a nova terra se estende cerca de vinte e cinco
metros a cada ano mar adentro. Quando Ur estava em seu apogeu, o rio Eufrates
passava tão perto dela que a grande torre escalonada se espelhava nas suas
águas, e do alto do seu santuário devia avistar-se o Golfo Pérsico. As
primeiras habitações deviam ter sido construídas sobre o limo do antigo delta.
Medidas
realizadas no terreno e cálculos feitos com mais cuidado levaram Woolley a um
resultado completamente diverso e a nova conclusão. “Vi que estávamos num nível
muito alto. Era difícil de aceitar que a ilha sobre a qual fora construída a
primeira povoação se elevasse tanto acima da várzea”.
O
fundo do poço, onde começava a camada de limo, ficava muitos metros acima do
nível do rio. Não podia ser, portanto, aluvião do Eufrates. Que significava,
pois, aquela extraordinária camada de limo? Como se formara? Nenhum dos seus
colaboradores conseguiu dar uma resposta conclusiva. Continuaram, pois,
aprofundando o poço. Superexcitado, Woolley observava, enquanto cesta após
cesta ia saindo da escavação e o conteúdo era imediatamente examinado. As pás
continuaram cavando, um metro, dois metros... era ainda puro limo. A cerca de
três metros de profundidade, a camada de limo terminou tão bruscamente como
havia começado. Que viria a seguir?
As
cestas que apareceram à luz do dia, a seguir, deram uma resposta que nenhum
daqueles homens podia ter imaginado. Não podiam acreditar no que viam.
Esperavam terra virgem, mas o que lhes aparecia ali sob o sol implacável era
novo entulho, depois mais entulho, detritos de outrora, e, entre eles,
numerosos cacos de barro, sob uma camada de quase três metros de puro limo,
topavam de novo com restos de habitações humanas. Mas tanto o aspecto como a
técnica da cerâmica haviam mudado notavelmente. Acima da camada de limo, havia
bilhas e escudelas evidentemente feitas no torno; aquelas, ao contrário, eram
ainda modeladas a mão. Por mais que fosse peneirado com cuidado o conteúdo das
cestas, sob a crescente expectativa dos homens, não se descobriram restos de
metal em parte alguma. A ferramenta primitiva que apareceu consistia em silex polido.
Devia ser da Idade da Pedra!
2.3.
A descoberta do Dilúvio
Naquele
dia, um telégrafo da Mesopotâmia transmitia para o mundo a mais extraordinária
notícia que ouvidos humanos já ouviram: “Descobrimos o dilúvio!” A tremenda
descoberta realizada em Ur ocupou as manchetes da imprensa dos Estados Unidos e
da Inglaterra.
O
dilúvio - essa era a única explicação possível para a enorme jazida de lama sob
a colina de Ur que separava nitidamente duas épocas humanas. O mar havia
deixado aí seus vestígios incontestáveis sob a forma de restos de pequenos
animais marinhos. Woolley quis ter certeza o mais depressa possível. Podia ser
que um acaso, se bem que improvável, tivesse iludido a ele e aos seus
colaboradores. Mandou escavar um poço a uns trezentos metros do primeiro.
As
pás puseram a descoberto o mesmo perfil: cacos de olaria, camadas de limo,
restos de objetos de barro moldados à mão.
A
fim de afastar toda e qualquer dúvida, mandou finalmente escavar ainda outro
poço na massa de escombros, num lugar onde as habitações humanas se erguiam
sobre uma colina natural; portanto, em camadas situadas acima do depósito de
limo.
A
uma profundidade mais ou menos igual aquela em que nos dois outros poços
acabavam de repente as vasilhas feitas no torno, aí também deixaram de
aparecer. Imediatamente abaixo, seguiam-se vasilhas feitas a mão... exatamente
como Woolley imaginara e havia esperado. Somente aí faltava, naturalmente, a
camada de limo divisória. “Cerca de cinco metros abaixo de um pavimento de
tijolos”, observa Woolley,” a que podíamos atribuir com relativa segurança a
data de 2700 anos a.C., encontramos as ruínas daquela cidade que existira antes
do dilúvio”.
Até
onde se estenderia a camada de limo? Que regiões teriam sido abrangidas pela
catástrofe? Uma pesquisa regular dos vestígios da grande inundação está sendo
levada a efeito atualmente, em outros sítios no sul da Mesopotâmia. Outros
arqueólogos descobriram em Kish, ao nordeste da antiga Babilônia, onde o
Eufrates e o Tigre, fazendo grandes curvas, se aproximam um do outro, um novo e
importante ponto de referência. Em dado momento, toparam com uma camada de
terreno de aluvião, se bem que aí tenha apenas meio metro de espessura. Por
meio de sondagens, conseguese estabelecer a extensão geral da enorme inundação.
Segundo Woolley, a catástrofe cobriu, ao nordeste do Golfo Pérsico, uma
extensão de seiscentos e trinta quilômetros de comprimento por cento e sessenta
de largura.
Após
inúmeras pesquisas e tentativas de interpretação sem resultados concretos,
havia muito que se tinha abandonado a esperança de solucionar o grande mistério
do dilúvio, que parecia recuar para épocas remotíssimas, insondáveis para o
homem. Então, eis que o trabalho incansável e seguro de Woolley e de seus
colaboradores produzia para os cientistas um resultado espantoso: não só fora
descoberta uma imensa e catastrófica inundação que lembrava o dilúvio da
Bíblia, frequentemente considerado pelos céticos como lenda ou fantasia, mas
agora se apresentava como acontecimento ocorrido numa época histórica
determinável.
Ao
pé da velha torre escalonada dos sumérios, em Ur, no baixo Eufrates,
podia-se descer por uma escada ao fundo de um estreito poço e ver e apalpar os
restos de uma imensa inundação, uma camada de limo de quase três metros de
espessura. E, pela idade das camadas que indicavam estabelecimentos humanos e
nas quais se podia ler o tempo como num calendário, podia-se também determinar
quando ocorrera essa inundação. Ocorreu por volta de 4000 a.C.
3 - A ARCA DE NOÉ E O MONTE ARARAT
“Então
disse Deus a Noé: O fim de toda carne é chegado perante mim; porque a terra
está cheia da violência dos homens; eis que os destruirei juntamente com a
terra. Faze para ti uma arca de madeira de gôfer: farás compartimentos na arca,
e a revestirás de betume por dentro e por fora. (Gn 6.13-14). Assim fez Noé;
segundo tudo o que Deus lhe mandou, assim o fez (Gn 6.22). e a arca repousou,
no sétimo mês, no dia dezessete do mês, sobre os montes de Ararat”.
3.1.
Localização do Monte Ararat e as Expedições Arqueológicas
O
monte Ararat está situado na parte oriental da Turquia, próximo a fronteira
soviético-iraniana. Seu cume, coberto de neves perpétuas, eleva-se cinco mil
cento e cinqüenta e seis metros acima do nível do mar.
Foto ilustrativa Monte Ararat (1)
3.1.1.
Monte Ararat
As
primeiras expedições ao monte Ararat aconteceram já no século passado, muitos
anos antes que os arqueólogos começassem a escavar no solo da Mesopotâmia. O
impulso que levou a essas expedições foi dado pela história de um pastor.
Nas
faldas do Ararat, existe uma aldeiazinha armênia chamada Bayzit, cujos
habitantes contam há várias gerações a aventura extraordinária de um pastor das
montanhas que um dia, no monte Ararat, teria visto um grande navio de madeira.
A narrativa de uma expedição turca do ano de 1833 parecia confirmar a história
do pastor. Essa narrativa fala expressamente da proa de um navio de madeira que
no verão seria posta a descoberto na geleira do sul.
Depois
teria sido vista pelo Dr. Nouri, arcediago de Jerusalém e Babilônia. Esse
irrequieto dignitário eclesiástico empreendeu, em 1892, uma viagem de
exploração as cabeceiras do Eufrates. Ao voltar, falou dos restos de um navio
que vira no gelo perpétuo: “O interior estava cheio de neve; a parede exterior
apresentava um tom vermelho escuro”.
Durante
a Primeira Guerra Mundial, um oficial de aviação russo chamado Roskovitzki
informou ter avistado de seu avião, na encosta sul do Ararat, “os restos de um
estranho navio”. Em plena guerra, o Czar Nicolau II expediu imediatamente um
grupo para investigar. Esse grupo não só teria visto o navio, mas até tirado
fotografias dele. Parece, entretanto, que todas as provas desapareceram durante
a Revolução de Outubro.
Durante
a Segunda Guerra Mundial, várias pessoas informaram terem visto a arca do ar,
um piloto russo e quatro aviadores americanos.
As
últimas notícias fizeram entrar em campo o historiador e missionário americano,
Dr. Aaron Smith, de Greensborough, perito em dilúvio. Após longos anos de
trabalho, conseguiu compilar uma história literária sobre a arca de Noé.
Existem oitenta mil obras, em setenta e duas línguas, sobre o dilúvio, sete mil
das quais mencionam o lendário casco do Ararat.
Em
1951, com quarenta companheiros, o Dr. Smith percorreu em vão a calota de gelo
do Ararat durante doze dias. “Embora não tenhamos encontrado vestígio algum da
arca de Noé”, declarou mais tarde, “minha confiança na descrição bíblica do
dilúvio reforçou-se ainda mais. Voltaremos lá”.
Animado
pelo Dr. Smith, o jovem explorador francês da Groenlândia, Jean de Riquer,
subiu ao monte vulcânico em 1952. Também ele voltou sem resultados de qualquer
espécie sobre a arca. Não obstante, continuamente estão sendo organizadas novas
expedições ao monte Ararat.
Nenhuma
tradição sobre os tempos primitivos da Mesopotâmia concorda tão de perto com a
Bíblia como a história da inundação descrita na epopéia de Gilgamesh. Em alguns
trechos, há uma consonância quase literal. Existe, porém, uma diferença
significativa e essencialíssima. Na história do Gênesis, tão familiar para nós,
trata-se de um Deus único. Desapareceu a idéia grotesca, fantástica e primitiva
de um céu superpovoado de divindades, muitas das quais apresentam
características demasiado humanas, divindades que choram e se lamentam, e se
assustam e se encolhem como cães.
3.1.2.
Aportamento da Arca de Noé
O
problema com todas as tradições supracitadas do dilúvio está justamente na
tendência pouco feliz de o homem acreditar naquilo em que gostaria de crer.
Essa mentalidade vem a tona de maneira bem acentuada na busca da arca no cume
do monte Agri Dagi, que se eleva a cinco mil cento e sessenta e cinco metros
acima do nível do mar, situado na fronteira entre a Turquia e a URSS. Segundo a
Bíblia (Gn 8.4), lá teria aportado a arca de Noé. A rigor, a indicação não é
tão inequívoca como parece ser, pois a Bíblia fala somente nos “montes de
Ararat”, quando “Ararat” é apenas a designação do antigo país de Urartu, o que,
grosso modo, corresponde a Armênia moderna.
Foto ilustrativa Monte Ararat (2)
3.1.3.
Mapa do Monte Ararat
A
epopéia de Gilgamesh menciona ainda o “monte Nisir” como local do aportamento
da arca; por sua vez, Beroso, sacerdote babilônico da época do helenismo, em
sua obra Antiguidades babilônias, introduz nos debates mais outro local, as
“montanhas de Cordiéia”. A título de mais outro candidato a honra de servir de
ponto de ancoragem para a arca de Noé, surgiu um monte na Frígia, Ásia Menor,
perto da cidade de Celaenae, lendária desde a Antiguidade, e, por fim, os
maometanos preferem localizar o sítio do aportamento da arca mais ao sul do
Agri Dagi, no monte Djudi, de cujo cume se tem ampla vista panorâmica da
planície da “terra entre os rios”. Em todo caso, estão sobrando alguns montes
de aportamento da arca de Noé.
Foto ilustrativa arca de Noé (3)
3.1.4.
Como era a Arca de Noé
Da
mesma forma, tampouco foram convenientemente documentados os eventos ligados ao
Agri Dagi, o monte do aportamento da arca da mencionada tradição cristã. Para
André Parrot, o mutismo e a única atitude a ser adotada pela literatura
especializada diante das tentativas periódicas, e que a imprensa costuma
divulgar sempre com grande alarde, de visualizar restos da arca bíblica
naquelas altitudes, sob o gelo e a neve. Efetivamente, até hoje nenhum
arqueólogo profissional participou daquelas tentativas de localizar a arca, e
inexiste todo e qualquer esboço do local do achado cientificamente
aproveitável; também não há dados sobre os métodos de busca empregados e as
circunstâncias nas quais o achado foi feito, e muito menos uma documentação
fotográfica. Isso não se deve ao fato de arqueólogos “profissionais” se
recusarem a despender os esforços necessários à escalada do monte Ararat (ou
melhor, Agri Dagi), mas antes ao aspecto financeiro da questão, visto que
pesquisas arqueológicas sistemáticas em terreno tão difícil e acidentado como
esse implicariam despesas enormes. E acontece que verbas de tal vulto
geralmente são liberadas quando de fato podem ser antecipados achados de grande
interesse científico e geral. Com o Ararat, tais achados são pouco prováveis, e
assim, por enquanto, devemos dizer: desde que existe o monte de cinco mil cento
e sessenta e cinco metros de altitude e desde que o homem povoa a Terra,
nenhuma inundação do mundo, “cientificamente explorada”, subiu o bastante para
levar aquelas alturas um objeto parecido com a arca bíblica. Por outro lado, no
decorrer desse tempo, não houve na região do Ararat nenhuma elevação do solo,
de proporções suficientemente espetaculares para permitir que a arca ali aportasse,
talvez, em uma época quando o cume era menos alto que hoje. Logo, parecem ser
inúteis as tentativas de procurar a arca no Agri Dagi, e, segundo a opinião
bastante abalizada de André Parrot, todas as expedições para o monte Ararat
visam mais o alpinismo que a arqueologia.
3.1.5.
Madeira antiqüíssima encontrada no Monte Ararat
Igualmente,
não existiria madeira com “no mínimo cinco mil anos”, tirada do monte Ararat?
Existe, sim; tal madeira foi recolhida e apresentada; afirmou-se até que era do
Ararat. Porém, a datação não confere; noticiou-se que estaria baseada em
“estimativas” de um instituto florestal de Madri; “um laboratório em Paris”
teria datado aquela madeira de quatro mil quatrocentos e oitenta e quatro anos
antes da época moderna, ao passo que um “instituto de pesquisas
pré-históricas”, em Bordeus, teria somente comentado a “idade antiquíssima” do
material analisado. Mas mesmo que, com um exame mais aprofundado desses dados,
os respectivos institutos se revelassem sérios e seus pareceres, responsáveis e
inatacáveis, cumpriria considerar o fato de as provas do material, retiradas do
seu local de achado por pessoas inexperientes no assunto e levadas por grandes
distâncias até os respectivos locais de destino, terem evidentemente sofrido
alterações que influiram nos seus valores de medição, a ponto de nem mais ser
possível fazer uma datação exata. Uma das expedições deixou até de reencontrar
o primitivo local do achado da madeira em questão, mas em compensação encontrou
madeira em outro sítio do Agri Dagi, cuja idade foi estimada em somente mil e
trezentos a mil e setecentos anos. Esse resultado enquadra-se e muito bem na
tese levantada por alguns cientistas, segundo a qual o Agri Dagi era
considerado “monte santo”, devido a seu nexo tradicional com o relato bíblico
do dilúvio; lá teriam existido abrigos para peregrinos ou cavernas habitadas
por eremitas, datados de tempos cristãos.
