FACULDADE DE TEOLOGIA
TESTEMUNHAS HOJE
CURSO LIVRE
PSICOLOGIA PASTORAL
CONCEITO GERAL DE PSICOLOGIA
PASTORAL
1.1
O Que é Psicologia
As
antigas especulações sobre a alma e a capacidade intelectual do homem foram
complementadas desde o século XIX por uma nova ciência, a psicologia, que
estabeleceu métodos e princípios teóricos aplicáveis ao estudo e de grande
utilidade no estudo e tratamento de diversos aspectos da vida e da sociedade
humana.
Psicologia
é a ciência dos fenômenos psíquicos e do comportamento. Entende-se por
comportamento uma estrutura vivencial interna que se manifesta na conduta. O
termo psicologia origina-se da junção de duas palavras gregas: psiché,
"alma", e lógos, "tratado", "ciência".
A
teoria psicológica tem caráter interdisciplinar por sua íntima conexão com as
ciências biológicas e sociais e por recorrer, cada vez mais, a metodologias
estatísticas, matemáticas e informáticas. Não existe, contudo, uma só teoria
psicológica, mas sim uma multiplicidade de enfoques, correntes, escolas, paradigmas
e metodologias concorrentes, muitas das quais apresentam profundas divergências
entre si.
Nos
últimos anos tem-se intensificado a interação da psicologia com outras
ciências, sobretudo com a biologia, a lingüística, a informática e a neurologia.
Com isso, surgiram campos de aplicação interdisciplinares, como a
psicobiologia, a psicofarmacologia, a inteligência artificial e
psiconeurolingüística
1.2
História da Psicologia
Períodos
da história da psicologia. Há formas mais simples e outras mais elaboradas de
se distinguirem as fases na história da psicologia. Uma forma simples
consistiria em considerar dois grandes períodos: o filosófico-especulativo e o
científico. O primeiro tem raízes no pensamento grego e se estende até o final
do século XIX ou princípio do XX, conforme o critério escolhido para
delimitação do começo da psicologia científica.
Como
marco inicial do período científico poder-se-ia fixar um dentre dois momentos:
a consagração do método experimental como procedimento possível e adequado à
problemática psicológica -- caso em que Wilhelm Wundt seria seu iniciador --,
ou o uso sistemático do conceito de comportamento como objeto da pesquisa -- e,
nesse caso, estaria em evidência John B. Watson.
Os
filósofos antigos, gregos e medievais procuravam, antes de tudo, dar resposta
aos problemas fundamentais acerca da natureza da alma, sua relação com o corpo,
seu destino depois da morte, a origem das idéias etc. Somente com o advento do
espírito científico e, principalmente, com a constatação de que há
possibilidade de encontrar fórmulas suficientemente precisas entre variação do
estímulo físico, mudança fisiológica e reação psíquica, é que começou o
trabalho pioneiro de Gustav Fechner, Hermann Helmholtz e Wilhelm Wundt: a
psicofísica e a psicofisiologia.
Para
Wundt, o objeto da psicologia era a consciência; entendia a ciência como estudo
da estrutura ou das funções detectáveis na experiência interior, nos processos
psíquicos de sensação, percepção, memória e sentimentos. A essa concepção da
psicologia opuseram-se psicólogos científicos posteriores, em particular os
behavioristas, para os quais só pode haver ciência a partir do que é
externamente observável (no caso, o comportamento).
1.3
Principais Escolas de Psicologia
Uma
das maneiras de classificar as especialidades em que se dividiu a psicologia é
segundo os conteúdos examinados por cada área. Assim, as principais disciplinas
psicológicas seriam a psicologia da sensação, da percepção, da inteligência, da
aprendizagem, da motivação, da emoção, da vontade e da personalidade. Outra
divisão possível se faz segundo o critério de examinar esses mesmos conteúdos
quanto a sua relação com o funcionamento do organismo (psicologia fisiológica);
ou quanto a sua manifestação no decorrer da evolução (psicologia do
desenvolvimento); ou quanto à comparação desses processos nos diversos graus de
evolução animal pode esclarecer o comportamento humano (psicologia comparada);
ou, ainda, quanto ao condicionamento que esses processos impõem à vida social
do homem, ao mesmo tempo que as diversas formas da convivência social influem
na manifestação concreta dos mesmos (psicologia social).
Os
pioneiros da psicologia científica, Wundt, William James e Edward B. Titchener,
se incluem na escola estruturalista, para a qual o importante é determinar os
dados imediatos da consciência: as características principais e específicas dos
processos de consciência e seus elementos fundamentais.
A
corrente funcionalista, à qual pertenciam os americanos John Dewey, Robert S.
Woodworth, Harvey A. Carr e James R. Angell, privilegia o estudo das funções
mentais, em detrimento de sua morfologia e estrutura. Em vez de investigar
somente "o que é", o psicólogo estudará "para que serve" e
"como se efetua" o processo psíquico.
Na
década de 1910, John B. Watson lançou a corrente behaviorista. Criticava tanto
o funcionalismo quanto o estruturalismo, que ele julgava serem demasiado
subjetivos e imprecisos e propôs o estudo exclusivo do comportamento (em inglês
behavior), ou seja, daquilo que é observável na conduta do homem. Segundo ele,
seria cientificamente observável a ação de um estímulo sobre o organismo e a
reação deste em face do estímulo. A relação entre estímulo e reação teria seu
protótipo nos reflexos incondicionado e condicionado.
Tanto
o estruturalismo quanto o behaviorismo clássico procuravam reduzir o estudo da
psicologia ao estudo dos elementos do comportamento. Contra essa dissecação da
vida psíquica insurgiu-se a corrente fundada por Max Wertheimer, Kurt Koffka e
Wolfgang Köhler, chamada psicologia da forma ou Gestaltpsychologie. Partindo da
investigação das percepções, os gestaltistas formularam o princípio segundo o
qual o conjunto dos fenômenos psíquicos apresenta características que não podem
ser inferidas das partes isoladamente.
Muitos
psicólogos europeus – como Max Scheler, Frederick J. Buytendijk e Maurice
Merleau-Ponty – seguem a corrente fenomenológica, cujos caminhos foram
explorados por Franz Brentano e Edmund Husserl já no século XIX. A
fenomenologia em psicologia consiste em captar a vivência do outro diretamente
no comportamento onde está incluída a significação do ato. Portanto, os
psicólogos devem analisar tal comportamento sem procurar "atrás" dele
o fenômeno psíquico, mas tentando descobri-lo no próprio fenômeno, pois o mundo
fenomenal pode ser analisado diretamente, por ser um dado tão imediato quanto o
"eu".
1.4
Métodos e Técnicas
Os
métodos científicos da psicologia podem ser divididos em três grupos:
experimentais, diferenciais e clínicos. Os métodos experimentais, oriundos das
ciências físicas, têm por princípio a variação de um fator, o fator causal
também chamado variável independente, mantendo constantes todas as outras
fontes de influência. Observar-se-ão, assim, as modificações produzidas na
variável dependente. A tarefa fundamental do psicólogo será, de um lado,
encontrar medidas precisas quanto às variações das variáveis independente e
dependente, e, de outro lado, controlar todas as outras variáveis para que seu
efeito possa ser considerado como constante.
Em
certos casos, como no estudo do desenvolvimento dos fatores da inteligência, da
personalidade etc., o psicólogo não pode variar diretamente o fator que deseja
estudar. Recorre então ao método diferencial. As diferenças individuais
constituirão a variável propriamente dita; as outras condições, e mesmo as
provas às quais os indivíduos serão submetidos, ficam constantes.
Enquanto
os dois métodos citados permitem estabelecer leis gerais, o método clínico se
propõe compreender o indivíduo em sua situação particular ou pretende aplicar
as diversas leis gerais a casos individuais. Seu uso é indispensável no
diagnóstico da personalidade. Para o conhecimento preciso de determinados
fenômenos psicológicos, muitas vezes os três métodos devem ser empregados conjuntamente.
1.5
Conceito de Psicologia Pastoral
A
psicologia pastoral, na sua essência e na sua tarefa, é ciência auxiliar da teologia pastoral e, como esta
serve diretamente à assistência espiritual e prática. A psicologia pastoral
pode definir-se, noutras palavras, como ciência psicológica enquanto oferece os
conhecimentos psicológicos necessários a assistência espiritual.
Como
a assistência espiritual tem por objeto a alma humana, o pastor de almas agirá
com tanto mais sucesso, quanto mais conhecer a alma. O pastor e o educador que
não se identificarem, com a alma nas
suas peculiaridades e condições e não as compreenderem, saberão bem pouco de
suas profundas misérias e necessidades, para poder remediá-las; de seus
defeitos e obstáculos; de suas tendências e prerrogativas, para poder
realizá-las. Faz lembrar o semeador que
lança a semente preciosa ao vento. “Não tem sido esta, às vezes, nossa
atitude? Fé límpida e a melhor das vontades por parte do pastor, trabalho
ininterrupto, dia e noite, todavia sem fruto! Falta de clarividência e de tato
pedagógico, de compreensão das almas e dos tempos. ‘Vós, teólogos, não nos
compreendeis’ era muitas vezes a sentença conclusiva de quem precisava de nós e
de quem nós precisamos” (L. Bopp).
Olhando desse ponto de vista, devemos admirar como a ciência da alma
humana, do caráter, do temperamento, das peculiaridades da vida psíquica
segundo a idade, o sexo e as condições de vida tenha parte tão pequena na
instrução dos teólogos e dos pastores de almas. É verdade que, nos últimos,
tempos, no quadro das disciplinas, filosóficas que precedem os estudos
teológicos propriamente ditos, concedeu-se um lugar à 'Psicologia
experimental', mas isso não satisfaz plenamente as exigências da assistência
espiritual. Devemos concordar com o que diz Rbaban Liertz: “Com tôda a
psicologia experimental avizinhamo-nos bem pouco da exploração da vida
psíquica, propriamente dita”. Não podemos ignorar existirem não poucos pastores
e educadores que, apesar de trabalharem há longos anos no cuidado das almas,
conhecem mal os homens. As razões são muitas. Uma, porém, consiste na falta de
introdução adequada, na compreensão da vida psíquica humana durante o período
da preparação profissional. Com o mesmo direito, senão maior, com que se
introduzem os futuros pastores nos conceitos basilares da Sociologia pastoral e
da Economia política, devem exigir-se lições de Psicologia pastoral, no
programa de estudos teológicos, Uma instrução a fundo sobre questões de
psicologia, e justamente com critérios bem diversos, mais práticos do que os
que se realizam no estudo da psicologia experimental, é absolutamente
necessária para o futuro pastor de almas; de qualquer modo, mais necessária que
tantas “matérias secundárias”, cujo conhecimento se exige hoje dos estudantes
de teologia.
“A
psicologia pastoral é lacuna que espera ser preenchida” (Bopp). São estas as
palavras com que o conhecido teólogo de Friburgo aponta a necessidade da
exposição dos problemas da psicologia pastoral. Diante da urgência desta
ciência auxiliar teológico-pastoral justifica-se a pergunta: por que até hoje
não se chegou ao tratamento sistemático de uma psicologia pastoral, apesar de
todos os trabalhos preliminares e parciais? A razão talvez derive da natureza
dos problemas a tratar, os quais, achando-se à margem do campo científico,
suscitam discussões quanto a pertencerem ao campo do teólogo ou do psicólogo.
E, de fato, na prática concreta, muitas vezes é difícil decidir se um psicopata
deve tratar-se com o confessor ou com o psiquiatra. Outro motivo da falta de
exposição sistemática de psicologia pastoral talvez fosse possível reconhecer
na falta de que se ressente muitas vezes o cientista da necessária experiência
do assistente espiritual, enquanto ao pastor prático falta em geral tempo para
se ocupar dos resultados científicos da psicologia moderna. Além disso devemos
confessar que, até pouco tempo, também a psicologia tinha descurado não poucos
problemas do próprio campo específico. “A psicologia moderna abandonou, com
desinteresse na verdade surpreendente, as questões do temperamento,
mentalidade, caráter, ou delas tratou de passagem, como apêndice ou complemento
(Utitz). Dessas considerações emergem, de um lado, as razões da falta de uma
psicologia pastoral conclusiva, de outro a necessidade da colaboração entre
teóricos e práticos, sacerdotes e leigos, educadores e médicos.
Podem
atribuir-se as deficiências da vida religiosa de inúmeras pessoas de nossos
dias a razões e causas várias e a situações de fato. A maior parte das almas,
hoje afastadas de Deus, não se pode ir por via direta. Suas dificuldades não
consistem tanto no fator religioso, mas nas suas premissas. Muitos homens
modernos, do ponto de vista religioso, estão cegos e surdos; não enxergam nem
escutam mais. Não estão nem mesmo em condições de poderem fazer atos de fé,
esperança e caridade. São contrários ao que é dogmático, ético,
religioso-tradicional e eclesiástico-confessional. Nem sequer oram ou só
raramente e, mesmo então, só à sua maneira, conforme o humor e o capricho, mas
não “em espírito e em verdade” (Jo 4,23).
A
presente exposição de questões psicológico-pastorais, que de nenhuma forma
pretende ser trabalho exaustivo e completo, mas só uma experiência e incitamento
ao nobre bacharelando.
2 - PSICOLOGIA
DOS TIPOS
Para
a compreensão da alma humana é de suma importância saber que cada uma delas
representa algo de particular, de único. Entre tantos milhares de almas, saídas
da mão criadora de Deus, não há duas sequer que sejam completamente iguais.
Todavia podemos classificar as, qualidades psíquicas conforme sua natureza,
desenvolvimento e o ambiente, em grupos que apresentam uma série de formas
típicas. Resulta claro, portanto, a importância do conhecimento dos diversos
tipos da psique no estudo da psicologia pastoral.
2.1
Diferenciação Segundo o Sexo
“Vós
todos batizados em Cristo, estais revestidos de Cristo. Não judeu, nem grego,
nem servo, nem livre, não há homem nem mulher” (Gl 3.27-28). Com estas palavras
o apóstolo Paulo afirma que na comunhão de vida que une todos os membros do
Corpo de Cristo, desaparecem as diferenças de origem, de classe social e até as
sexuais. Mas o apóstolo seria mal interpretado, se acreditássemos que nega
todas as diferenças naturais existentes entre os homens. Justamente Paulo sublinha
a diferença natural entre homem e mulher, relacionando-a com a vontade expressa
de Deus (1Tm 2.12 etc.).
É
necessário que o pastor de almas conheça as diferenças psíquicas da sexualidade
masculina e feminina. Não faltam hoje vozes segundo as quais para o esfriamento
religioso do mundo masculino contribuíram, entre outros fatores, também os
sacerdotes, pela compreensão deficiente das particularidades masculinas; como
as formas de devoção levam grandemente em conta o sentimento feminino, o homem
em vez de se sentir atraído, considera-as desagradáveis. É certo que para a
direção espiritual eficaz é preciso o conhecimento profundo das peculiaridades
e da diferenciação da vida psíquica nos dois sexos; tanto mais nos dias de
hoje, o cuidado pastoral leva mais em consideração os dados da natureza.
Deixando de lado esta questão, impõe-se o conhecimento exato das diversidades
psíquicas do homem e da mulher. Quanto mais o homem e a mulher se sentirem
compreendidos pelo confessor nas suas peculiaridades psíquicas, com tanto maior
boa vontade, e sem reserva alguma, abrir-se-ão a ele e tanto mais frutuosa será
sua influência na vida espiritual. A atitude psíquica fundamental, o caráter e
a mentalidade do homem são, sob tantos aspectos, tão diferentes dos da mulher,
que se chegaria a pensar que o homem não deve ter a mesma alma que a mulher.
Mas tal não é exato. Não há almas masculinas e almas femininas, há apenas almas
humanas. As capacidades e os modos de reação da vida psíquica masculina e
feminina derivam da diferença do físico, de modo que a alma, criada diretamente
por Deus e ligada ao germe vital, sentirá de maneira masculina ou feminina,
conforme o germe se desenvolver para tornar-se masculino ou feminino. A
biologia moderna demonstra que os hormônios gerados nas glândulas vitais, e
transportados ao sangue por meio da secreção interna, determinam as
disposições, capacidades, modos de reação e várias necessidades dos sexos.
Poder-se-ia usar a comparação de um artista que maneja dois instrumentos
diferentes. A impressão musical despertada pela sua arte será completamente
diversa, conforme tocar um ou outro instrumento.
A
distinção psíquica dos sexos é querida por Deus, portanto, deve conservar-se e
cuidar-se também na ordem sobrenatural. Segundo o princípio: gratia supponit
naturam, em vez suprimi-las nas suas peculiaridades, essas disposições
masculinas e femininas devem ser cultivadas e nobilitadas no sentido cristão.
Ocupemo-nos
primeiro da particularidade psíquica dos sexos. Aparece já na história da
criação que o homem tem o primado sobre a mulher. A mulher foi destinada para
companheira do homem representa o complemento dEle e o seu aperfeiçoamento. Ele
é o início, ela a continuação; ele o impulso, ela a executora; ele cria a
idéia, a ela realiza; ele adquire, ela conserva e guarda. Daí deriva a
diversidade de dotes entre o homem e a mulher. Vemo-lo já no físico, pois o
homem tem dotes para o rendimento máximo, a mulher para a maior duração. Não
devemos esquecer que a sexualidade não é do ser, mas das atividades e dos
hábitos a ele submetidos. Por isso renegar o caráter sexual e tender à
assimilação das peculiaridades do outro sexo é artificial e, portanto, funesto,
porque debilita e perturba a polaridade e a tensão querida por Deus e, ao mesmo
tempo, também a atração recíproca dos dois sexos. Só um homem em plena posse
das peculiaridades e dos valores masculinos poderá conquistar e conservar
duradouramente a estima e o amor por parte da mulher, como também por outro
lado, só a mulher que conserva e cultiva as peculiaridades femininas terá
atrativos para o homem e poderá conservá-lo preso a si.