Foto ilustrativa do Monte Ararat (4)
3.1.6.
Ur dos Caldeus
“Tomou
Terá a Abrão seu filho, e a Ló filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai sua
nora, mulher de seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos Caldeus, a fim de ir
para a terra de Canaã; e vieram até Harã, e ali habitaram”.
Foto ilustrativa de Ur Caldeus (5)
3.2.
Localização de Ur
Atualmente,
Ur é uma estação de estrada de ferro, 180 Km ao norte de Baçorá, perto do golfo
Pérsico, uma das muitas estações da célebre estrada de ferro de Bagdá (capital do
Iraque). O trem regular faz uma breve parada nessa estação ao romper da aurora.
Quando se extingue os ruídos das rodas do trem, que continua em seu trajeto
para o norte, o viajante que aí desembarca é envolvido pelo silêncio do
deserto.
Seu
olhar desliza pela monotonia pardo-amarelada de intermináveis planícies de
areia. É como se encontrasse no meio de um prato raso, riscado apenas pelos
trilhos da via férrea. Um único ponto altera a vastidão ondulante e desolada:
iluminado pelo sol nascente, avulta no meio do deserto um imenso toco
vermelho-fosco, o qual apresenta profundas mossas como se fossem produzidas por
um titã. Para os beduínos é bem familiar esse morro solitário em cujas fendas,
lá no alto, fazem ninho as corujas. Eles o conhecem desde tempos imemoriais e
chamam-no Tell al Muqayyar, “Monte dos Degraus”.
3.2.1.
Expedição Arqueológica em Ur
3.2.2.
Objetos Pessoais achados em Ur
No
ano de 1923 uma expedição anglo-americana começou a trabalhar no Tell al
Muqayyar. Nos primeiros dias de dezembro levantou-se uma nuvem de pó sobre os
montes de entulho a leste do zigurate, a poucos passos apenas da larga rampa
por onde outrora os sacerdotes se dirigiam, em procissão solene, ao sacrário de
Nannar, o deus da lua. Levada por uma brisa, a nuvem se espalhou e em breve
teve-se a impressão de que a velha torre escalonada estava toda envolta em
tênue nebulosidade. Era areia fina que, removida por centenas de pás, indicava
que a grande escavação havia começado.
Desde
o momento em que a primeira pá foi cravada no solo, toda a colina se envolveu
numa atmosfera de ansiosa expectativa. Cada escavação parecia uma viagem a um
reino desconhecido, que ninguém sabe que surpresa reserva ao explorador. O
próprio Woolley e seus colaboradores não podiam dominar a impaciência. O suor e
as energias empregados nesse trabalho seriam compensados por importantes
descobertas? Ur lhes desvendaria seus mistérios? Nenhum deles podiam imaginar
que isso lhes tomaria seis longos invernos de árduo trabalho, até a primavera
de 1929. Essa escavação em grande escala, ao sul da Mesopotâmia, viria a
desvendar, capítulo por capítulo, os tempos distantes em que se formou nova
terra no delta dos dois grandes rios e onde se estabeleceram os primeiros
povoados humanos. Ao longo do penoso caminho da pesquisa, que retrocedeu no
tempo até sete mil anos atrás, tomariam forma, por mais de uma vez,
acontecimentos e nomes de que nos fala a Bíblia.
3.2.3.
Começam as descobertas
A
primeira descoberta consistiu num recinto sagrado com os restos de cinco templos
que outrora envolviam, num semicírculo, o zigurate construído pelo
Rei
Ur-Nammu. Os exploradores pensaram tratar-se de fortalezas, tão poderosos eram
seus muros. O maior, ocupando uma superfície de 100 x 60 mt, era consagrado
pelo deus da lua, outro templo ao culto de Nin-Gal, deusa da lua, e esposa de
Nannar. Cada templo tinha um pátio interior, circundado por uma série de
compartimentos. Neles se encontravam ainda as antigas fontes, com longas pias
calafetadas a betume, e profundos talhos de faca nas grandes mesas de tijolos,
que permitiam ver onde os animais destinados ao sacrifício eram mortos. Em
lareiras situadas nas cozinhas dos templos, esses animais eram preparados para
o repasto sacrifical comum. Havia até fornos para cozer pão. “Depois de 38
séculos”, observou Woolley em seu relatório da expedição, “podia-se acender
novamente o fogo ali, e as mais antigas cozinhas do mundo podiam ser utilizadas
novamente”.
(7) (8)
Foto ilustrativa dos objetos pessoais achados em Ur
Caldeus
3.2.4.
Mais objetos encontrados em Ur dos Caldeus
Hoje
em dia, as igrejas, os tribunais, a administração das finanças, as fábricas são
instituições rigorosamente independentes entre si. Em Ur era diferente. O
recinto sagrado, a circunscrição do templo, não era dedicada exclusivamente ao
culto aos deuses. Além dos atos do culto, os sacerdotes desempenhavam muitas
outras funções. Fora as oferendas, recebiam os dízimos e os impostos. E isso
não se fazia sem o devido registro. Cada entrega era anotada em tabuinhas de
barro, certamente os primeiros recibos de impostos de que se tem conhecimento.
Sacerdotes escribas englobavam essa coleta de impostos em memorandos semanais,
mensais e anuais.
Ainda
não se conhecia o dinheiro cunhado. Os impostos eram pagos em espécie: cada
habitante de Ur pagava à sua maneira. O azeite, os cereais, as frutas, a lã e o
gado iam para vastos depósitos; os artigos de fácil deterioração eram guardados
em estabelecimentos comerciais existentes no templo. Muitas mercadorias eram
beneficiadas no próprio templo, como nas tecelagens dirigidas por sacerdotes.
Uma oficina produzia doze espécies de vestes. Nas tabuinhas ali encontradas
estavam anotados os nomes das tecelãs empregadas e os meios de subsistência
conferidos a cada um. Até o peso de lã confiado a cada operária e o número de
peças de roupa prontas que daí resultava eram registrados com minuciosa
precisão. No edifício de um tribunal, foram encontradas, cuidadosamente
empilhadas, cópias de sentenças, tal como se faz em nossos tribunais de hoje.
3.2.5.
Descoberta da cidade de Ur dos Caldeus
Havia
já três invernos que a expedição anglo-americana trabalhavam nos sítios da
velha Ur, e esse singular museu da história primitiva da humanidade ainda não
havia revelado todos os seus segredos. Fora do recinto do templo os
exploradores experimentaram uma surpresa inaudita.
Foto ilustrativa de Ur Caldeus (10)
Ao
limparem uma série de colinas ao sul da torre escalonada, surgiram de repente
diante de seus olhos paredes, muros e fachadas dispostas umas ao lado das
outras, fila após fila. Pouco a pouco, as pás puseram a descoberta na areia um
compacto quadrado de casas cujas ruínas mediam ainda em algumas partes três
metros de altura. Entre elas passavam estreitas ruelas. Em alguns trechos, as
ruas eram interrompidas por praças.
Após
muitas semanas de trabalho árduo e remoção de inúmeras toneladas de cascalho,
apresentou-se aos escavadores um quadro inesquecível.
Sob
o avermelhado Tell al Muqayyar estendia-se ao sol brilhante toda uma cidade,
despertada pelos incansáveis pesquisadores após um sono de milênios! Woolley e
seus colaboradores ficaram fora de si de alegria. Pois diante deles estava Ur,
aquela Ur dos Caldeus de que falava a Bíblia!
3.2.6.
Como era Ur dos Caldeus
3.2.6.1.
Ziggurat em Ur dos Caldeus
E
como seus habitantes moravam confortavelmente! Como eram vistosas suas casas!
Em nenhuma outra cidade da Mesopotâmia foram descobertas habitações tão
esplêndidas e confortáveis.
Comparadas
a elas, as habitações que se conservaram da Babilônia parecem pobres,
miseráveis mesmo. O profº. Koldewey, nas escavações alemãs realizadas no
princípio deste século, só encontrou construções simples de barro, de um andar,
com três ou quatro cômodos, envolta de um pátio aberto. Assim vivia também a
população da tão admirada e louvada metrópole do grande babilônia
Nabucodonosor. Os cidadãos de Ur, ao contrário, já 1.500 anos antes viviam em
construções maciças em forma de vilas, a maioria de dois andares, com treze a
quatorze cômodos. O andar inferior era sólido, construído de tijolos cozidos
num forno de barro, as paredes caiadas de branco.
O
visitante transpunha a porta e entrava num pequeno vestíbulo onde havia pias
para lavar a poeira das mãos e dos pés. Daí passava ao grande e claro pátio
interior, cujo chão era lindamente pavimentado. Em volta dele se agrupavam a
sala de visitas, a cozinha, as demais salas e quartos também para os criados e
o santuário doméstico para uma escada de pedra, sob a qual se escondia a
privada, subia-se a uma antecâmara circular para onde abria os quartos dos
membros da família e dos hóspedes.
Sobre
muros e paredes demolidos reapareceu a luz do dia tudo o que havia integrado as
mobílias e a vida naquelas casas aristocráticas. Inúmeros fragmentos de potes,
cântaros, vasos e tabuinhas de barro com inscrições foram compondo um mosaico
pelo qual foi possível construir pedrinha a pedrinha a vida cotidiana de Ur. A
Ur dos Caldeus era uma capital poderosa, próspera, colorida e industriosa no
começo do segundo milênio antes de Cristo.
3.2.7.
Abraão e Ur dos Caldeus
Woolley
não conseguiu livrar-se de um pensamento que lhe ocorrera. Abraão devia ter
saído da Ur dos Caldeus...7 Portanto devia ter vindo ao mundo e
crescido numa daquelas casas aristocráticas de dois andares. Devia ter passeado
junto aos muros do grande templo e pelas ruas, e, levantando a vista, seu olhar
devia ter encontrado a gigantesca torre escalonada com seus cubos pretos,
vermelhos e azuis circundados de árvores. “Vendo em que ambiente requintado
passou a juventude, devemos modificar nossa concepção do patriarca hebreu”,
escreveu Woolley com entusiasmo “foi cidadão de uma grande cidade e herdou a
tradição de uma civilização antiga e altamente organizada. As próprias casas
denunciavam conforto, até mesmo luxo. Encontramos cópias de hinos relativos aos
cultos do templo e, juntamente com eles, tabelas matemáticas. Nessas tabelas
havia, ao lado de simples problemas de adição, fórmulas para a extração das
raízes quadrada e cúbica. Em outros textos, os escribas haviam copiado as
inscrições dos edifícios da cidade e compilado até uma resumida história do
templo”!
Abraão
não era um simples nômade: era filho de uma metrópole do segundo milênio antes
de Cristo.
Foi
uma descoberta sensacional, aparentemente incrível! Jornais e revistas
publicaram fotografias da velha e desmantelada torre escalonada e das ruínas da
metrópole desenterrada, que produziram tremenda impressão.
Vista aérea de Ur Caldeus (11)
3.3.
A terra de Canaã
“Tomou
Tera a Abrão seu filho, e a Ló filho de Harã, filho de seu filho, e a Sarai sua
nora, mulher de seu filho Abrão, e saiu com eles de Ur dos Caldeus, a fim de ir
para a terra de Canaã; e vieram até Harã, e ali habitaram (Gn 11.31)”.
“Abrão
levou consigo a Sarai, sua mulher, e a Ló, filho de seu irmão, e todos os bens
que haviam adquirido, e as almas que lhes acresceram em Harã; e saíram a fim de
irem à terra de Canaã; e à terra de Canaã chegaram (Gn 12.5)”.
3.3.1.
Localização e descrição da terra de Canaã
Canaã
é uma faixa de terra estreita e montanhosa entre a costa do Mediterrâneo e a
orla do deserto, desde Gaza, no sul, até Emat, no norte, às margens do Orontes.
Canaã
significa “terra da púrpura”. Deve seu nome a um produto local muito cobiçado
na Antiguidade. Desde os tempos mais primitivos, seus habitantes extraíam de um
caracol do mar, do gênero Murex, nativo dessa região, a tinta mais famosa do
mundo antigo, a púrpura. Era tão rara, tão difícil de extrair e, por isso
mesmo, tão cara, que só os ricos podiam adquirí-la. As vestes tingidas de
púrpura eram consideradas em todo o antigo Oriente sinal de alta categoria. Os
gregos chamavam fenícios aos fabricantes e tintureiros de púrpura da costa do Mediterrâneo,
e a sua terra, Fenícia, que na língua deles significava “púrpura”.
A
terra de Canaã é também o berço de dois fatos que comoveram profundamente o
mundo: a palavra “Bíblia” e o nosso alfabeto! Uma cidade fenícia deu nome a
palavra que designa “livro” em grego; de Biblos, cidade marítima de Canaã,
originou-se “biblion” e desta, mais tarde, “Bíblia”. No século IX a.C. os
gregos tomavam de Canaã as letras do nosso alfabeto.
A
parte da região que viria a ser a pátria do povo de Israel foi batizada, pelos
romanos, com o nome dos seus mais acérrimos inimigos: o nome “Palestina” é
derivado de “pelishtim”, como são designados os filisteus no Velho Testamento.
Habitavam a parte meridional da costa de Canaã ...todo Israel, desde Dã até
Bersabé (1Sm 3.20). Assim descreve a Bíblia a extensão da Terra Prometida, isto
é, das nascentes do Jordão, nas faldas do Hermon, até as colinas situadas a
leste do mar Morto, e até o Neguev, na Terra do Meio-Dia.
Vista
num globo terrestre, a Palestina é apenas uma manchazinha na nossa Terra, um
pequeno traço. Hoje, as fronteiras do antigo reino de Israel podem ser
percorridas comodamente num dia, de automóvel. Com duzentos e trinta
quilômetros de norte a sul, trinta e sete de largura nas partes mais estreitas,
vinte e cinco mil cento e vinte e quatro quilômetros quadrados de superfície, o
reino de Israel tinha o tamanho da Sicília. Só foi maior durante alguns
decênios de sua movimentada história. Sob o reinado dos famosíssimos reis Davi
e Salomão, o território do Estado chegava até a extremidade do mar Vermelho em
Asiongaber, no sul, e, no norte, ia além de Damasco, abrangendo parte da Síria.
O atual Estado de Israel é, com seus vinte mil setecentos e vinte quilômetros
quadrados, cerca de um quinto menor do que foi o reino de seus antepassados.