Passemos
a ilustrar as características principais que diferenciam a psique dos dois
sexos. Primeiro dote do homem é o talento criador. É exigido para a realização
da ordem divina de sujeitar a terra e dominá-la (Gn 1. 28). É por isso que
quase todas as invenções e as descobertas cabem ao homem, enquanto que a mulher
nesse campo, não demonstra muito sucesso. Diz-se o mesmo da arte. Também nesse
campo as obras do homem ultrapassam de longe as da mulher.
A
ação supõe a idéia, isto é, ato de conhecimento intelectivo. Por isso no homem
prevalece a inteligência e a força lógica. O homem pensa de modo claro, calmo,
lógico, enquanto a mulher no seu conhecimento fica com facilidade do sensível e
o seu pensamento caracteriza-se muita
vez por uma falta surpreendente de lógica e por notáveis preconceitos.
Característica
ulterior da mentalidade masculina é o sentimento do objetivo, do positivo. Ao
contrário, a alma da mulher orientasse fortemente para o subjetivo, o pessoal.
A inteligência do homem é propensa à abstração, ao universal, ao típico,
enquanto o pensamento da mulher dirige-se acentuadamente para o concreto, o
sensível. Correspondendo a essa distinção, a fantasia dos dois sexos é
diferente. O homem é mais capaz de dominar a fantasia por meio da vontade,
enquanto a própria fantasia, notavelmente mais viva e colorida, domina a mulher
com grande facilidade. O homem, superando o sensível, volta-se para as idéias
universais, para os conceitos. Daí o sentimento do essencial, o desejo de
saber, a compreensão das leis da ordem, o interesse pela grandeza, vastidão e
profundidade.
Ao
contrário, o pensamento da mulher cinge-se ao particular, aos fatos
experimentados pessoalmente; tem o sentimento do especial, do particular; o
desejo de saber não se concentra na pesquisa do motivo e da causa, mas na
experiência do novo e se expressa na curiosidade e no prazer do sensacional. A
compreensão das leis da ordem e do universal é nela pequena. Possui, porém
muito maior capacidade de adaptação a situações especiais e compreensão do que
está próximo, é íntimo e mínimo.
Enquanto
o homem, diante das idéias, muitas vezes se descuida da realidade, a mulher
possui grande sentimento prático da vida. O homem aliança pela idéia, a mulher
pela própria experiência. Ao homem agrada o trabalho independente, a mulher
produz mais cumprindo tarefas que outros lhe impõem. O homem considera e
examina a obra com reflexão objetiva e crítica, enquanto a mulher se entrega a
móveis inconscientes, subconscientes, parafísicos. Este fato explica muita vez
também seus enigmas e a irresponsabilidade. O homem atinge o alvo com vontade e
coerência metódica, a mulher com a finura intuitiva do instinto, com o
sentimento e tenacidade da paixão. Servem-lhe otimamente a habilidade e a
perspicácia. O homem caracteriza-se pelo pensamento discursivo, enquanto a
mulher capta a verdade freqüentemente de modo intuitivo, espontâneo, quase
instintivo. O processo imaginativo é mais dominado, controlado, meditado no
homem. Prova disso é a loquacidade feminina. A linguagem da mulher é mais viva,
mais impulsiva e às vezes atropelada. O homem nos seus atos é ponderado, toma
em consideração os obstáculos que se lhe põem, enquanto a vontade da mulher é
desenfreada, impulsiva, muitas vezes imprudente e sustentada por otimismo longe
da realidade. A vontade do homem tem consciência de seus fins e vê as
conseqüências; a da mulher, ao contrário, é instável, caprichosa e
inconseqüente. O homem mantém os objetivos a determinada distância, a mulher
perde-se com facilidade nos mais próximos. O homem tem o sentimento da verdade,
a mulher o da bondade e da beleza. O homem deixa-se convencer por motivos
razoáveis, a mulher deixa-se persuadir e influenciar por argumentos
superficiais. O homem sacrifica-se por uma idéia, a mulher por uma pessoa.
As
peculiaridades psíquicas dos sexos exprimem-se também na consciência moral. O
homem reconhece no imperativo da consciência outros tantos fins, vê nele
princípios para a ação. Para a mulher, contudo, as normas da consciência
parecem mais obstáculos concretos às aspirações muita vez inconscientes. O
homem procura explicar a si mesmo a lei, a mulher procura desculpar-se diante
dela. O homem, apesar das faltas isoladas, permanece mais facilmente fiel a um
princípio ético, a mulher, depois de superados os obstáculos iniciais, forma-se
muitas vezes desenfreada. Com esse fenômeno concorda a experiência, segundo a
qual a mulher, se é má, é muito pior que o homem e arrepende-se com muito mais
dificuldade.
Agora
procuraremos aplicar as considerações precedentes ao reconhecimento das
diferenças psíquicas do caráter, à vida religiosa e aos efeitos que resultam na
vida moral dos dois sexos.
2.2
Sexo e Personalidade
A
capacidade criadora do homem confere o senso da grandeza, vastidão e
profundidade. Daí o espírito de iniciativa, o dinamismo, o prazer de viajar, a
natureza combativa a avidez de conquista. A tudo isto vem juntar-se a
generosidade, a tendência a atingir o fundo das questões, dos acontecimentos da
natureza e da técnica. Ao contrário, a mulher tem mais compreensão do que está
próximo, recolhido, íntimo. Daí o sentimento inato de ardor, de intimidade de
casa agradável e ordenada. A mulher aceita os acontecimentos como são, sem
perguntar a si mesma a razão íntima, a causa motriz, a natureza e função. A
mulher é capaz de servir-se de uma máquina durante anos sem nunca interessar-se
pela lei de seu funcionamento, enquanto o menino desmonta a boneca da
irmãnzinha para descobrir o segredo da fala. Com o sentido positivo,
objetividade e tendência ao universal do espírito do homem explica-se a
constância maior, enquanto o apego ao concreto, sensível, pessoal e subjetivo,
unido à vida afetiva mais intensa, produz o bem conhecido capricho feminino.
Com as supracitadas qualidades do homem explica-se também a maior sinceridade,
retidão, simplicidade, enquanto pelas peculiaridades psíquicas da mulher, o
inconsciente, a emotividade entende-se mais facilmente seus enigmas e
irresponsabilidade. Enquanto conseguimos conhecer e penetrar, após determinado
tempo, a vida psíquica de um homem, justamente pela primitividade relativa, com
a mulher, nesse sentido, não o conseguimos nem depois de muito tempo; antes,
mesmo depois de longos anos, podemos descobrir qualidades que não supúnhamos.
Em última análise, a alma da mulher permanece por toda a vida um tanto
misteriosa, enigmática, não só para os outros, mas também para si mesma. “A
obscuridade misteriosa que existe no fundo de cada alma de mulher, não se abre
completamente ao olhar do homem, nem mesmo depois de muitos anos de íntimo
intercâmbio espiritual, estende-se também à religiosidade específica do sexo
feminino” (Rademacher). Dada essa grande impenetrabilidade da vida psíquica da
mulher, ao olhar da própria consciência explica-se porque até hoje não há uma
exposição científica da vida psíquica feminina redigida por uma mulher. “A
mulher ainda nos é devedora da ciência, inteira relativa ao seu sexo; ela, como
representante do próprio sexo, é ainda hoje um livro com sete selos” (Hedwig
Dransfeid).
Neste
sentido exprime-se também a doutora em filosofia e medicina Frederica Sack, no
excelente relatório por ocasião do Congresso dos Catequistas Austríacos em
Viena, a 18 de abril de 1951: “A psicologia da mulher encontra-se ainda em
estádio pré-científico”.
Da
natureza psíquica do homem, orientada para o intelectual e o objetivo,
origina-se a tendência para o conhecimento da verdade, a inclinação para os
motivos racionais. A mulher, por outro lado, tende ao bom e ao belo, a que
aspira com todas as forças espirituais. O homem inclina-se mais para a
reflexão, à calma, ao pensamento sem preconceito, à coerência na ação. A
mentalidade da mulher, ao contrário, vê-se ameaçada pelo perigo de tornar-se o desejo
pai do pensamento, de que ela “raciocine com o coração” e que o sentimento e a
paixão se substituam à realidade objetiva e com ela entrem em conflito. Desde
que os sentimentos estão expostos a maiores oscilações, essa particularidade da
mulher gera muita vez a incongruência no pensamento e na ação, induzindo-a a
destruir hoje o que adorava ontem e vice-versa. Entra também nos traços
essenciais da alma feminina dependência em relação às influências do ambiente
em tão alto grau que se escraviza. Por isso se torna vítima da ação persuasiva
de qualquer pessoa com mais facilidade que o homem, e abandona as próprias
convicções em favor de idéias alheias. Mas, quando se apropria de determinada
convicção, por motivos sentimentais, será bem difícil dela arrancá-la.
Poder-se-ia, em certo sentido, afirmar que a mulher se deixa persuadir com
facilidade, mas dificilmente se deixa dissuadir.
2.3
Sexo e Vida Religiosa
A
têmpera espiritual diferente do homem e da mulher reflete-se naturalmente na
tonalidade diversa da vida religiosa. Para o homem a estrada que leva a Deus é
mais longa e mais cheia de dificuldades. Procura reconhecer e servir a Deus “em
espírito e em verdade” (Jo 4.23). O conceito que tem de Deus é mais puro, mais
espiritual. Para Ele Deus é o onipotente, o infinito, o inatingível, o augusto,
o poderoso. O homem com a sua inteligência adere mais à idéia, por isso sua
luta para captar a personalidade de Deus é mais dura. “A falta da materialidade
e a imensa distância do objeto dificultam ao homem a idéia da personalidade, do
ser em si, da natureza divina; atinge no máximo, o impessoal, a que atribui
existência e uma soma de qualidades” (Zimmermann).
A
essas dificuldades, acrescentam-se numerosas outras, que derivam da praxe da
vida religiosa. Em primeiro lugar: dificuldade na vida de oração. A oração é
essencialmente atitude espiritual de humildade diante de Deus. Isto, porém,
para o homem, que na vida social está habituado a dar, a ordenar, a agir,
torna-se incomparavelmente mais difícil do que para a mulher. Devemos
acrescentar ainda a menor exuberância do sentimento e da fantasia masculina.
Além disso, sua auto-suficiência, afirmada freqüentemente no campo natural, faz
com que não sinta desejo tão ardente do Deus pessoal, como sente a mulher. Nem
podemos menosprezar a influência relevante, ao menos no campo religioso, do
respeito humano, do medo da zombaria e do desprezo pelo cumprimento dos deveres
religiosos. Se refletirmos enfim na escassa possibilidade que o atual serviço
litúrgico oferece ao homem para aplicar o espírito de iniciativa, na maior
dificuldade de arrepender-se dos pecados cometidos, torna-se claro que o homem
encontra maiores obstáculos que a mulher na vida religiosa.
Mas
não poucas vantagens compensam essas dificuldades. Se o homem, por meio de suas
lutas, consegue superar todos os obstáculos da índole masculina, alcança
conceito de Deus mais puro e mais espiritual do que o da mulher e então presta
a Deus veneração mais profunda; na estrada para Deus vai direto à meta; é mais
independente, mais consciente que a mulher, e então também a convicção franca
resiste melhor às provações e agitações; o ardor do amor por Deus o impele
impetuosamente ao apostolado, à cooperação na difusão do reino de Deus. Tais
homens, dignos de confiança, sabem ficar no seu posto mesmo durante o furor da
tempestade, como verdadeiras colunas da Igreja. Devendo o homem, no campo
religioso, superar dificuldades maiores, que derivam da própria índole
masculina, explica-se por que tantos homens sejam religiosamente tíbios e
indiferentes. Entre os representantes do sexo forte poucos merecem o adjetivo
de religioso e piedoso. Quando, porém, o homem capta a essência da vida
religiosa, supera a mulher, como em tantos outros campos. Completamente
diversos são os pressupostos naturais da mulher para a vida religiosa. A
estrada para atingir a Deus é mais curta, mais simples, sem tantos problemas,
porque seu conceito de Deus é mais primitivo, menos penetrado de
espiritualidade e mais antropomorfo. Ela não vê tanto em Deus o ser infinito,
augusto, mas o Pai cheio de bondade e misericórdia, a quem dirige o olhar
confiante, procurando proteção e auxílio. Sua necessidade natural de apoio lhe
vem em auxílio, como também o impulso de dedicação amorosa e o sentimento da
personalidade de Deus. Por esses motivos a mulher atinge com - maior facilidade
o mais alto grau de amor a Cristo. Naturalmente não está excluído o perigo de
que pare no lado puramente humano. Na, vida de oração, a fantasia viva, a
ternura, a atitude fundamentalmente humilde da psique, inclinada ao cuidado e à
obediência ajudam muito a mulher. Encontram-se mais almas místicas entre as
mulheres do que entre os homens o que se explica principalmente pela índole
espiritual passiva. A mulher demonstra maior perseverança nas instruções e
pregações longas, enquanto a paciência do homem se esgota mais depressa.
Os
lados negativos da índole feminina no campo religioso são: a tendência a
humanizar o conceito de Deus, tratá-lo com muita familiaridade, a inclinação à
sugestão, ilusão e capricho, a exaltação sentimental, a superficialidades
fraqueza da vontade. Como as mulheres olham mais para a pessoa do que para a
idéia, é de concluir que uma mulher mesmo excessivamente religiosa é capaz de
abandonar completamente os deveres religiosos quando entra em conflito pessoal
com um sacerdote, o que demonstra como é
necessário ao pastor de almas preocupar-se com a irrepreensibilidade de sua
pessoa, para que os de pessoais não prejudiquem o respeito devido à religião.
2.4
Sexo e Vida Moral
O
homem sente-se senhor e coroamento da criação. Seu sentimento de superioridade
baseia-se em certas qualidades em que supera a mulher. Em primeiro lugar a
força física e espiritual, a independência e liberdade social. Porque não serve
à vida de modo tão direto como a mulher, traz em si traço inconfundível de
amor-próprio que, degenerando, pode transformar-se em egoísmo brutal.
Na
vida instintiva, o instinto sexual ocupa lugar preeminente. O impulso afetivo,
mais desenvolvido na mulher, é mais fraco no homem; ao contrário, o instinto
físico, normalmente mais desenvolvido, pretende impetuosamente a satisfação.
Por isso a continência pré-matrimonial exige, sem comparação, maior abnegação
no homem do que na mulher, pois reclama, além do sacrifício sentimental, também
o físico. Esse fato explica, além disso, que o homem é em geral mais
responsável pelo abuso matrimonial do que a mulher e, por outro lado, a
santificação do matrimônio e a fidelidade matrimonial exigem dele sacrifícios
muito maiores. Da tarefa fisiológica, da força e da vitalidade do instinto
físico masculino, resulta que o homem não pode cumprir o ato sexual sem
satisfação física. A mulher, porém, é capaz de cumprir o “debitam coniugale”
sem “delectatio venerea”. Naturalmente, nesse caso, trata-se de forma não
natural da relação conjugal que, com ou sem culpa do marido, pode levar mais
cedo ou mais tarde a perturbações físicas e até psíquicas graves na mulher. A
força maior de paixão do instinto sexual masculino tem como conseqüência que o
homem comete pecados contra a castidade com mais facilidade. Por outro lado,
apesar disso ou justamente por isso, o homem é capaz de libertar-se e
corrigir-se com mais facilidade de quedas sexuais, do que a mulher que, uma vez
perdidos os obstáculos morais, precipita-se mais baixo que o homem e torna-se
quase incorrigível.
O
sentimento de justiça encontra origem na forma mentis objetiva e positiva do
homem. Ele não se deixa dominar com tanta facilidade pelos sentimentos, por
humores e preconceitos e, portanto, com maior dificuldade que a mulher,
torna-se vítima de simpatias e antipatias. Consegue prescindir melhor da
pessoa, e por isso é menos parcial nos julgamentos.
O
homem, como protetor e defensor da família, deve ser intrépido e corajoso. Como
a mulher sente necessidade da proteção masculina, um homem a atrai tanto mais
quanto mais possuir essas qualidades.
Na
qualidade de chefe de família, cabe ao homem a responsabilidade principal de
todos os interesses da comunidade familiar. A mulher deve tomar parte,
sobretudo como conselheira. É atitude estranha da mulher, observada comumente,
não querer tomar decisões sozinha, mas realizar, encarregando o homem do que
havia deliberado e sugerido antes. Assim acontece quando se aconselha com o
homem sobre aquilo que já decidiu. Com esse comportamento a mulher procura
atingir um fim duplo: de uma parte realizar a própria vontade, e de outra
aparentar obediência ao homem, atirando às costas dele a responsabilidade.
Ao
sentimento de grandeza, vastidão e sublimidade no homem, corresponde a
generosidade e aversão à estreiteza de vistas. (O pedantismo do homem esconde
com facilidade um traço feminino de seu caráter). O reverso dessa qualidade,
elogiável em si, é a desordem, a imprecisão, na qual o homem cai muito mais
comumente que a mulher.
Como
o homem destina-se ao rendimento máximo, cansa-se muito mais depressa do que a
mulher, sendo também menos tenaz. Daí, provavelmente, também a tendência à
impaciência e muitas vezes a perseverança deficiente e a inclinação à
comodidade.