Nunca
floresceram ali ofícios e indústrias cujos produtos fossem procurados pelo
resto do mundo. Cortada por colinas e cadeias de montanhas, cujas cumeadas se
erguem até mil metros de altura e mais, limitada ao sul e a leste por estepes e
desertos, ao norte pelos montes do Líbano e pelo Hermon, a oeste pela costa
plana, inadequada para portos de mar, era qual uma pobre ilha entre os grandes
reinos do Nilo e do Eufrates, situada na fronteira entre dois continentes. A
leste do delta do Nilo, termina a África. Além de um deserto árido de cento e
cinqüenta quilômetros de largura, começa a Ásia e no seu limiar está a
Palestina.
3.3.2.
Sua história e sua importância
Se
ela, no curso de sua história acidentada, foi continuamente envolvida nos
grandes acontecimentos do mundo, isso se deve a sua situação. Canaã constitui o
elo entre o Egito e a Ásia. A mais importante estrada comercial do mundo antigo
atravessava esse país. Mercadores e caravanas, tribos e povos errantes
percorriam esse caminho, por onde seguiriam mais tarde, também, os exércitos
dos conquistadores. Egípcios, assírios, babilônios, persas, gregos e romanos,
uns após outros, fizeram da terra e seus habitantes joguetes de seus interesses
econômicos, estratégicos e políticos.
O
gigante do Nilo foi movido por interesses comerciais quando, no terceiro
milênio antes de Cristo, como primeira das grandes potências estendeu seus
tentáculos até a velha Canaã.
“Conduzimos
quarenta navios carregados de troncos de cedro. Construímos navios de madeira
de cedro. Um, o navio Louvor dos Dois Países, com cinqüenta metros de
comprimento. E dois navios de madeira de meru, com cinqüenta metros de
comprimento, Fizemos as portas do palácio do rei de madeira de cedro”. Este é o
teor do mais antigo registro de importação de madeira do mundo, expedido por
volta de 2700 a.C. Os dados sobre esse transporte de madeira, feito durante o
reinado do Faraó Snefru, estão gravados numa tabuinha de duro diorito preto,
tesouro conservado no Museu de Palermo. Naquele tempo, as encostas do Líbano
eram cobertas de espessos bosques. A madeira de lei de seus cedros e merus,
espécie de conífera, era muito apreciada pelos faraós para suas construções.
Já
quinhentos anos antes de Abraão florescia um comércio de importação e exportação
nas costas de Canaã. Na terra do Nilo trocavam-se ouro e especiarias da Núbia,
cobre e turquesa das minas do Sinai, linho e marfim por prata do Tauro,
artefatos de couro de Biblos, vasos vidrados de Creta. Os ricos mandavam tingir
suas vestes com púrpura nas grandes tinturarias da Fenícia. Para as damas da
corte produziam um maravilhoso azul de lápislazúli, as pálpebras pintadas de
azul eram a grande moda, e estíbio, cosmético para os cílios, altamente
apreciados pelo mundo feminino.
Nas
cidades marítimas de Ugarit (hoje Ras Shamra) e Tiro estabeleciam-se cônsules
egípcios, a fortaleza marítima de Biblos era colônia egípcia, levantavam-se
monumentos faraônicos nessas cidades e príncipes fenícios tomavam nomes
egípcios.
3.3.3.
Inscrição encontrada em um túmulo egípcio (história de Sinuhe)
Mas
se as cidades costeiras ofereciam um aspecto de vida ativa, próspera, opulenta
mesmo, a poucos quilômetros para o interior começava um mundo de vívidos
contrastes. Os montes do Jordão eram um eterno foco de inquietação. Eram
incessantes os ataques de nômades as populações sedentárias, as rebeliões e as
contendas entre cidades. Como isso punha em perigo o caminho das caravanas ao
longo da costa do Mediterrâneo, os egípcios tinham que organizar expedições punitivas
para chamar à razão os desordeiros. A inscrição encontrada no túmulo do egípcio
Uni dá-nos uma descrição minuciosa da maneira como foi organizada uma dessas
expedições punitivas por volta de 2350 a.C. O comandante militar Uni recebe do
Faraó Fiops I ordem de organizar um exército para atacar os beduínos asiáticos
que invadiram Canaã. Eis o que ele informa sobre a campanha:
“Sua
Majestade fez guerra aos habitantes da areia asiática e organizou um exército:
em todas as regiões meridionais ao sul de Elefantina... por todo o norte... e
entre os núbios de Jertet, os núbios de Mazói e os núbios de Jenam. Fui eu que
fiz o plano de todas elas..”. O alto grau de disciplina das variegadas forças
combatentes é devidamente elogiado. Assim ficamos sabendo as coisas cobiçáveis
que havia em Canaã: “Nenhum deles roubou... sandálias de alguém que vinha pelo
caminho... Nenhum deles tomou pão de ninguém na cidade; nenhum deles arrebatou
uma cabra a ninguém”. O comunicado de Uni anuncia um grande sucesso e contém,
além disso, valiosas informações sobre a terra: “O exército do rei voltou são e
salvo depois de haver devastado o país dos habitantes da areia... depois de
destruir as suas fortalezas... Depois de haver derrubado seus figueirais e
vinhas... depois de aprisionar grandes multidões... Cinco vezes Sua Majestade
me mandou percorrer a terra dos habitantes da areia por causa de suas
rebeliões...”.
Assim
entraram na terra dos faraós, como prisioneiros de guerra, os primeiros
semitas, no Egito chamados com desprezo “habitantes da areia”.
Chu-Sebek,
ajudante de ordens do rei egípcio Sesóstris III, escreveu quinhentos anos
depois um comunicado de guerra, o qual, gravado na época em uma pedra
comemorativa, conservou-se em Abidos, no curso superior do Nilo: “Sua Majestade
marchou para o norte a fim de derrotar os beduínos asiáticos... Sua Majestade
chegou a uma região com o nome de Sekmem... Então caiu Sekmem com a mísera
Retenu...”.
Os
egípcios designavam a terra da Palestina e Síria com o nome de “Retenu”. Sekmem
é a cidade bíblica de Siquém, a primeira cidade de Canaã que Abraão encontrou
em sua peregrinação (Gn 12.6).
Com
a expedição de Sesóstris III por volta de 1850 a.C., encontramo-nos em plena
época dos patriarcas. Entrementes, o Egito havia tomado toda Canaã; o país estava
sob a autoridade dos faraós. Graças aos arqueólogos, o mundo possui um
documento único dessa época, um tesouro da literatura antiga. O autor é um
certo Sinuhe, do Egito. O lugar da ação: Canaã. A época: entre 1971 e 1982
a.C., no reinado do Faraó Sesóstris!
Sinuhe,
personagem importante, frequentador da corte, vê-se envolvido numa intriga
política. Temendo por sua vida, emigra para Canaã:
“...Quando
dirigi meus passos para o norte, cheguei ao muro dos príncipes, construído para
manter à distância os beduínos e dominar os vagabundos da areia (nome
depreciativo que os egípcios gostavam de dar aos seus vizinhos nômades do leste
e do nordeste. A esses pertenciam também as tribos ainda não sedentárias de
Canaã e Síria). Escondi-me em um bosque com medo de ser visto pela guarda que
estava de serviço na muralha. Só a noitinha me pus de novo a caminho. Quando
aclarou... quando cheguei ao lago Amargo (lago ainda hoje assim chamado,
localizado no istmo de Suez), caí. A sede me dominou e tinha a garganta em fogo.
Disse eu: tal é o sabor da morte! Mas, reanimando o coração e reunindo todas as
forças dos membros, ouvi o mugido de gado e avistei beduínos. O chefe deles,
que tinha estado no Egito, reconheceu-me. Deu-me água, aqueceu leite para mim e
eu fui com ele para sua tribo. O que eles me fizeram foi bom”.
A
fuga de Sinuhe foi bem sucedida. Conseguiu transpor secretamente a muralha que
existia na fronteira do reino dos faraós, no lugar exato onde passa hoje o
Canal de Suez. Essa “muralha dos príncipes” tinha já então algumas centenas de
anos. Um sacerdote a menciona já em 2650 a.C.: “Será construída a “muralha dos
príncipes” para evitar a penetração dos asiáticos no Egito. Eles pedem água...
para darem de beber aos seus rebanhos”. Mais tarde, os filhos de Israel deveriam
transpor esse muro com freqüência; não havia outro caminho para o Egito. Abraão
deve ter sido o primeiro deles a avistá-lo, quando, numa crise, se dirigiu para
a terra do Nilo (Gn 12.10).
Sinuhe
prossegue: “De uma terra fui passando a outra. Cheguei a Biblos (cidade
marítima fenícia, ao norte da atual Beirute) e a Kedme (região deserta a leste
de Damasco) e ali permaneci ano e meio. Ammiênchi (nome semita ocidental,
amorita), príncipe do Alto Retenu (nome da região montanhosa ao norte da
Palestina), chamou-me para junto de si e disse-me: “Tu estarás à vontade na
minha casa e ouvirás falar egípcio”. Isso ele disse porque sabia quem eu era.
Alguns egípcios (naquele tempo, havia emissários do faraó por toda parte em
Canaã e na Síria) que viviam com ele tinham-lhe falado a meu respeito”.
Ficamos
sabendo tudo o que se passou com o fugitivo egípcio no norte da Palestina, até
os menores detalhes da vida cotidiana. “Ammiênchi disse-me: Não há dúvida de
que o Egito é belo, mas tu ficarás aqui comigo e o que eu fizer por ti também
será belo”.
Colocou-me
acima de todos os seus filhos e casou-me com sua filha mais velha. Deu-me a
escolher do melhor da terra que possuía e eu escolhi um trecho que ficava na
fronteira de outro país. Era uma bela terra que tinha o nome de Jaa. Havia nela
figos e uvas e mais vinho que água. Seu mel era copioso, abundante o seu azeite
e de suas árvores pendia toda a espécie de frutas. Havia nela também trigo,
cevada e rebanhos sem conta. Muito me veio da minha popularidade. Ele me fez
príncipe de sua tribo na melhor parte do seu país. Diariamente eu bebia vinho,
comia pão, carne cozida e ganso assado, além de caça do deserto que abatiam
para mim, sem falar da que apanhavam os meus cães de caça... e leite, preparado
de diversas maneiras. Assim passei muitos anos, e meus filhos se tornaram
homens fortes, cada um deles o mais valente da sua tribo.
O
mensageiro que, partindo do Egito, seguia para o norte, ou viajava para o sul a
caminho da corte, detinha-se em minha casa (isso permite supor um comércio
ativo entre o Egito e a Palestina); eu dava asilo a todo mundo. Dava água aos
que tinham sede, conduzia os transviados o caminho certo, protegia os que eram
assaltados.
“Quando
os beduínos partiam para combater os príncipes de outras terras, eu organizava
suas campanhas. Pois o príncipe de Retenu confiou-me durante muitos anos o
comando de seus guerreiros e em cada terra que eu entrava, fazia... e... de
suas pastagens e suas fontes. Eu capturava os rebanhos, expulsava as populações
e apoderava-me das provisões. Matava os adversários com minha espada e o meu
arco (o arco é a arma típica do Egito), valendo-me da minha destreza e de meus
golpes hábeis”.
Das
muitas aventuras que passou entre os “asiáticos”, a que mais parece ter
impressionado Sinuhe foi um duelo de vida ou morte que ele descreve em seus
mínimos detalhes. Um “valentão de Retenu” zombou dele em sua tenda e desafiou-o
para a luta. Ele tinha a certeza de que mataria Sinuhe e assim se apossaria de
seus rebanhos e propriedades. Porém Sinuhe, que, como egípcio, fora desde a
juventude adestrado no manejo do arco, matou com uma flechada no pescoço o
“valentão”, que avançou para ele armado de escudo, punhal e lança. A presa que
resultou desse duelo tornou-o ainda mais rico e poderoso.
Já
muito velho, foi acometido pela saudade da pátria. Uma carta de seu Faraó
Sesóstris I convidava-o a voltar: “...Põe-te a caminho e volta para o Egito a
fim de tornares a ver a corte em que foste criado e beijares a terra junto as
duas grandes portas... Pensa no dia em que te levarão a sepultura e serás
venerado. Serás preparado à noite com óleo e com faixas da deusa Tait
(embalsamamento). No dia do teu sepultamento, terás um cortejo. O caixão será
de ouro e a cabeça de lápis-lazúli, e serás colocado no esquife. Serás puxado
por bois, a tua frente marcharão cantores e a porta do teu túmulo será dançada
a dança dos anões. Serão recitados ofertórios para ti e haverá sacrifícios no
teu altar. Tuas colunas serão construídas de pedra calcária entre as dos filhos
de rei. Não permitirei que morras em terras estrangeiras e sejas sepultado
pelos asiáticos e envolto numa pele de carneiro”.
O
coração de Sinuhe se enche de júbilo. Decide-se imediatamente pelo regresso,
lega seus haveres aos filhos e nomeia o filho mais velho “chefe da tribo”. Tal
era o costume entre os nômades semitas. Assim era também entre Abraão e seus
descendentes. Era o direito hereditário dos patriarcas, que depois se tornou
lei em Israel. “E toda a minha tribo e todos os meus haveres passaram a pertencer-lhe,
minha gente e todos os meus rebanhos, meus frutos e todas as árvores doces
(tamareiras). Então parti para o sul”.
Até
as fortalezas do Egito foi escoltado por beduínos, daí uma delegação do faraó
levou-o de navio até a capital situada ao sul de Mênfis.
Que
contraste! De uma tenda para o palácio do rei, da vida simples e arriscada para
a segurança e o luxo de uma metrópole altamente civilizada. “Ali encontrei Sua
Majestade sentado no grande trono do salão de ouro e prata. Depois foram
chamados os filhos do rei. Sua Majestade disse à rainha: “Vê Sinuhe que volta
feito asiático e se tornou beduíno!” Ela soltou um grande grito e os filhos do
rei gritaram todos ao mesmo tempo. Disseram a Sua Majestade: “Isso não é
verdade, meu senhor rei”. Sua Majestade respondeu: “É de fato verdade”!
Fui
conduzido para um palácio principesco, escreve Sinuhe entusiasmado, no qual
havia coisas maravilhosas e até um quarto de banho... havia lá, da casa do
tesouro, vestes reais de linho, mirra e o óleo mais fino.
Funcionários
do palácio, que o rei estimava, estavam em cada um dos aposentos, e cada
cozinheiro fazia o seu dever. Foram tirados os anos do meu corpo. Cortaram-me a
barba e pentearam-me o cabelo. Um peso foi abandonado à terra estrangeira (isto
é, a sujeira que lhe tiraram ao lavá-lo) e as vestes toscas aos nômades da
areia. Envolveram-me em fino linho e ungiram-me o corpo com o melhor óleo do
país. Tornei a dormir numa cama!... Assim vivi honrado pelo rei, até que chegou
o dia do passatempo.
3.3.4.
Era um best seller sobre Canaã
A
história de Sinuhe não existia apenas em um exemplar. Foram encontrados
diversos. Devia ser uma obra muito procurada, pois mereceu várias “edições”.
Sua leitura deve ter deliciado o público não só do médio mas também do novo
império do Egito, como se deduz pelas cópias encontradas. Foi, por assim dizer,
um best seller, o primeiro do mundo, e precisamente sobre Canaã.
Os
pesquisadores que o desenterraram no começo deste século ficaram tão
entusiasmados com ele como os contemporâneos de Sinuhe há quatro mil anos, mas
tomaram-no por uma história bem imaginada, se bem que destituída de toda
realidade. Assim se tornou a história de Sinuhe uma mina para os egiptólogos
estudiosos da escritura, mas sem sentido para os historiadores. E, enquanto se
discutia sobre o sentido do texto, sobre os signos e a sintaxe, o conteúdo da
história ia caindo no esquecimento.
3.4.
A história de Sinuhe e a Bíblia
Entretanto,
Sinuhe foi reabilitado. Hoje, sabemos que o egípcio escreveu uma história
verdadeira sobre a Canaã daquele tempo, a Canaã por onde, possivelmente,
vagueava Abraão. Devemos a textos hieroglíficos sobre campanhas egípcias os
primeiros testemunhos sobre Canaã. Eles concordaram perfeitamente com a
descrição de Sinuhe. Por outro lado, o relato desse aristocrata egípcio
concorda em algumas passagens quase literalmente com certos versículos da
Bíblia muito citados. Porque o Senhor teu Deus te introduzirá numa terra boa
(Dt 8.7). “Era uma bela terra”, diz Sinuhe. Terra continua, a Bíblia, de trigo,
de cevada, de vinhas, onde nascem figueiras... “Ali havia cevada e trigo, havia
figos e uvas”, conta Sinuhe. E onde a Bíblia diz: Uma terra de azeite e de mel,
onde, sem nenhuma escassez, comerás o teu pão, diz o texto egípcio: “Seu mel
era copioso e abundante o seu azeite. Diariamente eu comia pão”.
A
descrição que Sinuhe faz de seu modo de vida entre os amoritas, na tenda,
cercado de seus rebanhos e envolvido em lutas com orgulhosos beduínos, que ele
precisa afastar de suas pastagens e de suas fontes, corresponde a descrição
bíblica da vida dos patriarcas. Também Abraão e seu filho Isaac tem contendas
por causa das suas fontes (Gn 21.25; 26.15, 20).
Os
resultados de conscienciosas pesquisas comprovam melhor que tudo o cuidado e a
precisão com que a Bíblia descreve as condições de vida naquele tempo. Pois a
abundância de documentos e monumentos recémdescobertos permite-nos fazer hoje
“uma reconstituição plástica e fiel das circunstâncias de vida em Canaã na
época do advento dos patriarcas”.
4 - AS TERRAS DE CANAÃ
4.1.
Canaã à quase quatro milênios atrás
Canaã,
por volta de 1900 a.C., era apenas esparsamente povoada. Era, a bem dizer, uma
verdadeira terra de ninguém. Aqui e além, no meio de campos cultivados,
erguia-se um burgo fortificado. Nas encostas circunjacentes havia vinhedos,
figueiras e palmeiras. Os habitantes viviam em permanente estado de alerta, as
povoações, pequenas e muito isoladas, eram objeto de audaciosos assaltos dos
nômades. Súbita e inesperadamente, os nômades surgiam, derrubavam tudo, levando
o gado e as colheitas. Com a mesma rapidez com que surgiam, desapareciam, e não
havia meio de encontrá-los nas vastas planícies de areia ao sul e a leste. Era
incessante a luta entre os lavradores e criadores de gado que se tornaram sedentários
e as tribos de salteadores que não conheciam habitação fixa e cujo teto era uma
tenda de pele de cabra aberta em qualquer parte ao ar livre sob o vasto céu do
deserto. Por essa região insegura vagueou Abraão com Sara, sua mulher, Ló, seu
sobrinho, sua gente e seus rebanhos.
E
tendo lá chegado, Abraão atravessou este país até o lugar de Siquém, até o vale
ilustre... E o Senhor apareceu a Abraão, e disse-lhe: eu darei esta terra aos
teus descendentes. Naquele lugar edificou um altar ao Senhor, que lhe tinha
aparecido. E, passando dali ao monte, que estava ao oriente de Betel, aí
levantou a sua tenda, tendo Betel a ocidente, e Hai a oriente. Aí edificou
também um altar ao Senhor, e invocou o seu nome. Abraão continuou a sua viagem,
andando e avançando para o meio-dia (Gn 12.5-9).
4.2.
Mais inscrições, desta vez em vasos e estatuetas
Em
1920, foram encontrados no Nilo alguns cacos notáveis, a maioria deles
procedente de Tebas e de Sacara. Arqueólogos berlinenses adquiriram alguns,
outros foram para Bruxelas e o resto foi enviado para o Museu do Cairo.
Manejados por mãos cuidadosas de especialistas, esses fragmentos
transformaram-se de novo em vasos e estatuetas, e as inscrições que neles
apareceram foram o que mais surpreendeu. Esses textos estão cheios de terríveis
pragas e maldições, como esta: “Morte a todo aquele que disser más palavras e
conceber maus pensamentos, a todo aquele que pronunciar maldições, que praticar
más ações e tiver maus propósitos”. Estas e outras ameaças se dirigiam de
preferência a cortesãos e nobres egípcios, mas também a governadores de Canaã e
da Síria.
4.3.
É encontrada a cidade de Siquém
No
coração de Samaria, há um vale extenso e plano, acima do qual se erguem os
altos cumes do Garizim e do Ebal. Campos bem cultivados circundam Askar, uma
aldeiazinha da Jordânia. Perto dessa aldeia, ao fundo do Garizim, foram
encontradas as ruínas de Siquém.
Foi
obra do arqueólogo alemão Profº. Ernst Sellin. Em escavações que duraram dois
anos, 1913 e 1914, vieram a luz do dia camadas da mais alta antiguidade.
Sellin
encontrou restos de muros do século XIX a.C. Pouco a pouco foi tomando forma um
gigantesco muro circundante com sólidos alicerces, tudo toscamente talhado em
blocos de rocha feldspática. Alguns desses blocos mediam até dois metros de
espessura. Os arqueólogos designam esse tipo de construção com o nome de “muros
ciclópicos”. O muro era reforçado por um talude. Os construtores de Siquém não
só tinham guarnecido a muralha de dois metros de largura com pequenas torres,
mas haviam-lhe sobreposto ainda uma muralha de terra.
Foram
também surgindo dos escombros as ruínas de um palácio. O acanhado pátio
quadrangular, rodeado por uns poucos compartimentos de grossas paredes, mal
poderia merecer o nome de palácio. Como Siquém, eram todas as cidades de Canaã
cujos nomes temos ouvido tantas vezes e diante das quais os israelitas sentiram
tanto medo no princípio. Salvo poucas exceções, conhecemos todas as construções
notáveis daquele tempo. A maioria só foi relevada pelas escavações nas três
últimas décadas. Durante milênios, ficaram enterradas e agora se apresentam
completas aos nossos olhos, e entre elas as muitas cidades cujos muros os
patriarcas devem ter visto: Bétel e Mispa, Gerar e Lakish, Gézer e Ghat,
Ascalão e Jericó. Se alguém quisesse escrever a história da construção
de cidades e fortalezas de Canaã, nao teria grande dificuldade em fazê-lo, dada
a abundância de material existente até o terceiro milênio antes de Cristo.
4.4.
Como era Canaã e suas cidades
As
cidades de Canaã eram burgos fortificados, lugares de refúgio em tempos de
guerra, quer devido a ataques súbitos de tribos nômades, quer devido a
hostilidades dos cananeus entre si. As poderosas muralhas de pedra circundavam
sempre uma pequena superfície pouco maior que a Praça de São Pedro de Roma. É
verdade que cada cidade fortaleza tinha abastecimento de água, mas não havia
nenhuma que pudesse abrigar permanentemente uma população numerosa. Em
comparação aos palácios e metrópoles da Mesopotâmia ou do Nilo, eram insignificantes.
Em sua maioria, as cidades de Canaã caberiam comodamente no palácio dos reis de
Mari.
Em
Tell el Hesi, indubitavelmente a bíblica Eglon, a antiga fortaleza circundava
uma superfície de meio hectare apenas. Em Tell el Safy (antiga Ghat), cinco
hectares, em Tell el Mutsellim (outrora Megido), mais ou menos a mesma coisa,
em Tell el Zakariyah (a bíblica Aseca), menos de quatro hectares, Gézer, na
estrada de Jerusalém para o porto de Jafa, abrangia nove hectares de superfície
construída. Mesmo na reconstruída Jericó, o espaço cercado pela fortificação
interior, a acrópole propriamente, cobria apenas uma superfície de dois
hectares. E, contudo, Jericó era uma das fortificações mais poderosas do país.
Lutas
encarniçadas entre os chefes de tribos estavam na ordem do dia. Faltava a mão
ordenadora da autoridade. Cada chefe mandava em seu território. Ninguém mandava
nele, que fazia o que bem lhe aprazia. A Bíblia chamava os cabeças de tribo
reis e, quanto ao que se referia ao poder e independência, tinha razão.
Entre
os chefes de tribo e seus súditos havia uma relação patriarcal. Dentro dos
muros viviam apenas o chefe, as famílias patrícias, os representantes do faraó
e os comerciantes ricos. Só eles moravam em casas sólidas e firmes, em geral de
um andar, constituídas de quatro a seis cômodos dispostos em volta de um pátio
aberto. Casas patrícias com um segundo andar eram relativamente raras. O resto
da população (gente de séquito, escravos, servos) morava em rudes choupanas de
barro ou folhagem, fora dos muros. Deviam levar uma vida miserável.
Desde
os tempos mais primitivos, dois caminhos se cruzavam na planície de Siquém. Um
deles descia para o vale do Jordão. O outro seguia para o sul, subindo as
montanhas solitárias, até Bétel e, mais para lá, passando por Jerusalém, até o
Neguev, o país do meio-dia da Bíblia. Quem tomava por este último encontrava
apenas algumas povoações na região montanhosa central de Samaria e Judá:
Siquém, Bétel, Jerusalém e Hebron. Quem preferia o caminho mais cômodo
encontrava as cidades maiores e as fortalezas mais importantes dos cananeus,
situadas nos opulentos vales da planície de Israel, no fértil litoral de Judá e
em meio da vegetação luxuriante do vale do Jordão.
4.4.1.
Abraão e seu caminho por Canaã
Para
sua primeira viagem de exploração através da Palestina, Abraão escolheu o
caminho solitário e penoso que seguia para o sul, pelas montanhas. Pois aí as
encostas cobertas de florestas ofereciam ao forasteiro proteção e abrigo e
ricos pastos nas clareiras para o gado que conduzia. Mais tarde, ele e sua
gente tornaram a seguir esses mesmos caminhos difíceis das montanhas e o mesmo
fizeram os outros patriarcas diversas vezes, em uma e outra direção. Por mais
que os férteis vales da planície o tentassem constantemente, Abraão preferiu
sempre o caminho da montanha. Pois com os arcos e fundas de sua gente não
estaria a altura de se medir com os cananeus, armados de espadas e lanças.
Assim, Abraão não se atrevia a deixar as montanhas.
4.5.
Sodoma e Gomorra
“Então
o Senhor, da sua parte, fez chover do céu enxofre e fogo sobre Sodoma e
Gomorra. E Abraão levantou-se de madrugada, e foi ao lugar onde estivera em pé
diante do Senhor; e, contemplando Sodoma e Gomorra e toda a terra da planície,
viu que subia da terra fumaça como a de uma fornalha (Gn 19.24, 27-28)”.
4.6.
Abraão e Ló separam-se
Após
sua volta do Egito, Abraão e Ló separaram-se. “E a terra não tinha capacidade
para poderem habitar juntos”, conta a Bíblia, “porque seus bens eram muito
grandes. Daqui nasceu uma contenda entre os pastores dos rebanhos de Abraão e
os de Ló. Disse, pois, Abraão a Ló: Peço-te que não haja contendas entre mim e
ti, nem entre os meus pastores e os teus pastores, porque somos irmãos. Eis
diante de ti todo o país; rogo-te que te apartes de mim; se fores para a
esquerda, eu tomarei a direita; se escolheres a direita, eu irei para a
esquerda” (Gn 13.6-9).
Abraão
deixou que Ló escolhesse. Despreocupado, como geralmente são os jovens, Ló
optou pela melhor parte, a região do Jordão. Ela era “... toda regada de água”
e abençoada por uma exuberante vegetação tropical, “como o paraíso do Senhor e
como o Egito até Segor” (Gn 13.10).
4.6.1.
Ló vai para Sodoma
Das
cadeias de montanhas cobertas de bosques, no coração da Palestina, Ló desceu
para leste, entrou com sua gente e seus rebanhos no vale do Jordão ao sul e,
finalmente, levantou suas tendas em Sodoma. Ao sul do mar Morto havia uma
planície fertilíssima, o “Vale de Sidim, onde agora é o mar salgado” (Gn 14.3).
A Bíblia enumera cinco cidades nesse vale: Sodoma, Gomorra, Adama, Seboim e
Segor (Gn 14.2). Ela tem notícia também de uma guerra na história dessas cinco
cidades: “Naquele tempo sucedeu” que quatro reis “fizeram guerra contra Bara,
rei de Sodoma, e contra Bersa, rei de Gomorra, e contra Senaar, rei de Adama, e
contra Semeber, rei de Seboim, e contra o rei de Bala, isto é, Segor” (Gn
14.2). Doze anos haviam os reis do vale de Sidim sido tributários do Rei
Codorlaomor. No décimo terceiro, rebelaram-se. Codorlaomor pediu auxílio a três
reis que estavam a ele coligados. Uma expedição punitiva chamaria os rebeldes a
razão. Na luta entre os nove reis, Codorlaomor e seus aliados derrotaram os
reis das cinco cidades do vale de Sidim, incendiando e saqueando suas capitais.
Ló
encontrava-se entre os prisioneiros dos reis estrangeiros. Foi libertado por
seu tio Abraão (Gn 14.12-16), que, com seus servos, seguiu qual uma sombra o
exército dos reis que voltavam para suas terras. De um esconderijo seguro,
observava e estudava tudo atentamente, sem ser notado. Abraão deu tempo ao
tempo. Só perto de Dã, na fronteira norte da palestina, pareceu-lhe que havia
chegado a oportunidade favorável. De repente, sob a proteção de uma noite
escura, Abraão atacou com seus servos a retaguarda do exército e, na confusão
que se seguiu, pôde libertar Ló. Só quem não conhece a tática dos beduínos pode
ouvir com ceticismo essa narrativa.
Entre
os habitantes dessa região existe até hoje memória dessa expedição. Ela aparece
no nome de um caminho que segue, partindo do lado leste do mar Morto, para o
norte, até a velha terra de Moab. Os nômades da Jordânia conhecem-no muito bem.
Entre os naturais chama-se curiosamente “estrada dos reis”. Na Bíblia, nós o
encontramos novamente, aqui porém chamado “estrada pública” ou “caminho
ordinário”, quando os filhos de Israel queriam passar por Edom a caminho da
“Terra Prometida” (Nm 20.17-19). No alvorecer da nossa era, os romanos
utilizaram e reconstruíram a “estrada dos reis”. Partes dela pertencem hoje a
rede de estradas do novo Estado da Jordânia. Perfeitamente visível de avião, o
velho caminho atravessa a região, assinalado por uma faixa escura.