Da
sua coragem, intrepidez, amor ao positivo, provém a veracidade. O homem sincero
odeia a mentira, o fingimento e todas as aparências. Verdade e justiça provêm
da mesma fonte. O homem, mais que a mulher se encontra, em meio à vida pública,
que o aprecia e estima tanto mais, quanto mais pode contar com a lealdade
profissional e o sentimento de dever dele. Por isso estas qualidades,
juntamente com a observância e o respeito às leis justas, fazem parte do quadro
característico da masculinidade verdadeira e autêntica. Devemos acrescentar
ainda a seriedade da vida, conseqüência lógica da luta pela existência e da
preocupação pelo pão cotidiano. Lançando um olhar de conjunto sobre as
considerações precedentes, vemos que o homem, embora não estando livre de
aspectos fracos e de tendências perigosas, apresenta, todavia, nas suas
disposições naturais tantos valores positivos que deixa perceber no espírito,
mesmo no estado de natureza decaída, os vestígios de sua semelhança originária
com Deus, e de ter recebido dele na criação as bases naturais de seu destino
como filho de Deus, concedidas com a graça santificadora.
Consideremos
agora as qualidades características da mulher na vida moral. Conforme o destino
de companheira do homem, a natureza e a atividade levam-na à ajuda, ao
complemento, à guarda e à assistência. Daí o sentimento inato de amor para com
o próximo, cuidado, compaixão e sacrifício. Uma mulher sem altruísmo, sem
sentimento materno - casada ou não - é criatura desnaturada. Como o cavalheirismo
representa o ornamento mais belo do homem, assim o sentimento materno é o
aspecto mais formoso da figura da
mulher. Toda mulher que segue o impulso do coração deseja ser mãe dos próprios
filhos ou de outros, grandes ou pequenos. Até em relação ao homem a mulher
procura desdobrar o sentimento materno. Não apenas por causa dos filhos, mas
também pela manifestação do próprio reconhecimento pelos seus cuidados
delicados, o homem chama muitas vezes a mulher: “Mamãe'. Muitos homens, embora
procurando escondê-lo, porque acreditam devê-lo à masculinidade, sentem saudade
no fundo do coração da bondade feminina, de seus cuidados e auxílio, do
sentimento materno.
Para
o exercício da profissão de mãe, a mulher foi dotada pelo Criador de grande
-prontidão para o sacrifício, de capacidade de dedicação, de força de
abnegação, de paciência e perseverança. O homem, menos rico em sentimentos, é
também menos capaz de proporcionar conforto. Possui alma sensível à miséria,
necessidade alheia, tato mais delicado para poupar aos outros humilhação e
vergonha, Como companheira de vida do homem, que na luta dura pela existência
se torna facilmente duro e rígido, ela possui qualidades particulares para
difundir amor, calor e alegria. Como educadora dos filhos, tem o dom de adaptar-se
à vida psíquica das crianças. Em certo sentido a mulher continua sempre
infantil, conserva a prontidão, vivacidade e naturalidade de criança. Grande
conhecedor do gênero humano diz: “As mulheres são crianças adultas”.
Quanto
ao instinto sexual, na vida psíquica da mulher, os componentes físicos e
psíquicos encontram-se em relação inversa aos do homem. Neste prevalece a
esfera sensual, nela a sentimental. Ela, acima de tudo, quer amar e ser amada.
A vida ao lado de um homem que não ama é para ela cheia de perigos não só para
a saúde psíquica, mas também para a saúde física, o que mostra como são
irresponsáveis os pais que obrigam a filha a casar com um homem que não ama.
Fator essencial do instinto sexual da mulher é o desejo natural e intenso de tornar-se
mãe. Por isso a mulher sofre mais que o homem a falta de filhos. Embora a
tarefa da procriação exija maior sacrifício da mulher que do homem, a falta de
filhos ou seu número reduzido é mais freqüentemente culpa do homem que da
mulher. No que depende de causas físicas, a falta de filhos deriva em geral da
mulher. A mulher acha a continência sexual menos difícil, pois o instinto
sexual físico é menos intenso e mais passivo. Por isso as mulheres estão menos
sujeitas ao onanismo e ao adultério. Vice-versa, a maior emotividade torna-as
mais apaixonadas no amor. Tem amor mais profundo, mais sentimental. Por isso
suportam também mais dificilmente as desilusões nesse campo. As vítimas do
suicídio por desilusões amorosas são na maioria mulheres. O amor sexual da
mulher exige o direito à exclusividade. Quer ser o único objeto do amor pessoal
do homem amado. Daí a defesa instintiva e a recusa a qualquer participação
desse amor: o ciúme. Esse sentimento é inato na mulher, pelo menos como
disposição. Por isso existem na alma de qualquer mulher movimentos de ciúme.
Como o amor é para elas mais apaixonado que no homem, pelo que entende com o
aspecto sentimental, pode também se inverter com maior facilidade e aspereza no
contrário. Daí a tendência feminina ao ódio e vingança, a inclinação à
hostilidade e implacabilidade. A intensidade do ódio feminino é, por sua
natureza, impossível no homem; como também a perseverança e a insistência em
aniquilar o adversário odiado. O exemplo de Herodíades é típico para a sede de
vingança e profundidade do ódio de que é capaz a mulher.
Conseqüência
de todas essas qualidades da alma feminina é serem mui poucas as mulheres
capazes de amizade profunda com uma representante do próprio sexo. Enquanto
viver numa mulher o desejo característico de aparecer e fazer-se notar, ela só
pode saciar a sede de verdadeira amizade em relação ao homem. As amizades entre
meninas, que nascem muita vez na época da puberdade, são semente efeito de
instinto psíquico despertado, ou necessidade de dedicar-se a alguém com
veneração exaltada, mas duram geralmente pouco e mui raramente merecem o nome
de amizade. Grandes amizades entre mulheres na vida política ou na do espírito,
são quase ignoradas pela história, e o instinto dos povos só dá lugar, nas
fábulas e mitos, à amizade entre homens. Quanto mais forte é a responsabilidade
da mulher tanto menos se abre à amizade com outra do mesmo nível. Com a
amizade, assim também a inimizade feminina é de espécie particular.
Dificilmente encontraremos um exemplo de dois ex-amigos que se odeiem. Poderão
guardar rancor, no máximo se desprezarão ou se combaterão em campo aberto. Mas
duas mulheres inimigas são capazes de odiar-se, de fingir e dissimular, de
atormentar-se com o ciúme e tratar-se com crueldade, esquecendo completamente
qualquer lembrança dos tempos passados em amizade (Goidschmidt).
A
idoneidade física da mulher para a resistência explica-lhe a perseverança,
diligência, laboriosidade e paciência. O sentimento do concreto dá origem ao do
belo, à veia estética e bom gosto. Esta qualidade, naturalmente, pode também
degenerar, como vemos com freqüência no campo da moda. Mas é sempre índice de
decadência e da negação da natureza feminina. O sentimento estético explica
também a tendência inata para a ordem e a limpeza.
Já
aludimos à consciência que a mulher tem da lei como obstáculo e limite à
atuação concreta. Perdendo este sentimento, ela não presta atenção nem mesmo ao
contraste com a lei; assim se explica que na mulher podem coexistir condutas
opostas do ponto de vista moral, sem preocupações de consciência. Assim se
compreende também como a alma da mulher, ao lado da consciência mais delicada,
da fidelidade ao dever e da pontualidade, pode dar lugar a ofensas
inconsideradas de normas morais importantes.
À
mutabilidade do sentimento e adesão ao concreto e ao pessoal, liga-se a
conhecida inclinação ao capricho feminino. Além disso, a vida sentimental da
mulher depende notavelmente do fator físico. Médicos experientes declaram que
são poucas as mulheres que não sentem psiquicamente a influência dos processos
físicos do período de menstruação. A maioria fica deprimida mais ou menos
intensamente nesses dias ou antes ou depois. Conforme as peculiaridades
pessoais, manifestam irritabilidade, tristeza ou angústia. A medicina legal
demonstra que a maioria dos delitos cometidos por mulheres, coincide com esses
dias. É nos dias intermediários entre um período mensal e outro que a vida
psíquica da mulher se encontra no ápice de harmonia, equilíbrio e bem-estar
subjetivo.
A
timidez da mulher baseia-se na força física menor e em representar ela o objeto
da concupiscência masculina. Quando há o paroxismo do instinto masculino, com a
falta simultânea de impedimentos morais e o emprego notável de força física,
pode dar-se a violação da mulher. É claro que para toda mulher, mas
particularmente para uma virgem, a violação significa grave perturbação
psíquica. É tão intensa e duradoura, quanto mais jovem e inexperiente for a
pessoa em questão. Especialmente as meninas inocentes, depois dessa terrível
experiência, correm o perigo de não poder mais persuadir-se que o ato sexual no
matrimônio representa a vontade de Deus, santificada, despertada pelo mais
profundo amor conduzindo à felicidade. Nesse caso é preciso inteligência por
parte do confessor para atenuar um pouco o dano psíquico, se ainda for
possível. Quanto à vida da graça dessas infelizes, naturalmente não sofre dano
algum.
A
tendência ao concreto no espírito feminino é fonte também da curiosidade, tão
característica na mulher. Encontra prazer nas novidades, nas mudanças, na
“moda”. Daí a avidez de sensações, até a voluptuosidade na dor, a mania de
exagerar. Neste último campo chega também à ilusão, de modo que a mulher muita
vez acredita no que sugere a si mesma e aos outros, mesmo que não corresponda à
realidade. É fenômeno muito parecido com as mentiras fantásticas das crianças.
Há algumas mulheres doentes que pela avidez de sensações são capazes de
esquecer repentinamente as dores, quando alguém lhes conta novidade excitante.
A
mulher não pode escolher por iniciativa própria o companheiro de vida. Deve
esperar a chegada do homem, a quem as qualidades dela pareceram tão atraentes
que a deseja por esposa. Assim se explica a vaidade, sedução e astúcia da
mulher. Também a mania mórbida das pessoas histéricas de aparecer a todo o
custo tem essa origem.
A
inclinação da mulher para olhar mais a pessoa que a realidade, pode levá-la à
parcialidade e com isso à injustiça. O sentimento para tudo o que é íntimo,
vizinho, recolhido, abre caminho à mesquinhez e ao pedantismo. Considerando,
além disso, a maior suscetibilidade sentimental e a tendência a imiscuir-se nos
negócios alheios, que deriva da ambição de domínio muita vez inconsciente, é
possível explicar o fenômeno tão freqüente da incompatibilidade entre mulheres.
“Em
linhas gerais, quanto à posição da mulher no campo moral, podemos afirmar: a
intensidade da vida psíquica da mulher é maior que a do homem. É capaz de
superar de longe o homem, tanto no bem como no mal. É verdade que o homem
raramente cai tão baixo como a mulher, mas não atinge também a altura dela,
salvo casos excepcionais”.
2.5
Psicologia Pastoral no Cuidado das Almas Masculinas
Assinalando
a mentalidade masculina o pensamento sóbrio, abstrato, e, por conseguinte, a
vontade resoluta e enérgica, as pregações e instruções, no cuidado pastoral dos
homens, devem distinguir-se pela clareza e densidade de pensamento e claro
apelo à vontade. Qualquer acentuação causada pelo sentimento, qualquer exagero
afetivo e qualquer espécie de sentimentalismo desagradam ao homem dotado por
natureza de menor intensidade de sentimento.
A
orientação espiritual do homem para o essencial e positivo comporta a
necessidade da maior brevidade possível nas conversas e nas exortações. A paciência
masculina esgota-se muito mais depressa que a longanimidade e a dose de
sacrifício da mulher.
Devemos
ir ao encontro da disposição natural à atividade do homem, apontando-lhe o
sacerdócio leigo, especialmente a posição cheia de responsabilidade como chefe
de família; atraindo-o a tarefas que se relacionem com a igreja.
Embora
o homem se distinga pela coragem e valor - basta pensar nos atos heróicos dos
soldados em tempo de guerra - todavia a vida religiosa é às vezes dificultada
em medida mui considerável pelo respeito humano. Assim acontece porque se
considera, em vastos círculos da opinião pública, a participação ativa na vida
religiosa como tarefa feminina. Por isso o homem a suprime com facilidade,
visto não suportar o menosprezo da virilidade ou palavras de zombaria ou
desprezo. Devemos então demonstrar que a participação na vida religiosa é
obrigatória para ele, tanto quanto para a mulher - naturalmente para o homem em
atitude viril - e a confissão da sua convicção indica muito mais coragem viril
que a negação envergonhada. Neste ponto é bom apresentar a heroísmo de homens
cristãos de todos os tempos, a coragem viril que atinge o ápice não na
perseguição dos inimigos, mas no martírio, na doação da própria vida, no
testemunho com o derramamento do próprio sangue.
O
cuidado pastoral ao elemento masculino não deve esquecer que o homem, muito
mais facilmente que a mulher, está sujeito a crises de fé e de moral. O homem
afasta-se com maior facilidade e mais vezes de Deus, torna-se vítima do racionalismo
e do cepticismo. A mulher tem ligações sentimentais fortes com Deus, sente-se
segura no amor e sob sua proteção. Ama-o com a totalidade de seu ser e por isso
nem mesmo as crises espirituais podem afastá-la completamente de Deus. É bem
diferente a situação do homem. Seus laços sentimentais são muito menos forte e
não possui a certeza intuitiva do verdadeiro e do bom. Devemos ainda
acrescentar serem menores nele a paixão e a perseverança. Por conseguinte, está
exposto a perigos maiores nos períodos de provação e crise religiosa e cede
mais depressa nos conflitos ideológicos. Nesses casos é preciso, em primeiro
lugar, intensificar e enraizar profundamente no homem o ideal da devoção
masculina. Além disso, é preciso aproveitar as energias fundamentais próprias à
natureza masculina na tendência combativa e criadora. Experiência óbvia nos
ensina que certos homens se revoltam e deixam de lado o dever religioso até que
a autoridade o facilite ou eventualmente o imponha. Se, ao contrário, lhes
proíbem o mesmo dever, alguns passam a participar dele com maior entusiasmo.
Outro
aspecto deficiente da atitude religiosa masculina é a fraqueza da ligação
pessoal com Deus. Não possui a capacidade de amar com a totalidade de seu ser e
por isso não pode também se dar completamente. Assim sendo sua posição em
relação a Deus é muita vez, reservada, impessoal, parca, abstrata. A oração é
mais de pensamento que de amor. A força de dedicação e sacrifício é menor;
abate-se espiritualmente com mais facilidade que a mulher quando se confronta
com a provação e falta de empenho onde a mulher sofre e suporta por amor. É
importante, em conseqüência, educar o homem em amor ardente para com o Deus uno
e trino. A pilastra fundamental da sua vida religiosa deve consistir antes de
tudo no amor entusiasta por Cristo.
2.6
Psicologia Pastoral no Cuidado das Almas Femininas
A
psicologia da mulher caracteriza-se antes de tudo pela força e profundeza de
sentimento. Assim se explica também a inclinação que tem pela intimidade,
espiritualidade, desejo ardente de ser útil ao próximo, de cuidar, de socorrer.
É claro que este dote natural pode ser colocado com facilidade a serviço de sua
vida religiosa. A religião cristã é mais rica de valores sentimentais que
qualquer outra. Basta pensar no ensinamento sobre o amor provido e paterno de
Deus, sobre a Encarnação e a Paixão do Salvador etc. Muitas verdades religiosas
e formas de oração tem, portanto, efeito mais vistoso sobre a alma feminina.
Mas, justamente por isso, a mulher está mais exposta ao perigo da exaltação e
do sentimentalismo mórbido. Assim é preciso orientar a mente da mulher para o
essencial, o verdadeiro e o espiritual. O Redentor disse à samaritana que Deus
deve ser adorado “em espírito e verdade” (Jo 4.23).
Outro
aspecto característico da psicologia feminina é a ligação intensa ao que é
pessoal; é a raiz de sua maior força de amor e da capacidade de dar-se sem
reservas. Devemos procurar que esse laço ao pessoal se inspire no amor puro,
pois, de outra forma, degenera facilmente em capricho, parcialidade e
transforma-se repentinamente em aversão. Dessa ligação com o pessoal, tão forte
na alma feminina, resulta também a facilidade de sentir-se segura na proteção,
no amor e na misericórdia de Deus, de chegar ao amor ardente e entusiasta por Cristo.
O exercício da humildade e da confiança, tão indispensáveis para a vida cristã,
é menos fatigante para a mulher do que para o homem. Da mesma forma, para a
mulher é mais fácil abrir a alma. Há naturalmente o perigo de ver no
confessor-não o mediador entre Deus e a própria alma, más a pessoa do
sacerdote, tornando-a termo de aspiração e de desejo. É lógico, portanto, que o
diretor espiritual das mulheres possua personalidade irrepreensível e notável
medida de altruísmo, se quiser conduzir diretamente para Deus uma alma feminina
a ele confiada. A palavra do precursor deve tornar-se seu lema: “Ele (Cristo)
deve crescer, eu diminuir” (Jo 3.30).
Toda
a direção espiritual da mulher, para ser bem feita e fecunda, deve
aproveitar-se do ideal especificamente feminino, que se exprime no binômio
virgindade e maternidade. Em qualquer alma nobre de mulher - não importa se
casada ou não - a virgindade e a maternidade devem harmonizar-se e completar-se
reciprocamente. Não é a virgindade nem a maternidade só que representam o ideal
feminino.
A
maternidade da mulher suscita nos outros uma sensação de refúgio seguro e de
amor; a virgindade, ao contrário, desperta o sentimento da intangibilidade, do
respeito profundo. Já que hoje devemos lutar pelo verdadeiro ideal feminino que
renove o mundo, é muito importante acentuar a fusão necessária entre
maternidade e virgindade. Se falta um desses elementos, o ideal feminino fica
automaticamente diminuído e falsificado. Também a alma virginal, deve sentir a
maternidade, que pode exprimir-se no cuidado dos enfermos e das crianças, no
apostolado da oração e no serviço contínuo da caridade. Sem calor materno, a
virgindade torna-se fria, rígida, fossilizada, sem doçura nem graça. No
entanto, também a maternidade da mulher casada deve estar unida à virgindade
espiritual que a torne intangível para o homem. Ele deve permanecer diante da
mulher, apesar de todo o amor e de toda a confiança, a respeitosa distância.
Deve ver nela o aspecto sagrado, que não ousa tocar e pretender toda para si,
por perceber que, em virtude de sua virgindade espiritual, pertence só a Deus.
Em última análise, trata-se apenas de acentuar um ou outro dos dois pólos do
ideal feminino: para a virgem será a virgindade materna e para a casada será a
maternidade virginal” (H. Schmidt).
Era,
portanto, errado nas associações da juventude feminina apresentar a virgindade
como o único bem. Educar boas mães cristãs em pureza virginal e, portanto,
pintar em cores vivas também o ideal da mãe cristã e apresentá-la como modelo,
deveria ser uma das tarefas principais dessas associações. O que nem sempre tem
acontecido.
Nunca
se poderá sublinhar bastante que bênção representam os filhos para a mulher,
não só do ponto de vista psíquico, mas também do físico. Não é raro o caso de moças,
que durante anos sofreram diversas formas de neuroses, ficarem curadas logo que
se tornam esposas felizes e mães de criança sadia. Os filhos são justamente o
desejo natural mais profundo de todo coração genuinamente feminino.
Naturalmente custam paciência, sacrifício e preocupações. Mas é no
desdobramento e na ativação dessas disposições femininas que a mulher encontra
a própria felicidade.
É
óbvio que a mulher, compreendida sob o ideal duplo da maternidade e da
virgindade, poderá defender melhor a dignidade do matrimônio contra a
profanação do abuso conjugal. Educará o marido, pela sua pureza, ao respeito
tão profundo de modo que ele, levando em consideração seus sentimentos e
dignidade, aceitará o sacrifício da continência, ou ela, com seu sentimento
materno pronto ao sacrifício, aceitará todos os filhos que a Providência divina
quiser conceder-lhe.
2.7
Psicologia da Vida Sexual
Na
época do materialismo ateu, consideravam a função sexual dos homens apenas como
meio de satisfação da libido, cujas conseqüências naturais podiam ser evitadas
com violações arbitrárias das leis da natureza. O fanatismo racial dos últimos
anos, sem nenhum sentimento espiritual, descobria no instinto sexual um meio
para tomar o próprio povo grande e poderoso, pronto a combater e exterminar
outros povos e outras raças, mediante o desprezo dos direitos humanos mais
primitivos, aniquilando ou impedindo a vida dos seres fracos e não idôneos para
a luta e criando os descendentes da raça pura. Diante desse conceito de vida
sexual, contrário à dignidade humana, perguntamos qual seja o significado e o
alvo da sexualidade, desejado por Deus e digno do homem. Da resposta a essa
pergunta aparentemente teórica, resultam conseqüências para a psicologia e para
a prática da cura pastoral. Indica-se em geral a geração de nova vida e a
propagação da espécie como objetivo da sexualidade humana. É a verdade, porque
está de acordo com a natureza de muitas qualidades sexuais do homem e da
mulher. Mas aí não está a relação completa do complexo sexual e, menos ainda,
da grande diferenciação psíquica que se manifesta nos dois sexos. E mesmo se toda a esfera sexual se destinasse à
procriação, ficaria sempre a pergunta: Por que o Criador quis para a geração
justamente a forma bissexual, quando no resto da natureza existem também outras
formas de propagação? “Mas a essência da sexualidade deve ter razão mais
profunda, uma vez que abarca e fundamenta também as peculiaridades psíquicas
dos dois sexos. Observação demasiadamente superficial pode demonstrar-nos que o
homem e a mulher completam-se reciprocamente, que se comportam como partes de
um todo de natureza superior, mesmo em outros setores que nada tem a ver com a
procriação. O homem parece fragmentado na sua totalidade física e psíquica. Uma
relação polar de atração e repulsão recíproca, de um procurar-se e escapar-se,
fornece os elementos de processo vital singular. Nessas tensões está expressa a
intenção do Criador, segundo a qual os dois sexos devem fundir-se numa síntese
determinada, completar-se reciprocamente numa criação ulterior, que ultrapasse
os indivíduos, sem anulá-los” (F. Zimmermann).
Mas nem mesmo a função
integradora dos sexos, no sentido do aperfeiçoamento de cada um, explica o
significado último da sexualidade. Surge outra pergunta: por que Deus criou
cada ser humano de tal forma que tenha necessidade de um complemento, e por
que, por outro lado, esse complemento deve vir por meio de outro ser pessoal?
Estamos aqui na metafísica da sexualidade. A razão última está apenas na
vontade do Criador de dar vida, por meio do ser particular, a organismo humano
superior: a comunidade dos indivíduos diferenciados. Na ordem do plano divino
da criação, essa comunidade está colocada acima do ser particular; o todo tem
mais valor que as partes. O indivíduo está orientado para a comunidade e a ela
deve servir. Assim a comunidade homem-mulher é o protótipo e o modelo de
qualquer comunidade humana. Nela o homem e a mulher atingem o aperfeiçoamento
natural, nela o ser pessoal eleva-se à vida vivida em conjunto, um pelo outro,
em complemento recíproco. Por isso a família não é uma comunidade, mas a
comunidade dos homens. E justamente não só no setor natural, mas também no
religioso. “A cabeça de todo homem é Cristo, a cabeça da mulher é o homem, e
cabeça de Cristo é Deus... O homem, portanto, não deve cobrir a cabeça, porque
é imagem e glória de Deus, mas a mulher é glória do homem. De fato, o homem não
é da mulher, mas a mulher do homem. Pois o homem não foi criado para a mulher,
mas a mulher para o homem” (1 Cr 11.3ss). A sociedade entre o homem e a mulher,
a simbiose sexual, não tem, portanto, como finalidade só a troca de bens
terrenos, mas por tarefa suprema a mediação entre a comunidade e Deus. A mulher
chega a Deus por meio do homem, como Deus chega à mulher por meio do homem.
Assim aconteceu na criação da mulher e assim continua na criação posterior, no
processo vital dos sexos. Dessa forma o homem é o mestre e o sacerdote da
mulher. Antes do pecado original o vínculo conjugal era também comunhão sobrenatural
com Deus, no qual o homem foi mediador dos bens e das graças divinas. A mulher
foi santificada mediante a união com o homem; por meio dele a mulher era
admitida não só à comunicação da natureza humana mas também à da vida divina da
graça. Com o pecado original, no qual o homem caiu por meio da mulher, a
corrente da vida sobrenatural separou-se do vínculo conjugal e agora caminha
por conta própria.
O matrimônio torna-se agora,
segundo o ensinamento do apóstolo Paulo, o grande mistério e a imagem da união
vivificadora e cheia de graça de Cristo com sua Igreja. “Na nova ordem, também
o vínculo sexual foi santificado, como imagem da união de Cristo com a alma em
estado de graça, como era no estado primitivo, quando o homem representava
ainda para a mulher o mediador da graça sobrenatural. Com a santificação do
homem e da mulher, mediante a união com Cristo, também se leva a sua união
novamente à função sobrenatural originária. No matrimônio consagra-se o homem
outra vez sacerdote da mulher, de modo que o casamento, como no estado
primitivo, se torna comunhão não só de bens humanos, mas também dos bens
divinos” (Zimmermann).
Deste
conceito conclui-se que o homem deve ser social e econômico, guia do círculo
familiar não só no aspecto social e econômico mas também religioso. É uma
inversão da ordem desejada por Deus que o homem seja levado pela mulher ao
cumprimento dos deveres religiosos. Infelizmente, tal é a situação de hoje, na
maioria das famílias. Impõem-se a renovação e o aprofundamento da religiosidade
masculina, se quisermos que as famílias possam merecer o nome de “cristãs”. A
devoção das mulheres e das crianças não é suficiente para conservar a religião
de um povo. A vida pública é sempre determinada pelo homem. E a vida religiosa
não é só assunto privado, mas em primeiro lugar público, dever da coletividade.
O
homem não pode cumprir com sucesso a missão de sacerdote da família se não
estiver pronto para o sacrifício. O sacrifício é também e sempre o dever
principal do sacerdote. O sacrifício especial do homem na família consiste em
ter de providenciar e carregar a responsabilidade principal, para que o
casamento fique puro e sagrado, e se conserve a fidelidade conjugal. Todos
sabem que o Redentor restabeleceu o ideal do matrimônio único e indissolúvel,
como era antes da queda do homem, como norma obrigatória para todos os tempos.
A indissolubilidade e a unidade não são exigidas só pela relação numérica dos
sexos, mas também pela dignidade da vida espiritual dos homens. “O erro
fundamental de qualquer tentativa moderna de reformar o matrimônio uno e
indissolúvel, como instituição superada, parte da idéia de ser o amor conjugal
embriaguez dos sentidos. O verdadeiro amor conjugal é uma forma duradoura com
complementação recíproca do próprio ser. O amor verdadeiro, digno do homem e
moralmente elevado, é uma das experiências mais profundas do homem. Mas, quanto
mais profunda é uma experiência, tanto mais singular e tanto menos se sente a
necessidade e o desejo de repeti-la sob outra forma, pois é capaz de encher uma
vida inteira com o ardor e a força que possuir” (Ruland).
Para
compreender a psicologia da vida sexual é preciso conhecer também a natureza e
a função do pudor. O materialismo procurou muitas vezes considerar o pudor como
simples resultado da educação e não elemento natural da vida psíquica. Ao
contrário, devemos afirmar que também a psicologia médica concebe o pudor como
fenômeno profundamente enraizado no conjunto dos reflexos e não produto da
educação convencional, como querem apresentá-lo os cultores de nudismo
exagerado. Considerado do ponto de vista psicológico, o pudor ocupa posição
intermediária entre o instinto da cólera e o do medo. Na essência consiste em
sentimento penoso de repugnância que se levanta, quando terceiras pessoas, sem
consentimento pessoal, procuram imiscuir-se, como espectadores ou testemunhas,
na realidade da própria sexualidade consciente. Fisiologicamente, acompanhado
reação positiva, característica dos sentimentos do grupo colérico (p. ex. rubor
no rosto), comportando, todavia, ao mesmo tempo, sensação de aborrecimento,
como a encontramos nos sentimentos do grupo medo. O pudor surge no homem como
defesa evidente da alma contra a imposição da vida instintiva. Como defesa
extremamente íntima da alma, protege o homem de índole boa contra a
condescendência impensada às instigações do impulso instintivo, pois encontra
nesse sentimento, corretivo psíquico e contrapeso. Devido a essa finalidade
própria, compreende-se como o pudor seja notavelmente mais fraco na idade infantil
e senil, e não nos anos de pleno vigor sexual. Encontramos, de igual maneira,
proporção direta entre a intensidade do pudor e a força do instinto sexual, de
modo que devido ao forte sentimento de pudor podemos inferir forte instinto
sexual e vice-versa. Julga-se e ressente-se a ofensa ao pudor de maneiras
diferentes, conforme o costume, origem, clima e circunstâncias. Por isso a
divisão do corpo em partes decentes, menos decentes e indecentes, como
encontramos em velhos e, infelizmente, em recentes tratados de moral, não tem
fundamento teórico nem serve para o julgamento prático do lícito ou do
indecente, como se tratasse de uma espécie de circunscrição de zona
determinada. Assim dizendo, naturalmente, não queremos desconhecer ou negar
que, nas circunstâncias normais da vida, os desnudamentos de vários gêneros
possam produzir maior ou menor escândalo ou ter efeitos excitantes. Mas nada do
que Deus criou é pecaminoso ou indecente em si mesmo, e o efeito lesivo ao
pudor depende das circunstâncias, que não têm relação alguma com as partes do
corpo. Não há dúvida que algumas vezes a nudez completa é menos excitante que
um vestido provocador, que acentua as formas do corpo em vez de escondê-las,
estimulando ainda mais a fantasia. Uma mulher que amamenta o filho, produz
menos excitação que uma jovem que participa de uma dança com um vestido
transparente e muito decotado. O problema todo contém no terreno prático, o
mesmo fator irracional da vida real que se encontra por toda parte; e é
justamente muito difícil e complexo para poder resolver-se mediante fórmulas
simples.
Apresentamos
agora um resumo de algumas considerações de Rhaban Liertz, relacionadas com as
questões no seu livro “Harmonien und Disbarmonien des menschlichen Trieb-und
Geistelebens” (Harmonias e desarmonias na vida sexual e espiritual do homem).
A
escolha dos futuros cônjuges, na hipótese de que a causa primeira do matrimônio
seja o amor e não outras razões, como herança, imposição dos pais etc., depende
de poucos elementos decisivos, conscientes e pessoais. Sabemos que o primeiro
movimento de uma atração erótica surge independentemente da vontade do
indivíduo. O homem parece atraído mais pelas formas e pela graça da mulher e
esta mais pelo comportamento dele. Felizmente a beleza constitui valor que não
é super-valorizado em geral no reino do inconsciente; e muitos reconhecem que
uma pessoa externamente bela não é de per si e em todas as circunstâncias a
mais desejável. Parece que a faculdade seletiva da atração sexual tenha vista
mais perspicaz para distinguir o comportamento do que para apreciar a forma e
saiba avaliar, com segurança surpreendente, o incremento necessário de força
que o completamente da afinidade seletiva promove em favor da geração futura.
Só assim se explica o amor que determinado indivíduo sente por determinada
pessoa, amor que muitas vezes parece inconcebível a terceiros. Os motivos mais
profundos e decisivos da atração por determinada pessoa e o desejo de tê-la
como companheira de vida, escapam ao julgamento humano e permanecem
misteriosos. É curioso que, muitas vezes, justamente os seres de natureza
diversa sintam atração recíproca, enquanto os de índole igual ficam
indiferentes. A ciência biológica atribui esse fenômeno à intenção oculta da
natureza que tende ao bem da descendência, mais garantido pela união de
elementos heterogêneos. Mas daí resultam não poucas crises matrimoniais e
divórcios. Prova-se também que a atração sexual entre dois indivíduos resulta
de fatores em parte desconhecidos para nós, que contêm freqüentemente elementos
irracionais, verificando-se que a atração pode manifestar-se mesmo quando não
existe perspectiva alguma de matrimônio. Não se trata de assunto de muitos romances: é
causa de inúmeras tragédias na vida real. O amor que o homem dedica à mulher
que deseja desposar apresenta tendência estranha à idealização e à
supervalorização que parecem indispensáveis ao eu para aceitar ligação tão
forte como a do amor. Também a mulher, no entusiasmo do afeto, parece não
perceber os defeitos do homem, mesmo os grandes e evidentes, ou, pelo menos,
espera, confiante, que Ele queira livrar-se dEles por amor a ela. Assim se
explica por exemplo, que uma jovem case com um homem que sabe ser beberrão
inveterado.
Para
compreender a atração recíproca dos sexos ajuda o conceito da chamada
polaridade. Esta compreende não só uma diferença qualitativa de reações, mas
também uma espécie de tensão que impele à compensação. Sua lei é: os elementos
heterogêneos se atraem, enquanto os homogêneos se repelem”. Niedermeyer diz: “Os
dois sexos se completam um ao outro, tanto mais perfeitamente quanto mais
acentuadamente a personalidade de um encontra compensação na polaridade
heterogênea do outro”.
À
luz deste princípio torna-se evidente que um homem, de caráter acentuadamente masculino,
sinta-se atraído por uma mulher de caráter feminino-materno e repelido por uma
mulher de maneiras masculinas. A supramencionada atração explica o “matrimônio
de contrastes”.
Um
homem de maneiras femininas sentir-se-á atraído por mulher máscula. Tal
“matrimônio de contrastes ao reverso” pode, às vezes, conduzir à compensação
esperada. Considerando, porém, que a intersexualidade bitola-se muitas vezes
por fenômenos de degenerescência psicopata, essa infeliz atração recíproca
conduz ao aumento das dificuldades de vida para ambas as partes, e é também
desfavorável à descendência, visto poder originar taras hereditárias e
degenerescências ou, pelo menos, provocar atritos, dificuldades e conflitos.
Podemos, além disso, revelar neste ponto que, segundo as experiências da
biologia moderna, em todo organismo masculino existem também hormônios sexuais
femininos, e no físico feminino estão presentes hormônios masculinos. Por isso
em qualquer caráter encontramos algum vestígio do outro sexo (Pesquisas de Eugênio
Steinach).
Levando
em consideração estes fatores biológicos, compreendemos melhor a observação de
Kafka, estranha à primeira vista: “Parece que certo quantum de tendências
homossexuais age mais ou menos oculto na alma de todos, e logo que intervêm condições
favoráveis, pode explodir abertamente”.
É
justamente a observação de Liertz, com relação a certas mulheres que, às vezes,
importunam até o obreiro do Senhor. Diz Ele: “Há mulheres que recusam o homem
como participante da vida sexual e isso um pouco por aversão à parte que
desempenham na função sexual; mas não sabem renunciar completamente ao homem,
como estímulo da sua feminilidade. Escolhem como amigo, mais inconsciente que
conscientemente, o celibatário, pois sentem-se assim mais seguras dos perigos
da maternidade. Concentram nEle todos os afetos que, de outra forma, dada a
intensidade de desejo sem ligação, trabalhariam no ar. Desde que esta situação
não pode dar satisfação completa, a amizade degenera em toda espécie de bolores
sentimentais, mórbidos e psicopatas”. Cada pastor de alma, que vive no meio do
mundo, o sabe por experiência.