4.6.2.
A destruição de Sodoma e Gomorra
Foto ilustrativa do Local onde acredita-se ser
Sodoma e Gomorra (12)
Disse,
pois, o Senhor: O clamor de Sodoma e Gomorra aumentou, e o seu pecado
agravou-se extraordinariamente. Fez, pois, o Senhor da parte do Senhor chover
sobre Sodoma e Gomorra enxofre e fogo do céu; e destruiu essas cidades, e todo
o país em roda, todos os habitantes da cidade, e toda a verdura da terra. E a
mulher de Ló, tendo olhado para trás, ficou convertida numa estátua de sal. E
viu que se elevavam da terra cinzas inflamadas, como o fumo de uma fornalha (Gn
18.20; 19.24, 26, 28).
A
sinistra força dessa narrativa bíblica tem impressionado profundamente os
ânimos dos homens em todos os tempos. Sodoma e Gomorra tornaram-se símbolos de
vício e iniquidade e sinônimos de aniquilação completa. Incessantemente, o
terrível e inexplicável acontecimento deve ter inflamado a fantasia dos homens,
como o demonstram numerosos relatos dos tempos passados. Devem ter ocorrido
coisas estranhas e absolutamente inacreditáveis no mar Morto, o mar salgado,
onde, de acordo com a Bíblia, ocorreu a catástrofe.
Segundo
uma tradição, durante o cerco de Jerusalém, no ano 70 da nossa era, um general
romano, Tito, condenou alguns escravos a morte. Submeteuos a um breve
julgamento e mandou encadeá-los todos juntos e jogá-los no mar, próximo ao
monte de Moab. Os condenados, porém, não se afogaram. Repetidamente foram
jogados ao mar e todas as vezes, como cortiças, vinham dar em terra. O
inexplicável fenômeno impressionou Tito de tal modo que ele acabou por perdoar
os pobres criminosos. Flávio Josefo, historiador judeu que viveu os últimos
anos da sua vida em Roma, cita repetidamente um “lago de asfalto”. Os gregos
falavam com insistência em gases venenosos que se desprenderiam por toda parte
nesse mar, e os árabes diziam que havia muito nenhuma ave conseguia voar até a
outra margem. Segundo eles, ao sobrevoá-lo, as aves se precipitavam subitamente
na água, mortas.
4.7.
Exploração do Mar Morto
Essas
e outras histórias tradicionais similares eram bem conhecidas, mas até uns cem
anos atrás faltava todo e qualquer conhecimento preciso sobre o estranho e
misterioso mar da Palestina. Nenhum cientista o tinha visto e explorado ainda.
Foram os Estados Unidos que, no ano de 1848, tomaram a iniciativa, equipando
uma expedição para estudar o enigmático mar Morto. Num dia de outono desse ano,
a praia em frente a cidadezinha de Akka, quinze quilômetros ao norte de Haifa,
ficou negra de homens ativamente ocupados numa estranha manobra.
De
um navio ancorado ao largo, W. F. Lynch, geólogo e chefe da expedição, havia
mandado desembarcar dois barcos metálicos, que nesse momento estavam sendo cuidadosamente
amarrados em carros de altas rodas. Puxados por uma longa fileira de cavalos,
puseram-se a caminho. Ao fim de três semanas e após dificuldades incríveis, foi
terminado o transporte através das terras do sul da Galiléia. Os barcos foram
lançados a água no lago Tiberíades. As medidas de altura tomadas por Lynch no
lago de Genesaré produziram a primeira grande surpresa dessa viagem. A
princípio, ele pensou tratar-se de um erro, mas a verificação confirmou o
resultado. A superfície do lago de Genesaré, mundialmente conhecido pela
história de Jesus, ficava duzentos e oito metros abaixo da superfície do
Mediterrâneo! A que altura nasceria o Jordão, que atravessa esse lago?
Dias
depois, W. F. Lynch encontrava-se numa alta encosta do nevado Hermon. E entre
os restos de colunas e portais desmantelados surgiu a pequena aldeia de Banias.
Árabes conhecedores do terreno conduziram-no através de um espesso bosque de
espirradeiras até uma cova meio encoberta por calhaus na íngreme encosta
calcária do Hermon. Da escuridão dessa cova brotava com força, gorgolejando, um
jorro de água límpida. Era uma das três nascentes do Jordão. Os árabes chamam
ao Jordão Cheri ’at el Kebire, “Grande Rio”. Ali estivera o antigo Paníon, ali
Herodes construíra um templo de Pã em honra de Augusto. Junto a gruta do
Jordão, havia uns nichos em forma de concha. Ainda se pode ler ali claramente a
inscrição grega: “Sacerdote de Pã”. No tempo de Jesus Cristo, o deus grego dos
pastores era venerado junto as fontes do Jordão. O deus com pés de cabra levava
aos lábios a flauta, como se quisesse modular uma canção para acompanhar o
Jordão em sua longa viagem. A cinco quilômetros daquela fonte, para os lados do
oeste, ficava a bíblica Dã, o sítio mais setentrional do país, repetidamente
citada na Bíblia. Também ali, na encosta sul do Hermon, brotava uma nascente de
águas claras. Uma terceira fonte desce de um vale situado mais acima. O fundo
do vale fica pouco acima de Dã, quinhentos metros acima do nível do mar.
Onde
o Jordão atinge o pequeno lago Huleh, vinte quilômetros ao sul, o leito já
baixou até dois metros acima do nível do mar. Depois o rio se precipita
abruptamente por um espaço de pouco mais de dez quilômetros até o lago de
Genesaré. Em seu curso, das vertentes do Hermon até esse local, num trecho de
quarenta quilômetros apenas, desceu setecentos metros.
Do
lago Tiberíades, os membros da expedição americana desceram o Jordão em dois
barcos de metal, percorrendo seus intermináveis meandros. Gradualmente a
vegetação ia-se tornando mais esparsa. Só nas margens do rio ainda havia moitas
espessas. Sob o sol tropical, surgiu a direita um oásis -Jericó. Pouco depois
chegaram ao seu destino. Entre penhascos talhados quase a prumo, estendia-se a
sua frente a vasta superfície do mar Morto.
A
primeira coisa que fizeram foi tomar um banho. Os homens que saltaram na água
tiveram a impressão de que vestiam salva-vidas, tal a maneira como foram
impelidos para cima. As antigas narrativas não haviam, pois, mentido. Naquele
mar, ninguém podia se afogar. O sol escaldante secou a pele dos homens quase
instantaneamente. A fina camada de sal que a água deixara em seus corpos
fazia-os parecerem completamente brancos. Ali não havia moluscos, peixes,
algas, corais... naquele mar jamais vogara um barco de pesca. Não havia frutos
do mar nem frutos da terra. Suas margens eram desoladas e nuas. As costas do
mar e as faces dos rochedos lá no alto, cobertas de enormes camadas de sal
endurecido, brilhavam ao sol como diamantes. A atmosfera estava saturada de
cheiros acres e penetrantes. Cheirava a petróleo e enxofre. Sobre as ondas
flutuavam manchas oleosas de asfalto -a que a Bíblia chama betume (Gn 14.10).
Nem mesmo o azul brilhante do céu ou o sol forte conseguia dar vida a paisagem
hostil.
Os
barcos americanos cruzaram o mar Morto durante vinte e dois dias. Tomavam
amostras de água, analisavam-nas, e a sonda era lançada ao fundo continuamente.
Verificaram que a foz do Jordão, no Mar Morto, ficava trezentos e noventa e
três metros abaixo do nível do mar! Se houvesse uma comunicação com o
Mediterrâneo, o Jordão e o lago de Genesaré, distante cento e cinco
quilômetros, desapareceriam. Um imenso mar interior se estenderia até as
margens do lago Huleh!
“Quando
uma tempestade irrompe naquela bacia de penhascos”, observa Lynch; “as ondas
golpeiam os costados do barco como marteladas, mas o próprio peso da água faz
com que em pouco tempo se aplaquem, depois que o vento cessa”.
Através
do relatório da expedição, o mundo ficou sabendo pela primeira vez de dois
fatos espantosos. O mar Morto atinge quatrocentos metros de profundidade; o
fundo do mar fica, portanto, cerca de oitocentos metros abaixo da superfície do
Mediterrâneo. A água do mar Morto contém cerca de trinta por cento de elementos
componentes sólidos, a maior parte constituída por cloreto de sódio, isto é, de
sal de cozinha. Os oceanos contêm apenas de quatro a seis por cento de sal.
Nessa bacia de setenta e seis quilômetros de comprimento por dezessete de
largura desembocam o Jordão e muitos rios menores. Sob o sol escaldante,
evaporam-se, dia após dia, oito milhões de metros cúbicos de água de sua
superfície. As matérias químicas que esses rios conduzem permanecem nessa bacia
de mil duzentos e noventa e dois quilômetros quadrados de superfície.
Foto ilustrativa do O Mar Morto (13)
4.7.1.
A Procura de Sodoma e Gomorra
Só
no começo deste século, com as escavações realizadas no resto da Palestina, foi
despertado também o interesse por Sodoma e Gomorra. Os exploradores
dedicaram-se a procura das cidades desaparecidas que nos tempos bíblicos
estariam situados no vale de Sidim.
Na
extremidade a sudeste do mar Morto, encontram-se os restos de uma grande
povoação. Esse sítio ainda hoje é chamado Segor. Os pesquisadores se
regozijaram, pois Segor era uma das cinco cidades ricas do vale de Sidim que se
recusaram a pagar tributo aos quatro reis estrangeiros. Mas as escavações
experimentais realizadas trouxeram apenas decepção. Assim, há dúvidas ainda se
Segor é o mesmo sítio citado na Bíblia.
A
verificação das ruínas descobertas revelou tratar-se de restos de uma cidade
que floresceu no princípio da Idade Média. Da antiga Segor do rei de Bala (Gn
14.2) e das capitais vizinhas não se encontrou vestígio. Entretanto, diversos
indícios encontrados nos arredores da Segor medieval sugerem a existência de
uma povoação muito densa naquele país em época muito anterior.
Na
costa oriental do mar Morto, estende-se mar adentro, como uma língua de tena, a
península de El-Lisan. Em árabe, “el-Lisan” significa “a língua”. A Bíblia
menciona-a expressamente quando se refere a partilha do país depois da
conquista. As fronteiras da tribo de Judá são traçadas com precisão. Para isso
Josué dá uma estranha característica a fim de indicar os limites do sul: “O seu
princípio é desde a ponta do mar salgado, e desde a língua que ele forma,
olhando para o meio-dia” (Js 15.2).
Uma
narrativa romana refere-se a essa língua de terra numa história que sempre foi
injustamente considerada com grande ceticismo. Dois desertores fugiram para
essa península. Os legionários que os perseguiram procuraram nos em vão por
toda parte. Quando finalmente os avistaram, era tarde demais. Os desertores já
escalavam os altos rochedos da outra margem... Tinham atravessado o mar a vau!
Evidentemente
o mar naquela época era mais raso que hoje. Invisível, o fundo ali forma uma
dobra gigantesca que divide o mar em duas partes. A direita da península, desce
a prumo até quase quatrocentos metros de profundidade. À esquerda da península,
o fundo é extraordinariamente raso. Medições feitas nos últimos anos acusaram
profundidades de quinze a vinte metros apenas.
Área onde existem sítios arqueológicos em busca de
Sodoma e Gomorra (14)
4.7.2.
O que disseram os geólogos
Os
geólogos tiraram dessas descobertas e observações outra interpretação, que
poderia explicar a causa e fundamento da narrativa bíblica da aniquilação de
Sodoma e Gomorra.
A
expedição americana dirigida por Lynch foi a primeira que, em 1848, deu a
notícia da grande descida do Jordão em seu breve curso pela Palestina. O fato
de, em sua queda, o leito do rio descer muito abaixo do nível do mar é, como só
pesquisas posteriores comprovaram, um fenômeno geológico singular. “É possível
que haja em algum outro planeta coisa semelhante ao que ocorre no vale do
Jordão; no nosso não existe”, escreve o geólogo George Adam Smith em sua obra
“A geografia histórica da Terra Santa”. “Nenhuma outra parte não submersa da
nossa Terra fica mais de cem metros abaixo do nível do mar”.
O
vale do Jordão é apenas parte de uma fenda imensa na crosta da nossa Terra.
Hoje já se conhece sua extensão exata. Começa muitas centenas de quilômetros ao
norte da fronteira da Palestina nas faldas da montanha do Tauro, na Ásia Menor.
Ao sul, vai desde a costa sul do mar Morto, atravessa o deserto de Arábia até o
golfo de Ácaba e só vai terminar do outro lado do mar Vermelho, na África. Em
muitos lugares dessa imensa depressão há vestígios de antiga atividade
vulcânica. Nos montes da Galiléia, nos planaltos da Jordânia oriental, nas
margens do afluente Jabbok, no golfo de Ácaba, há basalto negro e lava.
Será
que Sodoma e Gomorra afundaram quando (acompanhado por terremotos e erupções
vulcânicas) um pedaço do chão do vale ruiu um pouco mais? E o mar Morto se
alongou naquela época em direção ao sul?
A
ruptura da terra liberou as forças vulcânicas contidas há muito tempo nas
profundezas da greta. Na parte superior do vale do Jordão, junto a Basan,
erguem-se ainda hoje as crateras de vulcões extintos, e sobre o terreno
calcário há grandes campos de lava e enormes camadas de basalto. Desde tempos
imemoriais, os territórios ao redor dessa depressão são sujeitos a terremotos.
Repetidamente temos notícia deles, e a própria Bíblia fala a respeito. Como
para confirmar a teoria geológica do desaparecimento de Sodoma e Gomorra,
escreve textualmente o sacerdote fenício Sanchuniathon em sua História antiga
redescoberta: “O vale de Sidim” afundou e se transformou em mar, sempre
fumegante e sem peixe, exemplo de vingança e morte para os ímpios”.
4.7.3.
A destruição não foi causada por vulcões
Antes
de mais nada, convém frisar que está fora de qualquer cogitação a hipótese
segundo a qual a depressão do rio Jordão teria se originado somente há uns
quatro milênios, pois, conforme as pesquisas mais recentes, a origem dessa
depressão remontaria ao Oligoceno (Terciário, entre o Eoceno e o Mioceno).
Portanto, neste caso é preciso calcular não em milhares, mas sim milhões de
anos. Embora, em tempos posteriores, fosse comprovada uma atividade vulcânica
mais intensa, relacionada com a abertura da depressão do rio Jordão, mesmo
assim chegamos a parar no Plistoceno, encerrado há uns dez mil anos, e ficamos
longe do chamado “período dos patriarcas”, convencionalmente datado no terceiro
ou até segundo milênio antes de Cristo. Ademais, justamente ao sul da península
de Lisan, onde supostamente teria acontecido o ocaso de Sodoma e Gomorra,
perdem-se todos os vestígios de erupções vulcânicas. Em outras palavras,
naquela área as condições geológicas não permitem comprovar uma catástrofe
ocorrida em época geológica bem recente, que destruiu cidades e foi acompanhada
por violentas erupções vulcânicas.