Tem-se
ventilado inúmeras vezes a questão da possibilidade de uma amizade pura entre
homem e mulher, fora do matrimônio. Uma vez que tais amizades existem e sempre
existiram, não podemos duvidar de sua possibilidade. Mas, são exceções
raríssimas, possíveis só onde há firmeza especial de caráter e uma graça
extraordinária. Em linhas gerais estamos de acordo com Rhaban Liertz, quando
afirma: “A amizade autêntica é possível só na mais íntima comunhão de vida,
como acontece na união harmoniosa do homem e mulher com o casamento. Por isso é
mais aconselhável que o solteiro, que quer perseverar no propósito de vida
continente, renuncie a qualquer amizade com uma mulher. Tanto mais se deve, de
modo absoluto, evitar tudo o que entre no âmbito de comunidade conjugal; de
modo especial todas as demonstrações externas de afeto, sobretudo a que é
expressão típica do desejo de união, isto é, o beijo e o abraço. Uma amizade
verdadeira, completa entre homem e mulher não é possível senão no matrimônio”.
Devemos acrescentar, para sermos completos e justos que há manifestações de
afeto e também fora do matrimônio podem surgir amizades (pelo menos entre
homens) que são notavelmente mais profundas, espiritualmente harmoniosas e
radicadas na alma, do que tantas amizades entre cônjuges.
Cada
educador e pastor de alma deve visar à criação de uma união definitiva só nas
criaturas, que não se amam unicamente com amor sexual, mas sobretudo do profundo
da alma. Os matrimônios puramente convencionais ou de interesse econômico
ocultam sempre um risco perigoso. O casamento de pessoas pouco exigentes com
relação às qualidades do respectivo cônjuge não é, felizmente, sempre tão
funesto como seria de temer. A parte que mais sofre é a mulher que, também no
matrimônio aparentemente feliz, obtém em geral muito menos amor por parte do
marido do que espera e merece em consideração ao grande sacrifício de mãe.
É
dever da educação, da direção religiosa e da influência da mulher levar o homem
ao amor nobremente humano e cristão, apesar do egoísmo inato e sensualidade
intensa, de modo que trate a mulher com bondade, respeito e delicadeza e a
venere com companheira digna de sua vida. A mulher, porém, deverá aprender a se
resignar, se não puder encontrar nem mesmo no mais profundo e mais terno amor
terreno a satisfação perfeita da sua alma, pois Deus criou para si o coração do
homem e por isto este ficará inquieto enquanto não encontrar no amor divino a
paz eterna e perfeita.
3 - DIFERENCIAÇÃO SEGUNDO A ÍNDOLE PESSOAL
As
atividades espirituais do homem, embora intrinsecamente independentes dos
processos físicos, estão ligadas ao desenvolvimento do organismo. As funções
psicofísicas são o pressuposto da vida espiritual e só o transcorrer sem
perturbações é o que garante a engrenagem ordenada e a coordenação de todas as
capacidades e atividades envolvidas na unidade do ser humano. Como nenhum ser
vivo se assemelha perfeitamente a outro, assim o indivíduo humano se distingue
ainda mais de todos os outros, embora o corpo e a alma tenham forma típica
idêntica. Cada homem, em última análise é um mundo a se, unidade que apresenta
grande número de variações individuais; por isso também são diferentes
individualmente os processos psíquicos relativos. Com isso assumem aspecto
particular os procedimentos morais relacionados à compreensão dos valores, à
experiência do dever etc. A individualidade de um ser humano exprime-se antes
de tudo na paixão dominante, no temperamento e no caráter.
3.1
As Paixões Dominantes
Queremos
expor aqui especialmente o caráter típico das paixões. As paixões podem
dividir-se em dois grupos principais. Tomás de Aquino distingue o apetite
concupiscível e o irascível. Também a ciência psicológica mais moderna
distingue duas paixões dominantes: a sensibilidade e o orgulho. Ambos os termos
têm sabor negativo. Mas a ambos podemos atribuir, e com razão, valor positivo e
ver impulso de dedicação (impulso de amor) e impulso de domínio (impulso de
honra). Devemos notar que em cada homem encontram-se, em grau diverso,
elementos de ambas as paixões principais, desde a supremacia fortíssima de uma
sobre a outra até a igualdade aproximada. Em linhas gerais, porém, uma das duas
predomina e, em caso de conflito, o sensível será mais inclinado a renunciar à
honra, o orgulhoso ao amor. A sensibilidade é a paixão dominante do homem
sentimental, o orgulho a do homem volitivo.
3.1.1
Paixão dominante “sensibilidade”
Para
compreender a natureza dessa paixão é necessário conhecer as variedades e as
graduações do amor. O grau mais baixo do amor manifesta-se só no ardor de
sentimento espontâneo e não é senão processo vital instintivo, de ordem física.
Vem depois o grau do amor natural. Dirige e plasma o instinto obscuro à luz do
discernimento e com vontade forte. Seu componente principal é a
espiritualidade, própria ao homem. O grau mais alto do amor, atingível nesta
vida, é o amor sobrenatural. Deixa-se conduzir pela fé e pela graça e abraça
toda a criação, de modo especial a humanidade, por amor a Deus.
A
pessoa dominada pela sensibilidade, sente propensão natural forte para tornar
felizes as outras pessoas. Seu ideal se baseia num primeiro tempo nos dois
primeiros graus do amor. Deseja ardentemente difundir ao redor luz, alegria,
amor. Mas, para a expansão completa de sua paixão, esse tipo de pessoas tem
necessidade de móvel eficaz, representado pela visão ou pela recordação da
miséria alheia e das suas necessidades. Não são os seres física e psiquicamente
fortes que provocam a expansão máxima do impulso de dedicação, mas sim a
pobreza, a fraqueza, o luto e a angústia que suscitam a compaixão e o amor
operoso. A miséria alheia não provoca semente a ativação do amor: garante a
meta por ele visada: assegurar-se de modo estável o apego e a gratidão do
próximo. Este desejo forte de apego agradecido por parte dos assistidos é, ao
mesmo tempo, a força e a fraqueza da sensibilidade. Quer tornar os outros
felizes, nenhum sacrifício e nenhuma renúncia são demasiados para o amor cheio
de dedicação; mas, em troca, quer a gratidão. Não pode e não quer renunciar a
ela, justamente porque aí está a força secreta e a mola que a impele com
alegria para o sacrifício.
Também
o homem sensível, de igual maneira ao orgulhoso, deseja dominar, não porém,
pela força ou violência, mas - o que parece contradição - pela força do amor
serviçal. À disposição de amar corresponde, como é mui natural, o desejo de ser
amado. Quanto maior e mais pronto ao sacrifício for o amor que um indivíduo
dedicar aos outros, tanto maior será também o desejo de receber amor. Esse
gênero de amor (natural) atinge a perfeição e o valor supremo apenas se unido
ao sobrenatural. Só quando a chama do amor passional (natural) é revestida e
purificada pelo amor desinteressado, exercido por amor a Deus (isto é, pelo
amor sobrenatural), é que o instinto de doação, por natureza egoísta, recebe a
força de enfrentar até o sacrifício supremo, ignorado e recusado pela natureza,
de dar-se sem reservas, mesmo no caso de não encontrar correspondência, mas até
indiferença, ingratidão, talvez aversão e ódio. O amor sobrenatural, fruto da
graça, desenvolve-se com maior força onde encontra o bom fundamento de paixão
ordenada (sensibilidade, instinto de dedicação). Por outro lado o amor
sensível, isto é, natural, não pode despojar-se do egoísmo inato senão pelo
amor sobrenatural e sublimado por este como altruísmo nobre e por isso levado à
perfeição. Sendo o amor o mandamento principal da vida religiosa, é evidente
que as almas providas de espírito forte de abnegação podem vangloriar-se de ter
obtido um talento precioso para as obras e para o caminho da vida. As vantagens
e os frutos dessa paixão, se bem cultivada, são: força de sacrifício,
paciência, longanimidade, cuidado, humildade, tato, compreensão, interesse,
capacidade de compartilhar das alegrias e dos sofrimentos alheios. Da estirpe
dos homens dotados de grande força de abnegação é que Deus chama o maior número
dos missionários, pastores, médicos, enfermeiros, educadores, professores etc.
São os homens que constroem a sociedade.
Naturalmente,
às vantagens de grande capacidade de abnegação correspondem também muitas
desvantagens e perigos, cada um dos quais, em caso de vigilância descuidada,
pode levar ao afastamento extremo em relação a Deus. São especialmente: a falta
de iniciativa e de independência, sugestionabilidade, fraqueza, o gosto pelos
elogios, facilidade pela simpatia e antipatia, tendência à afetação,
suscetibilidade, parcialidade, inclinação para o fantástico, comodidade e tendência
para os prazeres sensuais. Para evitar todos esses perigos é preciso vigilância
severa, abnegação, exercício de vontade, docilidade à graça divina. Para a vida
religioso-moral é decisivo o uso que o homem faz do forte impulso de dedicação:
ou dirige-se para Deus e para os homens, para prestar-lhes honra e demonstrar
amor verdadeiro, ou volta-se para si mesmo, para procurar a finalidade própria
e última no amor terrestre.
3.1.2
A paixão dominante “orgulho”
A
atitude psíquica do “orgulhoso” é essencialmente diferente da do “sensível”.
Neste caso o valor máximo não consiste no amor, mas na honra. A força
fundamental do seu espírito não é o desejo de dedicação, mas a tendência para
impor-se e agir. O gerador que o move não é a indigência alheia, mas as dificuldades
e os obstáculos que devem ser superados pela luta. Característica do homem
dominado pelo “orgulho” é a vontade de lutar, despertada diante de uma
resistência oposta, incitando-o a superar dificuldades notáveis. Quanto maiores
forem os obstáculos, tanto mais inflexível se tornará a vontade de lutar e de
vencer. Não conhece compromissos nem capitulações. Alegria e a glória consistem
em ser inflexível e lutar até a vitória ou até a morte.
As
vantagens dessa disposição natural são a capacidade de dirigir, o espírito de
iniciativa, coragem, energia, diligência e visão clara da meta. Dessa têmpera
são os comandantes, políticos, exploradores, naturalistas, inventores,
cientistas, organizadores, fundadores de ordens, chefes de Igreja e do Estado.
Aos
consideráveis aspectos luminosos dessa paixão correspondem os relativos
aspectos sombrios. São: tendência ao egoísmo, capricho, obstinação, mania de
domínio levado até a tirania, dureza de coração raiando a crueldade, cólera,
indelicadeza, brutalidade, vaidade, ambição desmedida, altivez, desobediência,
megalomania, auto-complacência, presunção.
Também
essa paixão dominante deve disciplinar-se constantemente pela graça. A vida
religiosa de um indivíduo possuído por essa paixão dominante depende do uso que
pode fazer dela: ou a coloca a serviço de ideal grande e sagrado, por exemplo,
de Deus ou de seu reino, para a salvação das almas, ou a torna instrumento da
glorificação egoísta e soberba da própria pessoa.
3.2
Os Temperamentos
Merece
particular relevo, para a compreensão da personalidade do indivíduo o
conhecimento de seu temperamento. Por temperamento entende-se a disposição
fundamental da alma que caracteriza a sensibilidade receptiva quanto à índole,
força, profundidade e duração.
As
paixões dominantes estão em correlação estreita com os temperamentos, uma vez
que a índole psíquica consiste na harmonia entre as tendências superiores e
inferiores e a sede das paixões está na parte inferior. Assim: o desejo de
impor-se está ligado ao temperamento colérico, o desejo de dedicação ao
sanguíneo ou ao melancólico, enquanto o fleumático é representado pelo apático.
A
velha teoria dos temperamentos, cuja terminologia teve origem com o médico
grego Hipócrates (377 a.C.), foi muito combatida nos últimos tempos. É certo
que a classificação dos temperamentos em colérico, sanguíneo, melancólico e
fleumático, que deriva do médico Galeno (séc. II d.C.) não é exata. É justa
enquanto mostra ter reconhecido a influência de certas qualidades físicas,
sobretudo das funções de órgãos internos, sobre o temperamento. O linguajar
comum fala de sangue quente, sangue frio etc. Com isso se obtém uma expressão
justa do contraste entre os diversos temperamentos: colérico-fleumático e
sanguíneo-melancólico. Há muito tempo também o próprio povo percebeu que o
temperamento depende do sistema sanguíneo, e hoje a ciência médica o confirma
quando procura explicar a relação entre constituição física e índole psíquica
pelas correlações hemoquímicas entre as glândulas internas e o cérebro.
Todavia,
não podemos negar que a velha doutrina dos temperamentos, sob o ponto de vista
prático, até hoje não foi ainda substituída nem tornada supérflua por qualquer
outra concepção equivalente. Não só do ponto de vista prático, no campo da
psicologia e da caracteriologia, é de grande valor a classificação tradicional
dos temperamentos, mas é plenamente justificada também teoricamente, quando
classificamos os graus da emotividade no aspecto duplo de sensibilidade
receptiva e capacidade de reação. As diversas combinações da sensibilidade
receptiva forte ou fraca, com a capacidade de reação, dão origem a quatro
temperamentos:
1) O colérico, com forte sensibilidade receptiva e
forte reação;
2) O sanguíneo, com forte sensibilidade receptiva e
reação fraca;
3) O melancólico, com sensibilidade receptiva fraca e
reação forte;
4) O fleumático, sensibilidade receptiva fraca e reação
fraca.
Os
temperamentos apresentam o mesmo quadro das paixões dominantes. Ninguém possui
temperamento no estado puro, mas combinado mais ou menos com os outros, embora
apresentando, em geral, predominância bem reconhecível.
O
conhecimento das características e dos sinais positivos e negativos dos
temperamentos é de grande importância, especialmente para o diretor espiritual
da juventude. Muitas vezes temos de lamentar a pouca confiança do jovem no
pastor. É próprio do jovem encontrar dificuldade em abrir-se ao pastor,
especialmente nos casos da solidão espiritual e da falta de ajuda. Algumas
vezes é o orgulho que o impede, outras a impossibilidade inculpável de
descrever certo estado de ânimo.
Nenhum
esforço para obter-lhes a confiança leva ao escopo desejado, mesmo se feito com
a maior gentileza e com todo o respeito. A melhor estrada é o conhecimento da
psique por meio da identificação do temperamento. Só quando o jovem se sente
penetrado e compreendido na sua solidão e angústia, é que se exprime o
impedimento da reserva natural e a alma se enche de confiança.
3.2.1
O temperamento colérico
O
colérico tem a característica da forte sensibilidade receptiva e reação forte.
É o tipo da personalidade marcante, do homem vigoroso, conhecedor do mundo, da
índole enérgica do líder e do combatente.
Reconhece-se
a disposição do temperamento colérico muitas vezes até pelo aspecto exterior. O
colérico tem físico vigoroso, maciço, de ombros largos, músculos fortes e
nervos duros. A expressão do rosto é séria, o olhar cortante e penetrante, às
vezes apaixonado. A boca de lábios finos fica rigorosamente cerrada. O passo é
firme e seguro, a voz forte e harmoniosa.
O
colérico, se de talento superior à média, possui intelecto claro. Capta logo a
essência de um fato. Não fica na superfície, mas atira-se com ardor para o
fundo. Isso não o impede de passar por cima do secundário, não ligar para os
sentimentos pessoais alheios e não demonstrar a mínima compreensão pelos
estados de ânimo e sentimentos deles; é por isso que se torna com facilidade
bruto e ofensivo. A vontade é forte e resoluta. Procura colocar em prática o
que se propõe e atingi-lo a todo o custo. Na atuação de um ideal escolhido,
custa a satisfazer-se até com o máximo. É capaz de entusiasmar-se ardentemente
por tudo o que é belo e sublime. O grande e o heróico o incitam. Está pronto a
empenhar-se com esforço heróico e combatividade por uma causa elevada e ideal.
Sua virtude eminente é a magnanimidade. A natureza o leva à luta. A ação e o
sucesso são a sua meta. Além disso, está cheio de acentuada ambição, que o leva
com facilidade a arrivismo sem medidas. A força cresce com a grandeza da
tarefa. Não conhece complexos de inferioridade.
É
otimista impertérrito, mesmo quando a reflexão e a calma deveriam convencê-lo
que, em determinado caso, a meta escolhida é inatinível. Confia sempre e em
toda a parte na força e na capacidade do eu. Tem por lema: ou dobrar ou
quebrar. Por ter muito sucesso, reforçam-se ainda mais as aspirações, e por
isso aventura-se também ao que é impossível. Odeia a mediocridade, o
meio-termo. Tudo o que faz, faz completamente. Move-se entre os extremos e quer
ou tudo ou nada. Traz em si o germe do santo ou do delinqüente. Para atingir o
seu escopo serve-se de todos os meios. Pode ser duro e insensível, cruel e
brutal. Pode mentir e fingir, adular e tiranizar. Para o alto é capaz de
reverências, para o baixo é capaz de pisar. Tudo existe para o seu bem-amado
eu. Custa-lhe reconhecer as obras e os sucessos dos outros, que olha com
inveja, como atos que prejudicam a própria capacidade, dignidade e
proeminência. Ai de quem se lhe opõe! É ele que deve dominar, comandar,
organizar, pois só ele possui a habilidade necessária. Sempre tem razão, mesmo
quando no íntimo, já há muito tempo, reconheceu ter disparado com audácia
imprudente contra o objetivo. Não reconhece que a razão possa encontrar-se,
pelo menos uma vez, também do lado do adversário. Impedem-no o orgulho, a
ambição e presumida infalibilidade.
Esse
orgulho indomável é o maior obstáculo à sua santificação. Gera nele confiança
exagerada em si mesmo e obstinação infantil pluriforme, que raramente respeita
a opinião dos outros; antes, fala mesmo com desprezo, do juízo e dos pareceres
alheios e ofende muita vez os adversários com o sarcasmo e a zombaria. A
soberba lhe impede amor para com Deus, o próximo, e toda a criação. Tem em si a
fonte da própria hipersensibilidade, prepotência, do espírito de contradição,
dureza, incompatibilidade de caráter e cólera, às vezes tão forte, que lhe faz
perder completamente o domínio de si, levando-o a erros gravíssimos com um
sorriso frio nos lábios, a desprezar sem consideração os laços de velhas amizades
e arriscar, com leviandade, a saúde e a vida. O orgulho lhe tira a faculdade de
inclinar-se, de adaptar-se e submeter-se, obedecer, estender a mão ao
adversário em sinal de reconciliação. A vaidade egoísta torna-o inapto para a
compreensão cordial e para comungar com o estado de ânimo de outro ser humano,
a compaixão amorosa diante da dor alheia e a bondade de coração no contato com
os pobres e necessitados. Quantas vezes por dia peca contra a caridade com o
pensamento e com as obras, sem nem sequer percebê-lo! Quando, porém, com o
auxílio da graça divina, o colérico resolve corrigir-se, aperfeiçoar-se,
santificar-se, quando aprende a conhecer e reconhecer os próprios limites e a
própria dependência, a inclinar-se humildemente diante de Deus; quando chega ao
ponto de se alegrar logo que Deus o subjuga e aniquila nele todo o
egocentrismo, então o temperamento torna-se ponto de apoio na subida para a
santidade; então a ambição e anseio de sobressair empenham-se por tornarem-se
agradáveis aos olhos de Deus, em produzir algo imponente para o reino de Jesus
Cristo. O colérico zeloso, que se autocastiga e autodisciplina, é líder nato.
Empenha-se por um ideal com calor e força de persuasão. É herói por nascimento.
É homem do dever, que não concede escapatórias a si mesmo, que não se deixa
desviar das decisões tomadas, que não descansa antes de atingir o alvo
predeterminado. Assim, este temperamento oferece muitas vantagens e auxílios ao
homem lutador, que se dirige para o alto ao atingir a própria santidade, como
também, por outro lado, se erra a estrada, pode torná-lo propugnador fanático
do mal, sujeito a vaidade satânica, ódio indomável e fúria bestial. A vida de
oração do colérico não apresenta dificuldades especiais. As forças espirituais
tornam-no apto ao recolhimento e à concentração interior. O desejo constante de
expansão ilimitada é satisfeito pelo empenho ininterrupto e total por Deus e
por sua causa. O colérico que tem em vista a perfeição fica agradecido quando
lhe apontam os defeitos. Procura emendar-se. Nas relações com o próximo luta
para fundir a veracidade com a delicadeza. Coloca toda a honra na conduta de
vida ilibada. O colérico engenhoso tem atuação notável no trabalho
profissional. A disposição natural incita-o à atividade incessante. Não pode
viver no ócio. Deve trabalhar sempre e ocupar-se sempre. Não é capaz de deixar
um trabalho pela metade. Deve terminá-lo completamente. Não suporta a desordem.
Gosta da limpeza, da consciência escrupulosa, da pontualidade. Tem sempre o que
fazer. Nunca tem tempo para o inútil, mas sempre o tem para o necessário.
Descobre trabalho onde outros não o vêem. Não pode descansar, enquanto há
trabalho por fazer. Olha sempre para a frente, reflete, calcula. Por isso
consegue sempre acrescentar às tarefas, já numerosas, novo trabalho, graças à
capacidade organizadora, à rapidez da ação, à circunspeção e habilidade. É
claro, breve e decidido no falar. O que diz deve estar simplesmente certo
(mesmo que não o esteja). Na conduta e no modo de proceder é independente, ousado,
sem sombra de temor. Tem a faculdade de persuadir os outros, de convencer, de
influenciar e de guiar, de tornar-se sustentáculo e apoio, de deixar a própria
marca no ambiente inteiro. Além disso parece tão certo e inequivocável que
ninguém pode resistir-lhe, salvo o que for da sua mesma têmpera. É o tipo do
chefe, do educador, da pessoa de autoridade.
O
importante é que o colérico procure desenvolver seus lados bons e atenuar os
piores. Precisa de um ideal claro: serviço de Deus por amor a Deus, amor ao
próximo por amor a Deus. É preciso apresentar-lhe ideais altos para poder
empenhar as próprias forças. Deve aprender a mendigar com humildade o auxílio
de Deus e lutar com toda a energia contra a cólera, o orgulho e outras
expressões do temperamento. Deve educar-se espontaneamente ao serviço do
próximo. Se for capaz, será também capaz de executar grandes obras para o,
reino de Deus. Será o apóstolo nascido para o reino de Cristo. Se o colérico
educa a si mesmo sob a influência de personalidade forte que consegue o
reconhecimento e a estima dele, ajudado pela graça divina, implorada com a
oração humilde, pode chegar a idealismo nobre que lhe dá impulso a tender
sempre mais para o alto, otimismo invencível que não o deixa desesperar nunca,
mas sempre esperar, radicalismo inflexível que o leva a gastar todas as
energias a fim de atingir o alvo predeterminado.
O
obreiro do Senhor de temperamento colérico obterá com facilidade a estima dos
fiéis, com mais dificuldade o amor. Suas ações terão sucesso. Todavia deverá
abster-se de disciplina rígida para não ser arrastado pela dureza inata de
trato. Deve vigiar a si mesmo e tender com o máximo empenho ao amor verdadeiro,
pois, de outra forma, será levado pelo temperamento a cometer atos de dureza.
Muitos desses atos nem sequer perceberá, por causa falta inata de ternura e
delicadeza. Deve também tender incessantemente à verdadeira humildade de
coração e reconhecer que também é servo inútil diante de Deus, apesar do
engenho e dos dotes. Malgrado todo o esforço, o obreiro do Senhor colérico será
mais estimado que amado pelos fiéis. Serve-lhe de admoestação permanente para
tender ao amor, e também de contínua escola de humildade.
3.2.2
O temperamento sangüíneo
As
características do temperamento sangüíneo são a vivacidade e a volubilidade.
Explica-se com a forte sensibilidade receptiva, ligada a reação fraca.
O
aspecto trai logo o sanguíneo. Em geral é esbelto, agradável e de físico
elegante. Possuí sistema nervoso vivaz, facilmente excitável.
Os
olhos são vivos e móveis, o passo veloz, mas um tanto incerto. Falta-lhe o
comportamento enérgico. A atitude exprime grande agilidade e vivacidade, às vezes
exuberância sentimental.
O
sanguíneo possui o sentimento acentuado para a exterioridade, isto é, para tudo
o que pode perceber por meio dos sentidos. Embora também tenha espírito ativo e
ardente, é-lhe difícil concentrar a mente sobre objeto preciso, dirigir a
vontade com perseverança para alvo fixo. É esteta por nascimento, deleitando-se
com as formas belas e agradáveis à vista. A seus olhos, que nunca estão
parados, dificilmente escapa menor detalhe. Vê todos os movimentos, mesmo os
que não deve. Escuta qualquer observação, mesmo se não se lhe destina ao
ouvido, toma parte em todas as conversas e sempre quer intervir mesmo se não
entende nada do tema. Na sua leviandade ousa atirar-se a qualquer empresa,
antes mesmo de tê-la avaliado suficientemente. Vice-versa, falta-lhe a
faculdade de terminar o empreendimento começado, também porque não dispõe de
resistência tenaz e de perseverança. Tem sentimentos ternos e ardentes. Com
facilidade deixa-se dominar pela disposição de ânimo. Tende à exaltação e
exagero. Nem o elogio nem a desaprovação que formula devem tomar-se muito a
sério. Acha tudo divino, magnífico, maravilhoso. Entusiasma-se com facilidade.
Mas, com mais facilidade ainda deixa-se induzir a jogar fora as armas por
qualquer pequeno insucesso ou crítica severa. À sua natureza corresponde
concepção alegre de vida, superficial, muitas vezes até leviana. Nada considera
pelo lado trágico. O riso e o pranto alternam-se com facilidade. Está sempre em
contato com o próximo. É o homem de sociedade por excelência, que não encontra
dificuldade em freqüentar os homens, sendo por isso bem-visto e amado.
O
sanguíneo encontra, no caminho para a santidade, devido ao temperamento, não
poucos empecilhos. A índole inconstante, um pouco inclinada à leviandade,
causa-lhe dificuldades no progresso espiritual. Passa depressa sobre o que é
profundo. Considera aborrecido tudo quanto exige fadiga, sacrifício, renúncia,
mortificação. Pensa antes de tudo em ocupar-se com os sentidos e satisfazê-los.
No trabalho procura a variedade, gosta de companhia e divertimento. Contenta-se
com meias-medidas e superficialidade. Muito cheio de si, é suscetível ao
louvor, até à adulação, mas sente-se desmoralizado pela censura e repreensão.
Vaidoso e ávido de prazeres, gosta muito de comer e beber bem, preocupa-se
muito com o modo de trajar, com o lugar onde mora e todos os outros gozos da
vida. Deixa-se fascinar com facilidade pelo que é vistoso, é presa fácil dos
próprios humores e sentimentos, caprichos e inclinações. Por sua natureza
vaidoso e volúvel esquece de boa vontade qualquer preocupação e corre o perigo
de entregar-se aos prazeres vulgares. Quer participar de tudo, estar presente
em toda parte. Sendo de índole curiosa e loquaz, para não dizer linguareiro,
confia em todo o mundo; com dificuldade guarda os próprios segredos. Revela
tendência acentuada para a exaltação e os prazeres eróticos. Brinca levianamente
com os pecados mais graves, é muito fácil fazê-lo mudar de rumo e corrompê-lo.
É-lhe difícil o recolhimento, a solidão no silêncio, na oração e mortificação.
Tende mais para o ciúme, para a ostentação vazia. Na loquacidade não dá muito
valor à verdade. Também a vanglória e a vileza podem induzi-lo à mentira.
Exagera muita vez e de boa vontade. Quando faz qualquer narração, tudo exagera.
Tem opinião excelente de si próprio. julga-se seriamente o mais inocente do
mundo. A luta principal deveria ser contra a paixão sensual. Tomando a sério
essa luta e a estrada da perfeição, encontrarão no próprio temperamento muita
matéria para o domínio de si mesmos, para a renúncia, sacrifício e combate
incessante contra o próprio eu.
O
temperamento sanguíneo apresenta, apesar disso, também vantagens do ponto de
vista moral e religioso. Até a volubilidade do sanguíneo pode tornar-se bênção,
se for da mesma forma inconstante no pecado. Sua cólera dura pouco, não
conserva rancor; e o mesmo se aplica às relações com Deus. Uma vez de acordo
com Deus não ficará nunca muito tempo separado dele. Seu sentimento conduz à
reparação. Muitas vezes, naturalmente, também não passa de fogo de palha. O
arrependimento não é bastante profundo, às vezes permanece somente na superfície.
No entanto, é suscetível de correção e aceita com facilidade as observações
como, de sua parte, possui grande capacidade para corrigir os outros sem que
fiquem ressentidos. A cólera é superada com a mesma rapidez com que se apodera
dele. No trato com os homens mostra-se serviçal, condescendente, gentil. É
capaz de comover-se e adaptar-se. Compartilha das dores e alegrias alheias.
Sabe brincar e rir, consolar e animar. Além disso, é franco e cândido, e por
isso ninguém fica zangado com Ele. Se conseguir vencer a antipatia e simpatia
às vezes muito pronunciadas, que lhe dominam as relações com o próximo,
esforçando-se para elevar-se a amor purificado, espiritualizado, sobrenatural,
as relações com os homens tornar-se-ão fáceis e encontrará o modo de tornar-se
tudo para todos, em amor sereno e desinteressado.
Para
a auto-educação deve criar princípios claros e segui-los. Deve adquirir
profundeza maior, pesquisar tudo inteiramente, aspirar à verdadeira virtude e
severidade da vida. Deve considerar-se feliz se encontrar um amigo verdadeiro
que lhe fique ao lado, que o livre de precipitações inconsideradas e de todas
as irreflexões. Deve trabalhar constantemente para a consolidação do caráter.
Deve temperar a vontade e obrigar o intelecto a ocupar-se do que é sério. Desse
modo conseguirá avançar na perfeição; tornar-se-á bom, gentil, sempre amigo,
trazendo para os outros apenas alegrias.
O
obreiro de temperamento sanguíneo com facilidade tornar-se-á prático e
conseguirá sucesso especialmente na direção espiritual da juventude. O
temperamento dos meninos e de muitos jovens, como sabemos, é acentuadamente
sanguíneo, justamente pela personalidade amável, radiante e serena conquistará
depressa o amor em seu ambiente, reanimará e alegrará não poucas almas sofredoras
e árduas. Deve evitar, porém, que a alegria se torne exagerada e seja causa de
desilusões para os que procuram nele profundeza espiritual, pois de outra forma
não o tomarão mais a sério, nem o considerarão como pessoa digna de confiança.
Deve aprender a sentir a vida espiritual alheia e não medir todos os outros com
a unidade da própria volubilidade, justamente o obreiro sanguíneo deve
submeter-se a autodisciplina severa, se não quiser perder a mais delicada das
atividades sacerdotais, a capacidade de dirigir almas.
3.2.3
O temperamento melancólico
A
característica do melancólico consiste na união de capacidade receptiva escassa
a capacidade forte de reação. Aparentemente, também a reação psíquica parece
fraca; na realidade, porém, fica encerrada no fundo da alma, mesmo quando esta
é agitada por emoções fortes. O melancólico é tão impressionável que não
consegue livrar-se da lembrança de certas impressões. Bastaria isto para
demonstrar que o melancólico é o temperamento mais complicado, ou menos desenvolvido,
e mais dificilmente penetrável.
O
melancólico tem como característica o físico magro, às vezes fraco. O sistema
nervoso é irritável e hipersensível. O olhar é tranqüilo, sério e reservado, o
passo lento e medido. Demonstra certo desinteresse pelos acontecimentos
externos. Parece ocupado sempre com o próprio íntimo. Seus aspectos revelam-se
freqüentemente angústia e sofrimento.
Não
é fácil reproduzir a fisionomia espiritual do melancólico. É sujeito a
incoerências, muitas vezes irregular na maneira de agir e enigmático também
para si mesmo. O que estamos para dizer não se aplica, dessa forma, a todos os
melancólicos. É justamente o temperamento que apresenta muitos matizes. Todavia
podemos constatar diferença notável entre os indivíduos que se deixam
transportar pelo temperamento e os que procuram freá-lo e dominá-lo.
O
melancólico tem alma extraordinariamente rica e, muita vez, extremamente terna.
Influências externas podem agitá-lo com a maior intensidade. Mesmo se reagir
lentamente à influência e ao estímulo dessas impressões, o efeito às vezes é
muito duradouro. Até depois de varias semanas, quando já está tudo mais do que
esquecido pelos outros, ainda se atormenta por causa de alguma palavra dura,
alguma ofensa; e o inquieta ainda mais do que no momento mesmo em que se deu. O
melancólico é de poucas palavras, sempre ocupado consigo mesmo, com disposição
forte para a reflexão, Procura afastar-se dos homens e da agitação do mundo
para construir para si um mundo na própria alma, no silêncio da solidão. Por
isso acontece muitas vezes que, em meio às conversas mais interessantes e
alegres, esteja espiritualmente ausente. Seria erro qualificar-lhe a atitude
como falta de interesse ou indiferença, julgando-o amante das comodidades e da
inércia. Está sempre ativo, sempre ocupado. Mas vive quase sempre num mundo
duplo e mais freqüentemente no mundo dos próprios pensamentos, e não no que o
circunda. Demonstra pouca compreensão pela alegria rumorosa dos filhos deste
mundo; antes, tende à melancolia e à tristeza, às vezes até ao pessimismo e ao
sentimentalismo doentio. No entanto, muitas vezes sente-se só e abandonado,
incompreendido e não amado. Crê que os homens não querem saber dele e ninguém
no mundo lhe quer sinceramente bem. Parece-lhe que só as próprias costas
suportam o peso do mundo inteiro. Ainda mais, de vez em quando invade-o
nostalgia instintiva e indefinível. Às vezes gostaria de entregar-se, seguir
completamente os próprios sentimentos; não desejaria mais viver e sim morrer.
Deveria encontrar energia suficiente para superar certas situações sorrindo,
como fazem os outros, em vez de fazer o coração sangrar e considerar tudo muito
mais difícil de que realmente o é. O melancólico mostra-se muito preocupado com
as suas ações e extremamente consciencioso. Cumpre as tarefas com precisão
escrupulosa. Se lhe dão tempo suficiente, o trabalho é exato, calmo e
inteiramente de confiança. A precisão pode, às vezes, aumentar até ao
pedantismo, que considera essencial o secundário e deixa de lado o que é muito mais
importante. Como a alma tem de sofrer e superar tantos empecilhos e
dificuldades, demonstra grande compreensão pela dor, misérias e dificuldades
alheias. Possui a faculdade de colocar-se no lugar dos outros. Fica felicíssimo
se pode ajudar, prestar um serviço, porque se lhe apresenta assim a ocasião de
justificar um pouco o direito à própria existência. Sofre de muitos complexos
de inferioridade. Não pode conceber que os outros se alegrem com a sua
presença, apreciem-lhe os trabalhos e tenham necessidade dele. Julga que em
toda parte esteja perturbando, considera-se inútil e sem habilidades. No
entanto, possui muitas capacidades. Tem sentimento profundo de ordem,
sensibilidade aguda para a beleza. O temperamento melancólico nos deu a maioria
dos poetas, compositores e artistas.