4.7.4.
A mulher de Ló virou estátua de sal
E
a mulher de Ló, “tendo olhado para trás, ficou convertida em estátua de sal”
(Gn 19.26).
Quanto
mais nos aproximamos da extremidade sul do mar Morto, mais deserta e selvagem
se torna a região e mais sinistro e impressionante é o cenário das montanhas.
Um eterno silêncio paira nos montes, cujas vertentes escalavradas pendem a
prumo sobre o mar, onde se reflete sua brancura cristalina. A inaudita
catástrofe deixou seu selo indelével de tristeza e desolação naquelas paragens.
Raramente passa por algum daqueles vales fundos e escarpados um grupo de
nômades a caminho do interior.
Onde
terminam as águas pesadas e oleosas, ao sul, termina também, bruscamente, o
impressionante cenário de rochedos, dando lugar a uma região pantanosa de água
salgada. O solo avermelhado é riscado por inúmeros ribeiros, perigosos para o
viajante incauto. Essa baixada estendese a grande distância para o sul até o
deserto vale de Arabá, que chega até o mar Vermelho.
A
oeste da costa sul, na direção do país do meio-dia bíblico, o Neguev,
estende-se um espinhaço de quarenta e cinco metros de altura e quinze
quilômetros de comprimento na direção norte-sul. O sol, batendo nas suas
encostas, produz reflexos de diamante. É um estranho fenômeno da natureza. A
maior parte dessa pequena serra é constituída de puros cristais de sal. Os
árabes chamam-Ihe Djebel Usdum, nome antiquíssimo em que está contida a palavra
“Sodoma”. A chuva desloca numerosos blocos de sal que rolam até a base. Esses
blocos tem formas caprichosas e alguns deles são eretos como estátuas. As vezes
em seus contornos a gente pensa distinguir, de repente, formas humanas.
As
estranhas estátuas de sal trazem logo a lembrança a história da Bíblia sobre a
mulher de Ló, que foi transformada em estátua de sal. E tudo o que está próximo
ao mar salgado ainda hoje se cobre em pouco tempo com uma crosta de sal.
4.7.5.
Outros achados arqueológicos
Foi
apenas recentemente que a escavação do Tell el-Mardikh, na Síria setentrional
(ao sul de Alepo), conduzida pelo cientista italiano Giovanni Pettinato, causou
sensação. Ali, Pettinato achou Ebla, uma cidade do terceiro milênio antes da
era cristã, e a esse respeito foram três os fatos que causaram espécie.
Primeiro, em tempos pré-históricos, existia ali uma civilização avançada, com
uma estrutura social altamente diferenciada para a época; segundo, Ebla possuía
um rico arquivo de tabuinhas de barro. Como costuma acontecer com todos esses
arquivos, sua descoberta promete uma série de conhecimentos novos, quando, por
outro lado, tais noções recém-adquiridas bem poderiam abalar algumas das
doutrinas até então consideradas certas e garantidas. Recentemente, um colega
alemão do Profº. Pettinato comentou: “Depois de estudados e explorados os
textos, provavelmente poderemos esquecer os resultados obtidos em todo um
século de pesquisas do antigo Oriente”. Contudo, a terceira e, no caso, a mais
importante sensação causada pela descoberta do Profº. Pettinato prende-se ao
fato de os textos de Ebla conterem nomes que nos são familiares pela leitura da
Bíblia e, assim, aparecem no terceiro milênio antes de Cristo! Ali são
mencionados tanto o nome de Abraão quanto os nomes das cidades pecadoras de
Sodoma e Gomorra, aniquiladas pelo fogo, de Adma e Zeboim, no mar Morto. Aliás,
quanto a isso, há um certo ceticismo entre alguns colegas do Profº. Pettinato.
Será que ele interpretou corretamente aqueles textos? Sem dúvida, pois como já
mencionamos em outro trecho, os nomes dos patriarcas foram encontrados também
em outros locais. Mas o que se deve pensar do fato de os nomes Sodoma e Gomorra
constarem de um arquivo encontrado na Síria, terceiro milênio antes de Cristo? Assim
será que essas cidades existiram de fato? Ou será que sua tradição remonta a
tempos remotos, a ponto de antecederem o início convencionado para o “tempo dos
patriarcas”? Decerto, ainda levará muito tempo para se encontrar respostas a
todas essas perguntas. Em geral, o cientista não costuma ir à cata de
sensações, e falta muito para reunirmos as condições necessárias para avaliar,
sem sombra de dúvida, quanto de realmente sensacional há na arqueologia bíblica
do Tell el-Mardikh descontado todo sensacionalismo.
4.7.6.
A Cidade de Nínive
“Ora
veio a palavra do Senhor a Jonas, filho de Amitai, dizendo: Levanta-te, vai à
grande cidade de Nínive, e clama contra ela, porque a sua malícia
subiu até mim (Jn 1.1-2)”.
4.7.6.1.
O começo das expedições
Em
1854, dirigia-se para o solitário morro vermelho uma caravana de camelos e
jumentos com uma carga incomum de pás, picaretas e aparelhos de medição, sob a
direção do consul inglês em Baçorá, J. E. Taylor, que não estava ali por
espírito de aventura nem, tampouco, por sua própria vontade. Ele fazia essa
viagem a serviço do Foreign Office, a fim de satisfazer o desejo do Museu
Britânico de Londres de que fosse explorado o sul da Mesopotâmia, a terra onde
o Eufrates e o Tigre se avizinham cada vez mais um do outro ao se aproximarem
do Golfo Pérsico, em busca de antigos monumentos arquitetônicos. Em Baçorá,
Taylor havia ouvido falar muitas vezes do estranho e imenso monte de pedras de
que se aproximava nesse momento. Parecia-lhe um objeto adequado para a sua
expedição.
Nos
meados do século XIX, iniciaram-se pesquisas e escavações por toda parte, no
Egito, na Mesopotâmia e na Palestina, obedecendo a um desejo subitamente
surgido de formar uma idéia cientificamente alicerçada sobre a história da
humanidade naquela parte do mundo. O objetivo de uma vasta série de expedições
foi o Oriente Próximo.
Até
então, desde o ano 550 a.C. aproximadamente, a Bíblia fora a única fonte de
informações sobre a história da Ásia Menor. Só ela falava de tempos que se
perdiam nas sombras do passado. Surgiram na Bíblia povos e nomes de que nem os
gregos e romanos antigos tinham mais notícia alguma.
Pelos
meados do século passado, multidões de eruditos foram atraídas
irresistivelmente para as terras do antigo Oriente. Ninguém conhecia os nomes que
em breve andariam em todas as bocas. Os homens do “Século das Luzes” ouviam com
assombro a respeito de seus achados e descobertas. O que aqueles homens
arrancaram, a poder de contínuo e árduo trabalho, das areias do deserto ao
longo dos grandes rios da Mesopotâmia e do Egito chamou com justiça a atenção
de milhões e milhões de pessoas: ali a ciência abria pela primeira vez a porta
do misterioso mundo da Bíblia.
4.7.6.2.
As escavações
O
consul francês em Mossul, Paul-Émile Botta, é um arqueólogo inspirado. Em 1843,
ele inicia escavações em Khursabad, no Tigre, e traz à luz do dia, das ruínas
de uma metrópole de quatro mil anos, em todo o seu esplendor, os primeiros
testemunhos da Bíblia: Sargão, o lendário soberano da Assíria. No ano em que
Tartan, enviado por Sargão, rei dos assírios, foi contra Azot... (Is 20.1).
Dois
anos depois, um jovem diplomata e explorador inglês, A. H. Layard, pôs a nu
Nimrod (Callach), a cidade que na Bíblia se chama Cale (Gn 10.11) e agora tem o
nome do bíblico Nemrod, um poderoso caçador diante do Senhor. O princípio do
seu reino foi Babilônia, e Arac, e Acad, e Calane, na terra de Senaar. Daquela
terra foi para Assur, e edificou Nínive, e as praças da cidade, e Cale... (Gn
10.10-11).
4.8.
Descobertas arqueológicas em Nínive
Descobertas arqueológicas em Nínive (16)
4.8.1.
A descoberta de Nínive
Pouco
tempo depois, escavações realizadas a onze quilômetros de Khursabad, sob a
direção do major inglês Henry Creswicke Rawlinson, que se tornou um dos
assiriólogos mais notáveis, puseram a descoberto a capital assíria de Nínive e
a célebre biblioteca do Rei Assurbanipal. E a Nínive da Bíblia, cuja maldade os
profetas verberam repetidamente (Jn 1.2).
Na
Palestina, o sábio americano Edward Robinson dedica-se, entre 1838 e 1852, a reconstituição
da antiga topografia.
O
alemão Richard Lepsius, posteriormente diretor do Museu Egípcio de Berlim,
registra, numa expedição que se prolonga de 1842 a 1846, os monumentos
arquitetônicos do Nilo.
Depois
de o francês Champollion ter conseguido decifrar os hieróglifos egípcios, por
volta de 1850 é igualmente solucionado o mistério da escrita cuneiforme, entre
outros por Rawlinson, o explorador de Nínive. Os velhos documentos começam a
falar!
5 - OS MANUSCRITOS DO MAR MORTO
5.1.
Os Manuscritos do Mar Morto
Textos Manuscritos (17)
5.1.1.
O que são os Manuscritos?
O
termo “Manuscritos do Mar Morto” é usado atualmente em dois sentidos, um
genérico e outro específico. No sentido genérico, “Manuscritos do Mar Morto”
refere-se a textos, encontrados não no Mar Morto, mas descobertos em grutas ao
longo da margem noroeste desse mar entre os anos de 1947 e 1956. Esses
“manuscritos” às vezes são completos, mas a grande maioria deles é fragmentos
de textos ou de documentos de diversos tipos que datam mais ou menos do final
do século III a.C. ao século VII-VIII d.C. Nem todos são relacionados entre si,
mas foram encontrados em grutas ou cavidades em sete diferentes locais na
margem noroeste do Mar Morto. Nesse sentido genérico, o termo inclui até mesmo
alguns textos descobertos no final do século passado num genizah (“esconderijo”
usado para abrigar pergaminhos e livros judaicos velhos ou gastos) da Sinagoga
de Esdras na parte antiga do Cairo. Os sítios ao longo do Mar Morto compreendem
Qumran, Masada, Wadi Murabba'at, Nahal Hever, Nahal Se'elim, Nahal Mishmar e
Khirbet Mird. Algumas pessoas as vezes incluem nesse sentido genérico também os
textos encontrados em Wadi ed-Daliyeh, um sítio na Transjordânia a nordeste do
Mar Morto. É questionável, porém, se devam ser incluídos sob a designação
“Manuscritos do Mar Morto”, mesmo no sentido mais amplo, porque não tem nenhuma
relação com aqueles e provem de uma área diferente e de um período histórico
muito mais recente.
No
sentido específico, usa-se “Manuscritos do Mar Morto” para designar os rolos e
fragmentos encontrados em 11 grutas na área de Qumran. Usa-se MMM, portanto,
para se falar dos manuscritos de Qumran por causa do grande número de textos
provenientes dessas grutas e da natureza e importância dos documentos que ali
se acharam. Embora 273 cavidades e grutas nas escarpas ao longo do Mar Morto
-de Hajar el-'Asbah (= hebraico 'Eben habbohen, ou “a pedra de Bohan”, Js 15.6)
a Ras Feshkha, uma faixa de cerca de 8 quilômetros -tenham sido exploradas por
arqueólogos (de 10 a 29 de março de 1952), só foram encontrados artefatos que
revelam habitação das grutas em 39 delas; destas, 25 tinham artefatos e
cerâmicas semelhantes aos encontrados na Gruta 1 e no centro comunitário; mas
só 11 grutas nas proximidades de Qumran continham material escrito, e hoje
estas são as grutas numeradas, Gruta 1 a Gruta 11. Dessas 11 grutas provem os
MMM, que são considerados “a maior descoberta de manuscritos dos tempos
modernos” (W. F. Albright).
Parte dos Textos (18)
5.2.
Qumran e sua relação com eles
Qumran
é o nome árabe moderno usado para o Khirbet Qumran e o Wadi Qumran. O árabe
khirbet significa “ruína de pedras” e wâdi, também árabe, “leito de rio seco”;
o último é equivalente do hebraico nahal. Perto do Wadi Qumran e mais para o
norte, no topo de um platô calcário na base de penhascos que se situam a pouco
mais de um quilômetro da margem do Mar Morto, fica o Khirbet Qumran. O platô é
limitado ao sul pelo Wadi e a oeste e norte por desfiladeiros. O Khirbet Quman era
um sítio conhecido dos exploradores e considerado, desde o final do século XIX,
como as ruínas de uma fortaleza romana. Nunca havia sido escavado.
Quando
a Gruta 1 foi descoberta em 1947 numa fenda acima dos penhascos, pouco mais de
um quilômetro ao norte do Khirbet Qumran, acabou-se suspeitando que o Khirbet
Qumran, que fica ao sul, devia ter relações com ela. Assim, ele foi escavado
sob o comando de Roland de Vaux, OP, diretor da Escola Bíblica e Arqueológica
Francesa (École Biblique et Archéologique Française) de Jerusalém, entre 1951 e
1956. As escavações do Khirbet Qumran revelaram três coisas importantes: (a)
vestígios de um aqueduto, que trazia água do Wadi Qumran para o centro
comunitário; (b) um centro comunitário na parte ocidental do platô, um complexo
com uma torre e vários cômodos usados para fins comunitários e como oficinas e
(c) um cemitério, que ocupava a metade oriental do platô e era separado do
centro comunitário por uma longa muralha. Relacionadas com o Khirbet Qumran
estavam as 25 grutas, que parecem ter sido onde os membros da comunidade
viviam. Também relacionadas a ele havia duas áreas agrícolas, uma a cerca de
1,25 quilômetro ao sul do Khirbet Qumran, perto de 'Ain Feshkha (uma fonte de
água salobra), e outra acima dos penhascos em Buqei'a. Das grutas numeradas,
nas quais se encontrou material escrito, as de número 4 a 10 se situavam perto
ou ao longo da orla sul do platô, ao passo que as de número 1 a 3 e 11 eram
mais distantes, mais de um quilômetro ao norte do centro comunitário.
Um
relatório preliminar das escavações do Khirbet Qumran e da dependência agrícola
perto de 'Ain Feshkha foi escrito por de Vaux em L'Archéologie et les
Manuscrits de la Mer Morte (The Schweich Lectures of the British Academy 1959;
Londres: Oxford University Press, 1961); numa tradução inglesa revista,
Archaeology and the Dead Sea Scrolls. Consulte-se também seu capítulo
“Archéologie” em M. Baillet, J. T. Milik e R. de Vaux, Le “Petites Grottes” de
Qumrân (DJD 3; Oxford: Clarendon Press, 1962) 1-36. Mais informações
arqueológicas podem ser encontradas em E.-M. Laperrousaz, Qoumrân.