Agitado
muitas vezes no íntimo por estados de ânimo, por humores e sentimentos que
contrastam entre si, o melancólico é reservado diante do mundo exterior. Nas
suas relações com o próximo descobre sempre a própria inabilidade, a impotência
tímida, o desânimo. É certo que, repetidas vezes, observou como zombaram dele, como se
divertiram com seu comportamento. Perde assim a última possibilidade de
confiança. Torna-se desconfiado e insocial, corre até o risco de entregar-se
completamente à melancolia; gostaria de desabafar, mas não encontra palavras
capazes. Pesa os prós e os contras, considera tudo sob todos os pontos de vista
imagináveis e como conclusão perde a boa ocasião.
Por
isso não chega a decisão firme e clara, nem mesmo com relação à própria vida
moral, Adia constantemente as decisões vitais, importantes, radicais - sempre
amanhã, nunca hoje - e, por fim paralisa as energias de modo tal que não chega
jamais à ação. Justamente pela precisão conscienciosa, reflete os prós e os
contras, de modo que se torna difícil a decisão por determinado caminho. Mais
difícil ainda se apresenta a situação quando outros se intrometem em seus
negócios e procuram persuadi-lo. Cede muito facilmente e abandona projetos
amadurecidos após meditações de semanas inteiras, porque numa conversa com
alguém surgiram novos pontos de vista. O insucesso o desanima e amedronta. Se
encontra resistência e prevê insucesso, gostaria de renunciar completamente à
obra iniciada. No entanto ele, que não confia em si, que julga todos os outros
mais capazes e mais hábeis, é justamente o que produz trabalho sério quando se
põe simplesmente diante dele uma tarefa, pedindo-lhe que a execute; mas não se
deve dar-lhe muito tempo para hesitações e ponderações, reflexões e sofismas.
Não se deve exigir dele o empenho impetuoso do colérico. É lento no trabalho,
porque é meticuloso em todo o comportamento. Mas se lhe concedermos tempo e
calma suficientes, demonstra ser trabalhador preciso e consciencioso, que se
dedica à própria obra com grande tenacidade, perseverança e paciência. Também
no melancólico o orgulho tem parte considerável. Manifesta-se grande medo de fazer feio, em sensibilidade
exagerada e no temor à vergonha. Nas relações com o próximo, o melancólico é
muitas vezes atormentado não só por suspeitas, mas também por ciúmes. Confia
nos outros com dificuldade. Mas encontrando alguém a quem se possa abrir, vigia
cuidadosamente para que a confiança não seja traída e isso até o ponto de
tornar-se um peso para o confidente de seu coração, cuja paciência, por causa
de certas atitudes, será colocada à prova de modo bastante duro. Não confiará
nunca por muito tempo numa mesma pessoa. A desconfiança apodera-se dele com
muita facilidade e julga não encontrar a compreensão plena e o amor que
merecia. No caso de eventuais mal-entendidos, em vez de pedir explicações e
esclarecimentos, leva na alma alguma palavra escapada sem premeditação,
coloca-a sempre de novo na balança da precisão e é capaz de citá-la ao pé da
letra, mesmo após vários anos, sempre com tristeza profunda e renovada. Não
percebe com facilidade os próprios dotes, nem os dos outros. Mas tende
facilmente ao exagero do mal. Vê tudo muito escuro; deixa-se oprimir pelo
cúmulo de dificuldades naquilo em que o sanguíneo nem sequer as percebe. Deve
lutar muito contra as aversões, suscitadas por determinadas pessoas. Muitas
vezes sente-se perturbado, devendo distinguir entre antipatia pessoal e recusa
motivada objetivamente. Certas pessoas estão simplesmente mortas para ele, por uma razão qualquer. Não quer mais
saber delas. Ao invés, a aversão pode crescer até o desespero, até o ódio mais
violento. Só com esforço extremo deixa-se induzir a uma explicação amigável.
Essa índole do melancólico torna-se particularmente perigosa se influencia a
relação íntima com Deus. O insucesso, as recaídas no pecado, podem torná-lo de
tal modo infeliz que corra o perigo de abandonar até a Deus e suscitar nele,
além de certa aversão, até a recusa e o ódio a Deus. É o grande perigo, o
grande escolho. Este perigo, naturalmente, é atenuado por viver-lhe, no mais
íntimo da alma desejo intensíssimo de Deus, do eterno e do infinito, sem o qual
não pode sentir-se feliz.
O
temperamento melancólico oferece não
poucas vantagens no caminho da santidade. A inclinação marcante para o
mundo interior, o apego ao recolhimento, à solidão, o dobrar-se sobre si mesmos
facilita a oração mental. O melancólico
possui a verdadeira disposição para a devoção. O desejo fundamental do
coração é anseio imenso de valores supremos, de felicidade imorredoura, de
refugiar-se em Deus, de vida eterna. Sabe que não há maior felicidade na terra
do que a paz de Deus num coração puro. O melancólico, porém, pode ser
desanimado até na oração. Esse desânimo cresce poderosamente, quando teve a
desgraça de cometer pecado grave. Sentindo-se separado de Deus por pecado
mortal, sente-se muito infeliz. Não pode, como outros, curar-se dEle. A má ação
persegue-o dia e noite. Torna-se presa da tristeza, do desgosto da vida. É aqui
que se apresenta a reviravolta mais perigosa, isto é, a ameaça de perder a
confiança em si e em Deus; ao invés, por certa obstinação e ódio contra Deus,
pode entregar-se às paixões vulgares. Se porém, em vez de se entregar por
desânimo e desespero à tristeza infrutuosa e à melancolia, aprender a consentir
de bom grado à dor e à desventura que o atingiram, se souber encontrar a união
com Deus em arrependimento filial e profundo, conseguirá vantagem. justamente
ele, que experimenta tanta dor íntima, deve também procurar familiarizar-se com
o sofrimento. Deve aprender a ver na dor a participação dos sofrimentos de
Jesus Cristo. Deve exercitar-se na aceitação alegre da dor, até desejar a cruz
do sofrimento por amor a Deus. O amor à cruz é a sua salvação, fortuna, fonte,
de paz indizível da alma, de vida
espiritual profunda e rica, de verdadeira devoção, pronta ao sacrifício.
Assim,
o melancólico deve formar a si mesmo, deve
educar-se e deixar-se educar pelas circunstâncias, pelo ambiente. Deve
lutar pela própria santidade, livrar-se do desânimo da alma, do desgosto pela
vida, do sofrimento e do temor. Deve consentir de modo calmo, racional, humilde
e com confiança ilimitada em qualquer sacrifício e sofrimento, qualquer miséria
externa e interna que o atinja. Deve colocar o amor como base fundamental da
alma: o amor a Deus, o amor ao próximo, o amor a cada homem por mais antipático
que pareça. Desse modo se libertará mais depressa do egoísmo oculto, e levado
pela vida, na escola do sofrimento, aprenderá o que é o amor purificado e
sobrenatural a Deus e ao próximo, sob cuja luz se aproximará sempre mais do
ideal da santidade pessoal.
Em
linhas gerais o melancólico não se adapta bem às grandes empresas, a tarefas de
chefe responsável, pois falta-lhes energia, resolução e o otimismo
indispensável exigidos. Prejudica-os também a desconfiança inata e o medo da
vergonha. Daí, não é só ele quem padece, quando lhe confiam um cargo de
direção, mas impõe muitas vezes aos dependentes sacrifícios enormes,
especialmente por causa da desconfiança e personalidade alheia à alegria. Tem
tendência forte à mania crítica, ao sofisma justificado sob o pretexto do zelo
pela glória de Deus, enquanto que, em grande parte, provém do próprio
descontentamento espiritual.
3.2.4
O temperamento fleumático
O
temperamento fleumático é o oposto do colérico e caracteriza-se por
sensibilidade receptiva fraca unida a capacidade ativa fraca. As impressões
estimulam o fleumático nada ou pouco, a reação é fraca ou falta completamente.
Daí resulta a atitude psíquica fundamental de propensão à comodidade e à
preguiça, de fraqueza em todas as paixões, de amor ao sossego e aversão à
fadiga e esforço.
O
fleumático exteriormente possui, em geral, certa corpulência. É pesado,
desajeitado ou pouco ágil. O sistema nervoso é fraco. O olhar sem ardor e sem
energia, o passo cômodo. Gosta de dormir, come muito e adora o descanso.
Também
nas manifestações psíquicas o fleumático é cômodo e preguiçoso. A alma responde
às impressões externas com lentidão, sem emoção especial. Custa a perder a
paciência, a menos que se lhe perturbe a cômoda tranqüilidade. Pode
considerar-se esta sede de quietude como característica dominante. O resultado
é a fraqueza, a falta de energia. O intelecto não é, com certeza, o mais
adequado a meditações profundos. Não é capaz de sacudir a própria vontade. A
mente é pouco desenvolvida. Dificilmente se entusiasma, mas também dificilmente
se inquieta. Corre o perigo constante de cair numa espécie de hebetismo ou
aridez espiritual fria. Gosta da vida regular, calma, não perturbada. Estes
aspectos do caráter fleumático constituem obstáculo também à perfeição.
Por
mais que o fleumático se esforce no trabalho, nas ligações com o próximo, nas
relações com Deus, na profundeza da alma nada o toca, permanece frio e indiferente.
Apesar
dessas fraquezas, esse temperamento apresenta certas vantagens. O fleumático
nunca é atirado. Odeia tudo o que é arriscado e passional. No pensar, no agir é
lento e ponderado. Todavia o que começa, leva a termo. A calma permite-lhe ver
com sobriedade tudo o que acontece em redor. Com semelhantes dotes pode também
tornar-se alguém, terá mesmo superioridade nas situações que exigem ponderação,
pois nem sempre o sucesso depende da rapidez da ação. Quando os outros
estiverem desiludidos há muito tempo e dobrarem cansados as asas, ele ainda
terá forças intactas para prosseguir a obra com paciência silenciosa. Não tem
pretensões e é modesto sob todos os aspectos. Pacífico, vive em paz com todos,
mesmo se não gosta de comunidade.
Concluindo
podemos afirmar: faltam ao fleumático o impulso interno e a energia. Tem de
conquistar maior força de vontade, sentimento do dever mais decidido, maior
desenvoltura, maior coragem diante da vida. Assim também encontrará o lugar
certo, embora não tenha nascido para comandar as grandes batalhas da vida.
Muitas vezes será apenas arrastado pelos que estão na vanguarda. Mas justamente
a esses pode prestar serviços com a ação refreadora da prudência.
O
temperamento fleumático é o menos disposto à perfeição, pois falta-lhe por
natureza a força do arroubo. Atingir a santidade pessoal exige, além disso,
constância de vontade e perseverança, que é muito difícil para o fleumático,
por disposição congênita.
Como
o obreiro se fundamenta, seja pela essência, seja pela missão, na paixão pelo
ideal, encontraremos bem poucos fleumáticos entre os ministros. Apesar da
vantagem da ponderação, sobriedade e paciência, deverão combater durante toda a
vida contra as fraquezas do temperamento, especialmente a falta de energia e a lentidão
na mediocridade. Livrem-se de construir o ideal pessoal unicamente sob a índole
fleumática, mas sim sob as capacidades que derivam da combinação com algum
outro temperamento.
Antes
de terminar a exposição dos temperamentos, lembremos ainda que as fraquezas e a
força, os valores e os defeitos naturais do indivíduo dependem em grande parte
do temperamento diverso. Daí a necessidade de conhecer não só o próprio
temperamento, mas também o das pessoas que devemos guiar e ensinar. Os lados
bons de cada temperamento são o fundamento natural da santidade; será preciso
controlar e combater os lados negativos. Malgrado todos os esforços, o homem
raramente poderá livrar-se de todos os defeitos e de todas as fraquezas do
temperamento; nem mesmo se tender seriamente à perfeição e tiver vida longa à
disposição. O ministro de Cristo bom conhecedor das almas, perceberá até na
cabeceira de moribundo se tem diante de si o colérico, sanguíneo, melancólico
ou fleumático. Os defeitos que Deus, muitas vezes, deixa até no homem mais
perfeito, naturalmente sem nenhuma culpa pessoal, são defeitos de temperamento.
Acham-se profundissimamente radicados na disposição psicofísica do homem e são
a escola permanente da vigilância, paciência e humildade.
Conforme
aludimos precedentemente, o temperamento não se manifesta nunca em forma pura,
isto é, isento de combinações com outros. As combinações mais comuns são o
sanguíneo-melancólico e o colérico-sanguíneo. A combinação colérico-melancólico
é menos freqüente, enquanto a colérico-fleumático por sua natureza não existe,
prescindindo-se de que, em todos os indivíduos, encontram-se vestígios de todos
os temperamentos.
Querendo
comparar o temperamento às estações, poderemos dizer que a primavera
corresponde ao sanguíneo, o verão ao colérico, o outono ao melancólico e o
inverno ao fleumático. Na relação
com os diversos períodos da vida humana, poderemos afirmar que a idade infantil
tem certa afinidade com o temperamento sanguíneo, a idade do desenvolvimento
com o melancólico, a idade madura com o colérico e a velhice com o fleumática.
Encontramos também certa dependência entre temperamento e sexo: os
temperamentos colérico e fleumático prevalece nos homens, enquanto o
melancólico e sanguíneo se encontram mais nas mulheres.
Também
os povos distinguem-se pela predominância de determinado temperamento. Enquanto
nos meridionais prevalecem os sanguíneos e nos, povos do centro da Europa os coléricos, os povos “dos países setentrionais
caracterizam-se pela índole tranqüila e fleumática. São próprias dos povos aladas a profundidade ânimo e a melancolia,
que correspondem ao tipo melancólico.
Estas
indicações admitem muitas exceções. Por isso não será nunca demasiado dizer que
no campo da tipologia psicológica toda classificação rigidamente sistemática
coloca-nos em pistas falsas. Em última análise todo ser humano representa
personalidade única, não, suscetível de repetição e diferente de todas as outras.
4 - OS DIVERSOS TIPOS DE CARÁTER
Pela
palavra caráter em psicologia, entende-se a peculiaridade psíquica que
determina o comportamento e a atuação da pessoa. É evidente que, para o
conhecimento dos homens, importa antes de tudo individuar e julgar-lhe o
caráter.
A
qualidade de um caráter depende acima de tudo da mola que faz saltar as ações e
os sentimentos, isto é, da disposição congênita que condiciona a orientação
fundamental da vontade. São as tendências inatas do homem que determinam a
diversidade das orientações práticas. Embora os dotes intelectuais tenham
importância na formação do caráter, todavia, a causa principal da diferença dos
caracteres encontra-se especialmente no campo do sentimento e da vontade. A tal
respeito devemos distinguir dois tipos opostos: o homem sentimental (que
corresponde, do ponto de vista da vivacidade e mudança rápida de sentimentos,
ao temperamento sanguíneo; ou ao melancólico, na profundeza e duração dos
sentimentos) e o homem volitivo (que corresponde ao temperamento colérico). No
homem sentimental predomina o impulso à dedicação, enquanto no volitivo é muito
acentuado o instinto de conservação. Todas as diferenças do caráter derivam da
dosagem desses dois impulsos fundamentais: dedicação e conservação. Assim, com
o instinto de dedicação se entrelaça o amor à verdade, beleza, humanidade, além
da paixão nobre que se manifesta em forma passiva na capacidade de amor, na
veneração, espírito de sacrifício e semelhantes; em forma de reação (isto é,
suscitada por fato externo) no interesse pelos outros, compaixão, indulgência
etc.; em forma ativa, na dedicação apaixonada. Essa passionalidade pode
encontrar-se também sob as vestes da avareza, da paixão pelo jogo, do vício de
beber, ciúme, sede de vingança e avidez sexual. Se, ao contrário, na união dos
dois impulsos domina o instintivo de conservação, as características do quadro
psíquico serão o realismo forte, a necessidade de independência, a consciência,
o sentimento de responsabilidade. Mas se o instinto de conservação toma formas
egoístas, então numa natureza ativa prevalecerão o interesse pessoal, o amor ao
lucro, a mania de domínio, a obstinação, a teimosia, a ambição e inveja; numa
natureza passiva, ao invés, resultarão a circunspeção, vigilância, suspeita,
desconfiança, esperteza, falsidade, hipocrisia e astúcia. No mesmo terreno
desabrocham depois com facilidade a necessidade de sobressair, a sede de
vingança, a malignidade, crueldade, perfídia e outras paixões, como fenômenos
de reação com que o eu responde à mortificação e ao tratamento injusto (Th.
Müncker).
Quanto
ao que concerne à estrutura do caráter, devemos distinguir três componentes.
Antes de tudo a orientação congênita, ou seja as disposições naturais do
caráter. A esses elementos intrínsecos do caráter acrescentam-se as influências
do ambiente, no sentido mais amplo da palavra. São muito significativas, sob
este aspecto, as influências voluntárias ou involuntárias da família, do
ambiente e educadores. Sabemos por experiência que aspectos notáveis permanecem
na vida psíquica do homem após a perda prematura do pai. Provocam no menino, não
poucas vezes, a dificuldade de reconhecer uma autoridade; por outro lado,
muitas vezes a morte prematura da mãe traz para o menino o desenvolvimento
insuficiente das disposições da alma e da capacidade afetiva. Os danos causados pela falta de irmãos são
muito conhecidos; por isso não nos detemos sobre o assunto. A disposição
psíquica congênita, plasmada e modificada pelos fatores externos, desenvolve-se
por fim com a participação da vontade pessoal; pois o homem não é simplesmente,
ser animal, mas ser pessoal, senhor de si, que pode e deve livre e
progressivamente desenvolver a bondade do caráter, isto é, tornar-se
personalidade moralmente preciosa. Para a formação do caráter de um cristão é
de importância decisiva o trabalho da graça divina que se adapta, em geral, às
disposições naturais e constrói sobre elas, mas que pode seguir também caminhos
próprios, porque “para Deus nada é impossível” (Lc 1.37).