Khirbet Qumran (19)
5.3.
Como chegaram até as grutas
Não
se sabe com certeza como os manuscritos chegaram as grutas de Qumran. Na Gruta
1 os manuscritos estavam enrolados em tecido e guardados em jarros. Não havia
provas de que a gruta fosse habitada. Daí se conclui que servia como local de
armazenamento; o mesmo parece valer para a Gruta 3. Nas Grutas 2 e 5 a 11, no
entanto, foram encontrados artefatos, indícios de habitação. Por isso os
manuscritos descobertos nessas grutas podem ter sido os remanescentes da
biblioteca particular das pessoas que viveram ali. Quanto a Gruta 4, na
extremidade sul do platô, da qual não veio nenhum manuscrito completo, “pelo
menos 15.000 fragmentos” (segundo o relatório oficial) foram coletados dos
escombros que se acumularam ali em mais de um metro de altura durante os
séculos. Nesse caso, os manuscritos não tinham sido envolvidos em tecido nem
guardados em jarros, e tinha-se a impressão de um lugar onde os membros da
seita simplesmente descarregaram os manuscritos de sua biblioteca comunitária
na época (68 d.C.) em que o centro estava prestes a ser destruído pelos romanos
a caminho do assédio a Jerusalém. Parece que foram jogados ali as pressas,
talvez na esperança de que mais cedo ou mais tarde fossem encontrados intactos
por membros que algum dia retornassem. Ali ficaram até 1952.
Vista aérea das grutas de Qumran (20)
5.3.1.
A descoberta
Diz-se
que os manuscritos da hoje chamada Gruta 1 foram descobertos por um menino,
pastor beduíno, que conduzia seu rebanho de ovelhas e cabras para dar-lhes de
beber na fonte 'Ain Feshkha. Chamava-se Muhammad edh-Dhib (Muhammad, o Lobo),
membro da tribo beduína dos Ta'amireh. Os pormenores da descoberta ficam no
campo dos boatos, mas parece que quando um dos animais se perdeu, o menino saiu
a sua procura e, vendo uma abertura no penhasco a pouco mais de um quilômetro
ao norte do Khirbet Qumran, lançou uma pedra contra ela. Ouvindo-a produzir um
som estranho, decidiu investigar. No dia seguinte, voltou com um companheiro,
escalou a parede e entrou na gruta, onde descobriu grandes jarros de terracota
com tampa, nos quais estavam armazenados rolos de manuscritos envoltos em
tecido. Posteriormente, se revelou que 7 grandes manuscritos foram encontrados
nessa gruta. Em seguida, arqueólogos visitaram a gruta e encontraram cerca de
70 textos fragmentários, alguns dos quais relacionados com os 7 manuscritos
maiores; asseguraram dessa forma que os 7 rolos vieram de fato daquela gruta.
Os
beduínos Ta'amireh estavam agora alertas para a possibilidade de descobrir
outros documentos em grutas. Membros dessa tribo beduína descobriram a Gruta 2
em 1952. Arqueólogos do Museu Arqueológico da Palestina, da Escola Bíblica e da
Escola Americana de Pesquisa Oriental, que exploraram os penhascos, descobriram
a Gruta 3. Os beduínos, novamente, descobriram a Gruta 4, tendo sido levados a
ela em virtude da história contada por um ancião beduíno, que vira uma perdiz
ferida voar para dentro de uma fenda na extremidade sul do platô calcário em
que se situava o Khirbet Qumran. Abriram a fenda, descobriram a gruta e
começaram a limpá-la até ser detidos pelo Departamento de Antiguidades da
Jordânia. Foi finalmente escavada por uma equipe conjunta do Departamento, da
Escola Bíblica e do Museu Arqueológico da Palestina. Esses arqueólogos também
descobriram a Gruta 5, próxima dali, e em particular J. T. Milik recuperou os
fragmentos, que publicou em seguida. A pequena Gruta 6 foi encontrada por beduínos,
tal como a Gruta 11. No caso desta, os beduínos viram um morcego voar para
dentro de uma fenda nos penhascos mais para o sul da Gruta 3, que eles então
abriram, procedendo a sua completa limpeza, apoderando-se de vários textos
valiosos da gruta repleta de guano. Os arqueólogos, todavia, conseguiram mais
tarde recuperar alguns fragmentos da Gruta 11, que de novo serviram para
certificar que os textos posteriormente comprados dos beduínos provinham de
fato daquela gruta. As Grutas 7 a 10 foram descobertas pelos arqueólogos
durante a escavação do Khirbet Qumran.
A
esse respeito é importante observar que fragmentos de fato foram encontrados
pelos arqueólogos, já que isso às vezes tem sido negado ou ao menos posto em
dúvida. Assim, E. R. Lacheman escreveu em 1954: “Permanece ainda o fato de que
nem um único documento foi encontrado por um arqueólogo” (JQR 44 [1953-54]
290). Isso foi dito numa época em que as declarações dos descobridores beduínos
não haviam merecido confiança. A respeito dos textos da Gruta 1, S. Zeitlin
escreveu certa vez: “Foram de fato descobertos por beduínos, ou foram
depositados na gruta para ser descobertos mais tarde, e assim a descoberta toda
é um embuste?” (JQR 47 [1956-57] 267).
Objeto encontrado em Qumran (22)
5.3.2.
Data das descobertas
Os
sete grandes manuscritos da Gruta 1 foram descobertos no início de 1947, antes
da guerra árabe-israelense de 1948-1949. Só depois da guerra, em 1949, a gruta
foi identificada pelo capitão Philippe Lippens – membro belga da Organização das
Nações Unidas para Supervisão do Armistício -e por um oficial britânico da
Legião Árabe Jordâniana, sendo visitada e escavada em seguida por arqueólogos
do Departamento de Antiguidades da Jordânia, da Escola Bíblica e do Museu
Arqueológico da Palestina. Durante essa escavação, 72 fragmentos foram
recuperados. A Gruta 2 foi descoberta por beduínos em fevereiro de 1952.
Durante a exploração dos penhascos pela equipe conjunta dos arqueólogos, em
março de 1952, a Gruta 3 foi descoberta. As Grutas 4 e 6 foram descobertas
pelos beduínos em setembro de 1952. As Grutas 5 e 7-10 foram encontradas pelos
escavadores do Khirbet Qumran em fevereiro e março de 1955. A Gruta 11, que
passava despercebida a equipe de exploração arqueológica de 1952, foi
encontrada por beduínos em 1956.
5.3.3.
País que foram achados
Os
manuscritos da Gruta 1 de Qumran, descoberta em 1947, foram encontrados no
território do Mandato Britânico da Palestina, que incluía toda a área desde a
margem ocidental do Mar Morto até o Mediterrâneo. Nessa época, o Estado de
Israel não existia. Passou a existir em 14 de maio de 1948, quando Israel
declarou sua independência. A primeira guerra árabeisraelense irrompeu
imediatamente depois (15 de maio) e durou até o cessar fogo e armistício de 7
de janeiro de 1949. A área em que o restante dos MQ, isto é, as Grutas 2-11,
seria posteriormente descoberto tornou-se parte da assim chamada Cisjordânia,
que depois do armistício foi ocupada pela Jordânia, e em 1950 o Reino Hashemita
da Jordânia declarou sua soberania sobre a Cisjordânia e a Faixa de Gaza, o que
durou até a guerra dos Seis Dias de 1967, quando Israel ocupou aquele
território. Os direitos da Jordânia sobre a Cisjordânia só foram oficialmente
reconhecidos pela Grã-Bretanha e pelo Paquistão.
Os
textos recuperados das grutas do Wadi Murabba'at e do Khirbet Mird em 1952
também foram encontrados no território da Cisjordânia controlado pela Jordânia.
No entanto, os textos que os beduínos encontraram em outros sítios (Nahal
Hever, Nahal Mishmar e Nahal Se'elim) de fato vieram do outro lado da
fronteira, da parte do deserto da Judéia que veio a pertencer ao Estado de
Israel.
5.3.4.
Onde se encontram
Os
sete grandes manuscritos da Gruta 1 estão guardados hoje no Santuário do Livro,
parte do Museu Israel, em Jerusalém, Israel. A Placa de Cobre da Gruta 3 e
alguns fragmentos da Gruta 1, publicados em DJD 1, estão no Museu do
Departamento de Antiguidades, Amã, Jordânia. Alguns dos textos fragmentários da
Gruta 1 estão no Museu Arqueológico da Palestina de Jerusalém oriental, agora
chamado Museu Rockefeller, e os que ficaram em posse da Escola Bíblica foram
adquiridos pela Biblioteca Nacional de Paris. Os milhares de fragmentos da
Gruta 4 ainda estão no scrollery, nome dado ao acervo de documentos do Museu
Arqueológico da Palestina, onde também se encontram os textos da Gruta 11.
5.3.5.
Os atuais donos
Os
sete grandes manuscritos da Gruta 1 são propriedade do Estado de Israel.
Excluídos esses manuscritos, é difícil dizer a quem pertence o restante. De
acordo com uma “lista de distribuição” em DJD 1, alguns dos 72 fragmentos da
Gruta 1 foram enviados para o Departamento de Antiguidades da Jordânia em Amã,
alguns para o Museu Arqueológico da Palestina em Jerusalém oriental, e alguns
para a Escola Bíblica. Uma nota de rodapé diz que todos os fragmentos desta
última instituição foram posteriormente adquiridos pela Biblioteca Nacional de
Paris.
Dado
que o material das Grutas 2-11 foi encontrado na Cisjordânia entre 1952-1956, a
Jordânia reivindicou-o para si. Em maio de 1961, o governo nacionalizou os
fragmentos de Jerusalém oriental e proibiu sua exibição em qualquer outro país
exceto na Jordânia (New York Times, 2 de maio de 1961, p. 5; London Times, 3 de
maio de 1961, p. 10; cf. DJD 6. 4).
O
assunto, porém, é complicado. Quando os milhares de fragmentos da Gruta 4 foram
trazidos para o acervo do Museu Arqueológico da Palestina, muitos deles tiveram
de ser comprados dos beduínos, que primeiramente haviam descoberto a gruta e
começado a limpá-la. Foi feito assim um esforço por parte do Departamento de
Antiguidades da Jordânia para comprar todos os fragmentos dos beduínos porque
se constatou que só assim seria possível trabalhar no gigantesco quebra-cabeças
que tais fragmentos criariam. Por essa razão, os fragmentos tiveram de ser
mantidos em Jerusalém. Do contrário, os beduínos poderiam tê-los vendido a
forasteiros como tesouros arqueológicos, e os fragmentos teriam se dispersado,
sem nenhuma esperança de um dia reuní-los para reconstituir os textos. No
entanto, nem o Museu nem o Departamento de Antiguidades tinham fundos
suficientes para tal aquisição. O diretor britânico do Departamento, G.
Lankester Harding, com a aprovação do governo jordaniano, apelou ao auxílio de
instituições estrangeiras. Mais tarde, quando a Jordânia resolveu nacionalizar
os MQ, eles se tornaram propriedade desse país, cujo governo devia reembolsar
as instituições estrangeiras (DJD 6. 5). Não se sabe se tal reembolso foi
efetuado alguma vez.
Na
época da Guerra dos Seis Dias (1967), o Museu Arqueológico da Palestina, que
fora nacionalizado pela Jordânia em 1966, passou a jurisdição de Israel, que
ocupou Jerusalém oriental e a Cisjordânia. Mas era “jurisdição” por ocupação,
uma autoridade contestada, e por isso a resposta a pergunta está envolvida na
situação política do Oriente Médio. Assim, é difícil dizer a quem realmente
pertencem os MQ que ainda estavam no Museu em 1967. Também há questões
complicadas ligadas a publicação dos MQ.
5.4.
Israel adquire os principais manuscritos da gruta
Quando
descobriu a Gruta 1 no início de 1947, Muhammad edh-Dhib acabou levando os sete
manuscritos a um sapateiro sírio de Belém, Khalil Iskander Shahin (popularmente
conhecido como Kando), que também vendia antiguidades. Em companhia de outro
cristão sírio, George Isaiah, Kando levou quatro dos manuscritos a seu
Metropolita (Arcebispo), Mar Athanasius Yeshue Samuel, abade do Mosteiro de São
Marcos em Jerusalém e chefe dos cristãos jacobitas sírios locais. O Metropolita
comprou os quatro pergaminhos de Kando (ao que parece, por 24 libras). Assim, o
manuscrito Isaías A, o Manual de Disciplina, o Pesher sobre Habacuc e o
Apócrifo do Gênesis passaram a pertencer ao Metropolita. Os outros três
manuscritos, Isaías B, o Manuscrito da Guerra e os Salmos de Ação de Graças, acabaram
sendo vendidos ao Profº. Eleazar Lipa Sukenik, da Universidade Hebraica de
Jerusalém Ocidental. Pouco antes da primeira guerra árabe-israelense, em
fevereiro de 1948, o Metropolita levou seus quatro manuscritos para o que então
se chamava Escola Americana de Pesquisa Oriental (hoje o Instituto W. F.
Albright de Pesquisa Arqueológica) em Jerusalém oriental, onde três deles foram
fotografados por John C. Trevor. O quarto, o Apócrifo do Gênesis, não pode ser
aberto por estar grudado. Quando irrompeu a guerra árabe-israelense, o
Metropolita levou os quatro manuscritos para Homs, na Síria, e em seguida para
Beirute. Em janeiro de 1949, levou-os para os Estados Unidos, onde ficaram
depositados na caixa-forte de um banco de Nova York por vários anos. O Apócrifo
do Gênesis ainda não havia sido aberto.
Em
1º de junho de 1954, publicou-se um anúncio no Wall Street Journal (p. 14): “Os
quatro “Manuscritos Bíblicos do Mar Morto”, que remontam pelo menos a 200 a.C.,
estão a venda. Seria uma doação ideal para um indivíduo ou grupo fazer a uma
instituição educacional ou religiosa. Box F 206”. Yigael Yadin, filho do Profº.
Sukenik, ex-oficial do exército israelense durante a guerra árabe-israelense e
posteriormente vice-primeiro-ministro de Israel, estava nos Estados Unidos
naquele momento e tomou conhecimento do anúncio. Usando um banqueiro
nova-iorquino como intermediário, ele comprou os quatro manuscritos do
Metropolita por 250 mil dólares em 1º de julho de 1954. Em 2 de julho, os
manuscritos foram levados ao consulado de Israel em Nova York e finalmente
enviados, um a um, para Jerusalém. Assim os quatro manuscritos se tornaram
propriedade do Estado de Israel e se juntaram aos três que Sukenik adquirira
anteriormente de Kando. Todos os sete estão hoje no Santuário do Livro, parte
do Museu Israel em Jerusalém. O Apócrifo do Gênesis foi então aberto, e parte
dele foi publicada por estudiosos israelenses em 1956.
5.4.1.
Os manuscritos que foram publicados
Todos
os sete grandes manuscritos da Gruta 1 foram publicados por estudiosos
norte-americanos ou israelenses. Os 72 textos fragmentários também foram
publicados por eruditos franceses ou poloneses em DJD 1 (volume 1 da série,
“Discoveries in the Judaean Desert”). Um texto da Gruta 1, o Apócrifo do
Gênesis, foi recentemente submetido a novas técnicas fotográficas, e algumas
colunas mal preservadas do texto tiveram agora melhor leitura; essas colunas
serão publicadas em breve por eruditos israelenses. O número total de textos da
Gruta 1 é 79.
Todos
os textos das Grutas 2-3, 5-10 também foram definitivamente publicados em DJD
3. Da Gruta 2, há 33 textos fragmentários, e da Gruta 3, 15 textos. Na Gruta 5,
25 textos fragmentários foram encontrados; na Gruta 6, 31 textos; na Gruta 7,
19 fragmentos; na Gruta 8, 5 textos fragmentários; da Gruta 9, 1 fragmento de
papiro; e da Gruta 10, um óstraco com duas letras hebraicas nele. No total,
foram publicados 130 textos fragmentários dessas grutas menores.
A
maioria dos textos da Gruta 11 foram publicados por eruditos norteamericanos,
holandeses ou israelitas em publicações independentes. Ao todo, eles
aparentemente perfazem cerca de 25 textos; uns poucos fragmentos menores ainda
aguardam publicação, que se promete iminente.
O
problema tem sido o atraso escandaloso na publicação de tantos textos
fragmentários da Gruta 4. Os textos 128-186 e 482-520 foram definitivamente
publicados em DJD 5, 6, 7, isto é, apenas 98 textos. Em acréscimo a esses 98
definitivamente publicados, cerca de 20 outros textos (bíblicos e nãobíblicos)
foram publicados em forma preliminar por estudantes de pósgraduação da
Universidade de Harvard. Alguns dos editores, a quem os textos foram confiados,
publicaram vez por outra partes de outros textos diferentes. Esses textos
fragmentários variam em tamanho, de um fragmento a diversos fragmentos
reunidos, ou a vários identificados como pertencendo ao mesmo texto.
Segundo
o último relatório (1991), o trabalho sobre o quebra-cabeças já produziu 584
textos fragmentários da Gruta 4. Isso significa que cerca de 80% dos textos
fragmentários da Gruta 4 ainda aguardam publicação.
De
todas as 11 grutas, dos 818 textos de Qumran conhecidos, cerca de 350 deles
foram definitivamente publicados, ou seja, cerca de 40%.
5.4.2.
Os idiomas que foram escritos
A
grande maioria dos textos de Qumran está escrita em hebraico, mas um número
importante deles foi preservado em aramaico, uma língua da família do hebraico.
Era a língua usada pela maioria dos judeus da Palestina nos dois últimos
séculos a.C. e nos primeiros séculos d.C. Há também alguns textos em grego,
isto é, textos do Antigo Testamento grego, encontrados nas Grutas 4 e 7.
Os
textos hebraicos não são apenas bíblicos, ou seja, manuscritos e fragmentos da
Escritura hebraica, mas também vários escritos não-bíblicos: textos de
literatura parabíblica conhecidos anteriormente apenas em traduções gregas,
etíopes ou latinas; e textos de escritos sectários que vieram a luz pela
primeira vez.
De
igual modo, há textos bíblicos em aramaico, Daniel e Tobit, e também três
targumim fragmentários (traduções aramaicas de passagens do Levítico e de Jó).
Além disso, muitos escritos aramaicos até então desconhecidos, entre os quais
os mais importantes são o Apócrifo do Gênesis da Gruta 1 e os fragmentos de
Enoc da Gruta 4.
5.4.3.
As datações
Embora
tenham sido usados dados arqueológicos como cerâmica e moedas encontradas às
vezes nas grutas junto com os fragmentos, a datação se faz principalmente por
paleografia, isto é, pelo estudo comparativo de formas antigas de escrita.
Especialistas
como W. F. Albright, N. Avigad, S. A. Birnbaum, F. M. Cross, R. S. Hanson e J.
T. Milik fizeram a maior parte desse trabalho paleográfico. Inicialmente, os
textos, a medida que vinham a luz, eram comparados com outros textos antigos
conhecidos, como o papiro Nash do último período macabeu (ver S. A. Cook, “A
Pre-Massoretic Biblical Papyrus”) e antigas inscrições do período romano. Logo
esses estudiosos conseguiram classificar a escrita dos MQ em quatro categorias
paleográficas principais (embora a terminologia possa diferir de um autor para
outro):
(a)
Arcaica: de cerca de 250 a.C. (ou final do século III) a 150 d.C.
(b) Hasmoneana: 150-30 a.C.
(c) Herodiana: 30 a.C. -70
d.C.
(d)
Pós-herodiana ou ornamental: 70-135 d.C.
Dentro
dessas categorias, os estudiosos às vezes distinguem ainda a escrita formal da
cursiva. Após vários anos de estudo, esse método paleográfico foi considerado
muito acurado, com uma margem de 50 anos.
Além
da paleografia, usou-se também a datação radiocarbônica. O carbono 14, um isótopo
radiativo do carbono, divide-se num ritmo mensurável com exatidão,
independentemente de seu meio ambiente. Raios cósmicos do espaço sideral,
bombardeando a terra com aparente constância, transformam o nitrogênio na
atmosfera terrestre em carbono 14. Quando reage com o oxigênio no ar, cria
dióxido de carbono. As plantas retiram a maior parte de seu carbono do dióxido
de carbono no ar e na água. Os animais alimentamse de plantas, e assim todas
as criaturas vivas acabam com carbono 14 em seu organismo. Quando um ser vivo
destes morre, morre com certa quantidade de carbono e carbono 14. Este continua
a irradiar, mas nenhum carbono 14 adicional é absorvido. De fato, o carbono 14
residual começa a se dividir e a voltar a ser nitrogênio. A divisão se dá num
ritmo constante, e sua “meia-vida” é mensurável, isto é, o tempo durante o qual
metade da energia radiante se degenerará. Essa meia-vida a princípio foi
calculada em 5.568 anos. A fim de testar material orgânico antigo, é necessário
queimar um pouco dele. No início, os estudiosos ficaram relutantes quanto a
submeter documentos tão valiosos aquele teste. Além disso, devido a margem de
erro (± 200 anos, ou até ± 80 anos), os paleógrafos acharam que podiam
conseguir datações melhores do que esses resultados.
Em
1951, W. F. Libby, cientista do Instituto de Estudos Nucleares da Universidade
de Chicago, testou alguns dos invólucros de tecido usados para proteger os
manuscritos nos jarros encontrados na Gruta 1. A datação radiocarbônica
resultante foi 1917 ± 200 anos, ou 33 d.C., ± 200 anos, isto é, entre 233 d.C.
e 168 a.C.. Em 1956, um pouco da madeira de palmeiras do Khirbet Qumran foi
igualmente testado no laboratório da Instituição Real de Londres,
descobrindo-se que tinha 1940 ± 80 anos, chegando-se assim, a uma data de 16
d.C., ± 80 anos.
Em
1961, foi anunciado no National Bureau of Standards, Washington, DC, que a
técnica de datação do radiocarbono tinha sido aprimorada, tornando necessário
usar apenas uma porção íntima do material e corrigir a meia-vida de 5.568 para
5.730, ± 40 anos. Isso resultou numa correção da data do tecido para 20 d.C.
Ver R. Stuckenrath, “On the Care and Feeding of Radiocarbon Dates”, Archaeology
18 (1965); H. Godwin, “Half-life of Radiocarbon”, Nature 195 (4845, 8 de
setembro de 1962); E. M. Laperrousaz e G. Odent, “La Datation d'Objets
Provenant de Qoumran, en Particulier para la Méthode Utilisant les Propriétés
du Carbone 14”, Semitica 27 (1977) 83-98.
Recentemente,
vários fragmentos e manuscritos foram novamente testados pela datação
radiocarbônica, dessa vez com um método aprimorado, chamado acelerador de
massas espectroscópico. Relatórios desses testes foram publicados em artigos
por G. Bonani et al., “Radiocarbon Dating of the Dead Sea Scrolls”, Atiqot 20
(julho, 1991) 27-32; e “Radiocarbon Dating of Fourteen Dead Sea Scrolls”,
Radiocarbon (no prelo, 1992). Esse teste foi feito em Zurique, Suíça, no
Institut für Mittelenergiephysik, e catorze amostras foram usadas. Destas, uma
vinha do Wadi ed-Daliyeh, oito de Qumran, duas de Masada, e uma do Wadi
Se'elim, Wadi Murabba'at e Khirbet Mird. As de Daliyeh, Se'elim, Murabba'at e
Mird geraram datas internas absolutas. Nem essas datas absolutas nem a datação
paleográfica das outras dez tinham sido reveladas aos cientistas de Zurique, de
modo que eles trabalharam independentemente. Em geral, as datações de carbono
14 confirmam as paleográficas. Para os documentos com datas internas, a datação
do carbono 14 coincidiu em três dos quatro casos, e no quarto houve uma
diferença de apenas dez anos. Em oito das outras dez datadas paleograficamente,
a datação radiocarbônica confirmou as datas paleográficas; em um caso houve uma
diferença de 50 anos (o limite da margem de erro estabelecido pelos
paleógrafos), e em outro a datação radiocarbônica foi registrada com cerca de
200 anos a mais do que a data hasmoneana dada pelos paleógrafos (300 a.C. em
vez de 100 a.C.).
Alguns
dos fragmentos de Qumran foram datados conforme a medição da temperatura de
contração das fibras da pele ou do couro. As peles dos animais contêm um
componente fibroso chamado colágeno que se degenera. As mudanças degenerativas
refletem-se na redução da temperatura de contração da pele. Fragmentos de
pergaminho, submetidos a calor progressivo, começam a se contrair, e quanto mais
velho o pergaminho, mais baixa a temperatura em que isso ocorre. Esse método de
medição foi desenvolvido no Departamento de Couro da Universidade de Leeds,
Inglaterra. Um grupo de fragmentos, alguns de Qumran, e outros com datas
conhecidas, foram medidos por esse método e apresentaram uma cronologia
relativa. Os cientistas aplicaram o método a:
(a)
pergaminhos ingleses de 1193 a 1955 d.C.;
(b)
peles de Murabba'at (de 132-135 d.C.);
(c)
fragmentos da Gruta 4 de Qumran;
(d)
fragmentos de cartas egípcias em aramaico escritas sobre pele (do século V
a.C.); e
(e)
um cabo de machado de couro cru do Egito (de 1300 a.C.).
O
resultado do teste foi que os fragmentos da Gruta 4 de Qumran estavam mais
intimamente relacionados aos de (b), (d) e (e) do que a (a), sendo ligeiramente
mais velhos que os de (b). Em outras palavras, os fragmentos de Qumran não eram
tão velhos quanto as cartas egípcias em aramaico, mas mais velhos que as peles
de Murabba'at (ver D. Burton, J. B. Poole e R. Reed, “A New Approach to the
Dating of the Dead Sea Scrolls”, Nature 184 [4685, 15 de agosto de 1959]
533-534).
Finalmente,
há algumas indicações em certos manuscritos que podem ser usadas como data
interna. Por exemplo, faz-se referência a um personagem histórico, que é com
quase certeza Demétrio III Eucero, um dos governadores selêucidas no século II
a.C. Há também um fragmento calendárico, ainda não publicado, que menciona
Šelãmsiyôn, nome hebraico da rainha Alexandra, sucessora de Alexandre Janeu
Hircano, e os massacres de 'Emilyôs, Emílio Escauro, o primeiro governador
romano da Síria (63 a.C.). Essas referências internas ajudam a localizar de
modo geral a existência da comunidade de Qumran e sua literatura nos dois
últimos séculos antes de Cristo. Em seguida, ajudam a excluir a identificação
da comunidade de Qumran com um movimento cristão e a fixar suas raízes no
judaísmo dos últimos séculos antes de Cristo.
5.4.4.
Duas cópias de Isaías descobertas na gruta
Completo Rolo do Livro de Isaías (23)
Os
sete grandes manuscritos da Gruta 1 são os seguintes: (a) Cópia “a” do livro de
Isaías: Este texto, datado paleograficamente em 125-100 a.C. e agora pelo
radiocarbono em 202-107 a.C., contém todos os 66 capítulos do livro de Isaías,
exceto por algumas palavras cortadas na base de algumas colunas. Está escrito
em 54 colunas de largura variada, sobre 17 peças de pele de carneiro costuradas
para formar um rolo, medindo aproximadamente 7,5m de comprimento e 0,30m de
altura. Esse manuscrito dá um testemunho singular da fidelidade com que o livro
de Isaías foi copiado ao longo dos séculos pelos escribas judeus, já que o mais
antigo texto hebraico de Isaías que se conhecia antes da descoberta dos MQ era
o códice do Cairo dos Profetas maiores e menores datado em 895 d.C. (em seu
cólofon). Embora haja diferenças de soletração, que eram de esperar, o que há
de notável sobre o texto é que apenas 13 leituras variantes que ele continha
foram consideradas suficientemente importantes para serem usadas na edição de
1952 da Revised Standard Version (versão padronizada e revisada da Bíblia).
Além disso, esse manuscrito não apresenta nenhuma consciência da distinção de
Primeiro, Segundo e Terceiro Isaías, de vez que os capítulos 39-40 são copiados
na mesma peça de pele, e o mesmo vale para os cap. 55-56. Ver M. Burrows, The Dead Sea
Scrolls (Nova York: Viking, 1955). Excetuando-se
essas 13 leituras variantes, o texto da cópia “a” de Isaías é textualmente
insignificante. Juntamente com a cópia “b” de Isaías e com pelo menos 15 outros
textos fragmentários de Isaías provenientes de Qumran, ele revela que o texto
de Isaías estava relativamente estabilizado já no século II a.C.
(b)
Cópia “b” do livro de Isaías: Este texto
de Isaías, datado paleograficamente no final do século I a.C. ou na primeira
parte do século I d.C., é fragmentário. Contém partes dos caps. 7-8, 10, 12,
13, 15, 16, 19, 20, 22, 23, 24, 25, 29, 30, 35, 37-41, 43-51, estando bastante
preservado do cap. 41 em diante. É considerado normalmente mais próximo da
tradição masorética do que a cópia “a” de Isaías, isto é, mais próximo da
tradição textual hebraica medieval do AT. Suas diferenças de soletração são
menos notáveis que as da cópia “a” de Isaías.
Ao
concluirmos este tratado estamos cientes de que não esgotamos o assunto, mesmo
porque, muitas outras novidades no campo arqueológico já foram descobertas, mas
ainda não notificadas pela ciência. Uma coisa podemos afirmar, que quanto mais
a ciência busca desaprovar os escritos sagradas, mas ela se compromete com a
Bíblia, como vimos atrás, a ciência negou por muitos anos o dilúvio, e ela
própria acabou provando sua existência.
Esperamos
que o leitor interessado em conhecer os fatos bíblicos não fique somente com
este simples tratado arqueológico, mas vá as fontes e pesquise para conhecer a
riqueza da qual a Bíblia trata – e, sobretudo, para ter argumentos bíblicos e
teológicos para fechar a boca dos descrentes.
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