No
campo da caracteriologia trabalhou-se muito nesses últimos anos. Na pesquisa
das vias que levam ao conhecimento do homem, partiu-se de diversos pontos de
vista e seguiram-se várias direções. Indicaremos as principais segundo o
esquema de A. Carrard.
4.1
A Caracteriologia Baseada na “Psicologia Individual” Segundo Fritz Kunkel
Fritz
Kunkel, antigo aluno de Alfred Adler, criou a caracteriologia segundo a
“psicologia individual’. Como Adler, não admite as peculiaridades hereditárias
do caráter, mas atribui as singularidades pessoais e psíquicas do homem
unicamente à influência do ambiente e da educação. Segundo Kunkel, existem no
homem duas espécies de comportamento: um objetivo, consciente das
responsabilidades, corajoso; outro subjetivo, esquivo diante da
responsabilidade, covarde. Este último, que em geral domina, causa muitos
males. É a raiz de todas as distorções do caráter e das neuroses. Kunkel, na
sua concepção do homem, não se interessa pelo “de onde”, mas pelo “para que
fim”. Anseia por compreender o que o homem quer obter pela atitude. Segundo
afirma, só o homem subjetivo sofre por causa de si mesmo e é causa de todos os
males do mundo.
Distingue
quatro tipos, segundo a atividade e a passividade, a fraqueza e a dureza.
4.1.1
Os tipos do subjetivismo
Fraco
|
Rígido
ou duro
|
|
Ativo
|
Vaidoso,
exigente,
quer ser admirado.
|
Déspota,
fechado, quer ser tímido.
|
Passivo
|
Tímido,
choraminga, que ser defendido
|
Indiferente,
fechado, quer que deixem em paz.
|
4.1.1.1
O vaidoso
O
tipo vaidoso deriva do menino viciado que, durante a vida, foi centro do
interesse alheio. O vaidoso é extremamente exigente e pretende a satisfação de
todos os desejos. Enquanto vamos ao encontro de suas necessidades e desejos,
mostra-se contente, de ótimo humor, não regateia na distribuição de suas
graças. Mas se lhe negamos a admiração, sem a qual não pode viver, após certo
tempo fica abatido e torna-se estúpido ou tímido.
4.1.1.2
O tímido
Também
o tímido provém do menino viciado. Também ele procura a satisfação dos próprios
desejos, não para ser admirado, mas pela necessidade real ou imaginária de
carinho e ajuda. Porque está sempre mal não se pretende muito dEle. Tem
capacidade acentuada de sofrimento; muitas vezes encontra protetores que o
assistem benevolamente. Mas se o tímido não é atendido, se suas lamúrias, com o
andar do tempo, não suscitam outro efeito senão aborrecimento e impaciência, a
crise estoura com violência e manifesta-se em neurose.
4.1.1.3
O déspota
O
tipo César viveu geralmente sob educação severa e experimentou desde cedo que
não pode confiar nos adultos. Quando menino escutou repetidamente que é mau,
enquanto queria apenas mostrar-se sincero e vivo. Via-se hostilizado em toda
parte. Por isso no íntimo amadureceu esta convicção: “os outros não querem
ajudar-me, só servem para me atrapalhar, portanto, devo arranjar-me sozinho”.
Sua mentalidade torna-se egoísta e considera o próximo como objeto, para não se
ver abaixado ao nível de objeto. Ataca os outros por autodefesa. Não
experimenta nunca o sentimento da desfeita, mas apenas o da hostilidade e
fanatismo. A única alegria é a malignidade e considera como a maior desgraça a
perda da superioridade e do poder. Em geral vem a falir quando encontra na vida
outro déspota, porque nesse caso a maneira de agir não atinge a meta.
4.1.1.4
O indiferente
Também
o indiferente aprendeu por sua vez que não pode contar com a ajuda dos adultos.
Suas tentativas de eximir-se dela faliram pela própria insuficiência física e
espiritual, ou porque os adultos se mostraram fortes demais. Como conseqüência
vive sob o lema: “Eu sozinho não estou em condições de ajudar-me”. Daí não
chega à satisfação de seus desejos nem com o auxílio de terceiros nem com as
próprias forças. Portanto, só lhe resta a renúncia. Se consegue renunciar a
todos os desejos, pode tornar-se feliz de igual modo, apesar da pobreza
interior. Organiza a vida completamente em função da renúncia e menospreza todo
prazer de grau elevado, especialmente qualquer companhia. Concede a si mesmo
apenas a satisfação das exigências vitais: comer, beber, dormir. Compreende-se
que, segundo este modo de viver, o considerem preguiçoso, molenga e, às vezes,
também idiota, No entanto não o é. Atrás da máscara de obtuso, escondem-se a
irritabilidade e a sensibilidade, índices de faculdade de sofrimento e
delicadeza nervosa. Podemos atacá-lo; não se defende. Resiste até o fim, até
quando faltam os meios para os outros e acaba vencendo. O comportamento do
indiferente não pode ser modificado senão pelo encorajamento.
Künkel
acha fácil a tarefa do terapeuta. O paciente deve ser levado até o ponto em que
tiver aprendido a renunciar bastante ao seu subjetivismo. Com a renúncia à
pretensão de aparecer, somem também os complexos de inferioridade. Embora os
conceitos da teoria antiga não sejam completamente idênticos aos quatro tipos
de subjetivismo de Künkel, pode-se no entanto afirmar que o “vaidoso”
corresponde aproximadamente ao sanguíneo, o “déspota” ao colérico, o “tímido”
ao melancólico e o “indiferente” ao fleumático.
As
conquistas de Künkel no campo da caracteriologia são muito preciosas. No
entanto, seu parecer, segundo o qual as propriedades do caráter não seriam
transmissíveis, é refutado pela experiência.
4.2
A Caracteriologia Psicanalítica de Sigmund Freud
A
consideração psicanalítica de Freud parte de um ponto de vista completamente
diferente da caracteriologia baseada na “psicologia individual”. Apresentamos
sua teoria para sermos completos. Freud procura demonstrar que os aspectos do
caráter estão ligados à vida instintiva do homem e a sua raiz mais profunda se
encontra nas fases evolutivas da primeira infância. Segundo ele, na psique humana
operam três elementos principais: o id, o ego e o super-ego. O id é a esfera
psíquica primária que é também a fonte de todos os impulsos, instintos e
paixões. O ego, ao contrário, percebe, julga e age conscientemente; encontra-se
em relação com o mundo exterior. Coordenado a ele, mas no mais inconsciente,
está o super-ego, que ordena e proíbe, em suma, uma espécie de guia ético
superior.
Cada
uma dessas grandes regiões psíquicas participa, de modo próprio, na formação do
caráter e pode exercer, em linhas gerais uma função dominante, influindo sobre
as outras num sentido de reação. Vê-lo-emos na seguinte descrição dos
principais tipos de caráter.
4.2.1
O caráter oral
Contemplando
as manifestações de um lactente, observamos que sempre pretende mamar. É ainda
ser completamente instintivo, que não cessa de pedir o seio materno e quer
beber. A intensidade dessa “libido” é, por enquanto, força vital puramente
instintiva, dado que não, possui ainda verdadeiro ego. Mas o lactente não exige
só alimento, pede também a proximidade da mãe e depois qualquer objeto palpável
e visível que pode possuir por meio da boca. Freud chama essa primeira fase da
infância, na qual quase todas as satisfações do prazer sucedem na boca, a “fase
oral” e o “instinto do “querer ter”
“instinto oral”. Sua importância para a formação ulterior do caráter
depende da satisfação maior ou menor das necessidades orais do período da
amamentação. O indivíduo que na primeira infância teve essa satisfação oral
será otimista, benévolo, bom, generoso, pródigo etc; o insatisfeito ao
contrário: pessimista, desiludido, invejoso, egoísta, amedrontado diante da
solidão etc. Se o super-ego se defende contra a “libido” muito forte e vence a
necessidade oral, temos o “desistente”. Mas se na luta contra o super-ego a
“libido” é mais forte, forma-se a concupiscência.
4.2.2
O caráter anal
Além
da “libido”, no lactente e no menino pequeno manifesta-se depressa uma segunda
tendência: reter o que conseguiu possuir. Muito antes ainda de ter o lactente
consciência vemos que segura com força cada objeto que a mão tem e quanto mais
procuramos tirá-lo, tanto mais aumenta a força com que o segura. Na idade de
2-3 anos, quando o menino começa a interessar-se pelas excreções de seu corpo e
com isso a atribuir-lhes um certo valor, ânsia de conservar pode estender-se
também a esses produtos. Nessa fase deixa-se levar pelo arbítrio de dar ou não
“alguma coisa” por amor aos pais ou de conservar “tudo” para lhes causar
despeito. Considerando tais fenômenos, Freud deu o atributo de “anal” a essa
fase do desenvolvimento. Ora, tendências anais podem prolongar-se até a idade
adulta. Os homens com a fixação anal querem sempre “conservar” e não dar nunca,
trate-se de dinheiro ou de qualquer outro objeto material. Por isso são econômicos
até a avareza, obstinados até a cabeçudice. Como na sua época atribuía-se
importância excessiva à excreção, assim acontece agora com o dinheiro. Mas
também nesse caso a voz do super-ego faz-se ouvir com uma certeza obscuramente
percebida: o que fazes é “sujo”. A sujeira, porém, é afastada oportunamente
pela limpeza. Por isso as tendências anais, se subordinadas às exigências de
super-ego forte, podem mudar-se no contrário e transformar o homem numa pessoa
de consciência limpa, talvez até em fanático pela limpeza.
O
caráter do indivíduo pode formar-se, também pela influência do ego. Se o fator
dominante é o ego consciente e observador, desenvolve-se o caráter subjetivo ou
narcisista.
4.2.3
O caráter narcisista
Todo
homem possui determinada quantidade de energias psíquicas que dirige, se for
sadio, como indivíduo que age e ama os objetos do mundo exterior ou outras
pessoas; mas em certas situações da vida (sono, doença) pode reconcentrá-las em
si mesmo. Há, todavia, homens que perderam mais ou menos a faculdade de
transferir para outra pessoa a própria energia psíquica. Esta acha-se parcial
ou integralmente ligada ao ego e conservado estavelmente ocupado. Corresponde a
estado de auto-namoro e a mais ou menos acentuada falta de relações com o “tu”.
Essa estranha perda de relações Freud chama de narcisismo, de Narciso, o jovem
da mitologia grega que se enamorou da própria imagem refletida na água. No
homem narcisista sobressaem principalmente essas qualidades: predomínio do ego;
a custo se entrega a necessidades eróticas ou sociais; seu interesse supremo é
a auto-conservação; é independente e pouco tímido. Os homens desse tipo
impõem-se como “personalidade” e são idôneos para servirem de sustentáculo aos
outros, representarem o papel de cabeças, darem impulso a novos
desenvolvimentos culturais ou prejudicarem os que já existem. Os distúrbios de
caráter por parte do super-ego são, no máximo, de reação. O super-ego
defende-se contra exigências pronunciadas do id, ou já é de per si
excessivamente severo, de modo que impede até os efeitos das tendências normais
daquele.
4.2.4
O caráter obsessivo
No
caráter chamado obsessivo domina o super-ego que se separa, sob alta tensão, do
ego que tudo percebe e defende-se especialmente contra as necessidades do id,
isto é, contra as exigências do subconsciente. No tipo obsessivo é
característica a angústia de consciência. Sentimentos de culpabilidade entram
no primeiro plano, mas também indecisão, dúvida e desconfiança. Todo o ser fica
penetrado pelo auto-domínio que, às vezes, chega a bloquear totalmente os
afetos. Referem-se então todos os impulsos instintivos. Nos casos de exagero
patológico essa situação leva à neurose obsessiva.
4.2.5
O caráter histérico
Também
nesse tipo o super-ego luta contra os desejos do id. Mas, ao contrário do
caráter obsessivo, o super-ego não consegue suprimir completamente as
exigências do id, mas apenas desfigurá-las parcialmente. Verificam-se
transigências entre a exigência do id e a defesa do super-ego. O resultado é
forte necessidade de amor e medo acentuado de perdê-lo. Por isso o caráter
histérico distingue-se por faceirismo oculto ou claro, mas também por timidez e
reserva na proximidade da meta suspirada. O medo das experiências sexuais é
substituído por atividade vazia. As pessoas desse tipo são na maioria
delicadas, exageradamente corteses, de modos efeminados. Os indivíduos de ambos
os sexos apresentam inconstância afetiva e sugestionabilidade forte. As
mulheres distinguem-se especialmente pelo temperamento briguento, prepotente e
obstinado. Desde que as exigências instintivas, sufocadas pelo super-ego, não
podem chegar a satisfação adequada e, por outro lado, essas pessoas não estão
em condições de empregarem as próprias energias estagnadas em obras úteis para
serviço de fins elevados estas convertem-se em angústia, ou suscitam sintomas
físicos.
Nos
casos em que se verifica semelhante inversão dos instintos, fala-se de histerismo.
Segundo
os conceitos da psicanálise, encontramo-nos na presença de caráter são,
“normal”, quando a colaboração de todas as três instâncias psíquicas (id, ego,
super-ego) realiza-se de modo harmonioso, isto é, quando nenhuma delas toma a
primazia de modo que subjugue as outras ou suscite reações.
Só
para sermos completos e a título de informação expusemos também a
caracteriologia psicanalítica de Freud; não por querermos afirmar que esteja
certa sob todos os aspectos. Não se pode pôr em dúvida, porém, que as
experiências inconscientes da primeira infância tenham influência não só
notável, mas até decisiva para a formação do caráter humano.
4.3
Os Tipos de Caráter Segundo Carl Gustav Jung
Contrariamente
ao conceito psicanalítico do caráter, que decompõe a totalidade pessoal nos
seus elementos genéricos, C. G. Jung põe o problema de preferência do ponto de
vista da pessoa e da sua unidade, pois o homem é, como pessoa, uma unidade e
como tal essencialmente diverso de qualquer outra.
A
tese essencial de Jung afirma que o homem está entre dois pólos extremos de
conduta e aspiração, sendo que uma domina sempre e as outras, mais ou menos
atrofiadas, contêm a sua existência no subconsciente. Tal contraste exprime-se
na fórmula “interno-externo”. É determinado pela tomada de posição do homem em
relação ao seu mundo interno e externo. Um afirma mais o “interno”, outro o
“externo”, embora ambos tenham a faculdade de uma e de outra posição e ajam em
ambas as direções. Segundo a preponderância de uma ou de outra atitude
fundamental teremos o introvertido e o extrovertido.
O
tipo introvertido. No introvertido prevalece a tendência para olhar dentro de
si. Procura antes de tudo a expressão do que acontece no próprio íntimo e
atém-se ao adro que ele mesmo faz do
mundo que de maneira subjetiva, poder-se-ia dizer, à sua imagem refletida. Para
ele tem menos importância a realidade em si, do que a impressão que exerce
sobre ele. Procura o profundo e atribui importância secundária ao mundo
exterior.
O
tipo extrovertido. Para o extrovertido o desejável, como também o teatro de
atuação, está no mundo exterior. Para ele o “de fora” é mais importante que o
mundo interior psíquico-espiritual. Procura captar cada impressão. Recebe os
impulsos pela própria atividade no exterior. As tarefas estão no mundo real, é
aí que opera.
Quando
se determina o comportamento de um homem entra em jogo, como fator decisivo,
não só a posição introvertida ou extrovertida, mas também a orientação do fluxo
da própria energia psíquica. Se esta energia, está apontada para a frente, será
pilotada, por assim dizer, pelo sucesso esperado e se manifestará visivelmente
como atuação ou transformação da realidade presente; se, porém, estiver
orientada para trás, teremos regressão. É, em certo sentido, progressão
deficiente, que externamente se manifesta por atitude passiva, mas opera no
interior ativamente, enquanto, após forte dispêndio de energias no, intento de
equilibrar a tensão, serve para regenerar e conservar as forças físicas e
psíquicas, para estimular a força da imaginação, criando novas possibilidades
de progressão.
O
tipo de atitude psíquica pode, portanto, subdividir-se da seguinte maneira:
4.3.1
Tipo introvertido
Forma
progressiva. Pessoa calma porém ativa, encara de frente a realidade
intensivamente. É completamente confiante e consciencioso. Sem deixar-se
desviar e com tenacidade tende à realização das próprias idéias e ao alcance da
meta escolhida.
Forma
regressiva. Esse tipo considera a realidade muito dura e por isso retira-se
para o reino da fantasia, onde fica à vontade. Com relação ao exterior é
passivo, mas em compensação a vida íntima é mais movimentada. Alheiar-se ao
mundo e sua dificuldade de acesso são suas características. Prefere a solidão
acima de tudo e evita a sociedade humana. Na vida prática é desajeitado e
atrapalhado, e já que não pode abrir-se espontaneamente está sempre pronto para
a retirada.
4.3.2
Tipo extrovertido
Forma
progressiva. Este tipo é o verdadeiro
homem de ação, com atividade enorme, sempre trabalhador e continuamente em
movimento. Precisa de fatos, homens, relações e tarefas externas para aplicar
as forças, de preferência, a si mesmo. Suas normas se baseiam na mentalidade
geral de seus tempos. Nos casos extremos arrisca-se a perder-se totalmente no
mundo externo ou deixar-se absorver pela parte que esse mundo lhe entrega.
Forma
regressiva. Também Este tipo se orienta para o mundo externo e se conforma com
a mentalidade dele, mas não vai tão direto à meta como o extrovertido
progressivo e não corre o perigo de ser totalmente absorvido pelo ambiente;
procura mais não gastar completamente as próprias forças.
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